HABEAS CORPUS
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
ACUSAÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
REJEIÇÃO
Sumário


I - Neste caso, tudo está em saber se há ou não excesso do prazo de duração máxima da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE), sabido que esta providência (habeas corpus) também se aplica, por interpretação extensiva ou por analogia (por força do art. 4.º do CPP) à OPHVE.
II - Resulta dos art.215.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 218.º, n.º 3, do CPP, tendo em atenção o crime mais grave imputado (no que aqui interessa é o crime de violência doméstica p. e p. no art. 152.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do CP), que o prazo de duração máxima de prisão preventiva, assim como o de obrigação de permanência na habitação, seria de 6 meses sem dedução de acusação, o que significa que, naquele momento processual (fase do inquérito), o legislador atendeu à data da acusação e não à data da notificação daquela peça ao arguido (como também foi decidido no ac. do TC 280/2008).
III - Ora, tendo sido o peticionante detido e preso preventivamente em 06-10-2021 (como resulta do auto relativo ao seu 1.º interrogatório judicial de arguido detido) e tendo sido deduzida a acusação pública em 04-04-2022 (como se verifica da certidão relativa a tal peça acusatória) é manifesto que não se mostra excedido o prazo de duração máxima da medida de coação a que se encontra sujeito (desde 06-10-2021 até 26-11-2021 prisão preventiva e a partir da última referida data, ou seja, a partir de 26-11-2021, obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica), pelo que não se verifica qualquer fundamento para o deferimento do presente pedido de habeas corpus (não ocorrendo o motivo indicado pelo peticionante e, muito menos, qualquer um dos outros apontados no art. 222.º, n.º 2, do CPP).

Texto Integral




Proc. n.º 977/19.2SGLSB-D.S1

Habeas Corpus

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1.O arguido AA, através do seu Advogado, requer providência de habeas corpus, no âmbito do inq. n.º 977/19…, que corre termos no DIAP Regional de Lisboa, ... secção e TCIC, Juiz ..., comarca ..., nos seguintes termos:

“I – Dos Fundamentos da Admissibilidade

1 - A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – art.º 27.º n.º l e 31.º n.º 1, da CRP –, e visa pôr termo a situações de prisão ilegal, motivada, entre outros, por ser mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – art.º 222.º, n.º 1 e 2, alínea. c) do CPP.

2 - A providência de habeas corpos tem como pressuposto de facto a prisão efetiva e atual e como fundamento de direito a sua ilegalidade.

3 - Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira à situação processual do requerente, se os actos do processo produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos referidos no art. 222.º, n.º 2, do CPP, o que sucede, in casu, porquanto o arguido não foi notificado da acusação, nem tão pouco sabe se foi deduzida, no prazo de seis meses, artigo 215 n.º 1 al. a) e n.º 2 do CPP.

4 - Como adiante se demonstrará, o Arguido encontra-se ilegalmente preso, em OPHVE, porquanto a sua prisão mantém-se para além dos prazos fixados por lei (art. 222.º n.º 2 al. c) do CPP).

II – Da Prisão Preventiva, Prazos e Duração

5- À ordem do Proc. 977/19…, que corre os seus termos no DIAP ... Secção Regional ... e TCIC Juiz ..., encontra-se o Arguido submetido à medida de primeiro prisão preventiva e agora OPHVE, desde o dia 06-09-2021.

6- Situação essa  que  se mantém até à presente data 07-04-2022 de forma ininterrupta.

7 - Em 06/09/2021 ao Arguido foi imposta a medida de coação prisão preventiva, alterada para OPHVE;

8 - À data de 07/04/2022, passam seis meses e um dia, sem que o Arguido ou o seu defensor tenham sido notificados e se foi deduzida acusação.

9- Também não foi o seu Defensor notificado da decisão, e dispõe de fax registado e e-mail para o efeito.

10- No presente caso, por se encontrar excedido o prazo legal para a dedução de acusação e sua notificação, não nos restam dúvidas que na presente data o Arguido encontra-se na situação prevista no art.º 215.°, n.º 1 alínea d) e n.º 2 do C.P.P.

11- No presente caso, o prazo máximo da prisão preventiva será de 6 meses, no limite.

12– Pese embora o M.º Juiz do Juiz ... do JIC tenha, na sequência de um requerimento de alteração de medida de coacção entregue pelo Arguido ter revalidado a prisão preventiva em 30-03-2022, pelo facto de o arguido não ter sido notificado em tempo da acusação, se é que foi prolatada, encontra-se ferido de caducidade a referida medida de coacção.

13- Para a ilegalidade da prisão ser fundamento procedente de habeas corpus é necessário que ainda se mantenha, não no momento em que o pedido é julgado.

14- O artigo 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o direito à liberdade pessoal, como direito fundamental, é de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas e a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da lei, em conformidade com os 27º, nº 2 e 28º, da CRP e artigo 5º, da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos.

15 - O artigo 31º, da CRP consagra no seu nº 1 que «Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente».

16 - Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a providência de habeas corpus, com tutela constitucional no citado artigo 31.º da CRP “consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos artigos 27.º e 28.º (…). Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”

17 - É, assim, conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, “uma providência urgente e expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação direta, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.

18- “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o “habeas corpus” testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”. (JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1º a 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508).

19- E escrevem os mesmos autores (ibidem, V, p. 510): “(…) (1) a providência do “habeas corpus” é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de ação cautelar e de recurso judicial. (…)”.

20 - Pelo que deve ter-se por esgotado o prazo máximo de prisão preventiva a partir de 07-04-2021, devendo ser o requerente imediatamente posto em liberdade.

21 - O presente procedimento é o único que poderá obstar, de forma célere eficaz e cabal, a manifesta ilegalidade da prisão em OPHVE do Arguido.

22 - Na prática forense, encontrando-se os prazos no seu último dia, por regra notificam os defensores via fax ou email, sendo que até ao presente momento o Arguido e seu defensor não foram notificados, desconhecendo se existe acusação proferida.”

Termina pedindo que o presente procedimento de “Habeas Corpus” seja julgado procedente e, nos termos dos arts. 215° n° 1 al. a) e n. 2 e 217° do CPP, seja julgada extinta, desde 17.04.2022, por força do decurso do prazo, a medida de coação de prisão preventiva a que o Arguido está sujeita desde 06.10.2021, sendo o mesmo restituído de imediato à liberdade (art.º 217.° n.º 1 do CPP), aplicando-se-lhe, se necessário, outras medidas de coação, previstas do art.º 197° ao art.º 200.° do CPP, se assim for entendido (art.º 217.º n.º 2 do CPP).


2. O Sr. Juiz de Instrução competente para proferir a informação a que se refere o art. 223.º, n.º 1, do CPP, exarou o seguinte despacho:

“Fls. 2 a 7 (requerimento do arguido AA – petição de habeas corpus em virtude de prisão ilegal):

No requerimento em referência, em ordem a que seja concedida a providência extraordinária de Habeas Corpus, o arguido AA sustenta, em síntese e com importância:

- À ordem destes autos, o arguido encontra-se submetido, primeiro, à medida de prisão preventiva e, agora, OPHVE, ininterruptamente desde o dia 6.9.2021, situação que se mantém à presente data 7.4.2022;

- À data de 7.4.2022 passam seis meses e um dia, sem que o arguido ou o seu defensor tenham sido notificados e se foi deduzida acusação;

- Pese embora o Mm.º Juiz (Juiz ... do JIC) tenha, na sequência de um requerimento de alteração de medida de coação entregue pelo arguido, revalidado a prisão preventiva (a referência a prisão preventiva dever-se-á a manifesto lapso, pois o arguido está sujeito a OPVHE), pelo facto de o arguido não ter sido notificado em tempo da acusação, se é que foi prolatada, encontra-se ferido de caducidade a referida medida de coação;

Conclui que se julgue procedente este procedimento de Habeas Corpus e que o arguido seja restituído à liberdade em conformidade com o disposto no art. 217º, n.º 1 do C.P.P...

*

Cumpre proceder à informação a que alude o art. 223º, n. 1 do C.P.P...

Os fundamentos elencados pelo arguido reconduzem-se à ilegalidade da sua prisão (atualmente obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica – doravante OPHVE), neste caso, à previsão normativa adjetiva prevista no art. 222º, n.ºs 1 e 2, al. c) do C.P.P. (“manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

Vejamos:

1) Por se indiciar fortemente a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.ºs 1 e 2, al. a) do C.P., na sequência de interrogatório judicial, por despacho proferido a 6.10.2021 o arguido foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva (fls. 1461 a 1475 e 1514);

2) Posteriormente, por despacho proferido a 26.11.2021, além do mais, determinou-se que o arguido ficasse sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, medida a que o arguido ainda se encontra sujeito, nesta data, 7.4.2022 (fls. 1818 e 1819);

3) O arguido requereu a alteração desta medida de coação por outra menos gravosa, o que foi indeferido pelo despacho proferido a 29.3.2022 (fls. 2389 a 2393);

4) No dia 4.4.2022, o M.P. deduziu acusação contra o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, al. b) e n.ºs 2, al. a), 4 e 5 do C.P., e três crimes de dano, p. e p. pelo art. 212º, n.º do C.P. (fls. 2417 a 2460);

5) Logo após, no dia 5.4.2022, foi proferido o despacho a que alude o art. 213º, n.º 1, al. b) do C.P., despacho esse pelo qual se decidiu manter a medida de coação de OPHVE a que o arguido está sujeito (fls. 2481 a 2483 e 2485);

6) No dia 7.4.2022 foram expedidas as cartas para notificação do arguido e do seu ilustre mandatário da acusação deduzida contra o primeiro (fls. 2490 e 2491);

Uma precisão:

Ao contrário do que o arguido alega no seu requerimento (art. 7º), a medida de coação de prisão preventiva não lhe foi aplicada a 6.9.2021, outrossim a 6.10.2021.

Considerando o crime de que o arguido se encontrava indiciado, agora acusado, é de 6 meses o prazo máximo de privação de liberdade do arguido, “sem que tenha sido deduzida acusação” (arts. 1, al. j), 201º, 215º, n.º 1, al. a) e 2 e 218º, n.º 3 do C.P.P.).

Tendo o arguido sido sujeito à medida de coação de prisão preventiva a 6.10.2021 para que não fosse ultrapassado o prazo máximo da sua privação de liberdade (atualmente está sujeito a OPHVE), a acusação teria que ser proferida até ao dia 6.4.2022.

Prazo que foi integralmente cumprido na medida em que a mesma foi deduzida a 4.4.2022.

O arguido, salvo o devido respeito por outra opinião por outra opinião, lê o que no elemento literal da norma não está minimamente expresso.

Com efeito, a mesma disciplina (art. 215º, n.º 1, al. a)) que a “prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido (…) sem que tenha sido deduzida acusação” e não “sem que tenha sido deduzida e notificada a acusação”.

Aliás, a interpretação que ora sustento, parece-me ser jurisprudência pacífica do Colendo STJ nesta matéria pelo menos desde o ano de 2001.

Com efeito, ainda recentemente, pelo Acórdão proferido pelo STJ a 10.2.2022 no processo n.º 44/21.9GBCVD-B.SI e em que foi relator o Colendo Conselheiro Cid Geraldo (in www.dgsi.pt) decidiu-se:

“I – Para a verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva, previsto no art. 215º, do C.P.P., é relevante a data da prolação da acusação (ou do despacho de pronúncia, ou da condenação) e não a notificação ao arguido dessa peça processual”. (negrito meu)

Em síntese:

A meu ver, o motivo aduzido pelo arguido/requerente não cabe no elenco contemplado no art. 222º, n.º 2, al. c) do C.P.P...

Por isso:

1) Mantenho a privação da liberdade do arguido AA que se encontra sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica;

Vossas Excelências Colendos Conselheiros, porém, com mais saber, mais experiência e superior critério, melhor decidirão e farão a necessária e costumada JUSTIÇA!

*

Extraia-se certidão de fls. 1461 a 1475 e 1514, 1818 e 1819, 2389 a 2393, 2417 a 2460, 2483 e 2485 e 2490 e 2491 dos autos principais e junte-se ao presente apenso de habeas corpus.

*

Notifique-se o M.P. e o arguido do teor deste despacho.

*

Após, remeta-se o presente apenso de Habeas Corpus ao Colendo Conselheiro e Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (art. 223º, n.º 1 do C.P.P.).”

3. Tendo entrado a petição neste Supremo Tribunal, após distribuição, teve lugar a audiência aludida no art. 223.º, n.º 3, do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir.

II - Fundamentação


1.Factos

1.1. Extrai-se dos elementos constantes da petição, da informação prestada nos termos do art. 223.º, n.º 1, do CPP, bem como da certidão junta aos autos, o seguinte:

- O arguido AA foi preso preventivamente em 06.10.2021, por estar fortemente indiciado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. no art. 152.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do CP, conforme despacho judicial proferido na mesma data quando foi sujeito a interrogatório judicial;

- por despacho de 26.11.2021 foi, além do mais, alterada a medida de coação de prisão preventiva para obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica;

- desde essa data até pelo menos 7.04.2022 o arguido ficou sujeito, além do mais, à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE);

- entretanto, por despacho de 29.03.2022 foi indeferido o requerimento do arguido a pedir a alteração da medida de coação a que está sujeito por outra menos gravosa;

- em 04.04.2022 foi deduzida acusação contra o mesmo arguido, pelos factos nela descritos, sendo-lhe imputada a prática, em concurso efetivo, de um crime de violência doméstica p. e p. no art. 152.º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. a), n.º 4 e n.º 5 do CP e três crimes de dano p. e p. no art. 212.º, n.º 1, do CP;

- em 5.04.2022 foi proferido despacho ao abrigo do art. 213.º, n.º 1, al. b), do CPP, no qual foi mantida a medida de coação (OPHVE) a que o arguido estava sujeito;

- em 7.04.2022 foram expedidas cartas para notificação do arguido e seu Ilustre Mandatário, da dedução da acusação, nos termos do art. 283.º CPP.


2.Direito

2.1. Invoca o peticionante/arguido que está preso preventivamente ilegalmente uma vez que, na sua perspetiva, não terá sido deduzida acusação no prazo de 6 meses (prazo máximo da prisão preventiva, nos termos do art. 215.º, n.º 2, do CPP, sem dedução de acusação), por não ter sido dela notificado, como seria de esperar e ter sido notificado entretanto de despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal, concluindo, por isso, que aquela medida se extinguiu por ultrapassar o prazo fixado na lei (art. 215.º, n.º 2, do CPP), pedindo, através deste habeas corpus, a sua libertação imediata ao abrigo do disposto no art. 222.º, n.º 1 e n.º 2, al. c), do CPP.

2.2. Dispõe o artigo 222.º (habeas corpus em virtude de prisão ilegal) do CPP:

1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

São taxativos os pressupostos do habeas corpus (que também tem assento no art. 31.º da CRP), o qual não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste.

Aliás, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Lisboa: Editorial Verbo, 1993, p. 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.

Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (art. 31.º, n.º 2 CRP), tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere.

 De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito de eventual decisão impugnada ou erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do CPP.


3.Apreciação

E, o que é que se passa neste caso concreto?

Tudo está em saber se há ou não excesso do prazo de duração máxima da prisão preventiva e da OPHVE (à qual também se aplica esta providência por interpretação extensiva ou por analogia por força do art. 4.º do CPP[1]) a que o arguido peticionante deste habeas corpus está sujeito.

Como sabido, resulta dos arts.215.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 218.º n.º 3, do CPP, tendo em atenção o crime mais grave que lhe é imputado (no que aqui interessa o crime de violência doméstica p. e p. no art. 152.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do CP), que o prazo de duração máxima de prisão preventiva, assim como o de obrigação de permanência na habitação, seria de 6 meses sem dedução de acusação, o que significa que, naquele momento processual (fase do inquérito), o legislador atendeu à data da acusação e não à data da notificação daquela peça ao arguido (como também foi decidido no Ac. do TC 280/2008)[2].

Ora, tendo sido o peticionante detido e preso preventivamente em 6.10.2021 (como resulta do auto relativo ao seu 1.º interrogatório judicial de arguido detido) e tendo sido deduzida a acusação pública em 4.04.2022 (como se verifica da certidão relativa a tal peça acusatória) é manifesto que não se mostra excedido o prazo de duração máxima da medida de coação a que se encontra sujeito (desde 6.10.2021 até 26.11.2021 prisão preventiva e a partir da última referida data, ou seja, a partir de 26.11.2021, obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica), pelo que não se verifica qualquer fundamento para o deferimento do presente pedido de habeas corpus (não ocorrendo o motivo indicado pelo peticionante e, muito menos, qualquer um dos outros apontados no art. 222.º, n.º 2, do CPP).

Concluiu-se, pois, pelo indeferimento do presente pedido de habeas corpus.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus formulada por AA.

Custas pelo peticionante/requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelo Senhor Juiz Conselheiro Adjunto e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da Secção Criminal, todos de turno.

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Supremo Tribunal de Justiça, 13.04.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Orlando Gonçalves

Ferreira Lopes

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[1] Ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2007, pp. 590 e 591 e Tiago Caiado Milheiro, in AAVV, Comentário Judiciário do Código Processo Penal, tomo III, Artigos 191.º a 310.º, 2ª edição, Coimbra: Almedina, 2022, p. 581.
[2] Assim, Maria do Carmo Silva Dias, in AAVV, Comentário Judiciário do Código Processo Penal, Tomo III, Artigos 191.º a 310.º, 2ª edição, Coimbra: Almedina, 2022, p. 495.