ENCERRAMENTO DE EMPRESA PRIVADA
HERANÇA INDIVISA
Sumário


Pertencendo uma empresa ao património autónomo que é a herança e não sendo imputável aos herdeiros a administração da empresa e o encerramento da mesma, devem as consequências jurídicas de tal encerramento em sede de cessação dos contratos de trabalho serem suportadas pela herança e não pelo património pessoal dos herdeiros.

Texto Integral




Processo nº 1504/12.8TTPRT.P1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Relatório

No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, intentaram ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de Processo Comum, contra HH, II e JJ, KK e JJ e LL, pedindo, a título principal, a declaração de ilicitude do seu despedimento e a condenação das Rés no pagamento, para o que aqui releva, à A. BB, das seguintes quantias:
I – As retribuições relativas aos meses de julho e agosto de 2012, no montante de € 1 330, 20;
II – O subsídio de férias respeitante às férias gozadas em 2012, no montante de € 665,10;
III – As retribuições que deixou de auferir desde 31.8.2012 até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos que declare a ilicitude do despedimento, liquidando-se na presente data, em € 1 330,20;
IV – A indemnização em substituição da reintegração correspondente a 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, devendo ser considerado o tempo que decorrer até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos, liquidando-se na presente data, em € 28 710,15;
V – A retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano civil da prestação do contrato de trabalho considerando-se tal na data do trânsito da decisão a proferir nos presentes autos.

Na sequência da resposta das Rés foi proferido despacho a determinar a citação da herança jacente e de MM, no entendimento de que o pedido formulado na petição inicial é deduzido igualmente contra os mesmos.

O Interveniente MM contestou invocando a sua ilegitimidade, por não ter qualquer interesse em contradizer a pretensão das Autoras, não sendo titular da relação material controvertida, referindo que as Rés aceitaram a herança por óbito de NN e que o Chamado jamais assumiu, expressa ou tacitamente, a responsabilidade de continuação da Escola. Invocou ainda que as Rés, a 26 de Abril de 2013, requereram o inventário por óbito de NN, ação que corre termos no ... Juízo Cível ... com o n.º 675/13…, pelo que também por esta via aceitaram a herança.

Impugnou que possa ser responsabilizado pelas dívidas resultantes do encerramento da Escola ..., referindo que apenas geriu a Escola ..., primeiro a título de procurador e sob a orientação e direção do seu tio e, após a morte deste, enquanto gestor de negócios, dando sempre conta disso às herdeiras,  com o mero intuito de, face ao silêncio das herdeiras, não prejudicar os alunos e pais e o prestígio da Escola, e conclui que, não só não lhe cabe qualquer responsabilidade por dívidas da Escola, como, pelo contrário, é ele próprio também credor da herança de Sr. NN, tendo um interesse equivalente ao das Autoras.

Realizado o julgamento, em 17.6.2019 foi proferida sentença que julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva das Rés e do Interveniente MM, e julgou a ação totalmente procedente, findado com o seguinte dispositivo:

“Termos em que julgo a presente ação totalmente procedente e, em consequência:

I) - Condeno as Rés HH; II e JJ; KK e JJ; LL, solidariamente, no pagamento às Autoras, das seguintes quantias:

(…)

À Autora BB:

a) O direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde 31/08/2012 até ao trânsito em julgado da presente decisão, à razão mensal de €665,10 (seiscentos e sessenta e cinco euros e dez cêntimos), deduzida das importâncias referidas no art.º 390.º, n.º 2 do Código de Trabalho, cuja liquidação se remete para execução de sentença, considerando que neste momento o Tribunal não tem elementos disponíveis para proceder ao seu cálculo – cfr. art.º 609.º, n.º 2 do C.P.C.

b) O direito a receber a indemnização em substituição da reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, devendo ser considerado o tempo que decorrer até ao trânsito em julgado da presente decisão, liquidando-se, na presente data, em €28.599,30 (vinte e oito mil, quinhentos e noventa e nove euros e trinta cêntimos) (665,10€ x 43).

c) Os proporcionais da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, correspondentes ao tempo de serviço prestado no ano civil da cessação do contrato de trabalho, no valor de €1.330,20 (mil, trezentos e trinta euros e vinte cêntimos) [(€665,10 /12 x 8) x 3].

d) Juros sobre as quantias já liquidadas, no valor de €7.842,35 (sete mil, oitocentos e quarenta e dois euros e trinta e cinco cêntimos), acrescido dos que se vencerem sobre o capital de €29.929,50 (vinte e nove mil, novecentos e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos), contados desde a presente data até integral pagamento.

II) – Absolvo o Interveniente MM dos pedidos que, subsidiariamente, contra si foram formulados.

Inconformadas as Rés apelaram.

O Tribunal da Relação proferiu Acórdão com o seguinte teor:

[Decide-se] 1. - Julgar o recurso improcedente sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

2. - Julgar o recurso procedente sobre a matéria de direito e, em consequência, alterar a decisão recorrida na parte relativa a responsabilidade das rés, a qual é substituída pelo presente acórdão que, mantendo o reconhecendo dos créditos das autoras, condena as rés a reconhecerem a existência de tais créditos sobre a herança aberta por morte de NN e a verem satisfeitos esses créditos pelos bens dessa mesma herança.

Inconformadas as Autoras recorreram, formulando no seu recurso de revista as seguintes Conclusões:

1) O presente recurso visa a decisão proferida pelo Acórdão do Tribunal da Relação ..., na parte que julgou o recurso interposto da sentença proferida pela 1ª instância procedente sobre a matéria de direito e, em consequência, alterou a decisão recorrida na parte relativa a responsabilidade das rés, que, mantendo o reconhecimento dos créditos das autoras, apenas condenou as rés a reconhecerem a existência de tais créditos sobre a herança aberta por morte de NN e a verem satisfeitos esses créditos pelos bens dessa mesma herança.

2) Os sucessores de uma pessoa falecida são sempre pessoas dotadas de personalidade jurídica.

3) A herança jacente não goza de personalidade jurídica pelo que nunca poderá ser considerada como sucessora de pessoa falecida.

4) O Tribunal da Relação ao considerar a herança jacente como sucessora do falecido NN, violou o disposto no art. 2030º, no art. 66º, no art. 157º e no art. 158º, do CC .

5) Tendo a 1ª instância considerado e julgado que, após a morte de NN, empregador em nome individual, as RR., suas sucessoras, continuaram a atividade para a qual as AA. se encontravam contratadas, passando a ocupar a posição contratual de empregador nos contratos de trabalho das AA., assumindo os respetivos direitos e obrigações, nos termos do disposto no art. 346º, n.º 1, do CT, e não tendo tal sido objeto de recurso pelas RR., deve-se ter por transitada em julgado esta parte da sentença.

6) Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo – art. 635º, n.º 5, do CPC.

7) O Tribunal da Relação não podia ter decidido, em sede de recurso, em contrário com o decidido pela 1ª instância, já transitado, que a atividade foi continuada pela herança jacente e que esta ocupou a posição de empregador

8) Ao fazê-lo, violou o disposto no n.º 5, do art. 635º, do CPC, e o Acórdão recorrido é nulo, nesta parte, nos termos do disposto na 2ª parte, da al. d), do n.º 1, do art. 615º, aplicável por força do disposto no n.º 1, do art. 666º, do CPC.

9) O n.º 1, do art. 346º do CT, deve ser interpretado no sentido de que quando se refere a sucessor se refere às pessoas jurídicas, consideradas individualmente, que sucederam ao empregador, assumindo estas, pessoalmente, a posição de empregador.

10) Só os sucessores, pessoalmente, podem continuar a atividade e só estes podem ocupar a posição jurídica de empregador, pois que, consubstanciando a posição de empregador o exercício de direitos e obrigações, tal só pode ser feito por pessoas com capacidade jurídica.

11) Não gozando a herança jacente de capacidade jurídica, não pode ser sujeita de qualquer relação jurídica – art. 67º, do CC.

12) Ao não entender assim, o Tribunal da Relação fez uma errada interpretação e violou o disposto no n.º 1, do art. 346 do CT e violou o disposto no art. 67º do CC.

13) Tendo a 1ª instância considerado e julgado que as RR. tinham já aceite a herança, em 11/06/2012 (data anterior ao despedimento das AA.), e de forma expressa, e não tendo tal sido objeto de recurso pelas RR., deve-se ter por transitada em julgado esta parte da sentença.

14) Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo – art. 635º, n.º 5, do CPC.

15) O Tribunal da Relação não podia ter decidido, em sede de recurso, em contrário com o decidido pela 1ª instância, já transitado, “que só posteriormente à data do despedimento ilícito das autoras – 31 de agosto de 2012 – as rés aceitaram a herança.”

16) Ao fazê-lo, violou o disposto no n.º 5, do art. 635º, do CPC, e o Acórdão recorrido é nulo, nesta parte, nos termos do disposto na 2ª parte, da al. d), do n.º 1, do art. 615º, aplicável por força do disposto no n.º 1, do art. 666º, do CPC.

17) O encerramento de um estabelecimento, com o consequente despedimento de trabalhadores, face às consequências patrimoniais daí decorrentes, inclusive a nível de responsabilidade civil, não é um ato de administração ordinário da herança.

18) Não sendo um ato de administração da herança, as consequências jurídicas, não constituem um encargo desta, por não integrarem nenhuma das situações previstas no art. 2068º, do CC, não respondendo a herança por tal ato.

19) As consequências daquele ato deverão ser diretamente e pessoalmente imputadas aos herdeiros, enquanto seus autores e empregadores, no âmbito da responsabilidade civil.

20) Não sendo responsabilidade da herança, não se aplica a delimitação prevista no n.º 1, do art. 2071º, do CC.

21) Ao não entender assim, o Tribunal da Relação violou o disposto no art. 562º, no art. 2068º, no art. 2071º, do CC, no n.º 1, do art. 389º e no art. 391º, do CT.

22) O Tribunal da Relação, deveria ter considerado na fundamentação da sua decisão, tal como fez a 1ª instância, que “as Rés foram habilitadas através de “Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros” em 11 de Junho de 2012, na qual interveio a Ré II, em representação da cabeça-de-casal, HH (cfr. cópia de Habilitação de Herdeiros junta com a PI)” e que “ (…) no dia 10 de Abril de 2012, (…) as Rés (…) tinham dado entrada a uma ação declarativa que foi distribuída com o n.º de processo 481/12.... à ... Vara Cível ..., contra MM e irmão e respetivas mulheres, no qual peticionaram que seja declarada a nulidade da escritura pública de venda de tal imóvel, uma vez que o preço ali referido nunca foi entregue ao NN e porque a dita procuração não conferia poderes para a sua venda (cfr. Doc. 4 junto com a contestação das Rés).

23) Esta factualidade está provada pelos documentos indicados e juntos aos autos, e a 2ª parte, do n.º 4, do art. 607º, aplicável por força do disposto no n.º 2, do art. 663º, do CPC, impõe que a mesma seja considerada na fundamentação do acórdão.

24) Se o Tribunal da Relação tivesse considerado esta factualidade, como estava obrigado a fazer, teria concluído, tal como concluiu a 1ª instância, “que a herança aberta por óbito de NN não se consubstancia numa “herança jacente”, dado que foi aceite pelas Rés, (…)
25) E assim sendo, teria confirmado a sentença proferida pela 1ª instância.
26) O Tribunal da Relação violou o disposto na 2ª parte, do n.º 4, do art. 607º, aplicável por força do disposto no n.º 2, do art. 663º, e no art. 2046º, do CPC.

As Rés contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso.

Por Acórdão o Tribunal da Relação ... pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer das nulidades invocadas no recurso.

Apenas foi admitida a revista interposta por BB, por só neste caso ser o valor da causa superior ao valor da alçada.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso, Parecer a que as Pastes não responderam.

Fundamentação

De Facto
1. NN era proprietário do estabelecimento de ensino infantil e primário, denominado “Escola ...”, sito na Av. ..., ... ....

2. NN, com o NIF ..., faleceu em .../.../2011, no estado de casado com a 1ª Ré, em ..., ... (cfr. certidão do Assento de óbito junta com a PI).

3. As Rés foram habilitadas através de “Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros” em 11 de junho de 2012, na qual interveio a Ré II, em representação da cabeça-de-casal, HH (cfr. cópia de Habilitação de Herdeiros junta com a PI).

4. A Escola ... desenvolvia o ensino infantil e primário, para tanto estando licenciada e autorizada pelo alvará com o n.º ...22 do Ministério da Educação, emitido em 04/11/1972.

5. As Autoras foram admitidas como trabalhadoras ao serviço do falecido para prestarem a sua atividade, no âmbito da organização e sob a autoridade do falecido, na mencionada Escola ... (cfr. contratos de trabalho e extratos de remuneração da segurança social juntos com a PI).

6. A atividade das Autoras era prestada em horário fixado pela entidade patronal, observando horas de início e de termo da prestação.

7. Sendo-lhes paga, como contrapartida da mesma, uma retribuição mensal certa, a que acrescia, anualmente, os subsídios de férias e de Natal de igual montante (cfr. Recibos juntos com a PI).

8. A Escola ... estava organizada numa estrutura hierarquizada, na qual exercia as funções de diretor MM com competência e poderes atribuídos pelo empregador para a prática de todos os atos de gestão da escola, entre os quais o poder de dar ordens e instruções às Autora respeitantes à execução e disciplina do trabalho.

(…)

13. A Autora BB foi admitida como trabalhadora em 01/06/1976, para prestar a atividade de Empregada de Limpeza.

14. Prestou essa atividade de forma continuada e ininterrupta desde essa data até 31/08/2012.

15. Como contrapartida da atividade prestada, era paga à Autora BB, com referência ao ano de 2012, mensalmente, a retribuição base de €490,00 à qual acrescia, a título de diuturnidades, €175,10, o que somava €665,10.

16. Era ainda pago, anualmente, subsídio de Natal e de férias no valor, para cada uma das prestações, correspondente à soma da retribuição base e das diuturnidades, ou seja, para 2012, €665,10.

(…)

37. Em julho de 2012, foi comunicado pelo diretor da escola às Autoras que o período de férias naquele ano, à semelhança dos anos anteriores, seria de 1 a 31 de Agosto (cfr. declarações juntas com a PI).

38. As Autoras gozaram as férias a que tinham direito no período indicado.

39. No entanto, não lhes foi paga a retribuição e diuturnidades do mês de julho de 2012 cujo pagamento deveria ter sido feito até ao último dia desse mês.

40. Também não lhes foi pago o subsídio de férias que era devido.

41. No mês de agosto de 2012, igualmente não lhes foi paga a retribuição e diuturnidades desse mês o que deveria ter sido feito até ao último dia do mesmo.

42. Terminado o período de férias as Autoras, no dia 03/09/2012, primeiro dia útil após o período de férias, compareceram no seu local de trabalho para retomarem a sua atividade, quando constataram que a Escola ... se encontrava encerrada.

43. Encerramento que se mantém na presente data.

44. Às Autoras não foi feita nenhuma comunicação por escrito no sentido do encerramento total e definitivo da Escola ....

45. Não lhe foi comunicado o motivo desse encerramento.

46. Não lhes foi paga qualquer compensação devida pela cessação dos contratos de trabalho.

47. Não lhe foram entregues nem certificados de trabalho, nem quaisquer outros documentos designadamente para efeitos de obtenção do subsídio de desemprego.

48. As Autoras endereçaram cartas à Escola a solicitar os documentos para poderem obter o subsídio de desemprego, as quais vieram devolvidas (cfr. carta juntas com a PI).

49. A Escola ... não aceitou matrículas e inscrições para o ano letivo que se iniciou em 01/09/2012.

50. As Autoras continuam sem receber a sua retribuição nem o subsídio de desemprego.

51. As instalações onde funcionava a Escola ..., as quais eram arrendadas, foram entregues ao senhorio.

52. As Rés jamais tiveram no que tange ao estabelecimento de ensino “Escola ...” qualquer tipo de relação ou contacto, nunca tendo exercido a sua administração ou tendo tido qualquer tipo de responsabilidade orgânica e/ou funcional.

53. O falecido NN era casado, em terceiras núpcias, com a Ré HH e viviam há mais de 15 no ....

54. NN outorgou, em 25 de novembro de 1997, uma procuração a MM, para, entre outros poderes, “… tratar de todos e quaisquer assuntos relativos à Escola ... com todos os poderes inerentes à entidade patronal ou à direção pedagógica …” (cfr. Doc. 1 junto com a contestação das Rés).

55. MM, que era sobrinho do NN, por afinidade, uma vez que este havia casado com a tia daquele, a OO, primitiva titular do mencionado estabelecimento de ensino, pelo menos desde 17 de setembro de 1982 exerceu as funções de ....

56. Desde, pelo menos, novembro de 1999 assumiu ainda a responsabilidade do funcionamento da “Escola ...”, perante o Ministério da Educação (cfr. Doc. 2 junto com a contestação das Rés).

57. Em 26 de junho de 2010 o NN outorgou outra procuração a MM, na qual concedeu poderes mais amplos do que os constantes na procuração outorgada em 1997, designadamente “… com o fim especial, único e precípuo de representar o outorgante, na qualidade de administrador da entidade titulada como sede na Avenida ... no ... – Portugal, cujos documentos comprobatórios deverão ser apresentados juntamente com o presente, tendo como finalidade de lhe conferir amplos, gerais e ilimitados poderes para representá-lo em todos os atos, contratos e negócios, tais como vendas, compras, hipotecas, permutas, cessões, mandatos, demais atos e contratos, públicos e particulares, que sejam de simples administração, que não sejam de alienação ou oneração da empresa Escola ..., […] os poderes de negociar consigo mesmo e com os empregados da entidade no estrito âmbito dos acordos de rescisão dos contratos de trabalho e indemnizações devidas na qualidade de d..., para os efeitos do art. 261 do Código Civil de Portugal, cessar contratos de trabalho nas modalidades permitidas pelas leis portuguesa, proceder ao pagamento das indemnizações e compensações devidas …” (cfr. Doc. 3 junto com a contestação das Rés).

58. NN legou, por testamento celebrado em 12 de maio de 1997, a MM o alvará da “Escola ...” e um apartamento, e respetivo recheio, correspondente ao ... andar, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho ... (cfr. “testamento junto com a petição inicial).

59. MM jamais prestou às Rés quaisquer contas da sua atuação.

60. MM, fazendo uso da procuração referida em 57, no dia 15 de outubro de 2010, por si e na qualidade de procurador do NN, alegadamente, vendeu para si e para o seu irmão PP o identificado apartamento da Rua ..., pertença do NN.

61. As Rés II, LL e KK, no dia 10 de abril de 2012, deram entrada a uma ação declarativa que foi distribuída com o n.º de processo 481/12.... nulidade da escritura pública de venda de tal imóvel, uma vez que o preço ali referido nunca foi entregue ao NN e porque a dita procuração não conferia poderes para a sua venda (cfr. Doc. 4 junto com a contestação das Rés).

62. Após o decesso do NN, que ocorreu no dia 06 de maio de 2011, o MM prosseguiu com a atividade da “Escola ...”, tendo iniciado o ano escolar de 2011 e 2012.

63. Por carta datada de 17 de novembro de 2011 MM informou a Ré II e a Ré HH de que as proprietárias do imóvel onde se encontrava instalada “Escola ...” haviam comunicado a caducidade do contrato de arrendamento referindo ainda que envidada esforços para entregar o dito imóvel no final do ano letivo, em 31/07/2012, referindo anda nessa mesma missiva que não tinha até aquele momento decidido se aceitava ou não o legado (cfr. Doc. 5 junto com a contestação das Rés).

64. Por carta datada de 23 de março de 2012, MM informou a Ré II e a Ré HH que se tinha decidido pelo repúdio do legado (cfr. Doc. 6 junto com a contestação das Rés).

65. Por notificação judicial avulsa dirigida às Rés, datada de 06 de agosto de 2012, MM comunicou que cessava a “gestão de negócios”, que vinha exercendo desde 06 de maio de 2011, no dia 31 de agosto de 2012 (cfr. Doc. 7 junto com a contestação das Rés).

66. Tendo nesse mesmo dia depositado, no escritório do Ilustre mandatário judicial das Rés II, KK e LL a chave do imóvel onde estava instalada a escola, o documento original que titula o Alvará da escola e um outro documento intitulado “Inventário os bens Móveis da Escola ... em 06 de Agosto de 2012”, tudo capeado por uma missiva dirigida ao dito mandatário das herdeiras e nessa qualidade (cfr. Docs. 8 e 9 junto com a contestação das Rés).

67. As chaves do imóvel onde se encontra instalada a Escola foram entregues às proprietárias do imóvel no contexto do acordo a que estas tinham chegado com MM.

68. MM sempre deixou claro perante todos que era apenas o procurador do verdadeiro proprietário e titular do Alvará, o seu Tio NN, o que sucedeu, quer perante os funcionários da Escola (professores, educadores e outros funcionários), quer perante os alunos e os seus encarregados de educação.

69. Quer ainda perante as entidades públicas e privadas com quem, na sua qualidade de procurador e representante do proprietário, e de gestor do estabelecimento teve, ao longo dos anos, de à ... Vara Cível ..., contra MM e irmão e respetivas mulheres, no qual peticionam que seja declarada a contactar, nomeadamente o Ministério da Educação (através da DREN), as Finanças, a Segurança Social, entre outras.

70. Bem como de todos os fornecedores do estabelecimento de ensino (de refeições, material escolar e informático, mobiliário, equipamento, presadores de serviços, etc).

71. Em 1 de outubro de 1981, MM celebrou com a Escola ..., então propriedade da sua tia QQ (2ª mulher do falecido pai das Autoras), um contrato de trabalho para aí exercer as funções de Professor de 1º Ciclo.

72. Quando a sua tia faleceu, sucedeu-lhe como titular do Alvará da Escola, o seu viúvo NN, pai das Rés.

73. Em 1997, este decidiu ir viver para o ... e solicitou a MM que, em seu nome e representação, ficasse a gerir o referido estabelecimento, conforme a procuração referida em 54.

74. MM manteve, no entanto, as suas funções de professor, mantendo-se igualmente em vigor o seu contrato de trabalho (bem como o da sua mulher AA, celebrado em 1 de outubro de 1984).

75. MM anuiu à solicitação do tio, ficando desde então a gerir a Escola sob as instruções e orientações do seu tio, proprietário do estabelecimento.

76. No ano de 1997 o Sr. NN outorgou um testamento, no qual deixou em legado a MM o referido estabelecimento de ensino e o respetivo alvará (cfr. doc. 2 junto com a contestação das Rés).

77. Desde que foi outorgada a mencionada procuração, MM, além de ter prosseguido as suas funções enquanto Professor, geriu a Escola ... respeitando as diretrizes de seu tio.

78. Em 26 de julho de 2010, o Sr. NN outorgou nova procuração a favor de MM, conferindo-lhe poderes para “negociar consigo mesmo e com os empregados da entidade no estrito âmbito dos acordos de rescisão dos contratos de trabalho e indemnizações” (cfr. doc. 3 junto com a contestação das Rés).

79. A referida procuração destinava-se a precaver uma previsível quebra de receitas, motivada pela redução do número de alunos inscritos no 1º ciclo para o ano letivo 2010/2011 e consequente encerramento de uma turma desse mesmo ciclo, o que motivou a cessação do contrato de trabalho (cfr. doc. 2 junto com a contestação interveniente).

80. Após a morte do Sr. NN, em 6 de Maio de 2011, já com os alunos inscritos para o ano letivo seguinte, MM tentou contactar as herdeiras, em especial as filhas, aqui 2ª a 4ª Rés, e por diversas vezes, no sentido de obter informações sobre o que pretenderiam fazer com a Escola e a quem deveria a mesma ser atribuída.

81. Não tendo obtido da parte das herdeiras qualquer resposta, optou por manter-se na gestão da Escola assegurando o termo do ano letivo.

82. Fê-lo com o objetivo de não prejudicar os alunos, encarregados de educação e o bom nome da instituição.

83. Pelas mesmas razões MM iniciou o ano letivo de 2011/2012, uma vez que à data do falecimento do seu tio, já a Escola havia aceitado inscrições dos alunos para o ano seguinte.

84. Após a carta datada de 23 de março de 2012, referida em 64, MM remeteu às Rés nova missiva em 28 de maio de 2013[1], que as Rés receberam, alertando para questões importantes e decisões que deveriam ser tomadas com o termo do ano letivo (cfr. Doc. 3 junto com a contestação do interveniente).

85. Na carta datada de 23/03/2012 MM informa que a contabilidade da Escola se encontra a cargo dos contabilistas da Escola, ali se encontrando igualmente as pastas com toda a documentação.

De Direito

O objeto do presente recurso é delimitado pelas Conclusões do mesmo, sem prejuízo de questões de o Tribunal possa conhecer oficiosamente.

Relativamente às nulidades invocadas o Acórdão do Tribunal da Relação que conheceu das mesmas afirma o seguinte:

“Resulta, pois, nesta parte, que as rés/recorrentes se conformaram com o decidido na sentença recorrida, não só quanto à sua legitimidade passiva na ação, mas também quanto à sua aceitação expressa da herança a benefício de inventário, por óbito de NN. Assim, como aceitam que o interveniente MM repudiou o legado constituído pelo estabelecimento Escola ... e respetivo alvará, com efeitos retroativos ao momento da abertura da sucessão, por óbito de NN. E não tendo as rés alegado, nem muito menos provado, qualquer tipo de oposição à continuação da atividade da Escola ..., gerida pelo interveniente MM, aceitaram, tacitamente, essa mesma gestão. Deste modo, em bom rigor, a única questão que importa apreciar, em sede de recurso, é a de saber se as rés devem ser responsabilizadas, pessoal e solidariamente, pelo pagamento dos créditos reconhecidos às autoras na sentença recorrida ou se apenas condenadas a reconhecerem a existência dos créditos das autoras sobre a herança e a ver satisfeitos esses créditos pelos bens da herança, como defendem as rés/recorrentes nas conclusões de recurso.”. Resulta, pois, à evidência, que o acórdão recorrido, tendo apenas conhecido da questão da responsabilidade das rés, nos termos supratranscritos, não incorreu nas invocadas nulidades”.

Adere-se a esta argumentação. Aliás, deve dizer-se que, contrariamente ao invocado pela recorrente, não é exato que a sentença de 1ª instância tenha julgado, e por decisão transitada, que as recorridas, após a morte do empregador, em 6.5.2011, enquanto sucessoras do falecido, continuaram a atividade para que as AA. haviam sido contratadas e que continuaram a prestar até 31.8.2018, pois que o que a sentença decidiu foi que “em face do repúdio do legado constituído pelo estabelecimento Escola ... e respetivo alvará [comunicado às RR. por carta de 23.3.2012], cujos efeitos retrotraem ao momento da abertura da sucessão, as únicas titulares do acervo patrimonial da herança de NN, no qual se integrava aquele estabelecimento Escola ..., são as suas herdeiras, aqui Rés, que ao que se sabe nunca repudiaram tal herança, sendo irrelevante que não se tenha dado por provado que o encerramento da Escola foi decidido e efetuado pelas Rés, tendo sido de sua iniciativa e intenção fazer cessar os contratos de trabalho. Efetivamente, não se provou que as Rés tenham tido uma atuação ativa no encerramento da Escola, pois que, sendo titulares daquele estabelecimento, por via sucessória, nada fizeram para obstar ao seu encerramento, não obstante contactadas pela pessoa que administrava a Escola”.

Igualmente não é exato que, como sustenta a Recorrente, a sentença de 1ª instância tenha julgado, por decisão transitada, que todas as RR. tinham já aceite a herança em 11.6.2012, pois que inexiste qualquer decisão expressa da sentença de 1ª instância que assim o tenha declarado, sendo que, ao invés, e concretamente no que respeita à habilitação de herdeiros, dessa data, através de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, o que a sentença refere é que “no que toca à escritura de habilitação de herdeiros, até poderíamos considerar que a mesma não seria suficiente para se considerar como ato de aceitação da herança, dado que a habilitação notarial de herdeiros serve “apenas” para atestar, com fé pública, a qualidade de herdeiros, e pode ser requerida por qualquer dos habilitandos, por si só e sem necessidade da anuência dos outros, por terceiros ou pelo cabeça de casal”, sendo, neste sentido, supérfluas e desnecessárias mais aprofundadas considerações sobre a fundamentação em que se alicerça a conclusão da sentença de 1ª instância de que a herança foi aceite pelas RR., sendo  certo que essa questão foi, como evidenciam as conclusões exemplificativamente mencionadas e acima transcritas, objeto do recurso de apelação.

Em face do exposto, e em suma, conclui-se que não se verifica no caso em apreço o imputado vício do excesso de pronúncia, previsto na alínea d), 2.ª parte, do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pelo que improcede o recurso quanto à nulidade do Acórdão sob recurso.

Assim, a única questão que subsiste e está presentemente em discussão no âmbito deste recurso de revista é a de determinar se apenas o património da herança irá responder pelas indemnizações a que a Recorrente tem direito na sequência da cessação do seu contrato de trabalho (que as instâncias qualificaram de despedimento) ou também o património pessoal dos herdeiros. A 1.ª Instância decidiu responsabilizar pessoalmente os herdeiros, ao passo que o Tribunal da Relação decidiu que apenas a herança, aberta e ainda não objeto de partilha, deveria responder por tais indemnizações.

Ficaram definitivamente decididas e não são objeto do presente recurso a absolvição do pedido de MM e a existência de uma renúncia válida ao legado por parte do mesmo.

Como decorre do n.º 1 do artigo 346.º do CT a morte do empregador em nome individual faz caducar os contratos de trabalho, mas apenas na data do encerramento da empresa e esse mesmo preceito ressalva duas situações: a hipótese de o sucessor do falecido continuar a atividade para que o trabalhador foi contratado ou a de ocorrer a transmissão da empresa ou estabelecimento.

Sublinhe-se, antes de mais, que a empresa – a escola – continuou aberta, mas não por decisão dos herdeiros. A iniciativa de a manter aberta proveio de uma pessoa que já antes geria a escola, ao abrigo de uma procuração do titular da empresa, entretanto falecido, e que fora designado como legatário, entre outros bens, do alvará da escola. Esta pessoa não se limitou a praticar atos urgentes e necessários para a conservação do bem, mas manteve a escola aberta por mais um ano letivo. Fê-lo sem o acordo dos herdeiros e sem poderes de representação destes e sem prestar contas (factos 59 e 61). Aliás, mesmo que tivesse praticado tais atos em nome dos herdeiros, como gestor de negócios, no nosso sistema legal tais atos seriam ineficazes em relação aos herdeiros, porquanto estes nunca os ratificaram.

Apesar da administração da escola lhe ter pertencido em exclusivo, as instâncias recusaram-se a apreender tal comportamento como uma aceitação tácita do legado e consideraram válida a sua renúncia ao legado. Tão pouco se discutiu – o que tendo transitado a absolvição do pedido carece hoje de relevância – se não se teria verificado uma transmissão de facto da unidade económica, já que esta não exige qualquer contrato entre transmitente e transmissário e basta-se com a mera assunção de facto da gestão da unidade económica.

Da renúncia ao legado retirou a 1.ª instância que o bem nunca saiu do património que é a herança e que os herdeiros terão de responder pela cessação dos contratos de trabalho. A recorrente invoca que a herança, tendo-se já verificado a aceitação por parte dos herdeiros, não é uma pessoa jurídica e que, por conseguinte, o conjunto dos herdeiros terá assumido a situação de empregador e, portanto, de responsável pelo pagamento das indemnizações.

No entanto, importa ter presente que a responsabilidade do empregador pelas consequências de um despedimento não advém da qualidade de empregador, mas da de autor do despedimento. O empregador quando o despedimento seja ilícito responde pelo incumprimento contratual de que foi autor porque o despedimento lhe foi imputável (a ele diretamente ou a alguém a quem deu poderes para essa decisão).

O caso vertente é, no entanto, singular e apresenta uma acentuada especificidade. Quem decidiu continuar a explorar a escola não foi um herdeiro, mas uma pessoa que tinha sido designada como legatária do alvará da escola. Geriu a escola sem prestar contas e sem o acordo dos herdeiros. E enquanto não renunciou ao legado não se vê como é que os herdeiros poderiam reagir e exigir a restituição do bem, tanto mais que é responsabilidade dos herdeiros o cumprimento dos encargos (artigo 2265.º n.º 1 do CC) que devem ser satisfeitos no prazo de um ano a contar da morte do testador (artigo 2270.º CC).

Só em março de 2012 é que MM desfez a aparência criada e expressamente renunciou ao legado (facto 64). Dir-se-á, então, que os herdeiros são responsáveis porque deveriam responder-lhe, ao menos nesse momento, e eventualmente assumir a gestão da escola.

À luz da boa fé não podemos concordar com este argumento e afirmar que esta inação só por si serve de base à responsabilidade dos herdeiros.

A carta em causa não foi acompanhada de uma genuína prestação de contas, mas apenas da menção de que os documentos relevantes se podiam consultar junto do contabilista. E a carta representa, no fundo, uma tentativa, aliás bem-sucedida, de colocar nas mãos dos herdeiros as consequências jurídicas de um facto consumado. A resposta à carta exigia, evidentemente, acompanhamento contabilístico e jurídico, até porque os herdeiros poderiam ter dúvidas legítimas sobre se a conduta de MM ao gerir a escola até esse momento não equivaleria a uma aceitação tácita do legado e, em qualquer caso, em determinar qual a sua responsabilidade por uma conduta que tinha sido levada a cabo sem que os herdeiros fossem ouvidos e achados. Dizer como a 1.ª instância que a renúncia ao legado tem efeitos retroativos e que os herdeiros foram sempre os empregadores é fazer tábua rasa da realidade de que a gestão da escola não foi feita por eles, nem por ninguém que os representasse. E destaque-se que não se provou que a própria decisão de encerrar a escola (pouco tempo depois do envio da carta) fosse tomada pelos herdeiros, já que o que se provou foi que foi MM quem acordou com o senhorio a devolução das chaves do prédio e o fim do contrato de arrendamento (facto 67).

Face ao exposto e à absolvição do pedido de MM, já transitada, afigura-se que a solução do Tribunal da Relação é a que melhor espelha a ausência de responsabilidade pessoal dos herdeiros. A responsabilidade da herança abrange encargos com a administração e liquidação do património hereditário (artigo 2068.º do CC) e ainda que, em rigor, o encerramento da escola não seja um ato de administração ordinária, como refere o Recorrente, a letra da lei não faz essa restrição.

Decisão: Acorda-se, por maioria, negar a revista e confirmar o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 1 de junho de 2022

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Leonor da Cruz Rodrigues (vencida segundo declaração junta)

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Declaração de voto de vencido

Não acompanho o acórdão proferido porquanto, a meu ver, com todo o respeito, a correcta solução jurídica do recurso é a propugnada no projecto que não fez vencimento e do qual respigamos os seguintes excertos:

“(…) está definitivamente assente e adquirido para os autos, a ilicitude do despedimento da A. recorrente, reconhecida pela decisão de 1ª instância transitada em julgado, e bem assim, que, como nota o acórdão recorrido, as recorridas se conformaram com o decidido na sentença de 1ª instância não só quanto à sua legitimidade passiva na acção, mas também quanto à sua aceitação expressa da herança a benefício de inventário, por óbito de NN.

(…)

Prosseguindo, a questão de fundo que constitui objecto do presente recurso é da responsabilidade pelo pagamento dos créditos reconhecidos à autora recorrente, que, concretamente se declina em saber se as rés devem ser responsabilizadas, pessoal e solidariamente, pelo pagamento dos créditos reconhecidos à autora na sentença de 1ª instância, como nesta se decidiu, ou se apenas condenadas a reconhecerem a existência dos créditos da autora sobre a herança e a ver satisfeitos esses créditos pelos bens da herança, como, decidiu o acórdão recorrido.

Foi entendimento do acórdão recorrido que a partir do recebimento pelas Rés, da carta datada de 23 de Março de 2012, subscrita por MM, que desde 25.11.1997 desempenhou a actividade de “empregador” na qualidade de procurador de NN e legatário do alvará da “Escola ...”, o “sucessor do falecido” passou a ser a herança jacente, cuja intervenção nos autos, e respectiva citação, foi decidida pela Mª Juiz, daí concluindo que à data do despedimento das autoras o seu empregador formal era a herança jacente, por óbito de NN, posteriormente “aceita a benefício de inventário pelas interessadas”, estando, consequentemente a sua responsabilidade, nessa qualidade de herdeiras, a benefício de inventário, delimitada nos termos do artigo 2071º, nº 1, do Código Civil, nos termos do qual, sendo a herança aceite a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.

Foi, pois, em suma, entendimento do acórdão recorrido que o empregador da autora recorrente à data do despedimento era a herança jacente e que os créditos reconhecidos à recorrente constituem encargo da herança.

Será assim?

(…)
Resulta, assim, do regime enunciado [constante do artigo 346º do Código do Trabalho] que nem sempre a morte do empregador em nome individual tem como consequência a caducidade automática do contrato de trabalho dos seus trabalhadores, pois que se o sucessor do falecido prosseguir a actividade para que o trabalhador foi contratado não ocorre a caducidade do contrato de trabalho, que se mantém, subsiste e se transmite ao o novo empregador, o sucessor que continua a actividade, tudo se passando em relação ao trabalhador como se a morte do primitivo empregador não tivesse tido lugar.
(…)
Abordando concretamente a questão da responsabilidade dos sucessores do empregador em nome individual que continuaram a actividade daquele no acórdão deste Supremo Tribunal de 14.2.1991, Procº 002723, afirmou-se o seguinte:

“I - Por estabelecimento deve entender-se toda a organização produtiva, comercial, industrial e agrícola, de meios materiais e humanos articulados para o exercício de uma actividade.

II - A morte da entidade patronal não determina a caducidade da relação laboral, verificando-se antes a sua transmissão para o adquirente do estabelecimento onde o trabalhador exerça a sua actividade.
III - No caso de sucessão mortis causa, o despedimento sem justa causa do trabalhador não é da responsabilidade da herança mas de quem praticou aquele acto de despedimento”.
Foi entendimento deste aresto, que se debruçou sobre a questão da legitimidade dos RR., que o despedimento do A., causa de pedir da demanda, foi acção exclusiva dos demandados, pelo que só estes podem por ele ser responsabilizados, e que a invocação do artigo 2098º do Código Civil [pagamento dos encargos após a partilha] se mostra despropositada, por não se tratar de dívida da herança, mas da responsabilidade pessoal dos RR., decorrente do acto de despedimento por estes praticado.
Não se desconhecendo que na redacção do artigo 6º, nº 1, da LCCT que transitou para o artigo 390º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, e depois para o artigo 346º, nº 1, do vigente Código do Trabalho de 2009, a remissão que nele se fazia para o artigo 37º da LCT foi eliminada – sem que do preâmbulo dos respectivos diplomas se colha o fundamento da alteração/supressão daquela anterior remissão para o regime da transmissão do estabelecimento (actualmente disciplinada no artigo 285º, nº 1, do CT/2009), ficando-se sem saber se tal remissão veio a ser eliminada por redundância ou outro fundamento, reflexo, porventura, das interrogações de alguma doutrina sobre se nos casos de sucessão mortis causa haveria necessidade de recorrer ao disposto no artº 37º da LCT ou se a disciplina própria do direito das sucessões consagrada no Código Civil não é suficiente para, por si só, produzir os mesmo efeitos, subjacente ao qual estará o entendimento de que nos casos de transmissão mortis causa os efeitos do regime da transmissão de estabelecimento serão superados pelos princípios essenciais que configuram a qualidade de herdeiro–, e a dificuldade da questão e as muitas dúvidas que suscita, é o entendimento sufragado no acórdão deste Supremo Tribunal citado que perfilhamos. Na verdade,
Falecido o empresário em nome individual, os seus herdeiros têm diversas opções que podem adoptar em relação ao estabelecimento, designadamente, para o que ora releva, podem não prosseguir a actividade do falecido, o que determina a cessação, por caducidade, do contrato de trabalho dos trabalhadores que exercessem a sua actividade no estabelecimento, caducidade que lhes confere direito à compensação prevista no nº 5 do artigo 346º do Código do Trabalho, pela qual responde o património da empresa, entendido este na acepção lata acolhida na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça como o conjunto de bens que constituem o acervo da herança (cf. nesse sentido acórdão STJ, de 9.12.1999, CJ-AcSTJ, Ano VII, Tomo III – 1999, pág. 283,), ou prosseguir eles próprios a actividade do falecido empregador e estabelecimento.
Optando por continuar a actividade, prosseguindo finalidades económicas, em seu próprio e pessoal benefício ou na expectativa de que assim venha a suceder, são os sucessores, do falecido empregador em nome individual, aqueles a quem a lei civil no artigo 2024º e seguintes do Código Civil reconhece a qualidade de herdeiros, rectius os sucessíveis, chamados à herança que a não tenham repudiado - repúdio que, de conformidade com o disposto no artigo 2062º do Código Civil os faz considerar como não chamados -, qualidade que, como defende a recorrente, não assiste à herança jacente, que assumem, pessoalmente, a qualidade de novo empregador, em nome individual, dos trabalhadores que no estabelecimento exercessem a sua actividade, tudo se passando em relação a estes, nessa solução de continuidade, como se a morte do empregador e a transmissão operada por essa via para os sucessores não tivesse tido lugar.
Nessa qualidade de novo empregador e empresário em nome individual são da sua responsabilidade, pessoal, as decisões respeitantes ao funcionamento, gestão do estabelecimento e exercício da actividade, respondendo o seu património pelas dívidas, designamente de natureza laboral, decorrentes do exercício dessa actividade, sem limitações, como é característica essencial do regime geral de responsabilidade por dívidas dos empresários em nome individual (sem responsabilidade limitada) em face do estabelecimento de responsabilidade limitada, à semelhança, de resto, com o que se passa (excepção feita para a limitação da responsabilidade inexistente em caso de empresário singular) nos demais casos de transmissão de estabelecimento tratando-se de entidade colectiva.
Se após a morte do empregador em nome individual o estabelecimento continuou a ser explorado isto quer dizer que continuou a exercer direitos e a contrair obrigações de que são sujeitos os sucessores do falecido.
Entende-se, pois, pelo exposto, que, como se decidiu no aresto citado, e como defende a recorrente, no caso de sucessão mortis causa, tendo havido continuação da actividade pelos sucessores, o despedimento sem justa causa do trabalhador, melhor dizendo, a responsabilidade pelos créditos dos trabalhadores emergentes do seu despedimento ilícito, não é da responsabilidade da herança, por não se tratar de dívida da herança, mas da responsabilidade pessoal de quem praticou aquele acto de despedimento.
No caso sub judice, para além da qualidade de herdeiras do proprietário do estabelecimento das recorridas, desde logo, e independentemente da problemática da aceitação/não aceitação da herança, atestada pela escritura de habilitação de herdeiros, com os mesmos efeitos da habilitação judicial, outorgada em 11.6.2012, o que a matéria de facto provada evidencia, em breve síntese,  é que desde 25 de Novembro de 1997, e em particular desde 26 de Junho de 2010, a gestão e administração do estabelecimento, propriedade do empregador NN, falecido em 6.5.2022, no estado de casado com a 1ª Ré, sendo as 2ª a 4ª RR. suas filhas, foi desempenhada, na qualidade de procurador deste, mediante procuração outorgada para esse efeito, por MM, ficando este desde então a gerir a Escola, sob as instruções e orientações do seu tio, proprietário do estabelecimento, passando o mesmo a partir de 1997, por testamento do proprietário do estabelecimento, a ser também legatário daquele estabelecimento de ensino e respectivo alvará.
As Rés, ora recorridas, jamais tiveram qualquer tipo de relação ou contacto com o estabelecimento “Escola ..., nunca tendo exercido a administração desta ou tido relativamente à mesma qualquer tipo de responsabilidade orgânica e/ou funcional, e o MM jamais lhes prestou contas da sua actuação.
No entanto,
Após a morte do Sr. NN, já com os alunos inscritos para o ano lectivo seguinte, MMtentou contactar as herdeiras, em especial as filhas, aqui 2ª a 4ª Rés, e por diversas vezes, no sentido de obter informações sobre o que pretenderiam fazer com a Escola e a quem deveria ser a mesma atribuída. Não tendo obtido da parte das herdeiras qualquer resposta, optou por manter-se na gestão da Escola assegurando o termo do ano lectivo, com o objectivo de não prejudicar os alunos, encarregados de educação e o bom nome da instituição, e, pelas mesmas razões, iniciou o ano lectivo de 2011/2012, uma vez que à data do falecimento do seu tio já haviam sido aceites inscrições para o ano seguinte.
Por carta datada de 23 de Março de 2012, MM informou as Rés II e HH que se tinha decidido pelo repúdio do legado, informando também que a contabilidade da Escola se encontrava a cargo dos contabilistas da escola e que ali se encontravam igualmente as pastas com toda a documentação, e, por carta de 28 de Maio de 2012 alertou-as para questões importantes e decisões que deveriam ser tomadas com o termo do ano lectivo, vindo, por notificação judicial avulsa, datada de 6.8.2012, a comunicar às Rés que cessava a “gestão de negócios” que vinha exercendo desde 6.5.2011, no dia 31.8.2012, tendo nesse mesmo dia depositado no escritório do mandatário das Rés o documento original que titula o alvará e o “Inventário os bens Móveis da Escola ... em 06 de Agosto de 2012”.
O que ressalta da matéria de facto provada é que, como avisadamente se considerou no acórdão recorrido, não tendo as Rés/recorridas alegado, nem muito menos provado, qualquer tipo de oposição à continuação da actividade da Escola ..., gerida pelo interveniente MM, designadamente, acrescente-se, após a renúncia deste ao legado, aceitaram, tacitamente, essa mesma gestão.
Ora, retomando aqui a decisão de 1ª instância, que, com a ressalva do entendimento perfilhado, anteriormente exposto, no sentido de que nas situações em que os sucessores prosseguem a actividade do estabelecimento de empregador em nome individual a responsabilidade pelas dívidas assumidas ulteriormente, v.g. os créditos dos trabalhadores emergentes de despedimento ilícito pelos mesmos efectuado, como aqui foi o caso, não é da herança, mas, a título pessoal, dos sucessores, é, por todo o exposto, no essencial, de subscrever, “em face do repúdio do legado constituído pelo estabelecimento Escola ... e respectivo alvará, cujos efeitos retrotraem ao momento da abertura da sucessão, as únicas titulares do acervo patrimonial da herança de NN, no qual se integra aquele estabelecimento Escola ..., são as suas herdeiras, aqui Rés, que ao que se sabe nunca repudiaram tal herança, sendo irrelevante que não se tenha dado como provado que o encerramento da Escola foi efectuado e decidido pelas Rés, em 31/08/2012, tendo sido de sua iniciativa e intenção fazer cessar os contratos de trabalho existentes com as Autoras, ou seja, proceder ao seu despedimento, pois que, sendo titulares daquele estabelecimento, por via sucessória, nada fizeram para obstar ao seu encerramento, não obstante contactadas pela pessoa que administrava a Escola, como resulta das missivas e tentativas de contacto que pelo mesmo lhe foram dirigidas, nos termos provados nos autos. Encerramento que determinou o consequente despedimento, que já vimos ser ilícito, das Autoras”.
Tendo sido este entendimento que perfilhámos, e mantemos, não nos revemos no acórdão proferido. Na verdade,
E salvo o devido e com todo o respeito pela posição que fez vencimento, não é, em nosso entender, tido em devida conta o que ressalta dos pontos 80, 81 e 83 da matéria de facto provada, segundo os quais após a morte do proprietário do estabelecimento, já com os alunos inscritos para o ano seguinte, MMtentou contactar as herdeiras, e por diversas vezes, no sentido de obter informações sobre o que pretenderiam fazer com a escola e a quem deveria a mesma ser atribuída. Não tendo obtido da parte das herdeiras qualquer resposta, optou por manter-se na gestão da escola assegurando o termo do ano lectivo. Pelas mesmas razões (não prejudicar os alunos, encarregados de educação e bom nome da instituição) iniciou o ano lectivo de 2011/2012, uma vez que à data do falecimento do seu tio, já a Escola havia aceitado inscrições dos alunos para o ano seguinte, do mesmo modo que não nos revemos nas considerações tecidas sobre a actuação do interveniente MM.
Perguntar-se-á o que, nas circunstâncias dos autos, poderiam fazer as herdeiras. Pois bem,  sendo o estabelecimento um bem da herança, até à aceitação ou repúdio do legado, poderiam ter-se interessado pela sorte do mesmo, e dos postos de trabalho que estavam em causa, à semelhança, aliás do que, antes da sua aceitação da herança a benefício de inventário, fizeram propondo acção para acautelar património da herança, e, seguramente, o que não fizeram - aceitando a gestão que vinha sendo efectuada -, ter-se demarcado do prosseguimento da actividade do estabelecimento pelo MM, o que não relevaria já para o presente recurso, mas poderia, porventura, ter ditado diferentes decisões das instâncias.
Ponto é que, tendo em conta o objecto do recurso, com decisões transitadas sobre questões essenciais, e as questões que nele vêm colocadas, no caso de sucessão mortis causa de empregador em nome individual, prosseguindo a actividade para a qual o trabalhador foi contratado, o despedimento sem justa causa do trabalhador, rectius a responsabilidade pelos créditos emergentes do seu despedimento ilícito, não é da responsabilidade da herança como se decidiu.
Lisboa, 1 de Junho de 2022

Leonor Cruz Rodrigues

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Data que se refere certamente por lapso, porquanto a data dessa missiva, junta a fls. 442 do processo físico, é a de 28 de maio de 2012.