PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMINIOS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ASSEMBLEIA RESTRITA DE CONDÓMINOS
Sumário

I - Em empreendimento imobiliário único, constituído por vários edifícios em propriedade horizontal, podem existir vários condomínios, um por cada bloco autónomo, e, nesse contexto, existirem partes comuns adstritas ao interesse e benefício do conjunto de todos os proprietários (v.g., jardim comum, arruamentos comuns) e partes comuns adstritas ao interesse e benefício exclusivo dos proprietários das fracções que integram determinado bloco.
II - Nestas circunstâncias, competência para a administração das partes comuns, à luz do preceituado no artigo 1430º, com as adaptações que decorrem do artigo 1438º-A, ambos do Código Civil, deve reger-se pelos seguintes critérios:
i. A competência para deliberar sobre a administração das partes comuns do conjunto dos vários edifícios (aprovar contas e orçamentos atinente a despesas e receitas dessas partes comuns) pertence à assembleia do conjunto de todos os proprietários de fracções naqueles edifícios;
ii. A competência para deliberar sobre as partes comuns que estão exclusivamente afectas a cada bloco (aprovar contas e orçamentos atinente a despesas e receitas dessas outras partes comuns específicas) cabe à assembleia restrita do respectivo bloco, composta apenas pelos proprietários de fracções desse bloco.
III - Como assim, é nula a deliberação adoptada por uma assembleia restrita na parte que contenda com as receitas ou despesas das partes comuns do conjunto dos edifícios por ultrapassar o limite da sua própria competência: – administração das partes comuns que estão afectas em exclusivo a esse bloco.

Texto Integral

Processo n.º 1362/18.9T8PVZ.P1 - Apelação
Origem: Juízo Local Cível de Vila do Conde – Juiz 2
Relator: Des. Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto: Desembargador Dr. Pedro Damião e Cunha
2º Juiz Adjunto: Desembargadora Dr.ª Maria de Fátima Andrade

**
Sumário (elaborado pelo Relator):
………………………………
………………………………
………………………………
**
Acordam, em colectivo, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1. AA, instaurou a presente acção de processo contra BB, CC, DD, EE e FF, todos melhor identificados nos autos, pedindo, a final, a procedência da causa e que:
- Seja declarada nula ou anulável, nos termos dos artigos 286º, 1433º, 1 e 1438º-A do C.C., a deliberação tomada na assembleia de condóminos realizada em 27/05/2018, a que se faz referência no artigo 6º da petição inicial, mais concretamente aquela em que se deliberou a aprovação das contas inerentes ao exercício do ano de 2017, quer porque estas não têm orçamento aprovado que as suporte, quer porque tal deliberação contraria a lei sobre a administração das partes comuns do edifício (artigos 1430º a 1438º-A do C.C.), quer ainda porque exorbita, na parte em que aprova contas respeitantes também a outros condomínios, da esfera de competência da assembleia de condóminos do Bloco ....
- Seja declarada nula ou anulável, nos termos dos artigos 286º, 1433º, 1 e 1438º-A do C.C., a deliberação tomada na assembleia de condóminos realizada em 27-05-2018, a que se faz referência no mesmo artigo da petição, mais concretamente aquela em que se deliberou a aprovação do Orçamento para o ano de 2018, quer porque contraria a lei sobre a administração das partes comuns do edifício, quer porque exorbita, na parte em que inclui no orçamento receitas e despesas que respeitam também a outros condomínios, da esfera de competência da assembleia de condóminos do Bloco ....
Para tanto, alegou, em síntese, que é dono e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra I, do prédio urbano sito na Avenida ..., em Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o nº ...... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº .......
A referida fracção faz parte de um conjunto de quinze fracções autónomas, que vão da letra A à letra P e que constituem o Bloco ... do edifício atrás descrito, composto de cave, rés-do-chão e 4 andares, o último recuado, constituído em propriedade horizontal, tudo conforme descrição nº ...;
O Bloco ... é administrado desde Junho de 2008 pela firma P..., LDA, que tem vindo a administrar desde a referida data um conjunto de condomínios englobados no denominado “ Empreendimento ... ” (condomínios dos Blocos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...) que, juntamente com o condomínio do Bloco ..., detêm e usufruem de partes comuns a todos.
Em 27 de Maio de 2018 realizou-se a assembleia-geral ordinária do condomínio do Bloco ..., e o ponto n.º 1: “Apresentação e Aprovação das contas inerentes ao exercício do ano de 2017, de 01 de Janeiro de 2017 a 31 de Dezembro de 2017” e o ponto n.º 3: “Apresentação e aprovação do Orçamento previsto para o exercício de 2018” foram aprovados por maioria, com os votos contra dos condóminos das fracções “J” e “I” (este o aqui autor) e com os votos favoráveis dos demais condóminos presentes, os ora Réus.

Quer as contas do exercício de 2017 (assunto n.º 1) quer o orçamento para o ano de 2018 (assunto n.º 3) englobam algumas receitas e despesas que não são exclusivas do condomínio do Bloco ..., reunido em assembleia-geral, mas dizem respeito também a outros condomínios (os condomínios dos Blocos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...), porque são receitas e despesas que respeitam a partes comuns de todos os Blocos do “ Empreendimento ...”.
As receitas e despesas comuns a todos estes condomínios (Blocos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...) e, por isso também, comuns a todos os condóminos do referido Empreendimento, têm que ser orçamentadas e aprovadas em assembleia-geral de todos eles e não por este e/ou aquele condomínio isoladamente.
A aprovação das contas referentes ao ano de 2017 a respectiva deliberação, é não só nula pelos motivos atrás expostos, mas também anulável, porque aprovou-se algo (receitas e despesas) que não consta de qualquer orçamento devidamente aprovado.
*
2. Por despacho proferido em 16-03-2019, foi o Autor convidado a fazer intervir, do lado passivo, GG, enquanto cabeça de casal da herança de FF.
Nesta sequência, o Autor veio requerer a intervenção principal de GG, na qualidade de cabeça de casal da aludida herança.
*
3. Por decisão proferida em 08-07-2019 foi admitida a intervenção como parte principal, do lado passivo, de GG, enquanto cabeça de casal de FF (herança).
*
4. Citados os RR., apenas este último GG, naquela sua qualidade, contestou a acção, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.
*
5. Foi proferido despacho saneador tabelar, declarando a validade e regularidade da instância.
Mais, ainda, considerando o Tribunal de 1ª instância disporem os autos de todos os elementos para conhecer, desde logo, do mérito da causa, foi julgada improcedente a acção e absolvidos os RR do peticionado.
**
6. Inconformado, veio o Autor interpor recurso de apelação, em cujo âmbito ofereceu alegações e aduziu, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
………………………………
………………………………
………………………………
**
7. Não foram deduzidas contra-alegações ao recurso.
**
Foram observados os vistos legais.
Cumpre decidir.
**
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não sendo lícito a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas se mostrem de conhecimento oficioso – artigos 635º, n.º 4, 637º, n.º 2, 1ª parte e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1ª instância e ali apreciadas, sendo que a instância recursiva não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias, em função das questões convocadas pelas partes. [1]
Neste enquadramento e no seguimento de tais princípios, em função das conclusões recursivas, as questões a dirimir no recurso são as seguintes:
I. Despachos Interlocutórios;
II. Nulidade da sentença - artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC;
III. Do mérito da sentença.
**
**
III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
O Tribunal de 1ª instância considerou, desde já, provada a seguinte matéria de facto:
1. O Autor é dono e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra I, do prédio urbano sito na Avenida ..., em Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o nº ...... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº .......
2. A referida fracção faz parte de um conjunto de quinze fracções autónomas, que vão da letra A à letra P e que constituem o Bloco ... do edifício atrás descrito, composto de cave, rés-do-chão e 4 andares, o último recuado, constituído em propriedade horizontal, tudo conforme descrição nº ....
3. O Bloco ... é administrado desde Junho de 2008 pela firma P..., LDA, que tem vindo a administrar desde a referida data um conjunto de 8 blocos englobados no denominado “Empreendimento ...” (bloco ..., ..., ..., blocos ..., ..., ..., bloco ..., ..., bloco ..., bloco ..., ..., bloco ..., ...).
4. Vigora um Regulamento do Condomínio do Empreendimento “...”, dos 8 blocos que o constituem, e que consta de fls. 7 verso a 10 dos autos, prevendo no artigo 5.º, ponto 1, que “ 1. Cada condómino comparticipa obrigatoriamente nas despesas das zonas comuns, na proporção da permilagem ou percentagem que for atribuída a cada uma das fracções de que for proprietário.”
5. No dia 27 de Maio de 2018, realizou-se uma Assembleia Geral de Condóminos do Bloco ..., entrada ..., do Empreendimento “...”, em segunda convocatória, que teve, entre outros, na ordem de trabalhos o seguinte:
1. Apresentação e Aprovação das contas inerentes ao exercício ano de 2017: 01 de Janeiro de 2017 a 31 de Dezembro de 2017.
(…)
3. Apresentação e aprovação do orçamento previsto para o exercício ano 2018. (…) ”.
6. Os pontos referidos em 5 foram aprovados por maioria, com os votos contra dos condóminos das fracções “J” e “I” (este o aqui autor) e com os votos favoráveis dos demais condóminos presentes, os aqui réus.
7. A maioria dos condóminos do Bloco ... votou favoravelmente uma quota para fazer face às despesas comuns a todos os blocos.
8. Nenhuma assembleia-geral do condomínio do Bloco ... discutiu ou aprovou qualquer orçamento para o ano de 2017.
**
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
IV.I. Despachos Interlocutórios:
Segundo a sua sequência lógica, a primeira questão que importa dirimir refere-se à impugnação dos despachos interlocutórios proferidos pelo Tribunal de 1ª instância e datados de 20.12.2018 (referência n.º 399041933) e de 24.01.2019 (referência n.º 400032798), despachos esses que não merecem o acordo do recorrente e que o mesmo pretende – se bem se percebem os termos e o alcance da sua discordância – ver revertidos, de forma que seja agora, nesta instância, reconhecida ou declarada a ilegitimidade passiva de GG, enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de FF (a quem pertence a fracção L do prédio em propriedade horizontal em causa nos presentes autos) e que, nessa sua arrogada qualidade, terá votado favoravelmente as deliberações adoptadas na assembleia de condóminos realizada a 27.05.2018, deliberações essas que o Autor/Recorrente pretende, pelas razões por si aduzidas na petição inicial, ver declaradas nulas ou anuladas.
Nesta matéria, prevê o artigo 644º, n.º 3, do CPC, que as decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância (que não possam ser impugnadas autonomamente nos termos dos n.ºs 1 e 2 do mesmo normativo) podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, ou seja, no recurso de apelação de alguma decisão que deva subir imediatamente.
Em suma, neste conspecto, a lei adjectiva prevê dois regimes diversos:
1º São susceptíveis de recurso imediato as decisões que ponham termo ao processo, procedimento cautelar ou incidente autónomo (artigo 644º, n.º 1, alínea a), do CPC) e bem assim os despachos saneadores tipificados na alínea b) do mesmo n.º 1 do artigo 644º.
2º Também são susceptíveis de recurso imediato as decisões expressamente tipificadas no n.º 2 do mesmo artigo 644º.
3º Todas as demais decisões, independentemente da sua natureza, apenas podem ser impugnadas juntamente com o recurso da decisão final (n.º 3) ou, se este não existir (por não ser admissível ou por não ter sido deduzido) e se impugnação tiver interesse autónomo para a parte, em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado (n.º 4). [2]
No caso dos autos, tendo sido proferido despacho saneador que julgou improcedente a acção, absolvendo os RR dos pedidos (decisão que pôs termo à causa – n.º 1, alínea a), do artigo 644º), à partida e em termos adjectivos, não se colocariam quaisquer óbices à admissibilidade e conhecimento do recurso sobre tais decisões interlocutórias visadas pelo recorrente e a par com o recurso daquela decisão final do processo.
Mas, de facto, bem vistas as coisas e analisado o processado e os vários despachos proferidos sobre essa matéria, não é - não pode - ser assim.
Com efeito, como melhor se justificará em seguida, a conhecer-se agora do mérito ou legalidade dos citados despachos interlocutórios e na vertente da arguida (i)legitimidade passiva de GG, enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de FF e votante das deliberações em causa na presente acção, estar-se-ia a admitir a possibilidade de conhecer, de novo e eventualmente em sentido contrário, de matéria que, tendo sido expressamente conhecida pelo Tribunal de 1ª instância, foi aceite pelo ora recorrente e que, como tal, o mesmo já não pode – sob pena de entrar em absoluta contradição com a conduta por si adoptada no processo – colocar em causa, através do actual recurso.
Se não, vejamos.
O recorrente faz alusão aos despachos proferidos pelo Tribunal de 1ª instância de 20.12.2018 e de 24.01.2019, de cujo sentido decisório discorda, mas desconsidera o despacho judicial posterior àqueles, em particular o despacho de 16.03.2019 (referência n.º 401530769), despacho este que, no que ora releva, decidiu o seguinte:
No decurso das diligências com vista à citação dos réus, foi obtida informação quanto ao óbito do réu FF, em nome de quem [consta] a fracção designada pela letra “L”, tendo a deliberação sito votada com poderes de representação conferidos à administração por GG, que se veio a apurar ser cabeça-de-casal da herança.
O autor declarou desistir da acção contra o réu que faleceu.
Sustentou que a acção deve prosseguir, por a legitimidade passiva estar assegurada, porque o proprietário da fracção faleceu, ter sido indevidamente feita menção a este na acta e quem se apresentou a conferir poderes à administração não ser proprietário, apesar dessa menção na procuração.
Cumpre apreciar.
A acção de impugnação das deliberações aprovadas em assembleia de condóminos deve ser proposta contra os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, atento o disposto no art. 1433.º, n.º6, do Código Civil, atribuindo a legitimidade passiva por contraposição com a legitimidade activa dos condóminos que não a tenham aprovado (tenham votado contra, se tenham abstido ou tenham estado ausentes).
Ora, na hipótese trazida a juízo, o autor alegou na petição inicial que a deliberação foi votada favoravelmente pelos cinco condóminos réus.
Sendo certo que o último réu faleceu, quem assumiu a sua posição – tanto quanto se apurou os herdeiros – é que votou, através de representante voluntário, a deliberação. Saber se a procuração é válida, se a menção ao nome do condómino falecido em acta assume relevo, se tal inquina a deliberação é questão que releva ao nível do mérito da causa.
O certo é que quem se arroga cabeça-de-casal da herança, sendo certo que os poderes para participar numa assembleia de condóminos ordinária ainda se enquadram nos poderes de administração, conferiu uma procuração para exercer o direito de voto que cabe à fracção “L”.
Nesta medida, cumpre reconhecer que quem representa o acervo hereditário no qual se inclui a referida fracção também tem de ser demandado na acção, sob pena de preterição do litisconsórcio necessário passivo.
Assim e sob pena de absolver os réus da instância, cumpre que o autor faça intervir na acção, pelo meio processual próprio, o cabeça-de-casal da herança de FF.
Em face do exposto e de acordo com o previsto nos arts. 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, al. a), do nCPC, convida-se o autor a, no prazo de 10 dias e pelo meio processual próprio, fazer intervir na acção, pelo lado passivo, GG, enquanto cabeça-de-casal de FF.”
Resulta, pois, segundo julgamos, em termos claros, deste despacho de 16.03.2019, que o Tribunal de 1ª instância (mal ou bem, não releva para a questão que ora se decide), julgou, em primeiro lugar, que a presente acção de impugnação das deliberações aprovadas na assembleia de condóminos de 27.12.2018 instaurada pelo Autor teria de ser dirigida, em litisconsórcio necessário passivo, contra todos os condóminos que as votaram favoravelmente, neles incluindo, expressamente, GG, enquanto cabeça-de-casal da herança de FF, a quem a dita fracção pertencia e que a votou naquela sua qualidade, por meio de representante indicado ara o efeito.
Portanto, ao contrário do que parece sugerir ou sustentar o recorrente, no dito despacho de 16.03.2019, o Tribunal de 1ª instância conheceu da questão da legitimidade passiva na presente acção e tomou expressa posição quanto a tal excepção, ali afirmando, em termos inequívocos, que aquele GG, naquela sua qualidade de cabeça-de-casal, era parte legítima (em litisconsórcio necessário) juntamente com os demais RR já antes citados, enquanto votantes (em sentido favorável) das deliberações em causa.
E mais: - também ali se decidiu, na mesma lógica, que aquele GG, enquanto cabeça-de-casal da aludida herança, deveria intervir na acção, pelo meio processual próprio por forma a suprir aquele litisconsórcio necessário passivo, sob pena de, a não ser assim, vir a ser decretada a absolvição da instância dos demais RR (desacompanhados do mesmo), convidando-se, assim, nos termos do artigo 6º, n.º 2, do CPC, no mesmo despacho, o Autor (ora recorrente) a deduzir, no prazo de 10 dias, o incidente de intervenção daquele GG, do lado passivo da lide.
Ora, sendo assim, perante o dito despacho de convite à regularização subjectiva da instância, ao Autor (ora recorrente) colocavam-se duas alternativas distintas: - primeiro, aceitar aquele convite (aceitando, pois, como boas a razões invocadas no despacho de 16.03.2019 para fazer intervir na acção e como Réu, a par com os demais, o dito GG, como meio de observar o litisconsórcio necessário passivo afirmado); ou, em segundo lugar, não acatar esse convite, o que, segundo o raciocínio expressamente exposto no despacho em causa, conduziria à absolvição dos RR, por preterição do dito litisconsórcio necessário, nos termos dos artigos 33º, n.º 1, 576º, n.º 2, 577º, alínea e) e 578º, todos do CPC.
Note-se que, ao contrário do que defende o recorrente, o mesmo não estava obrigado a aceitar aquele despacho e as razões nele invocadas para efeitos de intervenção daquele GG no lado passivo da lide e a deduzir o respectivo incidente de intervenção deste último, pois que, estando em causa, um despacho de convite à regularização subjectiva da instância mediante a dedução do pertinente incidente de intervenção de terceiros, a parte a quem é dirigido esse convite não tem, necessária ou obrigatoriamente, que o acatar ou aceitar, podendo, naturalmente, discordando desse despacho e das suas razões de facto ou de direito, não aceitar esse convite, sujeitando-se, no entanto, como é bom de ver, às consequências processuais daí decorrentes e que se mostram assinaladas no despacho.
Neste sentido e a propósito da intervenção do juiz ao nível da regularização subjectiva da instância, refere Paulo Pimenta “[A] ilegitimidade plural, decorrente da violação do litisconsórcio necessário, é suprível pela intervenção em juízo dos titulares da relação controvertida que não sejam, originariamente, partes.
Esta intervenção pode ser provocada ou espontânea.
A intervenção provocada decorre de uma citação, a qual é requerida pelo autor, ou por sua própria iniciativa (n.º 1 do art. 316º), ou na sequência de convite dirigido pelo juiz para esse efeito (art. 6º, n.º 2, in fine).
Se o autor corresponder ao convite, citado o terceiro, fica respeitado o litisconsórcio necessário e sanada a ilegitimidade plural, mesmo que o chamado não pratique qualquer acto em juízo (art. 320º).
Se o autor não aquiescer ao convite, o vício fica por sanar e o réu será absolvido da instância.” [3]
Serve isto para dizer que, no caso dos autos, perante aquele despacho de 16.03.2019, o Autor (ora recorrente), entendendo – como agora se evidencia das suas alegações – que, em sentido oposto ao ali decidido, não tinha fundamento a intervenção como parte legítima (em litisconsórcio necessário passivo) daquele GG, na sua qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de FF e enquanto votante (representado) das deliberações em causa nos autos, não tinha obrigatoriamente (ao contrário do que defende) que aquiescer a esse convite e deduzir o pertinente incidente de intervenção daquele chamado, sendo certo que, não o fazendo, como devia (face à discordância manifestada nos autos e ora repetida no recurso), provocaria a prolação de subsequente despacho de absolvição da instância dos demais RR por preterição daquele litisconsórcio necessário passivo, despacho este que já seria, obviamente, susceptível de recurso nos termos do artigo 644º, n.º 1, alínea b), do CPC e no qual poderia defender, consequentemente, a sua posição quanto à ilegitimidade passiva daquele Réu GG e consequente prosseguimento dos autos sem a sua intervenção na lide.
Sucede que, apesar desta outra alternativa que se lhe apresentava, não foi essa a opção seguida pelo Autor, mas, precisamente, em sentido oposto, decidiu (sob sua responsabilidade) aceitar aquele despacho de convite à intervenção daquele Réu (chamado) GG no lado passivo da lide e, logicamente, as razões invocadas para justificar essa intervenção, requerendo expressamente, nesse contexto, através do requerimento deduzido a 1.04.2019 (referência n.º 32019907), a intervenção do mesmo naquela sua qualidade de cabeça-de-casal e votante (representado) das deliberações em causa, de forma a suprir o dito litisconsórcio necessário passivo reconhecido/declarado no despacho de 16.03.2019 – vide, por todos, os artigos 4º a 7º do aludido requerimento do ora recorrente e datado de 1.04.2019. [4]
Por conseguinte, em nosso ver, ao aceitar – como aceitou - o despacho de convite de intervenção do chamado e deduzindo, por isso, o incidente de intervenção daquele como sugerido pelo Tribunal, tal significa, logicamente, que o Autor renunciou, ainda que de forma tácita, a recorrer, não só daquele despacho de 16.03.2019, como, ainda, de todos os demais despachos que contendem com a questão atinente ao litisconsórcio necessário passivo dos RR e respectiva legitimidade, neles incluindo o chamado GG, nomeadamente, no que ora releva, dos ditos despachos interlocutórios anteriores de 20.12.2018 e de 24.01.2019, que, como deles resulta de forma clara, atinam apenas e só com aquela questão da alegada preterição do litisconsórcio necessário passivo entre os condóminos votantes das deliberações e com a intervenção na lide daquele GG, na sua qualidade de cabeça-de-casal e votante das deliberações impugnadas nos autos – cfr. artigo 632º, n.ºs 2 e 3 do CPC.
Na verdade, com o devido respeito, não pode deixar de se considerar um absoluto contra-senso, o Autor e ora recorrente aceitar o despacho de 16.03.2019 e, nesse contexto ou pressuposto, aderindo aos fundamentos nele invocados (vide os artigos 5º a 7º do requerimento do Autor de 1.04.2019), requerer a intervenção principal do dito GG por forma a suprir o litisconsórcio necessário passivo afirmado pelo Tribunal de 1ª instância e agora, em sede de recurso da decisão final, pretender, que esse mesmo interveniente (por si chamado a intervir nos autos como parte principal no lado passivo da lide e para suprir aquele litisconsórcio passivo), seja, em sentido diametral oposto ao antes decidido - e por si aceite -, julgado parte ilegítima, sendo, por isso, absolvido da instância…
Nesta perspectiva, a dedução pelo ora recorrente do incidente de intervenção na lide e do lado passivo daquele chamado GG (cuja personalidade e capacidade judiciárias são absolutamente indiscutíveis – artigos 11º, n.º 2 e 15º, ambos do CPC) na sequência do despacho de convite de 16.03.2019, sob pode equivaler, em termos tácitos, à renúncia ao recurso daquela decisão e de todas as demais que atinem com tal excepção de ilegitimidade passiva, por exprimir, em nosso ver, de forma inequívoca, ainda que indirecta, a aceitação daquela decisão e dos seus fundamentos, que não podem, logicamente, ser, de novo, esgrimidos, agora em sentido contrário, por parte do Autor e requerente desse incidente de intervenção de terceiros em causa, nem, ainda, sindicados por este Tribunal da Relação, atento o seu trânsito em julgado.
Destarte, em nosso julgamento, no que tange aos recursos interpostos dos despachos interlocutórios de 20.12.2018 e 24.01.2019, a decisão a proferir nesta instância não pode deixar de ser no sentido da rejeição dos mesmos, atenta a renúncia ao recurso que decorre da aceitação pelo recorrente do despacho de 16.03.2019 e do posterior incidente de intervenção daquele chamado por si deduzido na sequência da notificação daquele despacho, incidente que, aliás, veio a culminar com o despacho que admitiu a intervenção do mesmo chamado para efeitos de suprimento do litisconsórcio necessário passivo, despacho este datado de 8.07.2019 (referência n.º 405687552) e que também se mostra transitado em julgado, pois que dele não foi interposto recurso, como seria possível à luz do preceituado no artigo 644º, n.º 1, in fine, do CPC (“Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo (…) [a] incidente processado autonomamente”) [5]
Em conclusão, quanto às decisões interlocutórias impugnadas, rejeitam-se os respectivos recursos interpostos pelo recorrente, não conhecendo do seu objecto.
Por outro lado, ainda, neste contexto, quanto às arguidas excepções de falta de personalidade e capacidade judiciária – que só podem ter por referência o mesmo chamado GG, enquanto interveniente nos autos em litisconsórcio necessário com os demais RR, como votantes (em sentido favorável) das deliberações em causa -, julgam-se as mesmas totalmente improcedentes, em conformidade com o preceituado nos artigos 11º, n.º 1 e 15º, n.ºs 1 e 2, do CPC (e artigos 66ºe 67º, do Código Civil).
*
IV.II. Nulidades da sentença:
Em sede de nulidade do acto decisório advoga o recorrente, em primeiro lugar, a sua nulidade por omissão de pronúncia, à luz do preceituado no artigo 615º, n.º 1, alínea d), invocando, nesta matéria, que o Tribunal de 1ª instância não conheceu das excepções (de conhecimento oficioso) de falta de personalidade e capacidade judiciária e, ainda, da alegada ilegitimidade passiva do chamado/interveniente GG – vide conclusões I a XXI do recurso.
Resulta do que já se escreveu quanto ao recurso dos despachos interlocutórios – e que aqui nos escusamos a repetir – que a nulidade por omissão de pronúncia não colhe fundamento.
Com efeito, no despacho de 16.03.2019 acima referido o Tribunal de 1ª instância conheceu e tomou posição expressa quanto à questão da legitimidade passiva na presente acção de impugnação das deliberações em causa nos autos (sendo certo que a legitimidade activa do Autor não sofre dúvidas à luz do preceituado no artigo 1433º, n.º 1, do CPC), ali decidindo, nesta matéria, que o chamado GG deveria intervir nos autos a par com os demais condóminos que votaram favoravelmente aquelas deliberações, partindo do pressuposto ali afirmado que o mesmo GG, enquanto cabeça-de-casal da herança de que fazia parte a fracção L, também votou favoravelmente a dita deliberação.
Ora, neste contexto e pressuposto, sendo indiscutível, à luz do preceituado nos artigos 11º, n.º 1 e 15º, n.ºs 1 e 2, do CPC, a personalidade e capacidade judiciária do chamado GG – que nunca foi, aliás, posta em causa – e, ainda, tendo a sua intervenção nos autos sido deferida pelo despacho proferido a 8.07.2019, que se mostra transitado em julgado), tal significa que, em nosso julgamento, não ocorre, em sentido distinto do defendido pelo recorrente, qualquer nulidade por omissão de pronúncia do Tribunal de 1ª instância quanto a tais excepções de conhecimento oficioso.
A segunda nulidade invocada pelo recorrente contra o acto decisório contende com o preceituado no artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC, preceito este que prevê como causa de nulidade da decisão proferida a sua falta de fundamentação de facto e de direito.
Também esta nulidade não colhe, em nosso ver, qualquer fundamento perante o acto decisório posto em causa, sendo que a mesma não se confunde com a eventual discordância do recorrente quanto à fundamentação de facto e ou de direito invocada na decisão proferida ou, ainda, com a existência de um eventual erro de julgamento em tal decisão, seja ao nível factual, seja ao nível da subsunção jurídica realizada pelo julgador, sendo que esse erro pode conduzir à modificação da decisão mas nunca ao decretamento da sua nulidade.
Com efeito, como dá nota a doutrina, a nulidade por falta de fundamentação prevista no citado normativo apenas ocorre quando o tribunal omite totalmente na decisão os factos que estão na base do seu veredicto ou, ainda, omite totalmente as razões/fundamentos jurídicos que justificam ou enquadram a solução por si dada ao litígio. [6]
Neste sentido, como salienta Francisco Ferreira de Almeida, op. e pág. cit., “Traduz-se este vício na falta de motivação da sentença, ou seja, na falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os n.ºs 3 e 4 do artigo 607º impõem ao julgador. Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada; esta última pode afectar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, não gerando, contudo, nulidade.”
Ora, neste outro enquadramento, que temos por aplicável ao caso dos autos, basta compulsar a decisão proferida para constatar que na mesma o julgador em 1ª instância fez constar os factos que considerou provados e relevantes à decisão do litígio e fez também constar a fundamentação jurídica dessa sua decisão quanto ao mérito da causa, inexistindo, pois, a aludida nulidade por falta de fundamentação prevista no citado artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC, independentemente da eventual discordância quanto à mesma por parte do recorrente.

Neste sentido, se o recorrente pode dissentir da análise efectuada pelo Tribunal de 1ª instância perante os factos tidos por provados no acto decisório ora em crise e da sua subsunção jurídica ao quadro normativo aplicável, defendendo que a solução jurídica do litígio deveria ser outra, em especial a que o mesmo defende no recurso e que conduziria (ou deveria ter conduzido) a decisão distinta da acolhida pelo Tribunal de 1ª instância, sucede que essa sua discordância não contende com a sobredita nulidade do acto decisório por falta de fundamentação, mas com um eventual erro de julgamento cometido pelo Tribunal de 1ª instância, erro esse que pode provocar, como se referiu, a alteração/revogação da decisão pelo tribunal hierarquicamente superior e não o decretamento da sua nulidade por falta de fundamentação.
Com efeito, uma coisa é o acto decisório posto em crise não ter, de todo, fundamentação e outra, completamente distinta, é não ter a fundamentação que a parte defende que nele deveria ter sido acolhida, situando-se essa divergência ao nível do mérito da decisão e não ao nível da sua pretensa nulidade, sendo certo que, como é consabido, as causas de nulidade do acto decisório são apenas as que, de forma taxativa, se mostram previstas no artigo 615º, do CPC.
Improcede, assim, a arguida nulidade do acto decisório por falta de fundamentação para efeitos da previsão do n.º 1, alínea b), do artigo 615º, do CPC.
**
IV.III. Do mérito da sentença:
Como resulta dos autos, o Autor propôs a presente acção de impugnação de deliberações ao abrigo do preceituado no artigo 1433º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil, tendo em vista a declaração de nulidade ou anulação das deliberações aprovadas em Assembleia Geral de Condóminos do Bloco ... (integrado no conjunto de edifícios – 8 blocos - em propriedade horizontal que fazem todos parte do Empreendimento “...”) realizada a 27.05.2018, deliberações que, nos pontos postos em causa pelo Autor, aprovaram, ainda que com o seu voto contra, as contas apresentadas e relativas ao exercício do ano de 2017 (ponto 1 da ordem de trabalhos da dita Assembleia) e aprovaram o orçamento apresentado para o exercício do ano de 2018 (ponto 3 da ordem de trabalhos da mesma Assembleia).
Em termos de fundamentos de impugnação daquelas deliberações, o Autor invocou, relativamente ao ponto 1 da ordem de trabalhos (aprovação das contas relativas ao exercício do ano de 2017), que as ditas contas foram aprovadas sem prévia aprovação do orçamento relativo a esse mesmo exercício (2017) e, ainda, que essas contas englobam receitas e despesas que não são exclusivas do condomínio do Bloco ..., pois que compreendem, a esse nível, valores que dizem respeito também a outros condomínios (os condomínios dos Blocos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., ...), uma vez que essas outras despesas e receitas contendem com partes comuns a todos os ditos blocos que integram o “Empreendimento ...”.
No que tange ao ponto 3 da ordem de trabalhos (aprovação do orçamento relativo ao ano de 2018), invocou o Autor, do mesmo modo, que o dito orçamento de 2018 prevê receitas e despesas que não são exclusivas do condomínio do Bloco ... (reunido em Assembleia Geral), pois que nele se contemplam valores que dizem respeito a outros condomínios (os condomínios dos Blocos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., ...), uma vez que essas outras despesas e receitas contendem com partes comuns a todos os ditos blocos que integram aquele “Empreendimento ....”
Assim, segundo sustenta o Autor, estas receitas e despesas comuns a todos aqueles condomínios que integram o “Empreendimento ...” (..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., ...) devem ser orçamentadas e aprovadas em Assembleia Geral de todos eles (todos os condomínios) e não, como sucedeu nas deliberações em causa, por este ou aquele condomínio isoladamente, estando essa matéria (receitas e despesas comuns a todos os condomínios que integram o dito Empreendimento) fora da competência da Assembleia de um só dos condomínios, neste caso o condomínio do Bloco ..., tornando as consequentes deliberações nele aprovadas ilegais e contrárias à ordem pública – vide, por todos, os artigos 8º a 13º da petição inicial.
O Tribunal de 1ª instância veio, no entanto, a julgar improcedente a pretensão do Autor, sustentando, no essencial, que a falta de orçamento atinente ao ano de 2017 não inquinava a validade da própria deliberação de aprovação das contas atinentes a tal exercício (ponto 1 da ordem de trabalhos) e que a aprovação da quota-parte nas despesas comuns gerais pelos condóminos do Bloco ... e atinentes ao exercício do ano de 2017 e orçamentadas para o ano de 2018 se mostrava conforme com o Regulamento do Empreendimento em causa e com o disposto no artigo 1424º, do Cód. Civil, inexistindo também qualquer incompetência da respectiva Assembleia de Condóminos daquele Bloco ... para a aprovação daquela quota-parte nas despesas comuns gerais.
Cumpre, assim, conhecer de cada um dos fundamentos invocados pelo Autor e tendo por referência as duas deliberações impugnadas, ou seja, a deliberação de aprovação do ponto 1 e do ponto 3, ambos da ordem de trabalhos da Assembleia do Bloco ..., acima referido.
Importa, no entanto, em nosso ver, deixar claro algo que, em nosso ver, não se mostra devidamente explicitado na decisão recorrida, embora resulte do Regulamento do Condomínio do “Empreendimento ...”, junto aos autos e referido na factualidade provada.
O empreendimento em causa “...” é, tal como resulta do Regulamento do respectivo condomínio junto aos autos como documento n.º 2 com a petição inicial, constituído por 8 Blocos com entradas distintas e totalmente independentes ou separados entre si (..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., ...), sendo que, por razões de ordem prática e operacionalidade, cada Bloco constitui, em termos autónomos, um Condomínio (composto pelo conjunto dos proprietários das fracções de cada um dos Blocos, reunidos na respectiva Assembleia de Bloco), para além do próprio empreendimento que engloba todos os proprietários das fracções, reunidos na respectiva Assembleia do Condomínio do Empreendimento “...”, composta, como se disse, por todos os ditos proprietários de fracções nele inseridas – vide, por todos, os artigos 2º e 16º, do Regulamento do Condomínio junto aos autos.
Aliás, neste sentido, o dito Regulamento prevê a obrigatoriedade dos condóminos comparticiparem nas despesas comuns (respeitantes ao respectivo Bloco), na proporção da permilagem ou percentagem que for atribuída a cada uma das fracções de que for proprietário (artigo 5º, n.º 1), mas, ainda, a comparticipação, na devida proporção, nos benefícios e despesas relativas ao bem comum (que está na fruição de todos os condóminos do empreendimento), nomeadamente nas despesas de conservação, reparação, limpeza, adaptação, construção, manutenção do jardim, etc. (artigo 5º, n.º 5).
Isto significa, em termos práticos – e nada obsta do ponto de vista legal a que assim seja -, que cada Bloco pode, através da respectiva Assembleia (de Bloco), aprovar a sua própria administração quanto às partes e serviços comuns que lhe são exclusivamente inerentes, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir, em particular quanto às partes e serviços comuns que servem ou estão na indistinta fruição de todos os proprietários das fracções que fazem parte do empreendimento em causa.
Destarte, releva, segundo julgamos, no caso concreto dos autos – dada a particular configuração do empreendimento em causa e do previsto no Regulamento antes referido -, distinguir as despesas comuns que decorrem dos serviços atinentes em exclusivo a cada um dos ditos Blocos (v.g., despesas de água, electricidade, limpeza, elevadores, etc., das partes comuns afectas em exclusivo a cada um dos Blocos) e que, naturalmente, aproveitam apenas aos titulares das fracções inseridas nesse Bloco (v.g., Bloco ..., ..., etc.), das despesas comuns que decorrem dos serviços atinentes às partes comuns do empreendimento em si mesmo e que aproveitam ou beneficiam, de forma indistinta e geral, a todos e cada um dos titulares das fracções inseridas no empreendimento em causa (v.g. despesas de água, electricidade, limpeza, conservação/manutenção de jardins comuns, etc.).
De facto, é geralmente aceite que coexistem ou concorrem na propriedade horizontal dois direitos, sendo um sobre cada uma das fracções e outro sobre as partes comuns, aquele em propriedade exclusiva e este em contitularidade.
Neste sentido, o objecto da propriedade horizontal compõe-se da fracção autónoma e das partes comuns do edifício.
No caso em apreço, à luz do que emerge do Regulamento acima referido, temos, como se referiu, um só empreendimento imobiliário com várias fracções (que integram os oito Blocos ali previstos), partes comuns adstritas apenas e só a vários grupos de fracções (partes comuns afectas em exclusivo às fracções que compõem cada um dos Blocos acima referidos) e outras partes comuns afectas ou adstritas em conjunto a todos os proprietários de fracções inseridas no empreendimento em causa (v.g., jardins comuns).
Digamos que, na hipótese que ora se nos coloca, haverá partes comuns gerais, que são necessárias e utilizadas indistintamente por todos e cada um dos condóminos do empreendimento “...”, e partes comuns especiais que só apresentam interesse e só estão ao serviço de determinado grupo de condóminos, ou seja, dos condóminos de cada um dos citados Blocos que integram o dito empreendimento. [7]
Neste contexto e a propósito do denominado condomínio complexo (abrangido pela previsão do artigo 1438º-A, do Cód. Civil, introduzido no Código Civil pelo DL n.º 267/94, de 25.10), como referem ANA FILIPA MORAIS/RODRIGO MOREIRA, em anotação ao dito preceito legal, nesse âmbito “… é sempre necessário conciliar dois regimes de propriedade horizontal, em concreto, os aplicáveis: (i) ao condomínio do edifício fraccionado, e (ii) ao conjunto de edifícios e unidades imobiliárias, que é revelado como um todo (…) É o que pode suceder nas hipóteses caracterizadas pela existência de: (a) vários edifícios em altura constituídos em propriedade horizontal, com unidades imobiliárias autónomas que tenham uma ligação funcional (e não necessariamente em termos estruturais), assente na existência de partes comuns, bem como de (b) edifícios autónomos fraccionados e não ligados estruturalmente, mas que partilham partes comuns.”
E, ainda, a propósito da administração das partes comuns nas hipóteses de condomínio complexo, como cremos ser o caso dos presentes autos face às características que do mesmo emergem à luz do Regulamento antes referido, quanto à distribuição de competências entre as várias assembleias de condóminos (de conjunto- primeiro nível; ou restrita- segundo nível) para a administração das respectivas partes comuns, à luz do preceituado no artigo 1430º, do Cód. Civil, salientam, ainda, os mesmos Autores, os seguintes critérios ou linhas de orientação:
“– A competência para deliberar sobre as partes comuns do conjunto, que ditaram a ligação funcional convocada pelo preceito sob a anotação (artigo 1438º-A), pertence à assembleia do conjunto. (…)
- A competência para deliberar sobre as partes comuns que são exclusivamente afectadas a cada edifício fraccionado ou torre cabe à assembleia restrita de cada edifício fraccionado ou torre.” [8]
Com efeito, segundo julgamos, importa ter em consideração que o limite da actuação dos órgãos do condomínio, em particular da assembleia, se encontra nas partes comuns do edifício, deliberando a assembleia de condóminos apenas em assuntos atinentes à administração das partes comuns, como decorre do previsto no artigo 1430º, n.º 1, do Cód. Civil, na redacção anterior à Lei n.º 8/2022, de 10.01. [9]
Todavia, no caso de empreendimentos como o que ora está em causa, a referência a partes comuns deve ter presente, segundo cremos, em divergência com o decidido pelo Tribunal de 1ª instância e na esteira da posição adoptada pelos Autores antes citados, por um lado, as partes que são comuns ao conjunto de todos os edifícios (v.g., jardins comuns a todo o empreendimento e que aproveitam a todos os proprietários de fracções nele inseridos), cabendo a competência para deliberar da sua administração e das suas despesas à assembleia constituída pelo conjunto de todos os condóminos, e, por outro, as partes comuns que estão afectadas apenas e em exclusivo a cada um dos Blocos existentes, cabendo, aí sim, apenas à assembleia restrita, constituída (apenas e só) pelos proprietários das fracções desse concreto Bloco, a competência para deliberar da sua administração e, naturalmente, das suas despesas comuns específicas.

Sendo assim, em nosso ver, qualquer deliberação que ultrapasse aquela esfera de competência antes definida quanto às partes comuns é nula (por violação de norma imperativa – artigo 294º, do Cód. Civil), qual seja o citado artigo 1430º, n.º 1, do Cód. Civil, e não só anulável, não vinculando o condómino por ela afectado, que não está vinculado ao seu cumprimento. [10]
Dito isto, cumpre, pois, e, função destas considerações, conhecer dos concretos fundamentos apontados pelo Autor/recorrente contra cada uma das deliberações impugnadas, ou seja, as deliberações da Assembleia dos Condóminos do Bloco ... realizada a 27.05.2018.
Em primeiro lugar, invoca o recorrente que a deliberação de 27.05.2018 quanto ao ponto 1 da ordem de trabalhos (apresentação e aprovação das contas relativas ao ano de 2017) é inválida pois que o orçamento para esse ano (2017) não foi colocado a apreciação e aprovado pela assembleia de condóminos do Bloco ... – vide pontos 5 e 8 dos factos provados.
Nesta matéria, prevê o artigo 1431º, n.º 1, do Cód. Civil: “A assembleia reúne-se na primeira quinzena de Janeiro, mediante convocação do administrador, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano.”
Como assim, à luz do citado normativo, na primeira quinzena do ano de 2018 (e, ainda, que, no caso, a assembleia tenha tido lugar para lá da dita primeira quinzena), a assembleia deve discutir e aprovar as contas relativas ao exercício anterior (2017) e aprovar o orçamento das despesas a efectuar nesse ano (2018), em função das despesas que sejam previsíveis.
No caso dos autos, como se vê do ponto 5 dos factos provados, a assembleia deu estrito cumprimento àquele normativo pois que aprovou as contas do ano anterior (2017) e aprovou o orçamento para esse ano (2018).
É certo que não foi aprovado (no ano anterior, na primeira quinzena do ano de 2017) o orçamento daquele ano (2017), mas essa falta não inquina a deliberação ora em causa (do ano de 2018) com qualquer vício; Dito de outra forma, o vício apontado pelo Autor não resulta do conteúdo da deliberação impugnada nos presentes autos (de 27.05.2018) – que, como se disse, dá cumprimento ao comando do artigo 1431º, n.º 1 -, mas de outra a deliberação que deveria existido, qual seja a deliberação da assembleia na primeira quinzena de 2017 que, segundo o mesmo normativo, deveria ter aprovado o orçamento desse ano de 2017 e não o fez.
Ora, como se refere em caso similar no AC RE de 17.05.2012, cuja doutrina é aqui inteiramente aplicável e com a qual concordamos, a falta de apresentação e aprovação em assembleia de condóminos do orçamento do ano anterior (2017), como estabelece o artigo 1431º, n.º 1, do Cód. Civil, não obsta à aprovação das contas desse mesmo ano (2017), desde que essa aprovação decorra da maioria exigida por lei, como, no caso, sucedeu. Do mesmo modo, como também se afirma no mesmo aresto, a falta de apresentação e aprovação em assembleia das contas do ano anterior não obsta à apresentação e aprovação do orçamento do ano em curso, como decorre do citado n.º 1, do artigo 1431º. [11]
Por conseguinte, a deliberação de aprovação (em 2018) das contas relativas ao exercício de 2017, ainda que sem prévia aprovação do orçamento desse exercício (2017), não consubstancia um vício da própria deliberação impugnada de 27.05.2018, mas a falta de uma outra deliberação.
Sendo assim, não sofre a própria deliberação em causa – quanto a este primeiro fundamento – de um vício quanto ao seu próprio conteúdo que conduza à declaração da sua invalidade.
Improcede, assim, nesta parte, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida quanto a à improcedência de tal fundamento para efeitos de decretamento da invalidade da deliberação em causa.
Em segundo lugar, como acima se expôs, impugna o recorrente as duas deliberações em causa, na parte em que nas mesmas a Assembleia (restrita) de Condóminos do Bloco ... aprovou, nas contas do ano de 2017 e no orçamento de 2018, uma quota-parte (proporcional ao Bloco ... no conjunto de todos os Blocos) nas despesas e receitas gerais comuns do empreendimento “...”, atenta a alegada incompetência de tal Assembleia (restrita) para a administração dessas partes comuns e, logicamente, para a aprovação das respectivas despesas realizadas em 2017 e orçamentadas para o exercício do ano de 2018.
Ora, neste outro fundamento, em função do que já acima se expôs quanto à competência da assembleia para a administração das partes comuns gerais (isto é, as partes comuns adstritas à utilização e em benefício de todos os condóminos do conjunto dos edifícios integrados no empreendimento em causa), cremos que assiste razão ao Autor/recorrente pois que, nesta parte, a competência para a administração daquelas partes comuns gerais e, assim, para a aprovação das contas ou orçamento que contemple as receitas/despesas atinentes a tais partes comuns gerais (v.g., praças ou jardins comuns a todos os condóminos que integram o empreendimento imobiliário em causa), cabe apenas ao conjunto de todos os condóminos (dos vários Blocos) reunidos em assembleia conjunta convocada para o efeito.
Por seu turno, aos condóminos de cada um dos Blocos integrados no empreendimento, reunidos na respectiva assembleia de Bloco, cabe a administração das partes comuns afectas em exclusivo a esse Bloco e, logicamente, competência para administrar essas específicas partes comuns e, nesse âmbito, para aprovar as respectivas contas ou orçamentos.
Ora, sendo assim, como se julga, na parte em que a dita assembleia (restrita) de condóminos do Bloco ... aprovou, nas deliberações de 27.05.2028 atinentes às contas do ano de 2017 e do orçamento para o ano de 2018, valores atinentes às despesas comuns gerais (ainda que em medida proporcional ao Bloco no conjunto dos demais Blocos que integram o empreendimento), é de concluir que a mesma (apenas neste segmento) extravasou os limites da sua competência própria, pois que esta, como se referiu, abrange apenas a administração das partes comuns afectas em exclusividade a esse mesmo Bloco, não podendo ultrapassar esse limite, sob pena de, indirectamente, invadir a competência que radica na assembleia conjunta de todos os proprietários das fracções que integram o empreendimento em causa.
Note-se que não está em causa a medida da comparticipação nessas receitas/despesas e da sua proporcionalidade no conjunto de todas as fracções, nem, ainda, como parece defender-se na sentença recorrida, o dever de cada condómino comparticipar nessas despesas em função da sua fracção e da respectiva permilagem, como resulta do artigo 5º, n.º 5, do Regulamento do Condomínio, mas antes a competência da assembleia (restrita) do Bloco ... para aprovar contas ou orçamentos na parte em que neles se contemplam receitas e despesas que, sendo comuns a todos os condóminos por respeitarem as bens comuns gerais, só podem ser, na nossa leitura do regime jurídico acima exposto, aprovadas pela reunião conjunta de todos os condóminos em assembleia, ou seja, em assembleia conjunta (e não restrita) de todos condóminos do empreendimento imobiliário em causa, que, para tanto, deve ser convocada.
Procede, assim, em nosso julgamento, a apelação interposta pelo Autor/Recorrente, com a consequente revogação da sentença recorrida.
**
V. DECISÃO:
Pelos fundamentos antes expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação interposta pelo Autor, revogando a sentença recorrida e, nestes termos, declaram-se nulas as deliberações da assembleia de condóminos do Bloco ... do empreendimento “...” datadas de 27.05.2018, na parte em que as mesmas, nos seus pontos 1. e 3., aprovam, no âmbito das contas relativas ao exercício do ano de 2017 e no orçamento do ano de 2018, as receitas ou despesas comuns a todos Blocos que integram o dito empreendimento.
**
Custas pelos RR. em ambas as instâncias, pois que ficaram vencidos – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
**
Porto, 13.07.2022
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade

(O presente acórdão não segue na sua elaboração as regras do novo acordo ortográfico).
________________
[1] Vide, neste sentido, F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 154-155.
[3] PAULO PIMENTA, “Processo Civil Declarativo”, 2015, pág. 120 e 213.
[4] No requerimento em causa, o Autor e ora apelante, escreveu/alegou o seguinte:
“Artigo 5º: O que indicia ter sido este GG, na qualidade de cabeça-de-casal e como representado, quem votou as deliberações impugnadas na presente acção.
Artigo 6º: Podendo, pois, concluir-se que a relação material controvertida respeita também a este interessado na qualidade de cabeça da herança de FF, sendo o requerido portador de um interesse igual aos dos réus.
Artigo 7º: Daí a necessidade da sua intervenção no presente processo, atento o disposto no artigo 33º do CPC e 1433, 1, do CC.
[5] Vide, neste sentido, quanto à admissibilidade de apelação (autónoma) sobre a decisão final que venha a ser proferida nos incidentes de intervenção de terceiros, por todos, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 158.
[6] Vide, neste sentido, por todos, na doutrina, A. VARELA, M. BEZERRA, S. NORA, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 686-689 e FRANCISCO FERREIRA de ALMEIDA, “Direito Processual Civil”, II volume, 2015, pág. 370.
[7] Vide, neste sentido, em caso que apresenta similitude com o caso dos autos, AC RP de 1.03.2010, relatado pela Sr.ª Juíza Desembargadora Sílvia Pires, disponível in CJ, ano XXXV (2010), Tomo 2, pág. 169.
[8] ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, RODRIGO MOREIRA, “Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas”, UCE, 2021, pág. 542-544.
[9] A Lei n.º 8/2022, de 10.01, que alterou pontualmente o regime civil atinente à propriedade horizontal veio a entrar em vigor apenas 10.04.2022 (artigo 9º da mesma Lei), ou seja, já após a prolação da sentença do Tribunal de 1ª instância ora sob reapreciação – que, por isso, não a levou, obviamente em consideração - não sendo, assim, aplicável ao conhecimento do objecto destes autos de recurso, sendo que este há-de ter como enquadramento jurídico aquele que esteve subjacente à sentença proferida nos autos.
[10] Vide, neste sentido, por todos, HENRIQUE SOUSA ANTUNES, “Direitos Reais”, UCE, 2017, pág. 395-396, JOSÉ ALBERTO VIEIRA, “Direitos Reais”, 2008, pág. 737 e, ainda, AC RP de 1.03.2010, antes citado.
[11] AC RE de 17.05.2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador José Lúcio, disponível in www.dgsi.pt