IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CARTA DE RESOLUÇÃO
ÂMBITO FÁCTICO
Sumário

I – A declaração de resolução em benefício da massa insolvente tem que ser fundamentada com a indicação dos factos concretos que a motivaram – embora sem se exijir a exaustiva indicação de todos os factos que a justificam –, implicando a inexistência de tal fundamentação a procedência da impugnação que lhe venha a ser deduzida.
II – A ação de impugnação da resolução destina-se a atacar os fundamentos invocados pelo administrador e comunicados ao impugnante, não podendo este ser aqui surpreendido com novos factos e novos fundamentos. Daí que apenas relevem os factos que foram invocados na carta de resolução.
III – Constando da carta de resolução encontrar-se a vendedora em situação de insolvência iminente, como se veio a verificar, e traduzir-se o ato numa diminuição do património da vendedora, o que tudo era do conhecimento dos intervenientes, em face do a venda é tida como prejudicial à massa insolvente, por potenciar um claro favorecimento relativamente aos credores da insolvente, por ausência de bens que respondam por tais créditos, é de concluir por haver caraterização fáctica do requisito da prejudicialidade.
IV – Quanto ao requisito da má-fé, referindo-se na aludida carta que todos os intervenientes sabiam qual a real situação económica e financeira da sociedade, de pré-insolvência, também este se encontra caraterizado, ao abrigo do disposto no art. 120.º, n.º 5, do CIRE.

Texto Integral


            Processo n.º 4730/18.2T8VIS-C.C1 – Apelação

            Comarca de Viseu, Viseu, Juízo de Comércio

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

“M..., L.da”, por dependência do processo de insolvência, propôs a presente acção declarativa de impugnação de resolução de ato em benefício da massa insolvente contra “Massa Insolvente de E..., Lda” representada pela sua administradora da insolvência, peticionando, a final, que, na procedência da acção, se considerem:

a) Nulas as declarações de resolução em apreço, que foram efetuadas pela Administradora de Insolvência por falta de fundamentação, o que conduz à sua ineficácia

b) ou, caso assim não se entenda, revogadas as resoluções efetuadas pela administradora da insolvência, em representação da massa insolvente, dos contratos de compra e venda dos veículos pesados de marca ..., matrícula ..-LG-..; de marca ..., matrícula ..-QM-..; de marca ..., com a matrícula ..-QG-2 e dos veículos ligeiros de marca ..., matrícula ..-NB-..; de marca ..., matrícula ..- IM-..; de marca ... ..-..-UX e de marca ..., matrícula ..-DB-.. por não se mostram preenchidos os requisitos das aludidas resoluções, mormente falta de prejudicialidade dos negócios, não existência de má-fé e da inoponibilidade dos negócios a transmissários posteriores, sendo, por isso, injustificadas.”

Como fundamento da sua pretensão alega que a Sra. Administradora da Insolvência enviou cartas à Autora visando a resolução do negócio de compra e venda celebrado entre a Autora e a Insolvente, o qual teve por objeto as viaturas pesadas de marca ..., matrícula ..-LG-..; de marca ..., matrícula ..-QM-..; de marca ..., com a matrícula ..-QG-.., e os veículos ligeiros de marca ..., matrícula ..-NB-..; de marca ..., matrícula ..-IM-..; de marca ..., matrícula ..-..-UX; e de marca ..., matrícula ..-DB-...

Da análise das cartas de resolução constata-se que não foram indicados quaisquer factos concretos que permitam concluir pela verificação do carácter prejudicial para a massa insolvente dos atos objeto de resolução.

A Autora entende, por isso, que as declarações de resolução são nulas por falta de fundamentação.

Os negócios resolvidos ocorreram em 8 de Agosto de 2017, sendo que a insolvência foi requerida em 19 de Outubro de 2018. Entre a data do negócio e o início do processo de insolvência decorreram, portanto, mais de um ano e dois meses.

A Autora pagou pelos veículos a quantia de €19.950,00 através de transferência bancária. O preço pago corresponde ao valor de mercado de tais viaturas que já tinham bastantes anos e que exigiam bastantes despesas de manutenção.

Os atos não foram, por isso, prejudiciais à massa insolvente, nem os mesmos diminuíram, frustraram, puseram em perigo ou retardaram a satisfação dos credores da Insolvente.

Por outro lado, também não se demonstra a má-fé da Autora, pois à data do negócio (08-08-2017), a Insolvente não tinha dívidas em incumprimento, não tendo também dívidas laborais nessa situação.

Mais alega que a Autora vendeu, a 20-02-2019, as viaturas a terceiros, aos quais é inoponível a resolução, na medida em que não se demonstra que estes estivessem de má-fé. Os transmissários desconheciam a situação financeira da Insolvente, não obstante um adquirente ser pai da sócia AA, e a outra ser funcionária da Insolvente.

À data desta transmissão o único crédito laboral encontrava-se a ser discutido judicialmente. Este foi indevidamente reconhecido.

Citada a massa insolvente, contestou, alegando que a resolução em benefício da massa insolvente não é nula, dado terem sido alegados os factos concretos essenciais e necessários para que a resolução opere, designadamente quanto à prejudicialidade do negócio e à má-fé da Autora.

A Impugnante não tem legitimidade processual para alegar que a resolução em benefício da massa insolvente é inoponível aos adquirentes posteriores, dado que estes não impugnaram a resolução.

A aquisição dos veículos coincide com o registo da transmissão que é de 08 de Agosto de 2018. A Ré impugna o contrato de compra e venda celebrado o qual tem a data de 08-08-2017.

A entender-se que o negócio ocorreu naquela data, ainda assim ele teve lugar nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

Os sócios e gerentes da Insolvente e da Autora são os mesmos e são casados entre si. As duas sociedades desenvolvem o mesmo objeto social.

A sociedade Autora foi criada para substituir a Insolvente.

Os veículos e demais imobilizado, ou seja, todo o ativo fixo tangível da Insolvente foi transferido para a Autora, a título gratuito. Visavam eximir o património da Insolvente à ação dos credores.

As viaturas possuíam algum valor. O valor da transação não se encontra refletido na IES de 2017, altura em que o valor do ativo fixo tangível aumenta.

Notificada da contestação apresentada pela ré, cf. requerimento de fl.s 193 a 196, a autora veio pugnar pela condenação da ré por litigância de má fé e consequente condenação desta em multa e em indemnização de 5.000,00 €, bem como no pagamento das custas e procuradoria condigna, reembolso das despesas que suportou, incluindo os honorários da sua Mandatária, com o fundamento em que, embora se encontre documentalmente comprovado, através do respectivo registo, que a data da transferência da propriedade dos veículos é de 8 de Agosto de 2017, a ré alegou que a mesma ocorreu em 8 de Agosto de 2018, o que, no seu entender, configura a alteração de factos, que lhe são pessoais, com vista a obter decisão favorável.

Respondendo, a ré alega que nas cartas de resolução se menciona a data de 8 de Agosto de 2018, decorrendo dos respectivos registos que foi em Agosto de 2017 e que a troca de datas se deve a “infeliz lapso cometido pelo mandatário”.

Do que não derivam quaisquer consequências, porque, ainda assim, a resolução continua a manter-se dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Teve lugar a audiência prévia, que resultou infrutífera e no decurso da qual, o M.mo Juiz ordenou a notificação da ré para que juntasse aos autos as comunicações efectuadas aos terceiros adquirentes BB e CC.

O que esta cumpriu, encontrando-se as mesmas juntas, por cópias, a fl.s 204 e seg.s.

Notificada de tal junção, cf. requerimento com a Ref.ª 35143133, de 12 de Março de 2020, veio a autora, M..., L.da, invocar a caducidade da resolução efectuada ao terceiro CC, com o fundamento em que foram indevidamente endereçadas, sem que o mesmo delas tenha tido conhecimento e já decorreu o prazo para tal, pelo que caducou o exercício de tal direito.

Elaborou-se despacho saneador, no qual se decidiu pela validade da resolução efectuada pela AI e se fixou o objecto do litígio e se indicaram os temas de prova, tudo conforme decorre de fls. 252/3.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 258 a 265 v.º, na qual se fixou  a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide:

- Absolver a Ré Massa Insolvente da E..., Lda. do pedido;

- Declarar válida a resolução do negócio de compra e venda celebrado entre a Insolvente e a Autora, o qual teve por objeto os veículos identificados em 4 dos factos provados.

- Declarar tal resolução oponível aos posteriores transmissários CC e BB.

Custas pela Autora.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora, “M..., L.da”, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos deste apenso e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 278), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. A Autora/Recorrente não se conforma com o despacho proferido pelo tribunal a quo em 03/03/2020.

2. E não se conforma igualmente com a sentença proferida nos presentes autos, porquanto: as declarações resolutivas efetuadas pela Sra. AI não invocaram quaisquer factos que integrassem a prejudicialidade para a insolvente e para a massa insolvente dos negócios resolvidos.

3. Sem prescindir, acrescenta-se que in casu à data dos negócios resolvidos a insolvente não se encontrava em situação de insolvência ou insolvência eminente, não estando por isso preenchido o requisito de má-fé necessário à declaração resolutiva e abalada a sua presunção.

4. Porquanto fica dito deveria o tribunal a quo ter declarado como nulas as resoluções efetuadas pela Sra. AI e melhor identificadas no pedido efetuado pela Autora nos presentes autos.

5. Acresce que o terceiro transmissário CC não foi notificado das resoluções efetuadas, pelo que as mesmas não podem valorar quanto àquele e a resolução efetuada ser lhe oponível.

6. O tribunal a quo não podia ter julgado como improcedente a presente ação, devia ao contrário ter considerando tais resoluções nulas e de nenhum efeito, mantendo por isso os negócios de compra e venda realizados entre a Autora e Insolvente e em causa nos presentes autos.

7. Igualmente sem prescindir, devia o tribunal a quo ter dado como provado no ponto 4 dos factos assentes que a compra e venda das viaturas em causa nos autos foi efetuada pelo montante de 19.590,00€.

8. Deveria o Sr. Juiz do tribunal a quo ter dado como não provado o constante dos pontos 12 e 20 dos factos assentes constante da sentença recorrida.

9. Porquanto fica supra exposto deveria o Sr. Juiz do tribunal a quo ter dado como provados os factos constantes do ponto 1 e 3 dos factos considerados como não assentes, a isso obrigando o constante dos pontos 5 e 11 dos factos assentes na sentença recorrida.

10. Por fim, o tribunal a quo na sentença recorrida não se pronunciou quanto ao pedido de litigância de má-fé efetuado e quanto ao requerimento da falta de notificação das resoluções ao terceiro adquirente CC e a invocada exceção de caducidade das resoluções.

11. As declarações de resolução efetuadas pela Sra. AI e a sentença recorrida violam o disposto no artigo 120º do CIRE, porquanto acima se disse, nomeadamente, por omissão dos factos integradores dos requisitos a que se encontra sujeito o exercício de resolução por parte do Administrador de Insolvência nomeado previsto em tal artigo.

12. Por fim, e porquanto atrás se deixou referido, a sentença proferida viola o disposto no art. 615º n.º 1 alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil.

REQUER-SE ASSIM A V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA QUE:

A) RECEBAM O PRESENTE RECURSO;

B) JULGUEM PROCEDENTE, POR PROVADO, O PRESENTE RECURSO;

C) REVOGUEM A SENTENÇA RECORRIDA, BEM COMO O DESPACHO SUPRA REFERIDO, SUBSTITUINDO-A POR ACÓRDÃO QUE JULGUE PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO, CONSIDERANDO NULAS E DE NENHUM EFEITO AS RESOLUÇÕES EM CAUSA NOS AUTOS E VÁLIDOS OS NEGÓCIOS DE COMPRA E VENDA EM CAUSA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se as declarações de resolução efectuadas pela AI são nulas, por não respeitarem o disposto no artigo 120.º do CIRE, por omitirem a descrição dos factos que integram os respectivos requisitos a que se encontra sujeito o exercício do direito de resolução por parte do AI;

B. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;

C. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova, relativamente ao item 4.º dos factos considerados como provados, a que se deve acrescentar que o valor da venda é de 19.590,00 €; 9.º, 12.º e 20.º, que devem passar a considerar-se como não provados, e 1.º e 3.º itens dos factos dados como não provados, que devem passar a considerar-se como provados;

D. Se a resolução não é oponível ao terceiro, CC, por a mesma não lhe ter sido notificada e já ter decorrido o prazo para tal e;

E. Se não se verificavam os pressupostos para ser declarada válida a resolução dos negócios em causa, designadamente a má-fé dos intervenientes, devendo, em consequência, proceder a acção.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. A Autora M..., Lda. foi constituída em 27 de Junho de 2017, tendo como objeto “Limpezas ecológicas em esgotos urbanos industriais e domésticas, localização de avarias e outras anomalias através de vídeo e gravação das mesmas, relatório técnico das reparações a efetuar e inspeção prévia a instalações novas. Reabilitação de tubagens sem abertura de valas, através de caixas de visitas dos coletores. Construção e reparação de edifícios e obras públicas. Comércio, montagem e manutenção de equipamentos e material hidráulico, elétrico, de canalização e de desobstrução. Reparação de coletores. Formação e consultadoria. Reparação e manutenção de equipamentos e estruturas industriais. Prestação de serviços no âmbito da higiene e segurança no trabalho.”

2. São sócios da Autora DD e AA, casados entre si na comunhão de adquiridos.

3. Os sócios da Autora são também os seus gerentes.

4. A ... adquiriu as viaturas pesadas de marca ..., matrícula ..-LG-..; de marca ..., matrícula ..-QM-..; de marca ..., com a matrícula ..-QG-2 e os veículos ligeiros de marca ..., matrícula ..-NB-..; de marca ..., matrícula ..-IM-..; de marca ..., matrícula ..-..-UX e de marca ..., matrícula ..-DB-.., em 8 de Agosto de 2017.

5. A Autora liquidou a quantia total de €19.590,66 (dezanove mil quinhentos e noventa euros e sessenta e seis cêntimos) por transferências bancárias, do seguinte modo:

- Em 30/11/2017, o valor de €6.150, 00;

- Em 07/12/2017, o valor de €3.000,00;

- Em 27/12/2017, o valor de €8.000,00;

- Em 10/01/2018, o valor de €1.530,00;

- Em 7/03/2018, os valores de €224,97€ e de €685,69.

6. Esses pagamentos foram efetuados para a conta bancária da Insolvente.

7. O veículo pesado de mercadorias, marca ..., matrícula ..-LG-.., tem 21 anos; o veículo pesado de mercadorias, marca ..., matrícula ..-QM-.., tem 24 anos; veículo pesado de mercadorias, de marca ..., matrícula ..-QG-.., tem 19 anos; o veículo ligeiro de mercadorias, marca ..., matrícula ..-NB-.., tem 22 anos; veículo ligeiro de mercadorias, marca ..., matrícula ..-..-UX, tem 16 anos; veículo ligeiro de mercadorias, de marca ..., com a matrícula ..-IM-.., tem 9 anos; veículo ligeiro de passageiros, de marca ..., com a matrícula ..-DB-.., tem 16 anos.

8. Atenta a idade das viaturas, estas exigiam despesas de manutenção acrescidas.

9. A E..., Lda. estava numa situação, após o negócio referido em 4 (veículos e as máquinas incorporadas neles), em que não possuía os meios para prosseguir o seu objeto.

10. Após o negócio referido em 4 a sociedade comercial E..., Lda. não possuía bens imóveis, nem veículos.

11. Em agosto de 2017 não existiam créditos em incumprimento.

12. A transmissão para a M..., Lda. dos veículos e máquinas nelas incorporadas destinou-se, porém, a evitar que tais bens fossem penhorados ou apreendidos numa execução ou insolvência a instaurar contra a Insolvente, e a usá-los na atividade da M..., Lda.

13. BB iniciou as suas funções para a Insolvente no dia 13 de Setembro de 2017.

14. No ano de 2018, uns meses antes de Outubro de 2018, o gerente e sócio da E..., Lda. sabia que esta sociedade comercial possuía já um passivo significativo, com algumas dívidas de caracter laboral, e que estava impossibilitada de cumprir as obrigações vencidas.

15. A insolvência da E..., Lda. foi requerida em 19 de Outubro de 2018.

16. A Autora transmitiu em 8 de Fevereiro de 2019, as viaturas de marca ..., matrícula ..-LG-..; de marca ..., matrícula ..-QM-..; de marca ..., com a matrícula ..-QG-2 e os veículos ligeiros de marca ..., matrícula ..-NB-..; de marca ..., matrícula ..-IM-.. e de marca ..., matrícula ..-DB-.. a CC, pai de AA e sogro de DD, respectivamente.

17. E transmitiu a viatura ... com a matrícula ..-..-UX, em 20 de Fevereiro de 2019, a BB, que foi colaboradora quer na insolvente, quer na M..., Lda.

18. BB foi testemunha no processo de insolvência que decretou a insolvência da Ré, na audiência de julgamento que decorreu em 8 de Março de 2019.

19. CC e BB sabiam a quem estes veículos pertenciam inicialmente, à E..., Lda., e que foram transmitidos para a M..., Lda.

20. CC e BB sabiam que a E..., Lda., após a transmissão para a M..., Lda., tinha ficado em situação de insolvência, e que com a sua atuação visavam ajudar a esvaziar o património da insolvente e impedir que os efeitos de uma resolução em benefício da massa insolvente.

20. A E..., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida a 2 de Abril de 2019, a qual foi objeto de publicidade no portal Citius no dia 2 de Abril de 2019.

21. O objeto social da E..., Lda. consiste em “Limpezas ecológicas em esgotos urbanos e industriais, localização de avarias e outras anomalias através de vídeo e gravação das mesmas, relatório técnico das reparações a efetuar e inspeção prévia a instalações novas. Reabilitação de tubagens sem abertura de valas, através de caixas de visitas dos coletores. Construção e reparação de edifícios e obras públicas. Comércio, montagem e manutenção de equipamentos e material hidráulico, elétrico, de canalização e de desobstrução. Reparação de coletores.”

22. São sócios da Insolvente DD e AA, casados entre si na comunhão de adquiridos.

23. É gerente da Insolvente, DD.

24. O valor dos ativos tangíveis da Insolvente, de acordo com os IES de 2016, foi de cerca de €77.000,00.

25. O valor dos ativos tangíveis em 2017, de acordo com o IES desse ano, foi de €84.000,00.

26. Os únicos bens registráveis que a Administradora Judicial encontrou foram os veículos transmitidos da insolvente para a M..., Lda.

27. A Sra. Administradora da Insolvência reconheceu créditos na lista a que alude o art. 129º do CIRE no montante total de €171.240,79.

28. A Senhora Administradora de Insolvência remeteu à Autora as cartas registadas com aviso de receção, recebidas em 22 de Julho de 2019, contendo a declaração de resolução dos negócios de compra e venda dos veículos identificados em 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Factos não provados.

- O preço pago pela Autora foi utilizado pela Insolvente para seu benefício.

- O valor liquidado corresponde ao valor do mercado dos veículos.

- A 17 de Agosto de 2018 não tinha trabalhadores com créditos laborais em atraso.

- O pai da sócia AA, CC, não tinha e nem tem qualquer conhecimento das situações financeiras de uma empresa da qual não faz parte.

- BB não tem qualquer conhecimento do referido negócio, sobre os seus termos e condições.

- O único crédito laboral existente à data da transmissão (20/02/2019) e sobre o qual existia um litigio judicial era o do Requerente da Insolvência, EE.

- A terceira adquirente BB não tinha conhecimento das transmissões entre a Autora e a Ré, não tinha conhecimento da existência de créditos laborais ou sequer da situação de insolvência da Ré.

- A terceira adquirente BB só tomou conhecimento da existência do processo de insolvência cerca de 2 dias antes da realização da referida audiência.

*

- O contrato de transmissão dos veículos tem a data de 8 de Agosto de 2018.

- O registo da transferência dos veículos apenas operou em Agosto de 2018.

- A transmissão dos veículos foi em Agosto de 2018.

- A E..., Lda. doou os seus ativos tangíveis (veículos e as máquinas incorporadas neles) à A..., Lda.

- A E..., Lda. já estava em insolvência iminente em 2017.

- À data da transmissão dos veículos já a E..., Lda. sabia que tinha dívidas e que estas eram de enorme valor, e um valor bem superior a todo o seu activo tangível (os veículos).

- À data do registo já a insolvente sabia que tinha muitos milhares de euros de dívida, e incluindo dívidas laborais.

- BB recebeu o seu veículo respetivo gratuitamente.

A. Se as declarações de resolução efectuadas pela AI são nulas, por não respeitarem o disposto no artigo 120.º do CIRE, por omitirem a descrição dos factos que integram os respectivos requisitos a que se encontra sujeito o exercício do direito de resolução por parte do AI.

Alega a autora, ora recorrente, que deve julgar-se a presente acção como procedente, porque do teor das cartas de resolução enviadas pela AI (foi enviada uma carta de resolução, relativamente a cada um dos negócios efectuados, cuja redacção é idêntica, apenas mudando a matrícula e identificação do veículo a que respeita e o destinatário) não resultam evidentes os fundamentos para tal invocados, não se identificando qual o negócio realizado, nem constam quaisquer factos integradores da prejudicialidade do negócio, pela que são nulas as resoluções efectuadas, o que, assim, deveria ter sido julgado no despacho saneador.

No despacho saneador considerou-se que as resoluções efectuadas não eram nulas, com a seguinte fundamentação:

“(…)

A carta visando a resolução enviada pelo administrador de insolvência deve especificar os factos (ou pelo menos indicar, de forma compreensível, os argumentos) que são fundamento de resolução, sob pena de nulidade do ato resolutivo. Na verdade, tendo o terceiro o direito de impugnar o acto através da acção prevista no art. 125º, este direito só é garantido se ele tiver efectivo conhecimento dos concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados. (cfr. neste sentido, Gravato de Morais, in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, pág. 164 ou na jurisprudência os Acórdãos do STJ de 17-09-09, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2013 e de 18-12-2013 in www.dgsi.pt).

No caso concreto, e analisando as declarações de resolução enviadas à Autora, verifica-se que a Sra. Administradora da Insolvência invoca as concretas razões de facto pelas quais declara resolvidos os negócios em benefício da massa. Identifica os concretos negócios de compra e venda/actos de transmissão da propriedade de veículos da Insolvente para a Autora (cujo sócio era gerente na Insolvente, sendo a gerente sócia da Insolvente), descreve as circunstâncias em que se operaram estes actos de transmissão da propriedade dos veículos, em termos que permitem a compreensão do prejuízo para os credores.

Não se verifica, por isso, a invocada nulidade.”.

Dispõe o artigo 120.º, n.º 1, do CIRE que:

“Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.”.

Acrescentando-se no seu n.º 2, que se consideram prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

Nos dizeres de Fernando de Gravato Morais, in Resolução Em Benefício Da Massa Insolvente, Almedina, 2008, a pág. 47, com a figura em causa tem-se em vista dar prevalência aos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, com sacrifício dos interesses de quem negoceia ou contrata com o insolvente, visando reintegrar no património da massa insolvente bens ou direitos que assim não fora seriam atribuídos a alguns credores do insolvente, em detrimento de outros, o que conduziria a um empobrecimento do património da massa, os quais (bens ou direitos), assim, passam a satisfazer os direitos de todos os credores, em obediência ao carácter de “execução geral” dos bens do insolvente.

Decorre do n.º 1 do preceito acima citado que se exige, para que se possa lançar mão da figura da resolução em benefício da massa insolvente que se esteja perante a prática de actos prejudiciais à massa, cuja definição nos é dada pelo seu n.º 2, desde logo aparecendo em 1.º lugar os actos que diminuam ou frustrem a satisfação dos credores da insolvência.

Nos dizeres de Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 526, por actos prejudiciais devem entender-se os que, por algum dos modos aí referidos, afectam o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos, ali se incluindo todos os que implicam a diminuição do valor da massa insolvente, bem como todos os demais que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada, isto sem prejuízo da presunção a que se alude no n.º 3 do mesmo preceito.

O mesmo entendimento é o perfilhado por Gravato Morais, ob. cit., a pág. 50, quando ali refere que nesta categoria se enquadra “qualquer acto que enfraqueça (qualitativa ou quantitativamente) a garantia patrimonial” e que, por isso, pode e deve ser atacado.

Ali acrescentando que, relativamente ao “acto que diminui” se considera “A redução que o acto em causa faz operar nos direitos dos credores da insolvência, o facto de se tornar menor, menos numeroso ou até de fazer baixar o valor de tais créditos, é o primeiro elemento em destaque.”.

Mas para que o acto levado a cabo possa ser objecto de resolução em benefício da massa insolvente, exige-se, ainda, a má-fé do terceiro, a qual, nos termos do n.º 5 do citado artigo 120.º do CIRE, radica na verificação de qualquer uma das circunstâncias ali referidas, a saber:

a) conhecimento, à data do acto, de que o devedor se encontra em situação de insolvência;

b) do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) do início do processo de insolvência.

Este conhecimento por parte do terceiro de uma das circunstâncias ali mencionadas, basta-se com um entendimento amplo, por ser o que melhor se coaduna com a intenção de protecção dos credores da insolvência, pois que e seguindo mais uma vez F. Gravato Morais, ob. cit., a pág.s 65 e 66, “o terceiro que se relaciona com um determinado sujeito, sobretudo na área comercial, deve ter uma particular prudência, uma justificada cautela na contratação, sem ser, portanto, demasiado ingénuo. Deve procurar apreciar, em termos gerais, o estado patrimonial daquele com quem estabelece negociações, sob pena de suportar na sua esfera jurídica o risco da resolução do acto em benefício da massa insolvente.”.

E a fl.s 67, refere-se que a circunstância da alínea a), se basta com a cognoscibilidade pelo devedor de alguma das hipóteses consagradas no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE.

E a da alínea b), com o conhecimento por parte do terceiro do carácter prejudicial do acto e do conhecimento por esse sujeito da situação de insolvência iminente do devedor.

No caso desta alínea, como o referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, Quid Juris, 2009, a pág. 205, trata-se de uma situação de facto, em que se verificam os requisitos para a declaração de insolvência, mas ainda não verificada judicialmente, mediante a correspondente sentença declarativa.

Ora, no caso em apreço, os gerentes de ambas as sociedades são os mesmos, o que afasta qualquer possibilidade de se afastar um possível desconhecimento da situação em que se encontravam ambas as sociedades.

Por outro lado, como resulta do artigo 123º do CIRE, a resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção, nada se dizendo na lei sobre o conteúdo e as formalidades a observar nessa carta/comunicação resolutiva, sendo certo, no entanto, que, como decorre dos seus arts. 120º e 121º, tal resolução não poderá ter lugar por mera vontade do administrador da insolvência e independentemente da verificação de qualquer facto, requisito ou circunstância, sendo que, conforme ali se determina, ela apenas poderá ocorrer caso se verifique alguma das circunstâncias ali mencionadas.

Daí que – e ainda que a lei não o diga expressamente – aquela comunicação tenha que indicar os concretos motivos ou fundamentos da resolução e a indicação desses fundamentos não poderá, pelo menos por regra, ser efectuada pela mera indicação das normas legais correspondentes e tão pouco pelo uso das expressões jurídicas e conclusivas que nelas são utilizadas; tal fundamentação deverá reportar-se aos factos concretos que, pelo menos na perspectiva do administrador, têm aptidão para integrar a previsão legal e justificar a resolução do acto. E, embora possa estar dispensado de alegar os factos que integram um determinado requisito da resolução, em virtude de a lei presumir a sua existência, o administrador de insolvência terá sempre que alegar, pelo menos, os factos concretos que servem de base a tal presunção.

A indicação dos factos concretos que determinaram a resolução é essencial para que a pessoa prejudicada ou afectada por tal resolução possa exercer o direito de impugnação que lhe é facultado pelo art. 125º do CIRE, importando notar que hão-de ser esses factos que vão ser apreciados e discutidos na acção que se interponha com vista à impugnação da resolução, quer no sentido de confirmar a sua existência (mediante a produção de prova que seja necessária), quer no sentido de decidir se os mesmos se integram ou não na previsão legal e se, como tal, têm a aptidão necessária para determinar a resolução do acto.

Tem sido, aliás, neste sentido que se tem pronunciado a nossa jurisprudência[1], podendo ver-se ainda Gravato Morais[2].

Não obstante este sentido a dar ao grau de exigência de fundamentação da carta a efectuar a resolução, não tem vindo a ser considerado de forma unânime, sem que, contudo, se exija que na mesma se indiquem os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação.

Como se dá nota, entre outros, no Acórdão do STJ, de 29 de Abril de 2014, Processo n.º 251/09.2TYVNG-R.P1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, divisam-se na jurisprudência, quanto a esta problemática, duas orientações:

- uma, designada como mais rigorosa, que segue o Ac. do STJ, de 17/09/2009, acima já citado, que defende que o administrador da insolvência tem de indicar os concretos factos fundamento da resolução, considerando-se que, só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução, vedando-se a possibilidade da deficiência de fundamentação ser suprida em sede de contestação à acção de impugnação e;

- outra, apelidada de mais moderada que se basta com a indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada e que é a posição adoptada no supra citado Aresto de 29/04/14.

Aqui se refere que “a Lei embora não impondo que aquela (carta resolutiva) seja exaustiva quanto à explanação dos fundamentos que consubstanciam a resolução, a mesma tem de conter o quantum satis para o cabal exercício daquele direito potestativo.

Assim, sem embargo de não se exigir para a respectiva efectivação abundantes justificações, não nos podemos bastar com uma mera alegação de prejudicialidade.

(…)

Conclui-se assim que a resolução do contrato pelo AI, embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução, e essa suficiência deverá ser objecto de análise casuística.”.

Ali se acrescentando que “Parece excessivo que se exija que a declaração de resolução contenha uma exaustiva indicação de todos os factos que a justificam. Todavia, essa declaração há-de integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação. Só nesta medida, conhecedor desses factos e razões, este terceiro fica em condições de os poder impugnar como a lei lho permite.”.

Tese que veio, por último, também, a ser seguida pelo STJ, no seu Acórdão de 12 de Março de 2019, Processo n.º 483/12.3TJCBR-H.P2.S1, ode se refere que “… o direito potestativo de resolução do contrato por parte do Administrador da Insolvência, a que alude o normativo inserto no artigo 120.º do CIRE, embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução e essa suficiência deverá ser objecto de uma análise casuística”.

Assente, portanto, que a declaração de resolução tem que ser fundamentada com a indicação dos factos concretos que a motivaram, embora, pensamos nós, sem que se exija a exaustiva indicação de todos os factos que a justificam, nos termos acima reproduzidos, a inexistência de tal fundamentação implicará, naturalmente, a procedência da impugnação que lhe venha a ser deduzida.

É que, conforme referimos, são os factos invocados na declaração como fundamento para a resolução que irão determinar e delimitar o objecto da acção de impugnação que lhe venha a ser deduzida, sendo que o que importa apurar, no âmbito desta acção, é a efectiva existência dos factos que ali foram invocados (caso sejam impugnados) e a sua relevância ou aptidão legal para operar aquela resolução, sem prejuízo, naturalmente, da análise de outros factos que venham a ser invocados pelo impugnante e que possam ter relevância para afastar os fundamentos da resolução.

A acção de impugnação da resolução destina-se a atacar os fundamentos que, para tanto, foram invocados pelo administrador e comunicados ao impugnante, não podendo este ser aqui surpreendido com novos factos e novos fundamentos. Daí que, os factos que, enquanto fundamento da resolução, relevam para o desfecho da acção são apenas aqueles que foram invocados na carta de resolução e não quaisquer outros.

Assim, a validade ou eficácia da resolução efectuada pelo administrador de insolvência terá que ser aferida – no âmbito da acção de impugnação que lhe seja deduzida – apenas em face dos factos que foram invocados na carta de resolução e, portanto, o que interessa apurar é apenas se esses factos (ali invocados) existem ou não e se têm ou não aptidão para determinar a resolução.

Nestes termos, se a carta de resolução não indica os factos em que se baseou, tal significará que não existem factos ou fundamentos cuja bondade ou relevância o Tribunal possa confirmar e, não podendo validar/confirmar a resolução do acto, terá que se limitar a julgar procedente a impugnação deduzida.

Analisemos, então, a carta de resolução em causa e os fundamentos que nela foram invocados, já que, como referimos, é em face desses fundamentos (e apenas desses) que terá que ser apreciada e decidida a validade/eficácia da resolução.

Na citada carta, o Sr. Administrador, fez constar o seguinte cf. item 28.º:

“FF, na qualidade de Administradora Judicial da Massa Insolvente de E..., Lda (…) vem apresentar resolução em benefício da massa insolvente, nos termos do 120.º e seguintes do CIRE, nos seguintes termos e fundamentos:

1.° E..., Lda., sociedade comercial, foi declarada insolvente em 2 de Abril de 2019, na comarca ..., Juízo de Comércio ..., Juiz ..., no processo 4730/18.....

2.° O processo de insolvência referido no artigo 1.° teve o seu início em 19 de Outubro de 2018.

3.°. A insolvência foi requerida por GG, credor por créditos laborais.

Do negócio a resolver

4.° Cerca de menos de dois meses antes do início do processo de insolvência, em 8 de Agosto de 2018, E..., Lda. transmitiu a propriedade do veículo da marca ..., matrícula ..-LG-...

5.° Tal transmissão foi feita á sociedade comercial M..., Lda., com sede na ..., HH, Lote ..., ... ...,

6.° Tal sociedade comercial tinha como sócios os mesmos da insolvente, ou seja, DD e AA, sendo esta gerente.

Do acto prejudicial

7.° A transmissão de tal veículo ocorreu num contexto de anormal redução de actividade da insolvente, e foi feita num mês em que diversos veículos da sociedade comercial E..., Lda. foram transmitidos para uma sociedade comercial que foi constituída no ano anterior ao início do processo de insolvência, com os mesmos sócios e prosseguindo o mesmo objecto.

8,° Esta transmissão foi um acto prejudicial a massa insolvente (sendo que a massa insolvente está destinada a satisfação dos credores nos termos do 46,° do CIRE).

9.° Esta transmissão de veículo, foi um acto prejudicial á massa pois reduziu o acervo de bens da devedora e impossibilitou a satisfação dos credores com a liquidação do bem no processo de insolvência.

Do conhecimento da situação da insolvência

10.° A transmissão do veículo em causa foi feita de uma sociedade comercial para outra sociedade comercial em que os sócios de ambas eram os mesmos, e o gerente da transmitente era sócio da adquirente e a gerente da adquirente era sócia da transmitente, e os ditos sócios de ambas as sociedades eram casados entre si.

11.°. Portanto, tais pessoas, que eram sócias da adquirente e sócias da transmitente e comuns entre ambas as sociedades comerciais, sabiam da situação de insolvência iminente da sociedade comercial transmitente e que o negócio era prejudicial à massa insolvente pois iria prejudicar a satisfação dos credores.

12.° Mais do que isso, tal transmissão foi efectuada quando a sociedade transmitente tinha pelo menos 3 trabalhadores com valores laborais em atraso.

13.° Portanto, os representantes legais da sociedade transmitente e da sociedade adquirente sabiam que a sociedade transmitente estava numa situação de insolvência iminente e que o negócio era prejudicial a massa e aos credores.

Dos fundamentos da resolução

14.° O negócio foi efectuado cerca de um mês e meio antes do início do processo de insolvência, ou seja, a transmissão ocorreu em 08 de Agosto de 2018, e o início do processo de insolvência ocorreu em 19 de Outubro de 2018.

15.° Ora, nos termos do 120.° do CIRE, podem ser resolvidos todos os negócios realizados nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, portanto, temporalmente este negócio pode ser resolvido.

Acto prejudicial à massa

16.° O negócio em causa é prejudicial à massa insolvente e, portanto, diminuiu a satisfação dos credores, pois extraiu um bem móvel que integrava o acervo patrimonial da devedora.

17.° Assim, dúvidas não restam que houve prejuízo para a massa insolvente e credores com esta transmissão.

Da má-fé do terceiro

18.°. Dúvidas não pode haver da má-fé do terceiro.

19.° E este terceiro sabia que a transmissão do veículo era prejudicial a massa e impediria a satisfação dos credores.

20.° Aliás, o terceiro sabia do prejuízo do acto pois os sócios da devedora eram também sócios do terceiro, e o gerente da transmitente era sócio da adquirente e a gerente da adquirente era sócia da transmitente.

21.° Portanto, sabia que a transmitente do veículo à data da transmissão estava em situação de insolvência iminente e que o negócio era prejudicial à massa insolvente.

22.° Acrescente-se, os sócios da adquirente eram sócios da transmitente, e nos termos do artigo 49.º do CIRE eram pessoas especialmente relacionadas com a devedora.

23.° Mais, o gerente da devedora era sócio da adquirente e a gerente da adquirente era sócia da devedora, logo, mais uma vez, pessoas especialmente relacionadas com a devedora nos termos do 49.º CIRE.

24.° Logo, estão preenchidos os pressupostos da presunção referida no 120 n.º 4 do CIRE, ou seja que o terceiro tinha conhecimento da situação de insolvência eminente e do caracter prejudicial do negócio.

25.° E tal negócio foi efectuado menos de 2 meses antes do início do processo de insolvência, ou seja, dentro dos dois anos referidos no 120.º n.º 4 do CIRE.

26.°. Encontram-se assim preenchidos todos os pressupostos relativos a resolução prevista no artigo 120.° do CIRE.

Quanto à oponibilidade deste negócio a transmissários posteriores

27.° Nos termos do 124.º do CIRE a resolução é oponível aos terceiros transmissários posteriores e para isso exigindo-se a má-fé destes transmissários posteriores nos termos do 124.º n.º 1 do CIRE.

28.° Ora, CC era a data das duas transmissões pai de AA e sogro de DD, respectivamente sócios quer da insolvente e da M..., Lda., e gerentes respectivamente da M..., Lda. e da insolvente.

29.° O início do processo de insolvência foi em Outubro de 2018.

30.° A sociedade comercial devedora tinha dívidas a diversos trabalhadores pelo menos desde Junho de 2018.

31.° A declaração de Insolvência foi em Abril de 2019.

32.° O veículo foi transmitido pela M..., Lda. ao transmissário posterior CC em Fevereiro de 2019, ou seja, durante o processo de insolvência.

33.° O transmissário CC é pessoa especialmente relacionada com a devedora E..., Lda. e com os gerentes e sócios desta.

34.° Este especial relacionamento é tomado em consideração pelo 120.º do CIRE conjugado com o 49.º do CIRE.

35.° Recebeu o veículo no mesmo mês dia em que vários veículos lhe foram transmitidos, bem no mesmo mês em que outro veículo foi transmitido a BB.

36.° Sabia por isso, pelo menos desde Julho de 2018, da insolvência iminente da E..., Lda, e que tanto a transmissão do veiculo para a M..., Lda. como a transmissão que lhe foi feita foram no sentido de prejudicar os credores, quer esvaziando o património da devedora, quer beneficiando um terceiro sem qualquer causa, o aqui transmissário CC.

Termos em que que se deve considerar o negócio celebrado entre a devedora sociedade comercial E..., Lda, e a sociedade comercial M..., Lda. relativa a transmissão do veículo ..-LG-.. como resolvido nos termos conjugados do 120.º e 49.º do CIRE.

Deve considerar-se esta resolução em benefício da massa insolvente oponível a CC, transmissário posterior nos termos do 124.º do CIRE, por este ter actuado com má-fé, determinada nos termos do 120.º n.º 5 do CIRE, e portanto o veículo de matrícula ..-LG-.. deve ser integrado na massa insolvente.”.

No início de tal missiva, faz-se referência ao disposto nos artigos 120.º e seg.s do CIRE, bem como ao concreto contrato de transmissão da propriedade do veículo respectivo a favor da ora autora, a que se acrescenta que tal negócio se verificou num contexto de redução da actividade da vendedora, tendo ambas as sociedades a mesma gerência, pelo que era conhecida a situação de cada uma delas, tendo ocorrido nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência em causa e de tal negócio resultou a diminuição do património da insolvente.

Mais alega que tudo isto era, também, do conhecimento dos terceiros para quem a autora transmitiu a propriedade de tais bens.

O artigo 121º do CIRE enumera uma série de actos que são resolúveis em benefício da massa, sem dependência de quaisquer outros requisitos. Está aqui em causa a resolução que a própria lei qualifica como incondicional, na medida em que não está dependente de quaisquer outras condições além de o acto em causa se integrar numa das situações descritas nas diversas alíneas da referida norma.

Assim, estando em causa uma resolução incondicional, o administrador de insolvência apenas terá que alegar – na fundamentação da resolução – que o acto ao qual se dirige se enquadra nalguma das situações previstas no art. 121º, alegando os factos que, eventualmente, sejam necessários para concluir que assim é efectivamente (importando notar que, neste caso e na nossa perspectiva, poderá, eventualmente, bastar a alegação de que o acto – devidamente identificado – se integra em determinada categoria, na medida em que estará em causa uma mera conclusão a extrair do próprio teor do acto em causa). De qualquer forma, ainda que se admita que, em algumas situações, a resolução incondicional não depende da verificação de quaisquer outros factos além daqueles que já emergem do próprio acto, o administrador sempre deverá deixar claro qual é a natureza e categoria que atribui ao acto que está a resolver para que não subsistam dúvidas sobre o motivo ou fundamento da resolução.

Ora, no caso que estamos a analisar, a Sr.ª Administradora alude à resolução condicional, do artigo 120.º do CIRE e, como acima se transcreveu, especifica os actos/contratos a resolver e respectivos fundamentos, aliás, de forma bastante pormenorizada (como resulta da extensão da carta de resolução).

De facto, fora das situações previstas no art. 121º (aqui não convocáveis), o acto só poderá ser resolvido – como preceitua o art. 120º - se tiver sido praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, desde que o acto em causa seja prejudicial à massa e desde que exista má fé do terceiro. Está aqui em causa, portanto, aquilo que normalmente se designa por resolução condicional, por contraposição à resolução que a própria lei qualifica como incondicional.

Como acima já referido, de acordo com o disposto no nº 5 da citada norma, entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer uma das seguintes circunstâncias: de que o devedor se encontrava em situação de insolvência; do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente ou do início do processo de insolvência.

Tal como dissemos supra, a necessidade de fundamentação da declaração de resolução reporta-se, essencialmente, à indicação dos factos concretos que lhe estão subjacentes e não à indicação das normas jurídicas ou a juízos conclusivos, sejam eles de facto ou de direito. Com efeito, é com base nesses factos concretos que o Tribunal irá extrair as suas próprias conclusões e aplicar as normas jurídicas com vista a concluir se tais factos são ou não bastantes, perante a lei, para determinar a resolução do contrato.

Mas, a necessidade de indicação desses factos supõe que eles existam e que neles se tenha baseado a resolução. Com efeito, é de admitir como possível que o administrador tenha fundado o seu juízo conclusivo de prejudicialidade para a massa com base (apenas) no conteúdo do acto que identifica na sua declaração e, nessas circunstâncias, porque o acto é do conhecimento do destinatário, não nos parece que seja exigível que o administrador tenha que reproduzir os termos do acto e os direitos e obrigações dele emergentes e que tenha que efectuar considerações ou fazer alegações e juízos conclusivos para justificar a resolução.

Ora, na carta de resolução, refere a AI que a vendedora se encontra em situação de insolvência iminente, como se veio a verificar e que o acto se traduz numa diminuição do património da vendedora, o que tudo era do conhecimento dos intervenientes, em face do que considera a venda de tal veículo como prejudicial à massa insolvente, por a mesma potenciar um claro favorecimento relativamente aos credores da insolvente, por ausência de bens que respondam por tais créditos.

Atendendo ao critério acima enunciado acerca do que deva entender-se por acto prejudicial à massa, sem margem para dúvidas, integra-se a venda de tais veículos (para mais sendo estes o único património da insolvente) no disposto no n.º 2 do artigo 120.º do CIRE, uma vez que os veículos transaccionados deixam de fazer parte da massa insolvente, deixam de responder pelas dívidas da insolvente; faz baixar o valor dos créditos da insolvente, do que resulta uma diminuição do montante de capital que satisfaça o pagamento aos seus credores.

De resto, não se pode entender a celebração de tais contratos de compra e venda, como integrando a actividade normal da insolvente, que se dedicava à limpeza de esgotos urbanos e industriais.

À luz do escopo societário, não ficam minimamente justificadas tais vendas, caso em que se poderiam levantar dúvidas acerca da sua prejudicialidade, relativamente à massa insolvente.

Assim, salvo devido respeito, foi alegado o necessário e suficiente, para que se possa concluir ter sido alegado o requisito da prejudicialidade em relação à massa insolvente, no que respeita às vendas em causa.

Por outro lado, no que respeita à má fé, refere-se na aludida carta que todos os intervenientes sabiam qual a real situação económica e financeira da sociedade, de pré-insolvência, pelo que tem de se ter por provada a existência de má fé dos compradores ora autor, como resulta do disposto no artigo 120.º, n.º 5, do CIRE.

No Acórdão do STJ, de 20/03/2014, Processo n.º 251/09.2, disponível no mesmo sítio do anterior e em que se defende a tese mais rigorista a que acima já se fez referência, salvaguarda-se, mesmo assim, para dar como verificado o requisito da má fé, a hipótese de alegação de que o terceiro tinha conhecimento que o devedor se encontrava em situação iminente de insolvência.

Assim, quanto a esta questão improcede o recurso, mantendo-se a decisão proferida em sede de despacho saneador (fl.s 252 e v.º).

B. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.

No que a esta questão respeita, alega a recorrente que assim é, com o fundamento em que peticionou a condenação da ré como litigante de má-fé, por esta ter alegado que as transmissões dos veículos ocorreram em Agosto de 2018, quando o foram em Agosto de 2017 e porque alegou que as notificações efectuadas ao terceiro CC, foram incorrectamente endereçadas, nunca tendo, por isso, chegado ao seu conhecimento e já decorreu o prazo para tal, pelo que se verifica a caducidade de efectuar o direito de resolução.

Analisados os autos, efectivamente, a autora, em 16 de Dezembro de 2019 (req.to de fl.s 193 a 196) requereu a condenação da ré por litigância de má-fé, em multa e indemnização, porque a mesma, bem sabendo que isso era falso e com vista a poder resolver tais contratos, alegou que as vendas ocorreram em 8 de Agosto de 2018, quando as mesmas, como comprovado pelos respectivos registos, ocorreram em 8 de Agosto de 2017, o que era do seu conhecimento.

Respondendo o Ex.mo Mandatário da ré, veio alegar que a contestação teve por base as cartas de resolução, nas quais consta que as vendas ocorreram em 8 de Agosto de 2018, quando, efectivamente, tiveram lugar em 8 de Agosto de 2017, cf. respectivos registos e que só por lapso do Mandatário que subscreveu a contestação se indicou a data de Agosto de 2018, o que, ainda assim, é irrelevante, porque se continua a verificar que tais vendas ocorreram nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Compulsados os autos, verifica-se que não foi proferida qualquer decisão acerca desta questão, o que acarreta a existência da invocada nulidade – cf. artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, a suprir neste Tribunal da Relação, cf. artigo 665.º, n.º 1, do CPC.

E decidindo tal questão, entendemos que a ré não litigou de má-fé.

Efectivamente, estando juntas com a p.i., as cópias do registo dos veículos em causa e nos quais consta que a venda ocorreu em Agosto de 2017, só por lapso se entende a alegação de que tal ocorrera em Agosto de 2018, tanto mais que, mesmo considerando a data correcta – Agosto de 2017 – ainda assim, se respeita o prazo a que se alude no artigo120.º, n.º 1, do CIRE, pelo que de tal alegação não resulta qualquer “benefício” para a ré, nem qualquer alegação de um facto que se traduza num fundamento relevante para alterar, a seu favor, a decisão da causa, pelo que não se verifica o condicionalismo previsto no artigo 542.º, n.º 2, do CPC.

Pelo que, improcede o pedido de condenação da ré como litigante de má-fé.

De igual modo, a autora, cf. requerimento datado de 12 de Março de 2020, veio invocar que as cartas de resolução enviadas ao terceiro CC não foram correctamente endereçadas, constando o nome de forma incorrecta, o que o impediu de levantar tais cartas nos CTT, pelo que nunca delas teve conhecimento e já decorreu o prazo para a AI as reenviar, pelo que se verifica, relativamente a ele, a caducidade do exercício do direito de resolução.

Compulsados os autos, verifica-se que, igualmente, não foi proferida qualquer decisão acerca desta questão, o que acarreta a existência da invocada nulidade – cf. artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, a suprir neste Tribunal da Relação, cf. artigo 665.º, n.º 1, do CPC.

E decidindo-a, apenas há a referir que o terceiro CC não impugnou a resolução efectuada pela AI nem interpôs recurso de qualquer decisão proferida nos autos, designadamente da sentença em análise.

Como decorre do disposto no artigo 631.º, n.º 1, do CPC, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.

Como refere ..., AAFDL, 1980, pág.s 12 a 14 “parte vencida é a que fica afectada objectivamente pela decisão, isto é, que não obtenha a decisão mais favorável possível aos seus interesses”.

Ora, a autora não é parte vencida quanto a esta questão, dela o sendo o terceiro, que não recorreu da decisão em apreço, pelo que a autora não tem legitimidade para suscitar esta questão, nem recorrer da decisão que a aprecie.

Assim, não há que apreciar tal questão, porque a autora não é parte vencida, relativamente a ela e, por isso, não tem legitimidade para a suscitar e/ou impugnar em sede de recurso.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

C. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova, relativamente ao item 4.º dos factos considerados como provados, a que se deve acrescentar que o valor da venda é de 19.590,00 €; 9.º, 12.º e 20.º, que devem passar a considerar-se como não provados, e 1.º e 3.º itens dos factos dados como não provados, que devem passar a considerar-se como provados.

Alega a autora, ora recorrente, que o Tribunal:

1 - deveria dar como provado, relativamente ao item 4.º dos factos provados, que o preço global da venda foi o de 19.590,00 €, tendo em conta o que consta dos itens 5.º e 6.º e doc.s n.º 14 a 19, juntos com a p.i.;

2 - constando do item 11.º dos factos provados, que em Agosto de 2017 a insolvente não tinha créditos em incumprimento, “nada existe nos autos que pudesse justificar ao Sr. Juiz do tribunal a quo na sentença recorrida ter dado como provado o constante no ponto 12 dos factos provados. Tal facto encontra-se assente numa mera suposição sem qualquer suporte fáctico”;

3 - “de igual forma nada inexiste nos autos que sustente os factos considerados no ponto 20 da sentença recorrida”;

4 - face ao que consta dos itens 5.º e 6.º dos factos provados, deveria ser dado como provado que “o preço pago pela autora foi utilizado pela insolvente para seu benefício”;

5 - o Tribunal não podia ter dado como provado o que consta em 9.º dos factos provados, porque não obstante o que consta em 21.º dos factos provados, “a insolvente dedicava-se às limpezas domésticas, não necessitando de qualquer veículo para prosseguir o seu objecto, bem como se dedicava a limpezas industriais, utilizando máquinas industriais sem recurso aos veículos em causa nos autos” e;

6 - tendo em conta o que consta nos pontos 11, 24 e 25, dos factos provados, não podia o Sr. Juiz a quo ter dado como não provado que “A 17 de Agosto de 2018 não tinha trabalhadores com créditos laborais em atraso”.

A redacção dada ao item 4.º dos factos provados, conjugada com o teor dos itens 5.º e 6.º, corresponde ao que a autora alegou no artigo 30.º da p.i..

Sem embargo de que do teor destes itens resulta que a autora pagou a quantia ali indicada, por transferência para a conta bancária da insolvente.

Assim, por a resposta dada corresponder ao que a autora alegou e resultar a transferência de tal quantia para a conta bancária da insolvente, nada há a alterar.

Mantém-se, pois, a redacção dada ao item 4.º dos factos provados.

No que respeita ao item 12.º dos factos provados, como vimos alega a recorrente que por do item 11.º estar assente que em Agosto de 2017 não existiam créditos em incumprimento, inexiste prova que permita dar como provada a matéria constante do item 12.º.

Desde logo se refira que uma coisa nada tem que ver com a outra. Inexistiam créditos em incumprimento, o que não obstava a que existissem créditos a vencer num futuro próximo e sem que existissem meios para os solver. De resto, a insolvência veio a ser requerida daí a um ano.

No entanto, decisivo para que esta pretensão naufrague é o facto de, cf. consta da motivação de facto constante da sentença recorrida se referir que, no que respeita “à situação de insolvência da vendedora, na altura da venda, destino do preço recebido pela insolvente, actividade da insolvente e problemas daí decorrentes”, se tiveram em conta os depoimentos da sócia gerente da autora, AA e das testemunhas II e EE.

Ora, em caso de prova gravada, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b) e 2, al. a), do CPC, deve o recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

A recorrente, nesta parte, não cumpre tal ónus, pelo que, relativamente a esta matéria, se rejeita o recurso, mantendo-se, em consequência a redacção que foi dada ao referido item 12.º.

Quanto ao item 20.º dos factos provados, valem mutatis mutandis as considerações que antecedem.

Nada se refere para a motivação do recurso, sendo que, igualmente, se trata de matéria abrangida, baseada, em prova gravada.

Assim, igualmente, se rejeita o recurso, nesta parte, mantendo-se a redacção dada ao item 20.º dos factos provados.

E o mesmo acontece relativamente ao facto não provado, redigido em 1.º lugar, referente ao destino dado ao preço da venda.

Assim, nos mesmos termos, se rejeita, quanto a tal, o recurso, mantendo-se tal facto como não provado.

No que concerne ao item 9.º dos factos provados, alega a recorrente que, na prática, a insolvente se dedicava a uma actividade que não aquela que consta como seu objecto social e, por isso, não precisava dos veículos vendidos para prosseguir a actividade que levava a cabo

Trata-se de uma afirmação não alicerçada em qualquer meio probatório.

Como acima já referido, no que respeita à situação e actividade da insolvente, tiveram-se em conta depoimentos que se encontram gravados, pelo que se repete o acima já referido e, nesta parte, se rejeita o recurso, mantendo-se a redacção que foi dada ao referido item 9.º.

Relativamente ao 3.º facto dado como não provado, alega a recorrente que, por via do que se encontra provado nos itens 11.º, 24.º e 25.º, tal matéria não poderia ser dada como não provada (ficando por esclarecer se a mesma deveria ser dada como provada ou ser eliminada).

Em 1.º lugar, saliente-se que os itens 11.º, 24.º e 25.º, se referem aos anos de 2016 e 2017, ao passo que o facto não provado em apreço se reporta ao ano de 2018.

Por outro lado, reitera-se o já dito quanto ao ónus de impugnação que impende sobre o recorrente, em caso de prova gravada, pelo que se rejeita o recurso, nesta parte, mantendo-se tal matéria como não provada.

Consequentemente, quanto a esta questão, improcede o recurso em apreço, mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada na decisão recorrida.

D. Se a resolução não é oponível ao terceiro, CC, por a mesma não lhe ter sido notificada e já ter decorrido o prazo para tal.

No que a esta questão respeita, valem as considerações acima expendidas aquando da análise e decisão da nulidade pela alegada falta de notificação do terceiro CC.

A recorrente não é parte vencida no que a tal respeita, pelo que não tem legitimidade para recorrer de tal decisão, cf. artigo 631.º, n.º 1, do CPC.

Assim, não se conhece desta questão do recurso.

E. Se não se verificavam os pressupostos para ser declarada válida a resolução dos negócios em causa, designadamente a má-fé dos intervenientes, devendo, em consequência, proceder a acção.

Relativamente a esta questão, refere a recorrente que não se verificam os requisitos para ser declarada a resolução, designadamente, não se mostra preenchido o requisito da má-fé.

Como é óbvio, em grande parte, o sucesso desta pretensão estava na total dependência do sucesso obtido no presente recurso, relativamente à almejada alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, o que a recorrente não logrou, em absoluto.

Assim sendo, em face da factualidade apurada, e remetendo para o que acima já se referiu na questão elencada em “A”, acerca dos requisitos da resolução, estamos em presença de actos (de venda) que diminuíram o acervo patrimonial da insolvente, com a consequente frustração da liquidação dos seus credores, à custa dos mesmos e que se verificou nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (cf. artigo 120.º, n.º 1 e 2, do CIRE.

De igual modo, cf. seu n.º 4, se presume a má fé da autora e terceiros para quem a mesma transferiu a propriedade de tais veículos, dada a circunstância de ambas as sociedades terem os mesmos gerentes, a que há a acrescentar o facto de todos serem conhecedores da situação de insolvência eminente da vendedora (cf. itens 9.º, 10.º, 12.º, 14.º, 18.º a 20.º, 22.º e 23.º), o que preenche o requisito previsto no n.º 5, al. b), do citado artigo 120.º.

Consequentemente, pelas razões ora expostas e aquando da questão elencada em “A”, bem como as referidas na sentença recorrida, para que se remete, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, é de concluir que estamos em face de actos prejudiciais à massa insolvente e em que se verifica a má-fé dos intervenientes, encontrando-se, por isso, verificados os requisitos para se declarar válida a resolução em apreço.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas, a cargo da apelante.

Coimbra, 14  de Junho de 2022.



[1] Cfr. o Acórdão do STJ de 17-09-2009 (processo n.º 307/09.1YFLSB); os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18-02-2013 (processo n.º 462/10.8TBVFR), de 11-03-2013 (processo n.º 2756/09.6TBOAZ), de 07/10/2013 (proc. nº 251/09.2TYVNG-I.P1) de 01/10/2013 (proc. nº 251/09.2TYVNG-H.P1), de 27/11/2012 (proc. nº 4694/08.0TBSTS-O.P1) e o Acórdão da Relação de Coimbra 04/06/2013 (proc. nº 354/12.6TBFND.K.C1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt

[2] Resolução em Benefício da Massa Insolvente, pág. 164.