INVENTÁRIO
SEGUNDA AVALIAÇÃO
BENFEITORIA
QUALIFICAÇÃO
Sumário


I. Tendo sido admitida, em processo de inventário a tramitar á luz da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, uma segunda avaliação, tem de considerar-se ser aplicável à mesma o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial e, concretamente, o disposto no art.º 488º do CPC, em cujo corpo se dispõe que “A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira….” e o disposto no art.º 485º n.º 2 do CPC, que permite às partes apresentar reclamação se entenderem que o Relatório padece de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas.
II. A reclamação ao relatório pericial está confinada às referidas situações, não cabendo nela a manifestação da discordância quanto ao mesmo e muito menos o pedido de eliminação, pelos senhores perito, de algum aspecto nele considerado e objecto de discordância, situação à qual se adequa o pedido de segunda perícia.
III. Um requerimento em que a parte manifesta a sua discordância quanto ao Relatório pericial e pede que os senhores peritos alterem o que dele consta não é susceptível de ser objecto de adequação formal (art. 547º do CPC) nem de convite ao aperfeiçoamento (arts. 6º, nº 2 e 590º, nº 2, al. b), ambos do CPC), para a “converter” em “reclamação”, atento o princípio do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes.
IV. A não admissão de tal requerimento, à luz do disposto no art.º 485º n.º 2 do CPC, não representa a violação do direito ao contraditório (art.º 3º e 415º do CPC), nem do direito à prova, nem do direito à tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP).
V. Havendo duas avaliações, caberá ao tribunal a determinação do valor da benfeitoria, apreciando livremente aquelas e outros elementos eventualmente constantes do processo ou que dele venham a constar, pertinentes para a questão em apreço, a requerimento das partes ou oficiosamente.
VI. Desde que os factos que permitem caracterizar uma realidade como benfeitoria e a sua inseparabilidade, tenham sido trazidos aos autos pelas partes, saber se a benfeitoria deve ser descrita em espécie ou como crédito é matéria de aplicação do direito aos factos, tarefa que o tribunal pode empreender oficiosamente no âmbito do saneamento do processo de inventário, tendo em vista a sua finalidade última, que é a justa e igualitária partilha, no caso, do património comum.
VII. Estando a benfeitoria implantada numa parcela de terreno que é bem próprio de um dos cônjuges e sendo a mesma inseparável dessa parcela de terreno, a mesma constitui um crédito do extinto casal sobre aquele, que terá de compensar o património comum pelo enriquecimento obtido no património próprio à custa da comunhão (art.º 1689º n.º 1 do CC).

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 07/12/2015 V. A. intentou contra P. C., no Cartório Notarial da Dr. S. B., em Ponte de Lima, Inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal, na sequência do divórcio, tendo sido nomeado cabeça de casal o requerido.

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A 18/02/2016 o cabeça de casal, aqui recorrente, veio apresentar Relação de bens, em que relacionou sob a verba n.º 1: “Benfeitorias não separáveis, compostas por casa de habitação de rés do chão e 1º andar, com três quartos, três casas de banho, uma cozinha e uma sala com superfície coberta de 200 m2 implantadas” na parcela de terreno para construção que identifica, atribuindo-lhes o valor de € 50.000,00.
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A 08/04/2016 a requerente veio reclamar dizendo, além do mais, que as benfeitorias valem, pelo menos, cerca de € 300.000,00.
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Na sequência do despacho da Exmª Senhora Notária, a 11/05/2017 veio o mesmo apresentar nova relação de bens em que o valor atribuído ás benfeitorias é de € 300.000,00.
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A 31/10/2017, na segunda sessão da “conferência preparatória”, o cabeça de casal requereu a avaliação das benfeitorias, o que foi deferido.
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A 17/05/2019 foi apresentado relatório pericial.
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A 14/10/2019 o cabeça de casal requereu a realização de segunda perícia singular.
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A 18/11/2020 foi deferida a remessa dos autos para o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo
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A 03/12/2020, foi proferido o seguinte despacho:
“ Indique perito para avaliação.
Solicite a indicação a R.te e R.do”
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A 17/12/2020 as partes indicaram perito.
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A 11/01/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“ Nomeamos perito o habitual e os indicados.
Compromisso por escrito. Prazo: dois meses.”
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Por cota de 13/01/2021 a secretaria indicou perito.
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A 08/09/2021 foi apresentado Relatório Pericial de determinação do valor das benfeitorias relacionadas sob a verba n.º 1 da Relação de bens, tendo os Sr.s Peritos concluído que o seu valor era de € 220.000,00.
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A 23/09/2021 o cabeça de casal apresentou um requerimento, denominado ”Reclamação e esclarecimentos”, com vários items, a saber:

- sob a alínea A) e a epigrafe “Questão prévia”, alega que o Relatório está instruído com fotografias a cores, mas que no Citius surgem a preto e branco; foi também instruído com documentos que estão ilegíveis, requerendo que se digne notificar o colégio de peritos para enviar aos autos a versão original do Relatório e a sua disponibilização no Citius, para, após se pronunciarem sobre a realidade documentada nas fotografias a cores, desenhos e outros documentos.
- sob a alínea B) a) e a epigrafe “Encargos financeiros (cfr. rubrica 3 de fls. 51, do relatório)” alega, em síntese, que na “rubrica n.º 3 [Encargos financeiros(Efin] de fls. 51 do Relatório, foi relevado para determinação do valor atual da benfeitoria o suposto, porém idemonstrado, custo financeiro da obra”, “a perícia realizada à predita benfeitoria teve em vista, além do mais, determinar a quantificação monetariamente traduzida do enriquecimento do Requerido por mor da implantação no seu prédio da citada construção que, obviamente, lhe incrementou o valor”, “ [d]onde decorre não haver de ser levado em conta a consideração de qualquer custo financeiro da obra já que tal custo se encontra diluído no plano prestacional atinente ao contrato de mútuo hipotecário…”, “…deverá ser eliminado o montante de € 6.409,94, inscrito na rubrica n.º 3 [Encargos financeiros(Efin] de fls. 51 do Relatório…”
- sob a alínea B) b) e epigrafe “Margem de promoção (cfr. fls. 51, item 4, do Relatório”, alega, em síntese, que “…não se vislumbra a ocorrência de quaisquer custos atinentes a “Margens de promoção”, “ …ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá, a latere, que os progenitores do requerido (…) são donos de uma empresa de promoção e mediação imobiliária”, “Não logra, pois, o requerido ora reclamante, perceber o sentido e alcance da predita rubrica “Margem de promoção”, e, “Deverá, consequentemente, do valor nela inscrito de € 22.007,44”, “Deve em consequência, ser eliminada do Relatório a rubrica “4 – margem de promoção (M)” de fls. 51 do mesmo, no montante de € 22.007,44”
- sob a alínea B) c) e a epigrafe “Encargos de comercialização (cfr. fls. 52, item 6, do Relatório)” alega que “Encontra-se inscrita na rubrica “6 - Encargos de comercialização”, de fls. 52 do Relatório, a percentagem de 5% (sobre o somatório dos montantes inscritos nas rubricas 2.1, 2.2., 3 e 4, abatido do valor da rubrica 5, de fls. 51 do Relatório)…”, “ Pelas razões aduzidas em B.-b), não logra o Requerido Reclamante alcançar a razão de ser de tal rubrica”, “….porque o que está em causa nesta Perícia é a determinação do valor atual da benfeitoria e do custo da mesma à data da sua realização entre 2009 e 2011 (…) relevando para efeitos de partilha dos bens comuns do dissolvido casal o menor de ambos os valores (…)”, “Deverá, consequentemente, ser eliminada de fls. 52 do Relatório a rubrica “6 - Encargos de comercialização” consistente na citada percentagem de 5% indevidamente estimada e considerada pelo Colégio de Peritos.”;
- sob a alínea B) d) e epigrafe “Da incorrecta determinação do custo das obras (benfeitoria) realizadas no prédio do requerido (item 2.2 de fls. 51 do Relatório)” alega que “Na rubrica “Encargos com a construção” referenciada em 2.2. de fls. 51 do Relatório pericial, o Colégio de Peritos inscreveu os seguintes montantes: - Custos com taxas e licenças (2%) (…); - Custos administrativos (3%) (…); - Custos com projetos (4%) (…); - Custos com gestão do empreendimento (3%) (…); - Custos com fiscalização (2%) (…)”, “Tudo se cifrando no montante de € 26.239,50.”, “…o custo suportado pelo dissolvido casal constituído pelos aqui Requerido e Requerente referente a encargos com a construção foi: a) Com a obtenção ode licenças, aproximadamente (…); b) Com a elaboração do projeto e fiscalização da obra (…); c) Com a certificação elétrica (Certiel) (…); d) Com a verificação/fiscalização das infraestruturas de telecomunicações (…) e) Ligação à rede de saneamento pública (…); f) Inexistem quaisquer custos administrativos para além dos supra indicados; g) Inexiste qualquer custo com a “gestão do empreendimento”, “Do confronto do somatório dos custos supra elencados com os que constam da citada rubica 2.2. de fls. 51 do Relatório, extrai-se que o Colégio de Peritos considerou a mais o montante de € 23.280,50 (€ 26.239,50 - € 2.959,00).”, “Consequentemente, deverá o montante de € 26.239,50 inscrito na rubrica 2.2. “Encargos com a construção” de fls. 51 do Relatório ser retificado em conformidade com os supra apontados custos/encargos, inscrevendo-se na rubrica 2.2. de fls. 51 do Relatório o montante de €2.959,00 em vez de € 26.239,50”.
- finalmente sob a alínea C) e com a epigrafe “Da essencialidade da correta determinação do custo total da construção da obra (benfeitoria)”, alega, em síntese, que “Na rubrica 2.1. (Custo de construção) de fls. 51 do Relatório consta o valor de € 187.425,00 (…)”, “ A tal montante somou o Colégio de Peritos o supra apontado montante de € 26.239,50”, “ O que conduziu o Colégio a determinar o custo total da obra de € 213.664,50 (cfr. rubrica 2.2. da fls. 51 do Relatório)”, “ …aquele montante de € 187.425,00 encontra-se inflacionado e sem correspondência com a realidade dos factos.”, “Porquanto tudo quanto o dissolvido casal investiu/despendeu na construção da casa de morada de família foi o montante de € 150.000,00 que lhes foi emprestado….”, “Deverá, pois, o Colégio de Peritos reanalisar os pressupostos, não discriminados, de que partiu para a determinação do citado custo de € 187.425,00, retificando-o.”, “ ….o Colégio de Peritos, de acordo com os pressupostos, a retificar, vertidos no Relatório, considerou que o custo total de realização da benfeitoria sub iudicio se cifrou em € 213.664,50.”, “Ao citado montante haverá de ser abatida a quantia de € 23.280,50 referida (…) supra bem assim como a parcela que vier a ser deduzida aqueloutro montante de € 187.425,00 (…)”, “Afigurando-se imprescindível para a boa decisão da causa, (…) o apuramento do custo de realização (construção) da casa de morada de família a que se refere a Verba nº 1 da Relação de Bens, deverá o Relatório pericial ser retificado em conformidade com a factualidade supra vertida.”
E termina pedindo seja ordenada “a notificação do Colégio de Peritos para efeitos de retificação do Relatório Pericial nos termos supra apontados em B)-a), B-b), B-c),B-d) e C).”
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A 14/10/2021 o Mmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
Pretende o cc que os Ex.os peritos rectifiquem o relatório. Estes são chamados a intervir por serem pessoas especialmente qualificadas, não sendo exigível que os resultados que apresentem coincidam com as convicções do cc e da interessada. Os valores indicados e que geram a insurgência do cc são o que os peritos têm por correctos. Não tem o tribunal qualquer fundamento para corrigir aqueles. Do relatório aproveitará o cc o que entender, sendo certo, como já exposto anos atrás, ainda no cartório, que os valores atribuídos às verbas são/serão o que cc e interessada quiserem. Foi utilizado o método de custo, foram ponderadas as áreas e o custo unitário e foram elencados encargos que, claramente, se entende que foram considerados atenta a normalidade (2%, 3%, 4%, 10% etc… do custo atribuído à construção). Os valores estão bem identificados e separados do custo da construção.
Não se atende ao solicitado pelo cc: notificar o “colégio dos peritos para … rectificação do relatório nos termos … apontados em Ba Bb Bc Bd e C.”

Pretende ainda o cc ter acesso a fotografias coloridas. Disponibilize (caso seja possível).

Pague aos Ex.os peritos.

Decorreram quatro anos desde que foi agendada a conferência, ainda no cartório. As expectativas do cc quanto ao resultado das avaliações não foram preenchidas (recorda-se que o valor da verba n.1 resulta da admissão do cc face à reclamação) e não existirá obstáculo a que se o processo avance para licitações ou consenso quanto à partilha. A dívida existente (ao banco X) não é questionada (as restantes foram excluídas) e será solicitada informação sobre o valor actualizado, após ser agendada conferência.
Solicite ao cc e à interessada indicação de data (finais de Novembro e início de Dezembro) conveniente para realização da conferência. Com o fito de: aprovação do passivo a X, repartição consensual dos bens ou licitação ou sorteio.

Resultando dos autos e da certidão que as referidas benfeitorias (verba n.1) correspondem a construção em terreno recebido pelo cc em doação, completamos o teor da descrição aditando o seguinte, logo após
verba nº 1
Dívida de P. C. ao casal, consistente em Benfeitorias não separáveis
Inscreva na relação.
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No PE consta sob as referências 47586077 e 47586096, ambas de 15/1072021, a digitalização, respectivamente das 1ª parte e 2ª partes do Relatório pericial.
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A 15/10/2021 foi o requerente notificado do despacho proferido a 14/10/2021 e da digitalização do relatório pericial.
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A 26/10/2021 veio o requerido interpor recurso do referido despacho, pedindo a sua revogação e seja ordenada a notificação da Reclamação de 23/09/2021 contra o Relatório pericial de 19/08/2021 a todos e cada um dos três Peritos que o elaboraram e subscreveram, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente Recurso interposto do Despacho proferido em 14/10/2021 que, no modesto entendimento do Recorrente, se divide em duas partes: a primeira referente ao indeferimento da Reclamação e pedido de esclarecimentos de 23/09/2021 formulada contra o Relatório da perícia colegial datado de 19/08/2021, e a segunda referente ao Saneamento do Processo e (extemporânea) calendarização da Conferência de Interessados.
B. Com exceção do segmento consistente em “Pretende ainda o cc ter acesso a fotografias coloridas. Disponibilize (caso seja possível)”, não se conforma o Recorrente com tudo quanto se encontra vertido no sobredito Despacho que, salvo melhor entendimento, enferma de diversas nulidades, nomeadamente:
a) - “Pretende o cc que os Ex.os peritos rectifiquem o relatório. Estes são chamados a intervir por serem pessoas especialmente qualificadas, não sendo exigível que os resultados que apresentem coincidam com as convicções do cc e da interessada. Os valores indicados e que geram insurgência do cc são o que os peritos têm por corretos. Não tem o tribunal qualquer fundamento para corrigir aqueles. Do relatório aproveitará o cc o que entender sendo certo, como já exposto anos atrás, ainda no cartório, que os valores atribuídos às verbas são/serão o que cc e interessada quiserem. Foi utilizado o método de custo, foram ponderadas as áreas e o custo unitário e foram elencados encargos que, claramente, se entende que foram considerados atenta a normalidade (2%, 3%, 4%, 10%, etc.... do custo atribuído à construção). Os valores estão bem identificados e separados do custo da construção.” (Negrito nosso).
“Não se atende ao solicitado pelo cc: notificar o «colégio dos peritos para ... rectificação do relatório nos termos .... apontados em Ba Bb Bc Bd e C.”
b) “As expectativas do cc quanto ao resultado das avaliações não foram preenchidas (recorda-se que o valor da verba n.1 resulta da admissão face à reclamação) e não existirá obstáculo a que se o processo avance para licitações ou consenso quanto à partilha.” (Negrito nosso).
c) “será solicitada informação sobre o valor actualizado, após ser agendada conferência.”
d) “Solicite ao cc e à interessada indicação de data (finais de Novembro e início de Dezembro) conveniente para a realização da conferência. Com o fito de: aprovação do passivo a X, repartição dos bens ou licitação ou sorteio.” (Negrito nosso).
e) “Resultando dos autos e da certidão que as referidas benfeitorias (verba n.1) correspondem a construção em terreno recebido pelo cc em doação, completamos o teor da descrição aditando o seguinte, logo após
verba nº 1
Dívida de P. C. ao casal, consistente em Benfeitorias não separáveis... Inscreva na relação.”
C. Em sede de Questão Prévia suscitada no item A) da Reclamação de 23/09/2021 apresentada contra o Relatório pericial de 19/08/2021, o aí Reclamante concluiu nos seguintes termos:
“Sem prescindir do direito a pronunciar-se sobre tais fotos e demais documentos total ou parcialmente ilegíveis, requer a V. Exa. se digne notificar o Colégio de Peritos para enviar aos autos, através de e-mail ou de outro suporte informático, a versão original do citado Relatório que deverá ser disponibilizada na plataforma citius aos mandatários das partes para, após notificação, querendo, se pronunciarem sobre a realidade documentada nas fotografias a cores, desenhos e outros documentos que, tal como avulta da notificação feita, se apresentam total ou parcialmente ilegíveis.”
D. Apreciando e decidindo a supra transcrita pretensão formulada pelo Requerido, ora Recorrente e, de resto, reiterada na epígrafe do item B) de fls. 2, da predita Reclamação, o Mmº Juiz a quo consignou no Despacho em crise que “Pretende ainda o cc ter acesso a fotografias coloridas. Disponibilize (caso seja possível)”.
E. Conjuntamente com a notificação expedida via plataforma citius em 15/10/2021 do Despacho recorrido, foi disponibilizado ao mandatário do Requerido, ora Recorrente, a versão original (a cores) do Relatório pericial de 19/08/2021, que havia sido entregue na Secretaria em 08/09/2021, com o número de entrada 3277618.
F. Atento o deferimento da supra transcrita pretensão do Requerido vertida no item B) do petitório formulado a final na Reclamação de 23/09/2021 contra o Relatório Pericial de 19/08/2021, só a partir da data de 18/09/2021, em que deve considerar-se notificado o mandatário do Requerido, haveria de iniciar-se a contagem do prazo de 10 dias (art. 149º, nº 1, do CPC) para aquele, querendo, exercer o direito ao contraditório na parte estritamente atinente às plantas, fotos aéreas e demais fotografias a cores que integram o citado Relatório da perícia colegial, designadamente fls. 5, 6, 13, 17, 18, 26, 28, 29 a 45.
G. Porém, tendo o Despacho recorrido que, além do mais, indeferiu a Reclamação formulada pelo Requerido em 23/09/2021, sido proferido em 14/10/2021, ficou o ora Recorrente coartado do legítimo direito a contraditar o sobredito Relatório pericial, ampliando o teor da Reclamação contra o mesmo apresentada em 23/09/2021 e requerendo os pertinentes esclarecimentos ao colégio de Peritos na parte atinente à factualidade documentada pelas citadas plantas e fotos.
H. Salvo melhor entendimento, é o Despacho recorrido nulo na parte em que coartou o Requerido, Recorrente do exercício do impostergável direito ao contraditório previsto nos arts. 3º, nº 3 e 415º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil e à tutela jurisdicional efetiva com assento no art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
I. De igual sorte, com a Decisão de indeferimento da Reclamação de 23/09/2021 contra o Relatório da perícia colegial de 19/08/2021, e pelas razões ínsitas no item A) [fls. 5 a 14] das Alegações que antecedem e aqui se dão por reproduzidas e integradas, bem assim como a fls. 16 a 24 das mesmas, consubstancia uma nulidade em virtude da clamorosa violação do sobredito direito ao contraditório e à produção de prova.
J. No item A) do pedido formulado a final na Reclamação de 23/09/2021 contra a Relação de Bens, o Reclamante requereu ao Tribunal a quo se dignasse “Ordenar a notificação do Colégio de Peritos para efeitos de retificação do Relatório Pericial nos termos supra apontados em B)-a), B)-b), B)-c), B)-d e C)”.
K. Extrai-se com meridiana clareza do segmento constante da parte inicial do Despacho recorrido consistente em “Pretende o cc que os Ex.os peritos retifiquem o relatório”, que ao Mmº Juiz a quo não assistiu qualquer dúvida sobre as efetivas pretensões formuladas pelo Reclamante no citado item A) da sua predita Reclamação de 23/09/2021, rectius notificação da Reclamação contra o Relatório pericial aos Senhores Peritos que integram o colégio de Peritos, não tendo, naturalmente, o Reclamante sido notificado em sede de convite ao aperfeiçoamento.
L. O segmento do Despacho recorrido consistente em “Não tem o tribunal qualquer fundamento para corrigir aqueles” encontra-se em diametral oposição/contradição com aqueloutro segmento transcrito na Conclusão que antecede.
M. Nos supracitados itens B) e C) de fls. 2 a 11 da referida Reclamação e pedido de esclarecimentos, o Reclamante, ora Recorrente, pronunciou-se de forma fundamentada e exaustiva sobre as deficiências, obscuridades e falta de fundamentação no que tange aos itens nrs. 2.1, 2.2, 3., 4. e 6. das conclusões constates de fls. 51 e 52 do Relatório pericial.
N. Ancorado na presumida especial qualificação do colégio de peritos a que alude a primeira parte do Despacho recorrido, o Mmº Juiz a quo partiu de tal premissa para da mesma extrair a suposta infalibilidade e insuscetibilidade de o mesmo cometer erros e lapsos.
O. Crê o Recorrente, com todo o respeito, que, independentemente da livre apreciação pelo Tribunal recorrido, no momento processual oportuno, do Relatório pericial como meio de prova, a incompetência funcional do mesmo não consente a apreciação e conclusão vertida no Despacho recorrido consistente em “Foi utilizado o método de custo, foram ponderadas as áreas e o custo unitário e foram elencados encargos que, claramente, se entende que foram considerados atenta a normalidade (2%, 3%, 4%, 10% etc.... do custo atribuído à construção). Os valores estão bem identificados e separados do custo da construção.”
P. A expressão “claramente, se entende que foram considerados atenta a normalidade (2%,3%, 4%, 10% etc.... do custo atribuído à construção é, com todo o respeito, uma asserção do Mmº Juiz a quo desprovida de qualquer fundamentação fática, não podendo o mesmo, em face do que dispõe o art. 485º, nº 2, do Código de Processo Civil, substituir-se ao colégio de Peritos no dever de analisarem a Reclamação formulada contra o Relatório pericial e sobre ela se pronunciarem, alterando ou não o mesmo e prestando os pertinentes esclarecimentos, nomeadamente em consequência das apontadas deficiências, obscuridades e falta ou insuficiência de fundamentação das Conclusões vertidas em 2.2., 3., 4, e 6 do mesmo.
Q. O Reclamante, aqui Recorrente, em sede da Reclamação contra o Relatório pericial, questionou o colégio de Peritos, além do mais, sobre a incorreta determinação e falta de fundamentação do custo das benfeitorias realizadas nos anos de 2009 a 2011 no prédio pertença exclusiva do Requerido [Cfr. item C) de fls. 7 a 11 da Reclamação contra o Relatório pericial] e sobre os pressupostos subjacentes à determinação do custo total dessa benfeitoria.
R. Ressalvado sempre o devido respeito por melhor entendimento, só após o colégio pericial se pronunciar sobre o teor da Reclamação contra o Relatório pericial, cuja notificação o Tribunal recorrido não ordenou, e caso hipoteticamente não concedam no que tange aos vícios que nessa Reclamação e pedido de esclarecimentos lhe são exaustivamente apontados, poderá afirmar-se que, na ótica dos Srs. Peritos “Os valores indicados e que geram a insurgência do cc são o que os peritos têm por corretos.”
S. A omissão de notificação ao colégio de Peritos da Reclamação e pedido de esclarecimentos de 23/09/2021 para sobre a mesma poder e dever, nos termos da Lei, pronunciar-se e tomar posição, viola clamorosamente o impostergável direito do Recorrente à produção de prova (art. 413º do CPC) e ao contraditório (arts. 3º, nº 3, e 415º, nº 1, ambos do CPC), sendo geradora de nulidade nos termos do disposto no art. 195º, nº 1, do Código de Processo Civil.
T. Outrossim, sendo, em termos de expressão pecuniária, o património comum do dissolvido casal constituído principalmente pelas benfeitorias a que alude a Verba nº 1 da Relação de Bens, e não sendo tais benfeitorias passíveis de licitação mas antes o custo da sua realização objeto de apuramento em sede de perícia de avaliação, afigura-se de todo incorreto e não consentido pelo Regime do Processo de Inventário para separação das meações dos ex-cônjuges, o segmento do Despacho recorrido consistente em “os valores atribuídos às verbas são/serão o que cc e interessada quiserem.”
U. Tendo-se o Requerido Reclamante insurgido contra o valor, aliás não fundamentado, inscrito no item nº 2.2 de fls.51 do Relatório pericial e afigurando-se imprescindível para a justa partilha dos bens comuns do dissolvido casal o apuramento, com o maior rigor possível, do efetivo custo das benfeitorias realizadas no prédio sua pertença, manifesto é que, qualquer alteração do citado valor afeta inevitavelmente todos os demais valores apurados, designadamente os que se encontram inscritos nos itens nrs. 3., 4., 6. (caso hipoteticamente houvesse de ser considerado) e 7.das preditas Conclusões do Relatório pericial.
V. O entendimento do Mmº Juiz a quo vertido na segunda parte do Despacho recorrido consistente em “(recorda-se que o valor da verba n.1 resulta da admissão do cc face à reclamação) e não existirá obstáculo a que se o processo avance para licitações ou consenso quanto à partilha...”), para além de desacertado em face da factualidade carreada para os autos, esvazia em absoluto de conteúdo a pertinência e valor probatório do Relatório da perícia de avaliação das benfeitorias e de determinação do custo das mesmas, reconduzindo-o à sua total inutilidade prática.
W. Tal como se extrai do alegado no item nº 32 da Reclamação de 23/09/2021 contra o Relatório pericial, o valor de €300.000,00, nunca expressamente aceite pela Requerente, Recorrida, inscrito na Verba nº 1 da Relação de Bens de 17/05/2017 resulta de manifesto lapso da então mandatária do Requerido que no mesmo incluiu o valor do terreno com a área de 13.062 m2 pertença exclusiva daquele.
X. Ademais, atenta a disciplina da norma constante do art. 1114º, nº 1, do Código de Processo Civil, parece que, a determinação em sede de perícia, nomeadamente colegial, do efetivo custo de realização das benfeitorias referidas na citada Verba nº 1 da Relação de Bens, haverá de sobrepor-se a quaisquer valores que às mesmas hajam sido atribuídos nos articulados, nomeadamente em sede de apresentação da Relação de Bens.
Y. Tal como transparece do Despacho recorrido, caso se considere definitivamente arredada a realização de Audiência Prévia nos termos do art. 1109º do Código de Processo Civil, e a consequente a possibilidade de na mesma o Requerido requerer a retificação do lapso de escrita ou de raciocínio de que enferma a citada Verba nº 1, deverá tal retificação ser oficiosamente ordenada ao abrigo do disposto no art. 547º daquele diploma legal, em função do valor efetivo do custo das benfeitorias que a perícia de avaliação sub iudicio vier a final a determinar.
Z. Salvo melhor entendimento, a segunda parte do Despacho recorrido (a partir de “Pague aos Ex.os peritos”) consubstancia o Despacho de Saneamento do processo, a que se refere o art. 1110º do Código de Processo Civil.
AA. Impõe o nº 1, alínea b) do citado artigo que o Juiz “ordena a notificação dos interessados e do Ministério Público que tenha intervenção principal para, no prazo de 20 dias, proporem a forma à partilha” e só após, nos termos do disposto no nº 2, alínea b) do mesmo preceito legal, o Mmº Juiz “designa o dia para a realização da conferência de interessados.”
BB. In casu, sem que houvesse sido ordenada ou efetivada a notificação dos Interessados para apresentarem a forma à partilha, o Mmº Juiz a quo, em manifesta violação do disposto no art. 1110º, nrs. 1, alínea b) e 2, alínea b), do Código de Processo Civil, consignou no Despacho recorrido que a Conferência de Interessados deverá realizar-se em “finais de Novembro e início de Dezembro”, o que, nos termos do art. 195º, nº 1 do citado diploma legal, inquina do vício de nulidade a Decisão vertida no supra transcrito segmento do Despacho recorrido.
CC. O Regime Jurídico do Processo de Inventário, in casu para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, e a Jurisprudência dominante, não consentem que as benfeitorias realizadas na constância do casamento no prédio pertença exclusiva do Requerido, e dele indissociáveis, venham a ser objeto de “repartição consensual” ou “licitação ou sorteio”, tal como transparece do segmento constante da segunda parte do Despacho recorrido consistente em “Solicite ao cc e à interessada indicação de data (finais de Novembro e início de Dezembro) conveniente para realização da conferência. Com o fito de: aprovação do passivo a X, repartição consensual dos bens ou licitação ou sorteio.”
DD. Ora, em linha com a Jurisprudência dominante, de entre a qual por todos citamos o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 05/02/2009 nos autos do Processo nº 9542/08-2 e do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 23/10/97 nos autos do Processo nº 422/97 (citados a fls. 8 a 11 da Reclamação contra o Relatório pericial), o valor das benfeitorias a cuja metade terá direito a ex-cônjuge ora Recorrida, haverá de ser determinado segundo as regras do enriquecimento sem causa, afigurando-se não só necessária como imprescindível a perícia de avaliação e o resultado através da mesma alcançado, com vista à determinação e fixação do custo efetivo daquelas.
EE. Admitir-se que o prédio pertença do Recorrente no qual foram realizadas as sobreditas benfeitorias está sujeito, nos presentes autos de Inventário a “repartição consensual”, “licitação ou sorteio”, equivale não só a uma intolerável restrição do (pleno) direito de propriedade (arts. 1302º e ss. dos C.C.) que a todos se impõe erga omnes, como a uma avassaladora violação do mesmo (art. 62º, nº 1, da CRP).
FF. Destarte, a estatuição consignada no sobredito segmento do Despacho recorrido, consubstancia a prática de um ato que a Lei não admite e, como tal, geradora de nulidade nos termos do citado art. 195º, nº 1, do Código de Processo Civil.
GG. Outrossim, o segmento do Despacho recorrido consistente em:
“Resultando dos autos e da certidão que as referidas benfeitorias (verba n.1) correspondem a construção em terreno recebido pelo cc em doação, completamos o teor da descrição aditando o seguinte, logo após
Verba nº1
Dívida de P. C. ao casal, consistente em Benfeitorias não separáveis..... Inscreva na relação.”
não pode, no modesto entendimento do Recorrente, ser acolhido e sufragado.
HH. Considerar-se, como considerou o Mmº Juiz a quo, que o Requerido P. C. deve ao casal implica que ele seja devedor, também, a si mesmo, o que não se concebe nem concede em face do que dispõe o art. 868º do Código Civil.
II. Encontrando-se inscritas, ainda que com a indicação errada do seu valor, no Ativo da Relação de Bens as benfeitorias realizadas no prédio pertença do Requerido na constância do seu casamento com a Requerente é, salvo melhor entendimento, quanto basta para que, apurado o valor total do Ativo e ao mesmo abatido valor do Passivo (à data da proposição da ação de divórcio) seja determinado o valor da meação da Requerente, ora Recorrida, no património comum do dissolvido casal.
JJ. Destarte, não só não vislumbra o Recorrente pertinência alguma no supra transcrito aditamento à Verba nº 1 da Relação de Bens, como se lhe afigura ser o mesmo contra legem atento, além do mais, o facto de não se encontrar inscrita na Relação de Bens nem dela dever constar, em face da factualidade carreada para os autos, o valor das benfeitorias como dívida ativa do Requerido ao património comum.
KK. Ressalvado sempre o devido respeito, o montante que, segundo as regras do enriquecimento sem causa, vier a ser apurado correspondente ao empobrecimento da Requerente referente à presumida comparticipação desta no custo suportado pelo extinto casal com a realização das benfeitorias no prédio pertença do Requerido, ao invés de ser uma dívida deste, é uma dívida do património comum, rectius benfeitorias, à Requerente.
LL. De onde decorre que, no humilde entendimento do Recorrente, a sufragar-se o supra transcrito entendimento do Mmº Juiz a quo, resultaria do ordenado aditamento à Verba nº 1 da Relação de Bens que o Requerido deveria ao extinto casal a totalidade do valor das preditas benfeitorias e, consequentemente, seria, na proporção de metade, devedor e credor de si mesmo (situação que, salvo melhor entendimento, parece não se enquadrar na norma do art. 872º do Código Civil). - Cfr. douto Acórdão do STJ proferido em 20/10/2005 nos autos do Processo nº 05B2671.
MM. A citada ordem do Mmº Juiz a quo dada à Secretaria no sentido da alteração (aditamento) da Verba nº 1 da Relação de Bens, porque desconforme com a Lei, e desta violadora, manifestamente extravasa os poderes do Tribunal recorrido consignados nos arts. 411º e 547º, ambos do Código de Processo Civil, encontrando-se inquinada do vício de nulidade nos termos do art. 195º , nº 1, do Código de Processo Civil.
NN. Salvo melhor entendimento, a norma do art. 485º, nº 3, do Código de Processo Civil, haverá de ser interpretada cum granun salis, não conferindo ao Mmº Juiz a quo, o poder arbitrário, sequer discricionário de, sem mais, maxime sem audição prévia do colégio de Peritos e ainda por cima quando se encontrava em curso o prazo para o Requerido, querendo, reclamar e pedir esclarecimentos sobre a factualidade documentada nas plantas e fotos a cores que o integram, desatender/indeferir a Reclamação formulada nos termos do nº 1 daquele artigo contra o Relatório pericial, designadamente no concernente a aspetos eminentemente técnicos, tais como aqueles a que se referem os itens nrs. 2.2 (encargos com a construção) de fls. 51 do Relatório pericial, 3. (encargos financeiros) de fls. 51 do Relatório pericial, 4. (margem de promoção), de fls. 51 do Relatório pericial, e 6. (encargos de comercialização) de fls. 52 do Relatório pericial.
OO. Sempre com o devido respeito, a apontada “normalidade” a que alude o Despacho recorrido e não se encontra, quer no mesmo, quer Relatório pericial fundamentada, não consubstancia a “normalidade” das regras por que haverá de reger-se a determinação do custo das benfeitorias e a determinação do valor destas, realizadas no prédio pertença exclusiva do Requerido Reclamante, a quem, aliás, não foi em momento algum solicitada a prova dos efetivos custos em que incorreu, nomeadamente administrativos (os quais constam do Processo Administrativo do Alvará de Licença de Construção a que os Senhores Peritos tiveram acesso na íntegra - cfr. fls. 3, in fine, do relatório pericial ), com a elaboração do projeto de arquitetura e de especialidades, etc.
PP. No que concerne ao item 2.2 das Conclusões do Relatório pericial, teve o Requerido Reclamante o cuidado de no item 25.da Reclamação contra o mesmo formulada, indicar os montantes efetivamente despendidos com “obtenção de licenças”, “elaboração de projeto e fiscalização da obra”, “certificação elétrica”, “verificação/certificação das infraestruturas de telecomunicações”, e “ligação à rede de saneamento pública”, sem que a Recorrida haja exercido o direito ao contraditório ou haja sido pelo Tribunal recorrido ordenada a junção aos autos dos respetivos comprovativos.
QQ. Tal como profusamente expendido na Reclamação de 23/09/2021 contra o Relatório pericial, não são aplicáveis ao caso vertente (benfeitorias realizadas pelo dissolvido casado em prédio pertença exclusiva do ex-cônjuge marido) os parâmetros, certamente por lapso adotados pelo colégio de peritos, a que se referem os apontados itens 2.1 (custo da construção no anos de 2009 a 2011), 2.2 (encargos com a construção), 3. (encargos financeiros), 4. (margem de promoção) e 6. (encargos de comercialização).
RR. A absoluta falta de fundamentação no Relatório pericial das razões que subjazeram à fixação das astronómicas e irreais percentagens de 2% a título da “custos com taxas e licenças”, 3% a título de “custos administrativos”, 4% a título de “custos com projetos”, 3% a título de “custos com gestão do empreendimento” e 2% a título de “custos com fiscalização” , bem ao invés do que conclui o Mmº Juiz a quo, não só não consubstancia “normalidade” alguma, como reclama e exige que o colégio de Peritos esclareça e fundamente, no caso concreto, os pressupostos que presidiram à opção (meramente aleatória e de forma totalmente desconexa da realidade fática) por tais absurdas percentagens, sobre os quais nunca o Requerido Reclamante foi ouvido ou solicitado a prestar esclarecimentos (art. 481º, nº 1, do CPC), designadamente ao colégio de Peritos.
SS. Daqui decorre, no humilde entendimento do Recorrente, a inverificação da pelo Mmº Juiz a quo apontada “normalidade” de relevantes parcelas integrantes do custo das benfeitorias objeto de avaliação, maxime as que se encontram vertida no item 2.2 e 3., do Relatório pericial, inexistindo também, e como tal devendo ser desconsideradas, as que se acham inscritas nos itens 4. e 6. das Conclusões do Relatório Pericial.
TT. A interpretação que o Tribunal recorrido faz da Lei e verteu no supra transcrito segmento do Relatório (“Do relatório aproveitará o cc o que entender, sendo certo, como já exposto anos atrás, ainda no cartório, que os valores atribuídos às verbas são/serão o que o cc e interessada quiserem“) não é consentida pela disciplina do Processo de Inventário subsequente ao divórcio na medida em que, e além do mais, as benfeitorias indissociáveis do prédio pertença do Requerido Recorrente não são passíveis, nomeadamente, de licitação ou sorteio, revestindo-se a perícia de avaliação de primacial importância para a boa e justa decisão de partilha.
UU. Uma vez realizada a perícia de avaliação (que o Tribunal recorrido, sem fundamentação alguma, e contra o pedido formulado, ordenou fosse colegial - art. 1114º, nº 3, alíneas a) e b) do CPC) às benfeitorias realizadas pelo dissolvido casal no prédio pertença exclusiva do Requerido, não pode ser a este coartado o direito de ver apreciadas e esclarecidas pelo colégio de Peritos as questões que de forma exaustiva enunciou e fundamentou na sua Reclamação contra o Relatório pericial.
VV. A coartação de tal direito, tal como se extrai do Despacho recorrido, traduz-se numa clamorosa violação do direito à produção de prova e ao contraditório, com previsão nos arts. 3º, 415º e 413º, todos do Código de Processo Civil, e da violação do direito à tutela jurisdicional efetiva com assento no art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
WW. Outrossim, ressalvado sempre o devido respeito, não concebe o Requerido que “o valor actualizado, após ser agendada a conferência”, da dívida dos ex-cônjuges ao credor hipotecário X, tenha qualquer relevância para efeitos da partilha dos bens comuns do dissolvido casal, porquanto os efeitos patrimoniais do divórcio retroagem à data da propositura da respetiva ação (art. 1789º, nº 1, do C.C.) e desde a data da separação do casal não mais contribuiu a Requerente do Inventário para a amortização da referida dívida, tal como avulta da Relação de Bens de 11/05/2017.
XX. A pelo Mmº Juiz a quo pugnada realização da Conferência de Interessados sem que se encontrem validamente resolvidas todas as questões suscetíveis de influir na partilha, nomeadamente o apuramento do efetivo custo das benfeitorias realizadas no prédio do Recorrente, será absolutamente inútil, sendo que o art. 130º do Código de Processo Civil dispõe que “não é lícito realizar no processo atos inúteis”, o que fere de nulidade o segmento do Despacho recorrido na parte atinente à designação do período durante o qual deverá realizar-se a predita Conferência, mesmo antes da notificação dos Interessados para apresentarem a forma à partilha.
YY. Com o proferimento do Despacho recorrido, o Mmº Juiz a quo interpretou e aplicou incorretamente o Direito, violando, inter alia, as seguintes normas legais e constitucionais:
a) Do Código de Processo Civil: Arts. 3º, nº 3, 6º, nº 2, 130º, 413º, 415º, 467º, 484º, nº 1, 485º, nrs. 1, 2 e 3, 547º, 1096º, nº 3, alínea c), 1098º, nº 6, 1114º, nrs. 1 e 3, 1113º, nrs. 1 e 4, 1115º, nrs. 1, 2 e 3, e 1133º, nº 1;
b) Do Código Civil: Arts. 388º, 868º, 1724º, nº 1, alínea b), 1789º, nº 1, 1302º e ss., maxime 1305º, 1306º e 1316º;
c) Da Constituição da República Portuguesa: Arts. 20º, nº 1 e 62º, nº 1.
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Não consta dos autos tenham sido apresentadas contra-alegações.
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A 10/12/2021 o Mmº Juiz a quo proferiu despacho que não admitiu o recurso.
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Apresentou o recorrente reclamação a qual foi julgada procedente por decisão desta Relação de 07/03/2021, que admitiu o recurso interposto do despacho proferido a 14/10/2021 na parte em que:

- determinou, oficiosamente, fosse completada a descrição da verba n.º 1 – benfeitorias – com o seguinte: “Dívida de P. C. ao casal, consistente em Benfeitorias não separáveis …”;
- indeferiu o requerimento do reclamante, de 23/09/2021, em que o mesmo reclama do relatório de avaliação e pediu fosse ordenada a notificação do Colégio de Peritos para efeitos de retificação do Relatório Pericial nos termos supra apontados em B)-a), B-b), B-c),B-d) e C).
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2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões – art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC.

As questões que cumpre apreciar são:
- deve ser revogado o despacho que ordenou fosse completada oficiosamente a descrição da verba n.º 1 com o seguinte: “Dívida de P. C. ao casal, consistente em Benfeitorias não separáveis …”;
- deve ser revogado o despacho que indeferiu o requerimento do reclamante, de 23/09/2021, em que o mesmo reclama do relatório de avaliação e pediu fosse ordenada a notificação do Colégio de Peritos para efeitos de retificação do Relatório Pericial nos termos supra apontados em B)-a), B-b), B-c),B-d) e C) e, em sua substituição, seja ordenada a notificação da Reclamação de 23/09/2021 contra o Relatório pericial de 19/08/2021 a todos e cada um dos três Peritos que o elaboraram e subscreveram.
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3. Fundamentação de facto

Os factos a considerar são os que constam do Relatório supra.
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4. Direito

4.1. Do enquadramento jurídico dos autos face á Lei n.º 117/19.

Como já ficou referido no Relatório, a 18/11/2020 foi deferida a remessa dos autos para o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo
A Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, que entrou em vigor a 01/01/2020 e que alterou o Código de Processo Civil, em matéria de processo executivo, recurso de revisão e processo de inventário, reintroduzindo no CPC o regime do processo de inventário (art.ºs 3º, 4º e 5º), revogou o regime jurídico do processo de inventário aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março (art.º 10º).
A referida Lei contém um conjunto de normas transitórias.
Assim, o art.º 11º n.º 1 da referida Lei dispõe que o nela disposto também se aplica aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da mesma, estejam pendentes nos cartórios notariais, mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º
No que respeita ao regime a seguir no caso de processos remetidos a tribunal, dispõe o n.º 3 do art.º 13º que é aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo nos termos dos números anteriores o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil.
Finalmente, nos termos do n.º 4, o juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial.
Destas normas decorre que os efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial se mantêm e, quanto á tramitação subsequente, aplica-se a nova Lei.
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4.2 O primeiro segmento o despacho proferido a 17/10/2021.

Cabe recordar, rapidamente, o desenvolvimento processual.
A 07/12/2015 V. A. intentou contra P. C., no Cartório Notarial da Dr. S. B., em Ponte de Lima, Inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal, na sequência do divórcio, tendo sido nomeado cabeça de casal o requerido.
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A 18/02/2016 o cabeça de casal, aqui recorrente, veio apresentar Relação de bens, em que relacionou sob a verba n.º 1: “Benfeitorias não separáveis, compostas por casa de habitação de rés do chão e 1º andar, com três quartos, três casas de banho, uma cozinha e uma sala com superfície coberta de 200 m2 implantadas” na parcela de terreno para construção que identifica, atribuindo-lhes o valor de € 50.000,00.
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A 08/04/2016 a requerente veio reclamar dizendo, além do mais, que as benfeitorias valem, pelo menos, cerca de € 300.000,00.
*
Na sequência do despacho da Exmª Senhora Notária, a 11/05/2017 veio o mesmo apresentar nova relação de bens em que o valor atribuído ás benfeitorias é de € 300.000,00.
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A 31/10/2017, na segunda sessão da “conferência preparatória”, o cabeça de casal requereu a avaliação das benfeitorias, o que foi deferido.
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A 17/05/2019 foi apresentado relatório pericial.
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A 14/10/2019 o cabeça de casal requereu a realização de segunda perícia singular.
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A 18/11/2020 foi deferida a remessa dos autos para o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo
*
A 03/12/2020, foi proferido o seguinte despacho:
“ Indique perito para avaliação.
Solicite a indicação a R.te e R.do”
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A 11/01/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“ Nomeamos perito o habitual e os indicados.
Compromisso por escrito. Prazo: dois meses.”
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A 08/09/2021 foi apresentado Relatório Pericial de determinação do valor das benfeitorias relacionadas sob a verba n.º 1 da Relação de bens, tendo os Sr.s Peritos concluído que o seu valor era de € 220.000,00.
*
A 23/09/2021 o cabeça de casal, aqui recorrente, apresentou com vários items, a saber:
- sob a alínea A) e a epigrafe “Questão prévia”, alega que o Relatório está instruído com fotografias a cores, mas que no Citius surgem a preto e branco; foi também instruído com documentos que estão ilegíveis, requerendo que se digne notificar o colégio de peritos para enviar aos autos a versão original do Relatório e a sua disponibilização no Citius, para, após se pronunciarem sobre a realidade documentada nas fotografias a cores, desenhos e outros documentos.
- sob a alínea B) a) e a epigrafe “Encargos financeiros (cfr. rubrica 3 de fls. 51, do relatório)” alega, em síntese, que na “rubrica n.º 3 [Encargos financeiros(Efin] de fls. 51 do Relatório, foi relevado para determinação do valor atual da benfeitoria o suposto, porém idemonstrado, custo financeiro da obra”, “a perícia realizada à predita benfeitoria teve em vista, além do mais, determinar a quantificação monetariamente traduzida do enriquecimento do Requerido por mor da implantação no seu prédio da citada construção que, obviamente, lhe incrementou o valor”, “ [d]onde decorre não haver de ser levado em conta a consideração de qualquer custo financeiro da obra já que tal custo se encontra diluído no plano prestacional atinente ao contrato de mútuo hipotecário…”, “…deverá ser eliminado o montante de € 6.409,94, inscrito na rubrica n.º 3 [Encargos financeiros(Efin] de fls. 51 do Relatório…”
- sob a alínea B) b) e epigrafe “Margem de promoção (cfr. fls. 51, item 4, do Relatório”, alega, em síntese, que “…não se vislumbra a ocorrência de quaisquer custos atinentes a “Margens de promoção”, “Não logra, pois, o requerido ora reclamante, perceber o sentido e alcance da predita rubrica “Margem de promoção”, e “Deve em consequência, ser eliminada do Relatório a rubrica “4 – margem de promoção (M)” de fls. 51 do mesmo, no montante de € 22.007,44”
- sob a alínea B) c) e a epigrafe “Encargos de comercialização (cfr. fls. 52, item 6, do Relatório)” alega que “Encontra-se inscrita na rubrica “6 - Encargos de comercialização”, de fls. 52 do Relatório, a percentagem de 5% (sobre o somatório dos montantes inscritos nas rubricas 2.1, 2.2., 3 e 4, abatido do valor da rubrica 5, de fls. 51 do Relatório)…”, “ Pelas razões aduzidas em B.-b), não logra o Requerido Reclamante alcançar a razão de ser de tal rubrica”, “….porque o que está em causa nesta Perícia é a determinação do valor atual da benfeitoria e do custo da mesma à data da sua realização entre 2009 e 2011 (…) relevando para efeitos de partilha dos bens comuns do dissolvido casal o menor de ambos os valores (…)”, “Deverá, consequentemente, ser eliminada de fls. 52 do Relatório a rubrica “6 - Encargos de comercialização” consistente na citada percentagem de 5% indevidamente estimada e considerada pelo Colégio de Peritos.”;
- sob a alínea B) d) e epigrafe “Da incorrecta determinação do custo das obras (benfeitoria) realizadas no prédio do requerido (item 2.2 de fls. 51 do Relatório)” alega que “Na rubrica “Encargos com a construção” referenciada em 2.2. de fls. 51 do Relatório pericial, o Colégio de Peritos inscreveu os seguintes montantes: - Custos com taxas e licenças (2%) (…); - Custos administrativos (3%) (…); - Custos com projetos (4%) (…); - Custos com gestão do empreendimento (3%) (…); - Custos com fiscalização (2%) (…)”, “Tudo se cifrando no montante de € 26.239,50.”, “…o custo suportado pelo dissolvido casal constituído pelos aqui Requerido e Requerente referente a encargos com a construção foi: a) Com a obtenção ode licenças, aproximadamente (…); b) Com a elaboração do projeto e fiscalização da obra (…); c) Com a certificação elétrica (Certiel) (…); d) Com a verificação/fiscalização das infraestruturas de telecomunicações (…) e) Ligação à rede de saneamento pública (…); f) Inexistem quaisquer custos administrativos para além dos supra indicados; g) Inexiste qualquer custo com a “gestão do empreendimento”, “Do confronto do somatório dos custos supra elencados com os que constam da citada rubica 2.2. de fls. 51 do Relatório, extrai-se que o Colégio de Peritos considerou a mais o montante de € 23.280,50 (€ 26.239,50 - € 2.959,00).”, “Consequentemente, deverá o montante de € 26.239,50 inscrito na rubrica 2.2. “Encargos com a construção” de fls. 51 do Relatório ser retificado em conformidade com os supra apontados custos/encargos, inscrevendo-se na rubrica 2.2. de fls. 51 do Relatório o montante de €2.959,00 em vez de € 26.239,50”.
- finalmente sob a alínea C) e com a epigrafe “Da essencialidade da correta determinação do custo total da construção da obra (benfeitoria)”, alega, em síntese, que “Na rubrica 2.1. (Custo de construção) de fls. 51 do Relatório consta o valor de € 187.425,00 (…)”, “ A tal montante somou o Colégio de Peritos o supra apontado montante de € 26.239,50”, “ O que conduziu o Colégio a determinar o custo total da obra de € 213.664,50 (cfr. rubrica 2.2. da fls. 51 do Relatório)”, “ …aquele montante de € 187.425,00 encontra-se inflacionado e sem correspondência com a realidade dos factos.”, “Porquanto tudo quanto o dissolvido casal investiu/despendeu na construção da casa de morada de família foi o montante de € 150.000,00 que lhes foi emprestado….”, “Deverá, pois, o Colégio de Peritos reanalisar os pressupostos, não discriminados, de que partiu para a determinação do citado custo de € 187.425,00, retificando-o.”, “ ….o Colégio de Peritos, de acordo com os pressupostos, a retificar, vertidos no Relatório, considerou que o custo total de realização da benfeitoria sub iudicio se cifrou em € 213.664,50.”, “Ao citado montante haverá de ser abatida a quantia de € 23.280,50 referida (…) supra bem assim como a parcela que vier a ser deduzida aqueloutro montante de € 187.425,00 (…)”, “Afigurando-se imprescindível para a boa decisão da causa, (…) o apuramento do custo de realização (construção) da casa de morada de família a que se refere a Verba nº 1 da Relação de Bens, deverá o Relatório pericial ser retificado em conformidade com a factualidade supra vertida.”
E termina pedindo seja ordenada “a notificação do Colégio de Peritos para efeitos de retificação do Relatório Pericial nos termos supra apontados em B)-a), B-b), B-c),B-d) e C).”
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A 14/10/2021 foi proferido despacho, em que o segmento que aqui cabe apreciar tem o seguinte teor:

a) Pretende o cc que os Ex.os peritos rectifiquem o relatório. Estes são chamados a intervir por serem pessoas especialmente qualificadas, não sendo exigível que os resultados que apresentem coincidam com as convicções do cc e da interessada. Os valores indicados e que geram a insurgência do cc são o que os peritos têm por correctos. Não tem o tribunal qualquer fundamento para corrigir aqueles. Do relatório aproveitará o cc o que entender, sendo certo, como já exposto anos atrás, ainda no cartório, que os valores atribuídos às verbas são/serão o que cc e interessada quiserem. Foi utilizado o método de custo, foram ponderadas as áreas e o custo unitário e foram elencados encargos que, claramente, se entende que foram considerados atenta a normalidade (2%, 3%, 4%, 10% etc… do custo atribuído à construção). Os valores estão bem identificados e separados do custo da construção.
Não se atende ao solicitado pelo cc: notificar o “colégio dos peritos para … rectificação do relatório nos termos … apontados em Ba Bb Bc Bd e C.”
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No que à pretensão deduzida sob alínea A) o tribunal recorrido decidiu:
Pretende ainda o cc ter acesso a fotografias coloridas. Disponibilize (caso seja possível).
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A 15/10/2021 foi digitalizado no PE o Relatório pericial e na mesma data tal digitalização foi notificada ao requerente.
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Alega o recorrente que só com a notificação efectuada a 15/10/2021 é que deve considerar-se notificado o Relatório pericial e só a partir de então se inicia a contagem do prazo de 10 dias para querendo, exercer o direito ao contraditório na parte estritamente atinente às plantas, fotos aéreas e demais fotografias a cores que integram o citado Relatório da perícia colegial, designadamente fls. 5, 6, 13, 17, 18, 26, 28, 29 a 45.

Mais alega que tendo o Despacho recorrido indeferido a Reclamação, ficou o ora Recorrente coartado do legítimo direito a contraditar o sobredito Relatório pericial, ampliando o teor da Reclamação contra o mesmo apresentada em 23/09/2021 e requerendo os pertinentes esclarecimentos ao colégio de Peritos na parte atinente à factualidade documentada pelas citadas plantas e fotos e que o mesmo é nulo, na parte em que coartou o Requerido, Recorrente do exercício do impostergável direito ao contraditório previsto nos arts. 3º, nº 3 e 415º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil e à tutela jurisdicional efetiva com assento no art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
O despacho recorrido indeferiu efectivamente a pretensão de notificação do requerimento apresentado pelo recorrente aos senhores peritos.
Mas não se pronunciou (nem tinha de se pronunciar) quanto á questão de saber se o recorrente podia, ou não, na sequência da notificação do relatório pericial digitalizado, requerer ao colégio de peritos esclarecimentos na parte atinente à factualidade documentada pelas citadas plantas e fotos porque tal questão em momento algum foi colocada no tribunal recorrido.
O recorrente é que, por si, retira aquela consequência do despacho recorrido, a qual em parte alguma está afirmada pelo tribunal recorrido.
Estamos, assim, perante uma questão absolutamente nova.
Nos recursos de reponderação, sistema que vigora em Portugal (cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 8ª edição, 147) não é concedida às partes a possibilidade de questões novas (ius novorum).
Os recursos destinam-se a permitir a reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que foram objecto de decisão e que se consideram mal decididas e não para conhecer de questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias.
Os recursos não visam criar decisões sobre questões novas, isto é, questões não suscitadas no tribunal recorrido, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido.
Ensina Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395, que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.
E Abrantes Geraldes, in Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 139, refere também que “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a apreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso, e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”
Por outro lado, cremos, é jurisprudência unânime do STJ (para uma recensão da mesma, Abrantes Geraldes, ob cit. notas 226 a 230, pág. 136-138) que os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido (a titulo exemplificativo o Ac. do STJ de 25 de Março de 2010, processo 5521/03.0TBALM.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)
O recurso ordinário consubstancia-se, pois, num pedido de reapreciação de uma decisão, não transitada em julgado, dirigido tribunal hierarquicamente superior e com fundamento na ilegalidade da decisão, visando revoga-la ou substituí-la por outra mais favorável ao recorrente. Desta forma, os recursos ordinários incidem ou têm por objecto o juízo ou julgamento realizado pelo tribunal recorrido.
Destarte, não tendo o tribunal recorrido se pronunciado quanto á questão de saber se o recorrente podia, ou não, na sequência da notificação do relatório pericial digitalizado, requerer ao colégio de peritos esclarecimentos na parte atinente à factualidade documentada pelas citadas plantas e fotos e não sendo esta uma questão de conhecimento oficioso, estamos perante uma questão nova, estando vedado a esta Relação conhecê-la.
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Alega também o recorrente que o indeferimento do requerimento por si apresentado viola o direito do Recorrente à produção de prova (art. 413º do CPC) e ao contraditório (arts. 3º, nº 3, e 415º, nº 1, ambos do CPC), sendo geradora de nulidade nos termos do disposto no art. 195º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Vejamos
O processo de inventário é um processo especial – integra o Titulo XVI do Livro V do CPC cuja epigrafe é “processos especiais”.
Dispõe o n.º 1 do art.º 549º do CPC que os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum.
Tendo em consideração que os presentes autos se iniciaram no notário, impõe-se verificar o regime jurídico então aplicável, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março.
E o art.º 47º n.º 1 dispunha que “Resolvidas as questões suscitadas que sejam suscetíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar, o notário designa dia para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados.”

E art.º 48º cuja epígrafe era “Assuntos a submeter à conferência preparatória” dispunha (sublinhado nosso):

1 - Na conferência, os interessados podem deliberar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes:
a) Designando as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados;
b) Indicando as verbas ou lotes e respetivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio pelos interessados;
c) Acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.
2 - As diligências referidas nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser precedidas de avaliação, requerida pelos interessados ou oficiosamente determinada pelo notário, destinada a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados.
A avaliação tem subjacente a discordância quanto ao valor atribuído ao bem aquando da apresentação da relação de bens.
E tem em vista a justa determinação do valor dos bens.
A primeira avaliação requerida nos autos foi ao abrigo do disposto no citado art.º 48º n.º 2.
Relativamente à segunda avaliação, foi requerida ainda quando o inventário estava pendente no notário.
Mas não foi a mesma objecto de apreciação no notário.
Após a remessa dos autos para tribunal não houve um despacho expresso a admiti-la, mas apenas implícito, como decorre dos despachos proferidos a 03/12/2020 – em que foram notificadas as partes para indicar peritos - e 17/12/2020 – em que se procedeu à nomeação de peritos, se determinou que o compromisso de honra era prestado por escrito e se fixou o prazo em dois meses.
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A admissibilidade desta segunda avaliação não é questionada no presente recurso.
À margem refira-se apenas que no domínio do regime jurídico do processo de inventário, na reforma introduzida pelo DL nº 227/94, de 8-09, o artigo 1369º do CPC dispunha que a “a avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efetuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do Código, com as necessárias adaptações”.
Com base no segmento da norma que mandava aplicar “ o preceituado na parte geral do Código”, a jurisprudência admitia uma remissão para o regime geral respeitante à prova pericial e, assim, admitia uma segunda avaliação, nos termos do artigo 589º (a titulo meramente exemplificativo, o Ac. da RC de 12-06-2012, proc. 4547/09.5T2OVR-A.C1, www.dgsi.pt/jtrc).

Como já referido, a Lei n.º 117/2019 alterou o regime jurídico do inventário, tendo a avaliação passado a estar prevista no art.º 1114º do CPC, o qual dispõe:

1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído.
2 - O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens.
3 - A avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se:
a) O juiz entender necessário, face à complexidade da diligência, a realização de perícia colegial;
b) Os interessados requererem perícia colegial e indicarem, por unanimidade, os outros dois peritos que vão realizar a avaliação dos bens.
4 - A avaliação dos bens deve ser realizada no prazo de 30 dias, salvo se o juiz considerar adequada a fixação de prazo diverso.

A norma em causa não contempla, ao contrário do que dispunha o art.º 1369º do CPC na redacção do DL nº 227/94, de 8-09, qualquer remissão para o preceituado na parte geral do Código, com as necessárias adaptações.

No entanto e reportando-se ao disposto no art.º 1114º do CPC, Miguel Teixeira de Sousa e outros, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, pág. 115, referem que à diligência de avaliação de bens é aplicável o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial (art.º 467º e segs), donde é possível deduzir que têm como aplicável o disposto no art.º 487º do CPC, que se refere à segunda perícia.
Além disso os Ac.s das Relações que se pronunciaram quanto a esta questão divergem: o Ac da RP a 04/05/2022 no processo 646/20.0T8VFR.P1 consultável in www.dgsi.pt/jtrp considerou admissível a segunda avaliação; o Ac. da RC de 10/05/2022, processo 1734/20.9T8FIG-B.C1 decidiu o contrário.
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Tendo sido admitida implicitamente a segunda avaliação, tem de considerar-se ser aplicável à mesma o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial e concretamente o disposto no art.º 488º do CPC, em cujo corpo se dispõe que “A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira….”

Colhe assim aplicação o disposto no art.º 485º n.º 2 o qual dispõe:

“Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.”

E o n.º 3 dispõe:

“ Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado.”

Haverá:
- deficiência, se o relatório não considerar todos os pontos que devia ou não os considera tão completamente como devia;
- obscuridade, se não se vislumbra o sentido de alguma passagem ou esta pode ter mais de um sentido;
- contradição entre os vários pontos focados ou entre as posições tomadas pelos peritos, sendo a perícia colegial;
- falta de fundamentação – as conclusões não estão devidamente fundamentadas (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 2ª, 3ª edição, pág. 339).

A reclamação ao relatório pericial está confinada às referidas situações.
Não cabe nela a discordância quanto ao mesmo e muito menos o pedido de alteração de algum aspecto nele considerado.

Em geral, a discordância quanto ao resultado da perícia, só pode ser actuada estando em causa uma primeira perícia e mediante o requerimento de segunda perícia – cfr. art.º 487º n.º 1 do CPC, que dispõe (sublinhado nosso):

1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.

No caso, estamos perante a realização de uma segunda avaliação/perícia pelo que se mostra esgotada a possibilidade conferida pelo art.º 487º n.º 1 do CPC.
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Apreciando agora o despacho recorrido verifica-se que o mesmo indefere o requerimento apresentado invocando razões de substância.
Salvo o devido respeito, mas tal invocação não se mostra pertinente à pretensão deduzida, a qual, como decorre do introito do requerimento apresentado, se fundava no disposto no art.º 485º do CPC.
O que se impunha, então, era verificar se a pretensão tinha cabimento á luz do disposto no referido normativo.
E é o que se impõe fazer agora.
O requerimento apreciado foi qualificado como “Reclamação e pedido de esclarecimentos”. O tribunal não está vinculado à qualificação que as partes dêem aos requerimentos que apresentem. O objecto da pretensão que se pretende deduzir há-de ser aferida em função da causa de pedir e do pedido.
Compulsados os fundamentos, em momento algum o recorrente afirma qualquer deficiência, obscuridade, contradição ou falta de fundamento no relatório pericial (com o sentido já expresso), nem pede quaisquer esclarecimentos, improcedendo assim o invocado na conclusão M.
Claramente o requerente não invoca deficiência – expressão que tem o sentido de falta, lacuna, insuficiência - porque não alega que o relatório não considera todos os pontos que devia ou não os considera tão completamente como devia; o que alega é que o Relatório considera factores de avaliação que não deviam ser considerados, ou seja, alega incorreções, desacertos, erros.
E tanto não invoca qualquer deficiência que o resultado da verificação desta é, como resulta do n.º 3 do art.º 485º do CPC, que o juiz ordene que os peritos completem o relatório, enquanto a pretensão do recorrente é que sejam eliminados determinados elementos do relatório.
O que ocorre é que o ora recorrente discorda, se insurge contra o facto de os senhores peritos terem considerado, para efeitos de apuramento do valor das benfeitorias, determinados items, o que significa que discorda dos fundamentos do Relatório para chegar ao resultado a que chegou.
E tanto assim é que - de forma coerente, diga-se - termina pedindo para os senhores peritos serem notificados para rectificar o relatório, rectificação esta que, interpretada de acordo com a fundamentação, é no sentido da eliminação daqueles items.
Mas como referido nem a discordância quanto aos fundamentos, nem o coerente pedido de rectificação/eliminação dos items impugnados estão previstas no art.º 485º n.º 2 do CPC como fundamento de reclamação (como aliás o recorrente reconhece no ponto 81 da sua motivação).
Na sua motivação alega o recorrente que “A expressão “Ordenar a notificação do Colégio de Peritos para efeitos de retificação do Relatório Pericial nos termos supra apontados em B)-a), B-b), B-c), B-d) e C)” só pode ser interpretada no sentido de ser notificada a Reclamação e pedido de esclarecimentos ao colégio de Peritos, tal como se extrai da norma do art. 485º, nº 3, do CPC”
O alegado não tem qualquer fundamento, na medida em que não tem na letra do requerimento apresentado um mínimo de correspondência verbal.
Em momento algum, na sua motivação ou no pedido deduzido, o recorrente utiliza a expressão esclarecimentos.
Por outro lado, um pedido de esclarecimentos pressupõe sejam afirmadas dúvidas, sejam suscitadas interrogações. Num pedido de esclarecimentos não há contestação directa do afirmado e, consequentemente, não se afirma que os senhores peritos deverão tomar uma determinada atitude. Coloca-se uma ou mais questões em jeito de interrogação e espera-se uma resposta. Não se diz qual a resposta que deve ser dada.
No caso e analisando os fundamentos do requerimento apresentado, em momento algum o recorrente suscita dúvidas ou coloca interrogações. O recorrente afirma que a consideração pelos Sr. Peritos de determinados items é incorrecta pelas razões que indica. É clara a contestação ao Relatório, invocando-se que os senhores peritos erraram ao considerar determinados items e patente a pretensão de que os senhores peritos actuem em determinado sentido: eliminem os items contestados.
Alega ainda o recorrente de que caso o tribunal não interpretasse o requerimento apresentado como uma pretensão de esclarecimentos, sempre haveria de proceder à adequação formal (art. 547º do CPC) ou ao convite do Reclamante ao aperfeiçoamento (arts. 6º, nº 2 e 590º, nº 2, al. b), ambos do CPC).
Esta alegação carece em absoluto de fundamento.
O art.º 547º dispõe que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Este normativo tem em vista situações em que a tramitação processual prevista na lei não é a adequada às exigências do caso concreto e pressupõe “a detecção da ineficiência e/ou da ineficácia da forma processual predisposta segundo o principio da legalidade, cabendo ao juiz decidir qual a resposta mais ajustada em face da natureza do acto, do circunstancialismo do processo ou da necessidade do ajustamento a duas ou mais pretensões que, separadamente, seguiriam formas processuais distintas”. (cfr Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, I, 2ª edição, pág. 621).
E permite ao tribunal adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, ou seja, possibilita “ a construção, em bloco, de uma tramitação alternativa, quer a adaptação de aspectos parcelares e pontuais da tramitação legal, aqui se incluindo a dispensa da prática de actos que se revelem concretamente desnecessários ou a sua substituição por outros tidos por mais adequados à especificidades da causa” ( aut. e ob cit. pág. 621).
O princípio da adequação processual não afasta o princípio do dispositivo nem o princípio da autorresponsabilidade das partes e nessa medida não pode ser invocado para corrigir ou superar as opções processuais das partes que não tenham cabimento legal.
Neste sentido refere Rui Pinto, in CPC Anotado, II, pág. 15-18, o princípio da adequação comporta limites, nomeadamente, não pode o tribunal interferir na estratégia processual delineada pelas partes.
O que o recorrente pretende é que o tribunal, á luz do disposto no art.º 547º do CPC, aceite, em clara violação da lei, um requerimento que não tem fundamento á luz do disposto no art.º 485º do CPC, violando os princípios a que está obrigado.
Como é evidente, tal pretensão não tem qualquer fundamento à luz do disposto no art.º 547º, que, como referido, não pode ser invocado para corrigir as opções processuais das partes e que conduziria à postergação do principio do dispositivo e da autorresponsabilidade daquelas.
Relativamente à prolação de despacho de aperfeiçoamento, o recorrente invoca o disposto no art.º 6º n.º 2 e 590º, n.º 2, alínea b) do CPC.
Vejamos
O art.º 6º n.º 2 do CPC dispõe que o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
E a alínea b) do n.º 2 do art.º 590º dispõe que findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: (…) b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;

E os n.ºs 3 e 4 do art.º 590º dispõem:
3- O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
No requerimento apresentado não está em causa a falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação.
O mesmo também não carece de requisitos legais. Esta locução não tem, naturalmente, em vista situações que as pretensões das partes não têm fundamento legal. Tem apenas em vista aquelas situações que implicariam a recusa da petição pela secretaria (art.º 578º), a articulação da matéria de facto (147º), a especificação separada das excepções deduzidas (art.º 572º, alínea c)) a dedução discriminada da reconvenção (art.º 583º, n.º 1) e a indicação do valor da reconvenção (art.º 583º n.º 2). Nenhuma delas se verifica no caso, pois não está em causa uma petição, contestação ou reconvenção.
A parte também não omitiu a apresentação de documento essencial.
Finalmente também não está em causa a existência de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
O que está em causa é o facto de notificado do relatório pericial, a parte ter deduzido pretensão que não tem fundamento legal.
Não é necessário nenhum esforço interpretativo para se afirmar que resulta à evidência que nenhum dos normativos supra citados permite ao tribunal dizer à parte que o requerimento apresentado não tem fundamento legal e convidá-la a apresentar o requerimento correcto.
Em tal situação o tribunal substituir-se-ia à parte, o que se traduziria numa clara violação dos princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes.
Destarte, também não tem qualquer fundamento a alegação de que no caso o tribunal devia ter proferido despacho de aperfeiçoamento.
O recorrente invoca ainda a violação do direito ao contraditório (art.º 3º e 415º do CPC), do direito à prova e do direito à tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP).
Vejamos
A CRPortuguesa, no seu art.º 20º n.º 1, garante a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)».
Mas não é suficiente a consagração legal do direito de acção e defesa. É necessário que seja assegurada uma tutela jurisdicional efectiva, princípio contido no art.º 20º da CRPortuguesa, o qual se desdobra em vários direitos, sendo um deles o direito ao processo e a um processo equitativo, como consagra o n.º 4 do art.º 20º da mesma CRP.
O direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efectiva impõe a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sob a capa de “requisitos processuais”, se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancia mais de que uma denegação de justiça. (Rui Medeiros, CRP Anotada, Universidade Católica Editora, Volume I, anotação ao art.º 20º, pág. 321).
O direito a um processo equitativo impõe, antes de mais, normas processuais que proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo. Um processo equitativo postula, por isso, a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas (aut. e ob. cit., pág. 322-323).
O direito do contraditório, em sentido amplo, implica a possibilidade de cada uma das partes poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, tendo, não só, a possibilidade de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a posição antes do tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras (Ac.s do TC n.ºs 1185/96 e 1193/96).
Ou, como afirma Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.124-125, o principio do contraditório era tradicionalmente entendido como impondo que: a) formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, devia à outra ser dada oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão; b) oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar. A esta noção substitui-se uma mais lata, com origem na garantia constitucional do rectliches Gehör germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litigio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
No que ao direito à prova diz respeito, do ponto de vista constitucional não implica a admissibilidade de todos os meios de prova em direito permitidos em qualquer tipo de processo e independentemente do objecto do litigio e não exclui em absoluto a introdução de limitações quantitativas na produção de certos meios de prova, que não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas (Rui Medeiros, ob. cit. pág. 324)
Do ponto de vista infraconstitucional o art.º 341º do CC dispõe que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, resultando do disposto no art.º 423º n.º 1 do CPC que a prova documental se destina a comprovar os fundamentos da ação ou da defesa.
Nas palavras de Alberto do Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 239, a prova “é o conjunto de operações ou actos destinados a formar a convicção do juiz sobre a verdade das afirmações feitas pelas partes”.
O direito à prova é o direito de as partes, em paridade, propor todos os meios de prova potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos essenciais, complementares ou instrumentais e de, verificadas as condições legais de admissibilidade, os ver admitidos, não podendo os mesmos ser rejeitados com base na sua irrelevância ou inutilidade, só podendo ser rejeitados com base em norma ou principio jurídico (como sucede com a não admissão de documentos impertinentes ou desnecessários – art.º 443º n.º 1 do CPC; com a não admissão da perícia impertinente ou dilatória – art.º 476º n.º 1 do CPC; com a não admissibilidade de produção de prova testemunhal nas situações previstas nos art.ºs 393º e 394º do CC; em geral, quando os factos já estejam plenamente provados por meio de prova plena – confissão, documento autêntico; quando os factos sobre os quais a parte pretenda produzir prova, beneficiar de presunção legal inilidível – art.º 350º n.º 2, parte final), não podendo o tribunal exercer, neste campo um poder discricionário.
Mas se cada uma das partes tem o direito de propor e ver admitidos os meios de prova potencialmente relevantes, a contraparte tem o direito de se pronunciar quanto à prova pré-constituída (documentos), impugnando a sua admissibilidade e força probatória e, estando em causa prova constituenda (testemunhas, perícia), é-lhe facultado impugnar a sua admissibilidade e, uma vez admitida, intervir na sua produção (para uma síntese do concreto modo do exercício do contraditório relativamente a cada um dos meios de prova, cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Coimbra Editora, 3ª Edição, anotação ao art.º 415º, pág. 218-218)
Como já referido, o legislador infraconstitucional consagrou dois meios de reação ao relatório pericial (que ainda integram o direito à prova e o direito ao contraditório e, assim, o direito à tutela jurisdicional efectiva): a) o pedido de esclarecimentos; b) estando em causa uma primeira perícia, o pedido de realização de segunda perícia.
No caso, o recorrente não requereu a prestação de esclarecimentos aos senhores peritos.
Limitou-se a manifestar a sua discordância quanto ao facto de aqueles terem considerado determinados elementos e requereu a sua eliminação do Relatório pericial.
Esta última actuação processual não encontra fundamento no disposto no art.º 485º n.º 2 do CPC, ou seja, o recorrente deduziu uma pretensão sem suporte legal, à luz da lei infraconstitucional.
Neste conspecto não está em causa qualquer violação do direito ao contraditório (art.º 3º e 415º do CPC), nem do direito à prova, nem do direito à tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP), (situações que mesmo a verificar-se nunca determinariam qualquer nulidade nos termos do art.º 195º n.º 1 do CPC, que aliás nem sequer foi invocada em 1ª instância, mas mera violação do Direito).
Antes de terminar impõe-se nota final.
No caso dos autos existem duas avaliações porque uma das partes contesta o valor porque a benfeitoria foi relacionada.
Não é possível atribuir à benfeitoria dois valores. Apenas pode ter um valor.
A questão que se coloca é a de saber a quem cabe determinar esse valor quando existem duas avaliações.
Tal questão não pode ser deixada ao acordo das partes precisamente porque há dissidio entre elas quanto a tal questão.
Colhe aplicação o disposto no art.º 489º do CPC, de acordo com o qual a segunda avaliação não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.
Assim, havendo duas avaliações, caberá ao tribunal a determinação do valor da benfeitoria (como decorre do Ac. da RP de 12/11/2019, processo 415/09.9TBPFR.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp) apreciando livremente as duas avaliações e outros elementos eventualmente constantes do processo ou que dele venham a constar, pertinentes para a questão em apreço, a requerimento das partes ou oficiosamente.
De referir que no regime do inventário implantado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, o TC, no Ac. 843/2017, de 13/12/2017, consultável in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170843.html decidiu
a) Não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, em articulação com o artigo 489.º do CPC, de acordo com a qual, no âmbito da decisão do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça de casal aos bens imóveis constantes da relação apresentada, o notário pode proceder à livre apreciação da prova pericial nos casos em que tenha sido determinada a realização de mais do que uma perícia com o mesmo objeto e aquela decisão haja sido impugnada perante o tribunal de comarca, tendo este conhecido do mérito do recurso.
Em face de tudo o exposto, não tendo o requerimento apresentada cabimento à luz do disposto no art.º 485º n.º 2 do CPC, por se limitar a manifestar a sua discordância quanto ao plasmado no relatório de avaliação e a pedir a eliminação pelos senhores peritos de determinados items do Relatório pericial, não podia o mesmo deixar de ser indeferido, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente.
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4.3 O segundo segmento o despacho proferido a 17/10/2021

A 18/02/2016 o cabeça de casal, aqui recorrente, veio apresentar Relação de bens, em que relacionou sob a verba n.º 1: “Benfeitorias não separáveis, compostas por casa de habitação de rés do chão e 1º andar, com três quartos, três casas de banho, uma cozinha e uma sala com superfície coberta de 200 m2 implantadas” na parcela de terreno para construção que identifica, atribuindo-lhes o valor de € 50.000,00.

A 17/10/2021 foi proferido despacho objecto de recurso, com o seguinte teor:
c) Resultando dos autos e da certidão que as referidas benfeitorias (verba n.1) correspondem a construção em terreno recebido pelo cc em doação, completamos o teor da descrição aditando o seguinte, logo após verba nº 1
Dívida de P. C. ao casal, consistente em Benfeitorias não separáveis …
Inscreva na relação.

Alega o recorrente, em primeiro lugar, que o tribunal recorrido, ao proferir o despacho em referência extravasou os poderes conferidos pelos art.ºs 411º e 547º do CPC, encontrando-se a decisão inquinada do vício da nulidade nos termos do art.º 195º n.º 1 do CPC.
Desde já se diga que a eventual violação do disposto no art.º 411º n.º 1 e 547º (sem prejuízo de não serem recorríveis as decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no art.º 547º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade e do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios) nunca determinaria qualquer nulidade á luz do disposto no art.º 195º n.º 1 do CPC, que, aliás, nem sequer foi invocada em 1ª instância.
Como já ficou referido, no caso de processos remetidos a tribunal, o n.º 3 do art.º 13º da Lei n.º 117/2019, de 13/09 dispõe que é aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo nos termos dos números anteriores o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil.
Em segundo lugar, cabe assinalar que o novo regime o inventário passou a assentar em fases processuais relativamente estanques (sobre esta questão Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres in O novo regime do processo de inventário e outras alterações na legislação processual civil, Almedina, 2020, pág. 8-9) e que são: a) a fase dos articulados; b) a fase de saneamento; c) a fase da partilha.

No que aos autos respeita releva a fase do “Saneamento do processo e marcação da conferência de interessados”, prevista art.º 1110º, o qual dispõe (sublinhado nosso):
1 - Depois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, o juiz profere despacho de saneamento do processo em que:
a) Resolve todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar;
b) Ordena a notificação dos interessados e do Ministério Público que tenha intervenção principal para, no prazo de 20 dias, proporem a forma da partilha.
2 - Findo o prazo estabelecido no número anterior, o juiz:
a) Profere despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados;
b) Designa o dia para a realização da conferência de interessados.
(…)

Depois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, o saneamento do processo comporta dois âmbitos:

- a preparação da partilha (art.º 1110º n.º 1 alíneas a) e b)) – em que o juiz decide todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar e ordena notificação dos interessados e do Ministério Público que tenha intervenção principal para, no prazo de 20 dias, proporem a forma da partilha;
- a preparação da conferência de interessados (art.º 1110º n.º 2, alíneas a) e b)) - em que, findo o prazo para a apresentação de propostas de forma á partilha, o juiz profere despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados, designa o dia para a realização da conferência de interessados e ordena a notificação de todos os interessados.
Relativamente às questões referidas na alínea a) – questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar – são as suscitadas oficiosamente e as controvertidas em consequência da dedução de oposição, impugnação ou reclamação que, no exercício do respectivo contraditório, tenha sido deduzida e respondida pelos interessados na oposição (art.º 1104º e 1105º do CPC) (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres in ob. cit., pág. 101).

Recorde-se que a 18/02/2016 o cabeça de casal, aqui recorrente, veio apresentar Relação de bens, em que relacionou sob a verba n.º 1:
“Benfeitorias não separáveis, compostas por casa de habitação de rés do chão e 1º andar, com três quartos, três casas de banho, uma cozinha e uma sala com superfície coberta de 200 m2 implantadas” na parcela de terreno para construção que identifica e com o valor que indica.
Nenhuma das partes coloca em causa a referida
Estava então em vigor o RJPI aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março.
O seu art.º 2º n.º 3 dispunha que o inventário podia, ainda, destinar-se, nos termos previstos nos artigos 79.º a 81.º, à partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges.
E o art.º 79º relativo ao inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, dispunha no seu n.º 3 que o inventário segue os termos prescritos nas secções e subsecções anteriores,

Em face deste último normativo era aplicável o disposto no n.º 5 do art.º 25º, com o seguinte teor:
5 - As benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário.
O RJPI aprovado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, veio dispor no art.º 1082º do CPC que o inventário cumpre diversas funções, entre as quais a partilha dos bens comuns do casal, nomeadamente na sequência do divórcio dos cônjuges (art.º 1083º alínea d) do CPC).
E nos termos do art.º 1084º n.º 2, a este inventário aplica-se o disposto nos artigos 1133º e 1134º e em tudo o que não estiver especificamente regulado, o regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária.

Dispõem o n.º 6 do art.º 1098º do CPC:
6 - As benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se, sem detrimento, do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário.
Não há, assim diferença entre os dois regimes no que à descrição das benfeitorias diz respeito.
Saber se as benfeitorias pertencentes ao extinto casal são descritas em espécie ou como crédito, é questão que se situa no âmbito da “determinação dos bens a partilhar”, locução que abrange, não apenas a de saber se determinado bem integra ou não o património a partilhar, mas também a cabal caracterização do bem, a forma, exacta e precisa, como o mesmo deve ser descrito.
A questão que se coloca é a de saber se o tribunal pode conhecer oficiosamente da referida questão, ou seja, saber se as benfeitorias pertencentes ao extinto casal são descritas em espécie ou como crédito.
Para que as benfeitorias sejam descritas em espécie ou como crédito (o que constitui matéria de direito, que o tribunal conhece oficiosamente – art.º 5º n.º 3 do CPC) são necessários factos relativos á caracterização como benfeitoria (constitui entendimento jurisprudencial dominante que a construção pelos cônjuges casados em comunhão de adquiridos de um prédio urbano em terreno de um só deles deve ser considerado uma benfeitoria, pelo que são factos relevantes o casamento sem convenção antenupcial, a construção pelos então cônjuges de um prédio urbano em terreno que constitui bem próprio de um deles) e á inseparabilidade ou não.
Desde que tais factos tenham sido trazidos aos autos pelas partes, seja em algum articulado, seja através dos elementos documentais, a questão de saber se a benfeitoria deve ser descrita em espécie ou como crédito é matéria de aplicação do direito aos factos, tarefa que o tribunal pode empreender oficiosamente no âmbito do saneamento do processo de inventário, tendo em vista a sua finalidade última e que é a justa e igualitária partilha, no caso, do património comum.
É que estando a benfeitoria implantada numa parcela de terreno que é bem próprio de um dos cônjuges e sendo a mesma inseparável dessa parcela de terreno, a mesma constitui um crédito do extinto casal sobre aquele, que terá de compensar o património comum pelo enriquecimento obtido no património próprio à custa da comunhão (art.º 1689º n.º 1 do CC).

Não são convocáveis para a questão em apreço o disposto:
- no art.º 411º do CPC – Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. – porque o despacho recorrido não omite nem diligencia pela realização de quaisquer diligência probatória;
- no art.º 547º do CPC - O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo. – porque o despacho recorrido não realiza qualquer adequação processual.

A segunda questão é a de saber se a decisão do tribunal se compagina com o disposto no art.º 1098º n.º 6 do CPC, ou seja, se em substância se mostra conforme com o ali disposto.
As partes, ao longo do processo, não colocaram em causa o facto de a casa de habitação de rés do chão e 1º andar, com três quartos, três casas de banho, uma cozinha e uma sala com superfície coberta de 200 m2 implantadas” na parcela de terreno para construção que identifica, ter sido construída pelos ex-cônjuges.
Nem tal vem impugnado neste recurso.
E assim sendo a referida benfeitoria (em rigor, o seu valor) deve ser considerado bem comum do extinto casal por corresponder a bem adquirido onerosamente pelos cônjuges na constância do casamento, não estando o mesmo exceptuado da comunhão por lei (cfr. art.º 1724º alínea b) do CC).
Também não colocam em causa o facto de a mesma ter sido implantada numa parcela de terreno que foi doada ao cabeça de casal, aqui recorrente (cfr. aliás Escritura pública de partilha e doação de 19/12/2007, junta pelo Cabeça de casal, aqui recorrente, com a Relação de bens, a qual foi apresentada nos autos a 18/02/2016).
Nem tal vem impugnado neste recurso.
Também não está questionado nos autos que requerente e requerido casaram em 2007, sem convenção antenupcial.
Assim é aplicável o regime da comunhão de adquiridos (art.º 1717º do CC), pelo que a parcela de terreno em causa é bem próprio do requerido, aqui recorrente (cfr. art.º 1722º n.º 1, alínea b) do CC).
Em face de tudo o exposto, é aplicável ao caso o disposto na parte final do n.º 1 do art.º 1098º do CPC e, deste modo, a benfeitoria (em rigor será o respectivo valor) em causa deve ser descrita como crédito do extinto casal (e não como equivocadamente refere o recorrente na sua conclusão KK) uma dívida do património comum…).
A existência de um crédito pressupõe um devedor.
Estando a benfeitoria implantada numa parcela de terreno que é bem próprio do requerido/cabeça de casal/recorrente e sendo a mesma inseparável dessa parcela de terreno, aquele terá de compensar o património comum pelo enriquecimento obtido no património próprio à custa da comunhão (art.º 1689º n.º 1 do CC), pelo que contraparte/devedor será o requerido/cabeça de casal/recorrente.
No despacho recorrido o tribunal a quo, considerando que resultava dos autos e da certidão junta, que as referidas benfeitorias (verba n.1) correspondem a construção em terreno recebido pelo cabeça de casal em doação, determinou se completasse a descrição do seguinte modo: ”logo após verba nº 1 Dívida de P. C. ao casal, consistente em Benfeitorias não separáveis…”
Tendo em consideração a qualificação legal, o que devia ter sido acrescentado era: “Crédito do extinto casal sobre o Cabeça de casal….”.
Foram, assim, invertidos os termos dessa qualificação.
Assim e ainda que do ponto de vista da substância, o significado seja similar, por uma questão de rigor impõe-se que a referida qualificação se adeque aos termos legais.
Neste conspecto a decisão recorrida deve ser alterada, de forma que ”logo após verba nº 1” a locução a acrescentar é: “Crédito do extinto casal sobre o Cabeça de casal consistente em Benfeitorias não separáveis…”
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5. Decisão

Em face de tudo o exposto:
- julga-se improcedente o recurso interposto do segmento do despacho proferido 14/10/2021 que indeferiu o requerimento do reclamante, de 23/09/2021, em que o mesmo reclama do relatório de avaliação e pediu fosse ordenada a notificação do Colégio de Peritos para efeitos de retificação do Relatório Pericial nos termos supra apontados em B)-a), B-b), B-c),B-d) e C);
- julga-se parcialmente procedente o recurso interposto do segmento do despacho proferido 14/10/2021 que determinou, oficiosamente, fosse completada a descrição da verba n.º 1 – benfeitorias – com o seguinte: “Dívida de P. C. ao casal, consistente em Benfeitorias não separáveis …”, alterando o mesmo e determinando que logo após verba nº 1” seja acrescentado: “Crédito do extinto casal sobre o Cabeça de casal consistente em Benfeitorias não separáveis…”
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Custas pelo recorrente – art.º 527º n.º 1 do CPC
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Notifique-se
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Guimarães, 13/07/2022
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Juiz Desembargador Relator
- José Carlos Pereira Duarte
Juízes Desembargadores Adjuntos
- José Fernando Cardoso Amaral (com Declaração de voto)
- Eduardo José Oliveira Azevedo

Declaração de voto

Subscrevi o decidido no pressuposto de que o consenso das partes se cristalizou em torno do entendimento sobre a qualificação como benfeitorias da construção da casa pelo casal levada a cabo no imóvel próprio de um dos cônjuges e que o objecto do recurso não envolve a questão nem contende com tal solução nem, portanto, com o entendimento seguido e por mim subscrito no Acórdão desta Relação de 18-05-2017, no processo 387/15.0T8FAF.G1, que relatei.

José Fernando Cardoso Amaral