INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
COMPENSAÇÃO POR DESPEDIMENTO
OCULTAÇÃO
Sumário

I–A quantia recebida do Fundo de Garantia Salarial, a título de compensação por despedimento, integra o conceito de rendimento disponível para efeitos de exoneração do passivo restante, impendendo sobre o devedor a obrigação de a entregar imediatamente ao fiduciário, logo que por si recebida.

II–A ocultação do recebimento daquela compensação e a consequente falta de entrega imediata ao fiduciário, constitui violação dos deveres do devedor previstos nas alíneas a) e c) do nº 4, do artigo 239º do CIRE.

III–Esta conduta da insolvente, de não entregar todos os seus proventos ao fiduciário, prejudica a satisfação dos créditos dos credores da insolvência, e, por isso, não merece o benefício da exoneração do passivo restante.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


1.RELATÓRIO.


F... requereu a sua declaração de insolvência e, simultaneamente, pedido de exoneração do passivo restante.

Por despacho de 23 de Abril de 2020, foi liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante efectuado por aquela, tendo sido fixado como limiar do rendimento mensal disponível o montante correspondente a 1 (um) salário mínimo regional.

O processo foi encerrado, por insuficiência da massa insolvente, por despacho proferido na mesma data.

A insolvente apresentou recurso do despacho de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, tendo sido proferido acórdão, a 20 de Setembro de 2020, mantendo a decisão recorrida.
Em 27 de Abril de 2021, o senhor fiduciário juntou ao processo o relatório anual referente ao 1º ano de cessão, do qual resulta que a insolvente, entre Maio de 2020 e Abril de 2021, deveria ter cedido a quantia de € 4.743,22 (quatro mil setecentos e quarenta e três euros e vinte e dois cêntimos), não tendo, no entanto, cedido qualquer valor.

Notificada a insolvente para apresentar comprovativo do pagamento do valor em dívida ou plano de pagamento em prestações, veio requerer o pagamento em 94 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 50,46, cada uma, com início no dia 31 de Julho de 2021, alegando que não conseguia proceder ao pagamento da referida dívida por se encontrar desempregada e não ter quaisquer ajudas de familiares e/ou amigos próximos.

Por despacho proferido em 16 de Junho de 2021, a insolvente foi notificada para informar se auferiu qualquer outra quantia para além das que constam do relatório do senhor fiduciário, designadamente através do Fundo de Garantia Salarial, e apresentar novo plano de pagamento em prestações até Maio de 2025.

Na sequência dessa notificação, em 1 de Julho de 2021, a insolvente apresentou novo plano de pagamentos propondo o pagamento da quantia de € 365,28, correspondendo € 262,17 à diferença entre o salário mínimo (rendimento disponível) e o valor do subsídio de desemprego enquanto durar, e € 103,28 ao correspondente a cada uma das 46 prestações a considerar até Maio de 2025. Informou, ainda, que, em Janeiro de 2021, foi processada a quantia de € 9.433,80 (nove mil quatrocentos e trinta e três euros e oitenta cêntimos), mas que não chegou a ser por si recebida.

Notificado para o efeito, o Fundo de Garantia Salarial veio informar que pagou à insolvente a quantia de € 9.433,80 (nove mil quatrocentos e trinta e três euros e oitenta cêntimos), em 6 de Janeiro de 2021.

Entretanto, a “Oitante, S.A.” e o “Novo Banco, S.A.” vieram requerer a cessação antecipada do procedimento de exoneração, considerando, em suma, que a insolvente havia violado as obrigações que sobre si impendiam, previstas no art. 239º, nº 4, alíneas a) e c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Notificada, a insolvente não se pronunciou.

Por fim, foi proferido despacho final que terminou pela recusa da exoneração do passivo restante à insolvente F... .

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Termina as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
a)-A recorrente apresentou-se à insolvência, requerendo a exoneração do passivo restante, o que foi liminarmente deferido, por despacho datado de 23 de abril de 2020.
b)- Considerado o relatório anual referente ao 1º ano de cessão, deveria a recorrente ter cedido a quantia de 4.743,22€, valor o qual, não obstante, não terá sido cedido.
c)-O que motivou requerimento/apresentação de plano de pagamento de prestações até Maio de 2025.
d)- À data, afirmou a recorrente ter sido processada a quantia de 9.433,80€ a qual, não obstante, não havia sido ainda por si recebida.
e)-Uma vez notificado o Fundo de Garantia Salarial (o qual respondeu ter sido efetivamente entregue o referido valor), pelos credores foi apresentado requerimento e, posteriormente, resultou decidida, a cessação antecipada do procedimento de exoneração por violação da norma plasmada no artigo 239º, n.º 4, alíneas a) e c) do CIRE.
f)-Contudo, como supra se alegou, não se verificam, no caso concreto, os pressupostos dos quais depende a cessação antecipada da exoneração do passivo restante.
g)-Em momento algum a recorrente ocultou o recebimento da quantia de 9.433,80€, na verdade, a própria, apenas tomou conhecimento de tal recebimento com a notificação do Fundo de Garantia Salarial por se encontrarem pendentes diversos processos por si ou contra si instaurados dos quais existem valores a receber – todos à ordem do Escritório do I. Mandatário da insolvente (comum a todos os processos pendentes).
h)-Os valores recebidos, à ordem do Escritório, serviram não apenas para proceder ao pagamento de honorários em atraso, bem como para proceder à liquidação de diversas despesas judiciais, em relação às quais se encontrava em dívida.
i)-Apenas em virtude de tal circunstância não procedeu a insolvente à declaração de qualquer recebimento, ainda que sempre se considere não ser devida a entrega de qualquer montante nos termos supra invocados.
j)-Em todo o caso, sempre se defende que a compensação recebida pelo Fundo de Garantia Salarial, por se reconduzir a uma compensação por despedimento, não se poderá integrar no conceito de rendimento disponível como faz crer o Sr. Fiduciário e, de igual forma, o Tribunal recorrido, não sendo, por isso, devida a sua entrega,
k)-Ainda que assim não se entendesse e se considerasse ser devida, apenas poderia sê-lo em parte, ou seja, com respeito à regra da impenhorabilidade de 2/3, o que totaliza meramente a quantia de 2.169,77€ e não o montante integral dos cerca de 4.743,22€ cujo pagamento integral, a liquidar com recurso ao referido crédito compensatório, os credores reclamam.
l)-De modo a ser assegurada a vivência da insolvente com mínimo de dignidade, sem esquecer que a mesma terá sido privada dos seus rendimentos durante um período de tempo considerável, provendo ao seu sustento com ajuda de familiares e litigando, judicialmente, representada pelo I. Mandatário em virtude da bondade do mesmo que sempre procurou defender os seus interesses independentemente da falta de provisão.
m)-Uma vez que a insolvente se encontrava a liquidar mensalmente as prestações convencionadas e devidas, não cremos que se possa categoricamente afirmar que tenha a insolvente tentado ludibriar os credores, atuando de má-fé nos presentes autos, nunca se reconduzindo o caso em apreço a tal situação (que a insolvente lamenta desde já).
n)-Em face do exposto, não se verifica qualquer conduta subsumível a qualquer violação dolosa ou gravemente negligente de qualquer obrigação que seja, nem tão pouco resulta qualquer prejuízo para os credores.
o)-A falta de qualquer um dos pressupostos determina a impossibilidade de aplicação do instituto, por serem cumulativos, pelo que deverá improceder a argumentação defendida pelo tribunal a quo e, em substituição ao despacho proferido, deverá proferir-se despacho que pugne pela manutenção da exoneração do passivo restante.
Conclui assim que “o Tribunal recorrido no despacho proferido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 243º, n.º 1, al. a), 239º, n.º 4, al. a) e 244.º, n.º 1 e 2 todos do CIRE, a par do artigo 20º da CRP reportado ao acesso ao direito e tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, devendo, por isso, ser revogado e, numa boa aplicação do Direito, conceder-se a exoneração do passivo”.

O Ministério Público deduziu as suas contra-alegações, que conclui afirmando que:
a)-A Recorrente estando legalmente obrigada não só omitiu factos essenciais ao Tribunal bem como deixou de entregar ao Senhor Fiduciário o rendimento indisponível, enquanto dizia não ter recebido do Fundo de Garantia Salarial qualquer quantia e que a mesma somente tinha sido processada.
b)-Fê-lo de modo grave, sabendo quais as consequências em que incorria e que lesava os seus credores pretendendo beneficiar de exoneração de um passivo restante de € 3.836.539,90 (três milhões oitocentos e trinta mil e seis e seis mil quinhentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos).
c)-O Douto Tribunal declarou procedente o incidente de cessação antecipada da exoneração do Passivo Restante, recusando-o, com fundamento na violação das obrigações previstas no artigo 239.º, nº 4, e 243º, n. º1, alínea a), do CIRE, integrando a conduta da insolvente como cometida com, pelo menos, negligência grosseira.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.ÂMBITO DO RECURSO.

Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, atendendo ao teor das alegações apresentadas pela Recorrente, cumpre apenas apurar se a factualidade dada por assente preenche os requisitos legais para a recusa antecipada da exoneração do passivo restante, tal como concluído pelo tribunal recorrido, ou se, contrariamente, não existe fundamento válido para tal, como sustenta a Recorrente.

3.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Com relevância para a decisão encontram-se provados os factos vertidos no relatório que antecede e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

4.FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

Cumpre conhecer da questão deste recurso, qual seja a de saber se o comportamento da insolvente durante o período de cessão justifica ou não a exoneração do passivo restante.

4.1.-O Código de Insolvência e Recuperação de Empresa (doravante CIRE), aprovado pelo DL nº 43/2004, de 18 de Março, introduziu, pela primeira vez, na ordem jurídica interna, medidas específicas para o tratamento da insolvência das pessoas singulares, sendo uma delas a exoneração do passivo restante. Apesar de ter como referência a discharge da legislação norte-americana, a disciplina da exoneração do passivo restante constante da lei portuguesa inspirou-se no modelo alemão, e, tal como neste, consiste, genericamente, “na afectação, durante certo período após a conclusão do processo de insolvência, dos rendimentos do devedor à satisfação dos créditos remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção daqueles que não tenha sido possível cumprir, por essa via, durante esse período.”[1] Pode ser solicitada pelo insolvente quando se apresenta à insolvência, quando é citado no caso de o processo ser iniciado por outro legitimado ou até à assembleia de apreciação do relatório do administrador de insolvência (art. 236º do CIRE). Requerida a exoneração do passivo restante, caso não haja motivo para indeferimento liminar, caberá ao juiz, após audição dos credores e do administrador de insolvência (art. 238º, nº 2 do CIRE), emitir o despacho inicial de exoneração, (art. 239º do CIRE). Findo o período de cessão, que dura cinco anos contados a partir do encerramento do processo de insolvência, depois de ouvidos o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência, o juiz profere despacho final, cujo objecto é a apreciação do comportamento do devedor durante o período de cessão. No entanto, durante este período este procedimento pode terminar de forma antecipada, caso se verifique alguma das circunstâncias previstas nas alíneas a), b) e c), do nº 1 do artigo 243º do CIRE. E, com efeito, é o que se passa nos autos, em virtude de ter sido proferido despacho a determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração, precisamente, com base na violação do artigo 243º, nº 1, alínea a) do CIRE.

É deste despacho que a Recorrente se insurge, pretendendo com o presente recurso que lhe seja mantido o que o tribunal a quo lhe recusou antecipadamente. Com efeito, consta da decisão recorrida que “…não há dúvida de que a insolvente ocultou rendimentos, violando, ainda a obrigação de entrega dos rendimentos objecto de cessão”, considerando o tribunal que “tal actuação da insolvente é de integrar, pelo menos, no patamar da negligência grosseira”.

Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 243º, nº 1, alínea a) do CIRE, o juiz deve recusar a exoneração (não se tratando aqui do exercício de um poder discricionário) nomeadamente, quando “o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;”. Para tanto, e de acordo com a norma supra citada, deve verificar-se o cumprimento dos seguintes requisitos: a reiterada existência de negligência grave ou dolo no cumprimento das obrigações; a ocorrência de prejuízo efectivo para a satisfação dos créditos; e, a verificação de um nexo causal entre a violação das obrigações cometidas ao insolvente e a criação do dano na esfera jurídica dos credores.[2]

Ora, duas das obrigações impostas ao devedor insolvente, durante o período de cessão, são as de: “não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma  e no prazo em que isso lhe seja requisitado;” e “ entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;” (artigo 239º, nº 4, alíneas a) e c) do CIRE).

4.2.Voltando ao caso dos autos, verifica-se que, efectivamente, o que está em causa é a violação por parte da insolvente do inerente dever de informar o fiduciário sobre os seus rendimentos e património e, ainda, da entrega ao fiducuário da parte dos seus rendimentos objecto de cessão.

Com efeito, resulta da factualidade dada por assente que, em Janeiro de 2021, a insolvente recebeu do Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 9.433,80 €. Contudo, não informou nem o fiduciário, nem o tribunal desse recebimento. Só após notificação do tribunal de 16/07/2021, a pedir que informasse sobre o recebimento de outras quantias para além da mencionadas no relatório do fiduciário, é que respondeu que lhe havia sido processado o referido montante, mas que não havia sido por si recebida, o que foi contrariado pela informação dada pelo Fundo de Garantia Salarial, a pedido do tribunal. Acresce que entre Maio de 2020 e Abril de 2021 não procedeu à entrega de qualquer valor ao fiduciário, acumulando uma dívida de € 4.743,22.

Ainda assim, considera a ora Recorrente (ousadamente, diga-se) que “não se verificam, no caso concreto, os pressupostos dos quais depende a cessação antecipada da exoneração do passivo restante” (cf. alínea f) das conclusões)

Contudo, não lhe assiste razão.

Na verdade, entendemos que a posição assumida pela insolvente consubstancia um incumprimento doloso da obrigação de entregar o rendimento disponível ao fiduciário, uma vez que estava ciente dessa sua obrigação legal, para cujo incumprimento não adiantou qualquer justificação plausível. Não se trata de um descuido, imprevidência, ou desconhecimento, como indirectamente alega, mas antes de uma conduta que, claramente, viola a obrigação de fornecer informação relativa aos seus rendimentos e de os entregar ao fiduciário, nada fazendo a devedora para impedir tal violação. Não se justifica, de modo algum, que tivesse levado mais de 6 meses para confirmar ao fiduciário o recebimento de tão expressiva quantia do Fundo de Garantia Salarial. Por isso, só podemos concluir, sem dúvidas, que a ora Recorrente pretendeu ocultar do fiduciário e do tribunal o recebimento de tal quantia.

Apesar de reconhecer que não procedeu à declaração daquele recebimento, entende a Recorrente que a compensação por despedimento recebida do Fundo de Garantia Salarial não integra o conceito de rendimento disponível, para efeitos de exoneração do passivo restante.

Nada de mais errado!

Com efeito, decorre claramente do artigo 239º, nº 3 do CIRE que o rendimento disponível é constituído por “todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor”, excluindo-se apenas os créditos a que se refere o artigo 115º (certos créditos futuros) cedidos a terceiros pelo período em que a cessão se mantenha eficaz, bem como aquilo que seja razoavelmente necessário para: o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, o exercício pelo devedor da sua actividade profissional e outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.

Assim, tratando-se de rendimento do trabalho, é evidente que a quantia percebida pela Recorrente do Fundo de Garantia Salarial[3], a título de compensação por despedimento, integra o seu rendimento disponível para efeitos de exoneração do passivo restante, impendendo sobre aquela a obrigação de a entregar imediatamente ao fiduciário, logo que por si recebida.

4.3.Defende ainda a Recorrente que, mesmo que se entendesse ser devida a entrega ao fiduciário da quantia por ela recebida a título de compensação pelo seu despedimento, mesmo assim apenas poderia sê-lo parcialmente, em cumprimento da regra da impenhorabilidade de 2/3.

Mas, mais uma vez, carece de qualquer fundamento legal a tese da Recorrente, desde logo porque, como já referimos, todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor são disponíveis e deverão ser entregues ao fiduciário. Por isso, “neste circunstancialismo, tendo sido decretada a exoneração do passivo restante, não há qualquer fundamento legal para eximir os devedores de entregarem as indemnizações por despedimento ao fiduciário – já que as mesmas não se enquadram em quaisquer dos rendimentos excluídos da cessão – nem para fazer apelo aos disposto no nº 1 do artigo 738º do CPC, que releva no âmbito da penhora do processo executivo (ou nos casos em que as suas regras são aplicáveis, como sucede com o arresto, artigo 391, nº 2 do mesmo Código).”[4]

De todo o modo, entendemos que, por não assumirem a “função alimentar” do vencimento, nem revestir a natureza de “prestação periódica ou equiparável”, as quantias recebidas a título de indemnização por despedimento não poderão estar sujeitas às limitações do nº 1 do artigo 738º do CPC.[5]

4.4.No caso dos autos, como já se referiu, ocorreu por parte da ora Recorrente uma flagrante violação das suas obrigações de devedora, nomeadamente ao não informar o fiduciário do recebimento de uma compensação por despedimento de valor relativamente elevado e ao não lha entregar de imediato, como ficou claramente provado. Esta conduta da insolvente que, sonegou informação relevante para o procedimento de exoneração, impedindo, por um lado, o fiduciário de agir em conformidade com o disposto nos artigos 240º, nº 2 e 241º, nº 1 do CIRE, e, por outro, não lhe entregando todos os seus proventos disponíveis, assim prejudicando a satisfação dos créditos dos credores da insolvência, não merece o benefício da exoneração do passivo restante e o fresh start que este instituto em si encerra.

Em suma, tendo em conta a factualidade dada por assente, conclui-se que se verificam todos os pressupostos que determinam a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, improcedendo, assim, na totalidade, as conclusões do recurso.

5.DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a presente apelação, assim se mantendo o despacho recorrido.
Custas pela massa insolvente (artigos 303º e 304º do CIRE).



Lisboa, 10/05/2022



Nuno Teixeira (Relator)
Rosário Gonçalves (1ª Adjunta)
Manuel Marques (2º Adjunto)



[1]CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 610.
[2]Cf. neste sentido TRP, Acórdão de 14/07/2020 (proc. 6127/10.3TBVFR.P2)) e TRE, Acórdão de 14/10/2021 (proc. 848/18.0T8OLH.E1), ambos publicados in www.dgsi.pt.
[3]O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos quando o empregador seja declarado judicialmente insolvente, mas também se a empresa estiver em Processo Especial de Revitalização ou no âmbito do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extra-Judicial (SIREVE); trata-se de um sistema de tutela que abrange tanto os créditos resultantes da execução do contrato de trabalho (retribuição e outras prestações remuneratórias), como os da respectiva violação ou cessação (maxime, indemnização por cessação); acresce que, em caso de pagamentos dos créditos, o Fundo de Garantia Salarial fica sub-rogado nos direitos dos trabalhadores sobre a massa insolvente e nos respectivos privilégios creditórios, que actuará junto da massa insolvente em devido tempo (artigos 1º, nº 1, 2º e 4º do Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo DL nº 59/2015, de 21 de Abril).
[4]Cf. TRE, Ac. de 28/03/2019 (proc. 1319/12.3TBVNO-E1), publicado em www.direitoemdia.pt.
[5]No sentido da penhorabilidade plena da indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho pronunciaram-se o STJ no Ac. de 20/03/2018 (proc. 1034/10.2TBLSD-E.P1.S2), o TRL, no Ac. de 09/04/2019, o TRC nos Acs. de 11/12/2018 (proc. 500/09.7TBSRT-B.C1) e de 12/04/2018 (proc. 3234/13.4TBLRA-A.C1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, com excepção do Ac. do TRL que foi publicado na CJ2019, tomo 2, pág. 111. Defendendo a impenhorabilidade parcial, vide TRG no Ac. de 05/12/2019 (proc. 777/07.2TBBCL-F.G1, com voto de vencido) e STJ no Ac. de 12/11/2020 (proc. 777/07.2TBBCL-F.G1.S1).