REVISTA EXCECIONAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Sumário


I - O recorrente que invoca, como fundamento de uma revista excepcional, as alíneas a), b) e c)   do nº 1 do artigo 672º do CPC tem o ónus de indicar “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e/ou “as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social” e/ou “Os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada”, sob pena de rejeição do recurso.
II - Não cumpre esse ónus o recorrente que se limita a, de forma vaga e genérica, invocar a errada apreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação e o desacerto no concreto estabelecimento do nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança e a produção do acidente de trabalho, não identificando, com as necessárias concretização e especificação, a questão ou as questões que pretende submeter ao STJ,  que justifiquem a intervenção deste, e nada diz acerca da identidade da situação de facto exigida pela referida al. c).

Texto Integral





Processo 2930/18.4T8BRG.G1.S2
Revista Excepcional
17/22

Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

AA e BB vieram, respectivamente na qualidade de cônjuge e filha do sinistrado falecido, instaurar acção especial emergente de acidente de trabalho contra SEGURADORAS UNIDAS, SA, (Ré- seguradora) e  PAINEL 2000 – SOCIEDADE INDUSTRIAL DE PAINÉIS, SA (Ré- empregadora), pedindo a condenação da primeira Ré a pagar à primeira Autora uma pensão anual e vitalícia no valor de € 3.598,98 até atingir a idade de reforma por velhice e no valor de € 4.798,64 depois desta idade; à segunda Autora uma pensão anual no valor de € 2.399,32, enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento; a quantia de € 5.661,48 a título de subsídio por morte, sendo metade devida à primeira Autora e a outra metade à segunda Autora; à primeira Autora a quantia de € 30,00, a título de despesas com deslocações obrigatórias no âmbito dos autos; juros de mora a calcular à taxa legal supletiva até integral pagamento. Alternativamente, pedem a condenação da segunda Ré a pagar à primeira e à segunda Autoras uma pensão anual e vitalícia no valor de € 11.996,60, sendo relativamente à segunda Autora enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento; a quantia de € 5.661,48, a título de subsídio por morte, metade a cada Autora; à primeira Autora a quantia de € 30,00, a título de despesas com deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos; a quantia de € 100.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; juros de mora a calcular à taxa legal supletiva até integral pagamento.

As Rés contestaram.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

Condeno a ré entidade patronal a pagar:

À primeira autora, a pensão anual e vitalícia no valor de € 9.587,28 (nove mil quinhentos e noventa e sete euros e vinte e oito cêntimos);

À segunda autora, a pensão anual no valor de € 2.399,32 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e trinta e dois cêntimos);

À primeira autora, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento;

À segunda autora, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento.

Condeno a ré seguradora a pagar:

À primeira autora, a pensão anual e vitalícia no valor de € 3.598,98 (três mil quinhentos e noventa e oito euros e noventa e oito cêntimos) até atingir a idade de reforma por velhice e de € 4.798,64 (quatro mil setecentos e noventa e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) depois de atingir esta idade;

À segunda autora, a pensão anual no valor de € 2.399,32 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e trinta e dois cêntimos), enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento;

A quantia de € 5.661,48 (cinco mil seiscentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos) a título de subsídio por morte, sendo o montante de € 2.380,74 (dois trezentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos) para a primeira autora e o montante de € 2.380,74 para a segunda autora (dois trezentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a tentativa de conciliação até integral pagamento;

À primeira autora, a quantia de € 30,00 (trinta euros) que despendeu em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a tentativa de conciliação até integral pagamento.

As pensões são devidas desde a data do falecimento do sinistrado;

A ré entidade patronal apenas é responsável pelo pagamento da diferença relativamente às prestações da responsabilidade da ré seguradora;

As prestações da responsabilidade da ré seguradora são sem prejuízo de eventual direito de regresso.

Nos termos do art. 120º nº 1 do Cód. de Processo do Trabalho, fixo à causa o valor de € 263.120,46 (duzentos e sessenta e três mil cento e vinte euros e quarenta e seis cêntimos).

Custas a cargo das autoras e das rés não proporção do decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio que foi concedido”.

A Ré – empregadora interpôs recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação foi decidido julgar improcedente o recurso de apelação, com a confirmação, na íntegra, da sentença recorrida.

A Ré – empregadora interpôs de revista em termos gerais e, subsidiariamente recurso de revista excepcional.     

x

Por decisão já transitada em julgado, não foi admitido o recurso de revista interposto em termos gerais.

O processo foi distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil.

Após convite de sintetização por parte da anterior Relatora, a Recorrente formulou, com vista a essa admissibilidade, as seguintes conclusões:

II – DAS CONCLUSÕES A ADITAR

XXXII – Em abono das teses conducentes à procedência do recurso de apelação, a Recorrente – cumprindo os respectivos ónus sobre a impugnação da matéria de facto – também explicou, e demonstrou, as suas opiniões de direito, fundamentando-as, além do mais, em douta jurisprudência, em especial no sentido de consolidar a sua alegação de serem absolutamente tabelares e gratuitas as afirmações da inobservância das regras de segurança e, ainda de modo mais expressivo, da inexistência de nexo de causalidade (decidido como se vê) , tendo em conta que se trata de uma forma de culpa agravada, o que impõe (ou deveria impor) maior cuidado aos Tribunais na sua constituição.

XXXIII – Contudo, nem as regras a que a recorrente estaria obrigada são concretizadas ou especificadas nas duas decisões já havidas, e tudo além de que também não se fez prova das causas concretas que desencadearam o acidente, que também não são extraíveis do emaranhado de afirmações, com ressalva feita pela 1ª instância de que “É também certo que algo se passou com o sinistrado que o levou a aproximar-se deste local”.

XXXIV – Sequencialmente, a Relação, como resulta do acórdão revidendo, além de improvisar uma tese peregrina para saltar a questão do ponto 26 (excluído dos autos porque nem foi provado nem foi não provado; mas a matéria de facto sobre o nexo de causalidade, que não foi sequer alegada, foi dada como assente!) procedeu ao conhecimento “não reapreciando, como devia, as provas apresentadas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente“, traduzindo-se a reapreciação “em meras considerações genéricas”, “abstendo-se por isso, sem mais, de conhecer da substância do recurso”.

XXXV – Concludentemente, a boa e adequada aplicação do direito não pode consentir a perpetuação de uma decisão com tal grau de imprecisão apenas destinado a impetrar responsabilidade a todo o custo à ora Recorrente.

XXXVI – Quanto à previsão da alínea b) do nº 2 do 672º do CPC, parece também bastante e ajustado a que, para o caso concreto no seu todo implicado, se possa julgar integrada a previsão da al. b) do nº 1 do artigo 672º – estarem em causa interesses de particular relevância social –, pois, pela sua natureza

intrínseca, todas matérias do direito laboral de matriz oficiosa – artigo 26º, nº 1, al. e) e nº 3 do CPT e artigo s 12º e 78º da LAT –, mas em especial as relativas a acidentes, têm repercussões deveras elevadas para a sociedade, carentes da atenção, casuística, concede-se, desse Supremo Tribunal.

XXXVII – Aliás, para comprovação desse relevo, saliente-se que no Preâmbulo do CPT se diz o seguinte:

“Por outro lado, tendo em conta que os valores em causa no domínio juslaboral são de interesse e ordem pública, entende-se ser de manter a intervenção acessória do Ministério Público…”; e que, “Ainda com base no interesse e ordem pública dos valores em presença, e contrariamente ao que aconteceu na revisão do Código de Processo Civil, julga-se oportuno estabelecer, em sede de julgamento de recursos, a possibilidade de o Ministério Público emitir parecer sobre o sentido da respectiva decisão, desde que não intervenha como representante ou patrono de qualquer das partes e sempre com observância do contraditório”, o que, veio a ser consagrado no artigo 87º, nº 3 – Antes do julgamento dos recursos, o Ministério Público, não sendo patrono ou representante de qualquer das partes, tem vista no processo para, em 10 dias, emitir parecer sobre a decisão final a proferir, devendo observar-se, em igual prazo, o contraditório”.

XXXVIII – Acresce que das questões discutidas na revista ressalta um destratamento das regras de causalidade adequada tal como estão firmadas no ordenamento jurídico, o que periga a efectiva tutela da protecção dos trabalhadores pela desconfiança gerada no público em geral e, concretamente, nas entidades patronais quanto à enformação da prevenção dos seus sinistros.

XLIX – Por último, se a tutela da protecção dos trabalhadores se revela como um dos bens jurídicos com mais relevância social que importa ao Direito salvaguardar – repare-se, aliás, que a designação das secções dos Tribunais superiores que se ocupam das questões laborais é, precisamente, «SECÇÃO SOCIAL» –, o princípio da igualdade de armas processuais e ainda o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, o da força jurídica ínsito no artigo 18º da CRP e o da iniciativa económica previsto no artigo 61º da CRP impõem que a mesma relevância social seja verificada nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 672º do CPC tanto na desprotecção do trabalhador como na desadequada e excessiva oneração do empregador que decorra de flagrante violação do Direito em ordem a perigar a harmonia jurisprudencial.

L – Quanto à recorribilidade resultante da alínea c) do nº 2 do artigo 672º do CPC, ocorre que os elementos já expostos anunciam estarmos, face à decisão recorrida, e nos aspectos adrede adiantados, da alegada inobservância das regras de segurança e do nexo de causalidade – em especial deste –, na vertente da agravação da responsabilidade, prevista no artigo 18º da Lei nº 98/2009, perante uma distorção absoluta da jurisprudência firmada, com a qual se fará de seguida o devido confronto.

LI – Com efeito, no caso presente, a 1ª instância, em toda a sentença, não faz a mínima referência legal às regras de segurança pretensamente violadas, limitando-se a dizer que “o que está em causa é o facto de o empregador não ter observado as regras de segurança a que estava obrigado”, enquanto a Relação se limita, nesse aspecto, no item “CAUSA DE PEDIR”, a repristinar da petição a alusão às regras impostas e previstas nos artigos 3º, 16º e 22º do DL nº 50/2005, ou seja, a remeter para disposições gerais com múltiplas previsões, as quais, com esta remissão indefinida, não foram discutidas em audiência, não permitindo a sua pontual e devida refutação.

LII – Sem prejuízo de se realçar que a sentença confirmada não indica uma única norma legal relativa às regras de segurança concretas (determinadas, diz-se no acórdão fundamento, e não de normas de conduta gerais e abstractas) ou cuja previsibilidade fosse de atribuir à recorrente, nela, para se concluir que “Entendemos igualmente que está demonstrado o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e o acidente”, é frontalmente contrariado pelos argumentos do acórdão fundamento, tendo sempre em conta o tema das regras de segurança e do nexo de causalidade.

LIII – E, para o efeito dos itens em apreço – das regras de segurança e da relação causal –, com toda a pertinência para o caso presente e para a oposição de julgados, deve dar-se especial valor a este passo do acórdão fundamento, que ambas as decisões invocam: “Desconhecendo-se a razão e dinâmica da queda, desconhece-se necessariamente se a implementação de alguma das aludidas medidas de segurança seria idónea a evitá-la”, quando a recorrente alegou e concluiu (conclusão Z): “Desconhecendo-se o processo naturalístico que, concretamente, deu origem ao acidente, não é possível dar por verificado o nexo causal entre a alegada violação das regras de segurança (por parte da recorrente) e o acidente, pela mera afirmação - sem mais - de que a violação tenha existido.

LIV – O raciocínio mais elementar a fazer é de facto este, e toda a jurisprudência – em especial a invocada e sustentada pela Relação – o segue: não se conhecendo a dinâmica do acidente, nem se pode aceder às regras que foram violadas nem, obviamente, ao nexo de causalidade.

LV – Mas o acórdão da Relação, que dá abrangente cobertura (tabelar) à fundamentação e à decisão da 1ª instância, mesmo ciente de dever seguir a mesma doutrina do acórdão fundamento, por razões que não se alcançam – melhor, que a Recorrente não alcança nem antolha que alguém alcance; a prova disso está no passo citado do acórdão fundamento “Assim sendo, …por maioria de razão, não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre aquela omissão e este acidente” –, opõe-se frontalmente à doutrina do acórdão por si invocado (confirmado), a do acórdão fundamento, e de tal modo que, com o devido respeito, entende a recorrente ficar preenchida a previsão da al. c) do artigo 672º, nº 2, impondo-se a sua revogação.

x

Cumpre apreciar e decidir:

A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito.

De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional.

A Recorrente começa por invocar como fundamento da admissão do recurso o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, que referem o seguinte:

“1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social”.

Relativamente à primeira excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea, a) pode ler-se em anotação ao artº 672º do CPC, anotado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), “Para esta primeira exceção são elegíveis situações em que a questão jurídica suscitada apresente um carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas. Na verdade, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de uma questão cujo relevo jurídico seja indiscutível, embora a lei não distinga entre questões que emergem do direito substantivo ou do direito adjetivo. Não bastará, pois, o mero interesse subjetivo da parte.»

Com maior desenvolvimento, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, pág. 381) refere: “Outra linha de força aponta para a recusa da pretensão quando a decisão recorrida se enquadrar numa corrente jurisprudencial consolidada, denotando a interposição de recurso mero inconformismo perante a decisão recorrida.

As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador.

Constituindo um instrumento processual em que fundamentalmente se pretendem tutelar interesses ligados à “melhor aplicação do direito”, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de questões cujo relevo jurídico seja indiscutível, o que pode decorrer, por exemplo, da existência de legislação nova cuja interpretação suscite sérias divergências, tendo em vista atalhar decisões contraditórias (efeito preventivo), ou do facto de as instâncias terem decidido a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador)”.

Por outro lado, e no que concerne à segunda excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea b), os autores já citados Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), referem que “Na segunda exceção, por estarem em causa interesses de particular relevo social, serão de incluir ações cujo objeto respeite, designadamente, a interesses importantes da comunidade, à estrutura familiar, aos direitos dos consumidores, ao ambiente, à ecologia, à qualidade de vida, à saúde ou ao património histórico e cultural, valores que naturalmente se sobrepõem também ao mero interesse subjetivo da parte da admissibilidade do terceiro grau de jurisdição”.

Importa, no entanto e à partida, ter em conta que decorre do nº 2 do artigo 672.º do CPC que o Recorrente tem o ónus de indicar na sua alegação, sob pena de rejeição, “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, caso invoque a alínea a) do nº 1 do artigo 672º, e “as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social”, quando o fundamento da revista excepcional reside no disposto na alínea b) desse nº 1.

Como se decidiu no Ac. deste Supremo Tribunal de 29/09/2021, proc. n.º 2948/19.0T8PRT.P1.S2,  no recurso de revista excepcional devem ser indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.

Ora, é manifesto que, no caso em apreço, a Recorrente não deu cumprimento a esse ónus de indicar as razões pelas quais é necessária a intervenção deste STJ.

Com efeito, limita-se a invocar razões meramente genéricas, ligadas à por ela alegada deficiente apreciação pela Relação da matéria de facto, incluindo a impugnação da mesma, e à apreciação do nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança e a produção do acidente.

Alegações meramente genéricas quanto a tais aspectos, não identificando a  recorrente, com as necessárias concretização e especificação, a questão ou as questões que pretende submeter ao STJ,  que justifiquem a intervenção deste, em sede de revista excepcional,  de modo a identificar, com as indispensáveis clareza e segurança,  a questão ou questões  cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, sejam claramente necessárias para melhor aplicação do direito, ou  tenham que ver com interesses de particular relevância social.

É jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que não bastam afirmações efectuadas de uma forma genérica e vaga, sendo  necessário explicitar, com argumentação sólida e convincente, as razões concretas e objetivas, susceptíveis de revelar a alegada relevância jurídica e social, não relevando o mero interesse subjetivo do recorrente, sendo necessário que o mesmo concretize com argumentos concretos e objectivos- cfr., entre outros, os acórdãos deste STJ de 11/05/2022, proc. 1924/17.1T8PNF.P1.S1, de 30/03/2022, Proc. n.º 5881/18.9T8MAI.P1.S2, de 17/03/2022, Proc. n.º 28602/15.3T8LSB.L2.S2, e de 11/05/2021, Proc. n.º 3690/19.7T8VNG.P1.S2

O que a Recorrente demonstra é o simples inconformismo com a decisão do Tribunal da Relação, pretendendo que este Supremo Tribunal dirima, em sede de recurso de revista, um conflito de natureza privada, mais concretamente a forma como o Tribunal da Relação julgou a matéria de facto e o estabelecimento do nexo de causalidade supra referido.

Quanto ao invocado fundamento da al. c), também a Recorrente não cumpre o ónus a que se refere essa al. c) do nº 1 do artº 672º, já que nem perto nem de longe indica “os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada”. Com efeito, não especifica, com a necessária precisão, em que é que os dois acórdãos - acórdão recorrido e acórdão fundamento- estão em contradição no que toca ao estabelecimento do aludido nexo de causalidade. Mais uma vez a Recorrente se limita a pôr em causa a forma concreta como o acórdão recorrido abordou essa questão do nexo de causalidade, demonstrando claramente que é em relação a essa aplicação concreta que radica o seu desacordo.

No  Acórdão do STJ de 3/03/2016, proc. 102/13.3TVLSB.L1.S1, incluído nos Boletins Anuais disponibilizados em www.stj.pt, entendeu-se, lapidarmente, que “I - Constitui entendimento uniforme da Formação de apreciação preliminar, que a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro caso, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação. II - Implica a rejeição do recurso de revista excepcional, por redundar em incumprimento dos ónus impostos pelas als. c) dos n.ºs 1 e 2 do art. 672.º do CPC, a mera transcrição, pelos requerentes, de excertos dos acórdãos alegadamente em contradição, omitindo a completa e relevante referência aos quadros factuais respectivos, que serviriam de pressuposto ou premissa dos silogismos judiciários em que se operaram as qualificações jurídicas alegadamente inconciliáveis.”

Por sua vez no Ac. deste STJ e Secção Social de 13/1/2021, proc. 512/18.0T8LSB.L1.S2, escreveu-se:

“A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o acesso ao recurso de revista excecional, previsto no art.º 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, pressupõe a verificação dos seguintes requisitos:

- O acórdão recorrido e o acórdão-fundamento têm de incidir sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo ser idêntico o núcleo da situação de facto, atento o ratio da norma aplicável;

- A existência de uma contradição ao nível da resposta dada em ambos os acórdãos a determinada questão, bastando que no acórdão recorrido se tenha dado uma resposta diversa e não, propriamente, contrária à resposta dada no acórdão-fundamento, devendo, no entanto, a oposição ser frontal e não implícita ou pressuposta;

- A essencialidade da questão de direito conducente ao resultado numa e noutra das decisões, sendo irrelevante a argumentação sem valor decisivo;

- A existência de um quadro normativo idêntico, independentemente de eventuais alterações que não tenham alterado a sua substância;

- Não exista acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão jurídica em questão que o acórdão recorrido tenha seguido”.

Ora, no caso concreto a Recorrente nada diz acerca dessa identidade da situação de facto.

Assim, e por não ter sido dado cumprimento ao ónus do nº 2 do artigo 672.º do CPC, não é admissível a revista excepcional.

x

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pela Ré / recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação.

Custas pela Recorrente.

                                                          

Lisboa, 01/06/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Vieira Gomes