OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RESCISÃO DE CONTRATO
CADUCIDADE
JUSTA CAUSA
RESCISÃO
Sumário

I- Não é nula, por omissão de pronúncia, a sentença que deixe de conhecer de uma questão, por o seu conhecimento ter ficado prejudicado pela solução dada a outras questões.
II- O prazo de caducidade do direito à rescisão do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, no caso em que a causa invocada constitua uma prática continuada (falta de pagamento de trabalho prestado em dias feriados e de descanso, com o legal acréscimo) renova-se permanentemente, enquanto a situação de incumprimento subsistir.
III- A falta de pagamento das diferenças salariais e da retribuição dos dias de descanso e feriados, com o acréscimo legal, ocorrida durante toda a vida do contrato (cerca de 3 anos e meio), não torna imediata e praticamente impossível a relação laboral.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B........... instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C........., Ld.ª, pedindo que, na procedência da acção, se condene a R. a pagar ao A. a quantia de €34.668,58, acrescida dos juros de mora à taxa legal, a partir da citação até integral pagamento, sendo € 1.703,52 de indemnização por despedimento com fundamento em justa causa invocada pelo A. e a restante relativa a diferenças salariais, diferenças no Prémio Tir e na importância relativa à cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT., a retribuição dos dias de descanso e feriados e dias compensatórios de descanso não gozados, retribuições vencidas, férias e subsídio de férias vencidos em 2003-01-01 e férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, 2003, para além de outras quantias relativas a coimas pagas pelo A.
Alega, para tanto, que foi admitido ao serviço da R. em 1999-11-15, para exercer as funções de motorista nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias – TIR – o que aconteceu até 2003-04-22, data em que rescindiu o contrato de trabalho por sua iniciativa, com fundamento nos factos elencados na carta junta com a petição inicial como doc. n.º 2, nomeadamente, falta de pagamento de retribuições e diferenças salariais que quantifica e peticiona.
A R. contestou por impugnação, admitiu não ter pago ao A. retribuições relativas a férias e subsídios, mas calculadas com base no valor que ela entende e deduziu pedido reconvencional para reclamar do A. a indemnização por falta de aviso prévio, pois considera que não ocorreu justa causa para a rescisão do contrato e ainda a quantia de € 42.796,92, para a hipótese de se considerar que a R. deve pagar ao A. a retribuição dos dias de descanso, nos termos da cláusula 41.ª do CCT., pois ao longo da vida do contrato foram-lhe feitos pagamentos, com tal fito, que totalizam aquela quantia.
O A. respondeu à matéria de excepção e de reconvenção, constantes da contestação, mantendo a posição constante da petição inicial.
Realizado o julgamento, foi fixada a matéria de facto, sem reclamações.
Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 17.540,74, acrescida de juros e a reconvenção foi julgada improcedente, tendo o A sido absolvido do pedido.
Inconformada com o decidido, a R. invocou a nulidade da sentença e interpôs o presente recurso de apelação [recurso principal], pedindo que se revogue a sentença na parte condenatória, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

A - Na Sentença é referido "(...) que a ré deduziu pedido reconvencional, baseando-se na resolução do contrato sem aviso prévio e sem fundamento", julgando que, "tendo este tribunal concluído pela verificação de justa causa por parte do trabalhador, terá tal pedido de improceder", julgando, depois, totalmente improcedente o pedido reconvencional e absolvendo o Autor do mesmo.
B - Ora, a Recorrente formulou expressamente e sob distinta numeração um outro pedido reconvencional "no caso de se decidir pela nulidade da estrutura salarial", distinto do pedido de condenação no pagamento da indemnização devida pela falta de aviso prévio e de fundamento para a rescisão do contrato de trabalho (cfr. o ponto 2 do pedido reconvencional, a fls ... da contestação).
C - Sobre este segundo pedido reconvencional a Mm.ª Juíza a quo não se pronunciou, estando a tanto obrigada nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 660.º do Cód. Proc. Civil, consubstanciando tal omissão a nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art.º 668.º, do mesmo Código, que deverá ser julgada procedente, com as legais consequências.
D - O disposto no n.º 2 do artigo 653.º do C.P.Civil aplicável ex vi do art.º 1.º, n.º 2 do C.P.T. - impõe ao Tribunal que enuncie quer os factos que considera provados, quer os que considera não provados e tem ainda de fundamentar tal convicção, quer relativamente a uns, quer relativamente aos outros (cfr. o douto Acórdão desta Relação de 12.10.99, in www.dgsi.pt, processo n.º 9920722 - onde se refere que "Só com a entrada em vigor do artigo 653.º do Código de Processo Civil de 1995, foi estabelecida a obrigação de o tribunal, ao decidir a matéria de facto, fundamentar não só as respostas positivas, como sucedia no regime anterior, como ainda as respostas negativas ao questionário."-; António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, in "O Novo Processo Civil", TSE Editores, p. 300 e Abílio Neto, in "Código de Processo Civil Anotado", 14.ª Edição, Março de 1997, p. 654).
E - O douto Despacho contendo a decisão sobre o julgamento da matéria de facto não especifica quais os factos considerados não provados, não contém remissão ou indicação da matéria de facto vertida nos articulados julgada provada e não provada e, também não contém a fundamentação relativa à respectiva convicção - maxime no que respeita aos factos não provados.
F - Deverá o Tribunal ad quem determinar ao Tribunal recorrido que fundamente devidamente a decisão proferida sobre a matéria de facto, incluindo aquela que foi julgada "não provada", essencial para a decisão da causa - quer porque constituía matéria de excepção aos invocados direitos do Autor, quer porque era constitutiva do pedido reconvencional, quer, ainda, por ser constitutiva dos direitos do Autor - repetindo, para tanto, a produção de prova, ao abrigo do artigo 712.º, n.º 5, do C.P.C., ex vi do artigo 1.º, n.º 2, do CPT, o que se deixa aqui requerido para todos os efeitos previstos na lei.
G - Para a procedência de condenação nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 41.ª do C.C.T. aplicável (BTE 16/82) - cfr. alínea E) da Sentença - haverá, necessariamente, que determinar - rectius alegar e provar - qual o trabalho efectivamente prestado em dias de descanso semanal ou complementar e em dias feriados, isto é, quais os períodos diários em que tal se verificou, qual a concreta duração desse trabalho.
H - De outra forma, por um lado, poder-se-ia remunerar mais do que o trabalho efectivamente prestado naqueles termos - por exemplo retribuindo um dia de trabalho quando o trabalhador apenas trabalhou algumas horas em dia de descanso semanal ou complementar ou num feriado - e, por outro lado, nenhum sentido teria a fórmula prevista no número 2 da citada cl.ª 41.ª para a determinação da "retribuição hora".
I - Ora, em primeiro lugar, a factualidade julgada provada - maxime dos pontos "12." a "17." - contém matéria conclusiva - as expressões tendo trabalhado em (-) dias de descanso semanal, (-) dias de descanso complementar e (-) feriados - porquanto o seu conteúdo não pode ser directamente apreensível, devendo, consequentemente, ter-se por não escritas, por aplicação analógica do artigo 646.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil (cfr., neste sentido, o Acórdão da RE, de 08.06.1989, BMJ. 388.º, p.625), donde decorre necessariamente a improcedência do peticionado com fundamento no disposto na citada cláusula do CCT. e, bem assim, a condenação da Recorrente nos termos do mesmo preceito.
J - Em segundo lugar, impõe-se acrescentar que a Sentença recorrida - incluindo no que respeita à factualidade julgada provada - é absolutamente omissa relativamente aos concretos dias em que o trabalhador prestou trabalho e que correspondiam a dias de trabalho semanal e/ou complementar ou dias feriados, donde sempre seria manifesta a falta de fundamento para a condenação da Recorrente a este título.
L - Em terceiro lugar, da factualidade julgada provada - maxime sob os pontos "12." a "17." absolutamente nada se provou quanto à duração efectiva do trabalho prestado pelo Autor naqueles dias de descanso semanal ou complementar e em dias feriados, sendo, pois, absolutamente desconhecido nos autos o número de horas em que, em tais dias, o Autor trabalhou.
M - Assim, na Sentença não foi tido em conta o volume - o número de horas - de trabalho prestado pelo Autor em dias de descanso semanal e/ou complementar ou em dias feriado, tendo sido ficcionado - pois que da factualidade julgada provada não resulta - que em cada um desses dias o Autor trabalhou durante um período correspondente a um dia de trabalho, o que não encontra absolutamente nenhum fundamento fáctico em que se estribe atento o julgamento da matéria de facto, pelo que é legalmente inadmissível.
N - Conclui-se que a Ré-Recorrente não podia ter sido condenada a pagar ao Autor-Recorrido qualquer quantia - designadamente a de € 9.697,44 referida na Sentença - pois que não logrou o Autor provar o número de horas em que prestou o seu trabalho em dias feriados e de descanso semanal e/ou complementar, pelo que na Sentença foi violado o estabelecido na cl.ª 41.ª n.ºs 1 e 2 da Conv. Col. Trabalho aplicável, devendo, por isso, também nessa parte ser a Sentença revogada.
O - A Mm.ª Juíza estribou a condenação da Recorrente nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 41.ª do C.C.T. aplicável - cfr. alínea F) da Sentença - na já referida factualidade constante dos pontos "12." a "17." dos factos julgados provados.
P - Tal factualidade não possui a virtualidade de poder estribar a condenação ora em causa pelas exactas razões antes referidas nas alíneas "I" e "J" destas conclusões.
Q - Não podia a Ré-Recorrente ter sido condenada a pagar ao Autor-Recorrido qualquer quantia - designadamente a de € 2.514,14 - pois que não logrou este provar quais os concretos dias em que prestou o seu trabalho e que corresponderiam a dias feriados e de descanso semanal, pelo que foi violado o estabelecido na cláusula 41.ª n.º 6 da Conv. Col. Trabalho aplicável, devendo, por isso, também nessa parte ser a Sentença revogada.
R - A Recorrente entende que caducou o direito do Recorrido de rescindir o contrato de trabalho com justa causa atento o disposto no art.º 34º do Decreto-Lei nº 64-A/89 uma vez que o Tribunal julgou provado - cfr. pontos "12." a "17." da factualidade julgada provada - que desde Novembro de 1999 que não era - no entendimento do Tribunal - pago ao Recorrido o trabalho prestado em dias feriados e dias de descanso, com o acréscimo de 200%.
S - Como é doutamente referido no Acórdão da Rel. de Lisboa de 17.5.1995 (in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf, processo 0097954) "Solução bem diferente é a do artigo 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei 64-A/89, segundo o qual o prazo aí previsto se conta a partir do conhecimento dos factos, sem se distinguir se se trata de factos instantâneos ou continuados, sendo certo que o legislador não podia ignorar toda a intensa polémica gerada à volta do artigo 1094.º do Código Civil e da Lei n.º 24/89, de 1/8, sobre o início da contagem dos prazos de caducidade em relação a factos duradouros ou continuados".
T - Assim, "...no artigo 34.º, n.º 2 do referido diploma, o legislador quis submeter o início da contagem do prazo de caducidade de 15 dias à regra geral contida no art.º 329.º do Código Civil, que estabelece como início dessa contagem "o momento em que o direito puder ser legalmente exercido, se a lei não fixar outra data". Ora, no caso vertente, a lei fixa expressamente essa data, que é a do conhecimento pelo trabalhador, do facto justificativo da rescisão.
U - In casu, os factos invocados pelo Recorrido como suporte da rescisão do contrato com justa causa eram do seu conhecimento pelo menos desde 1999 como resulta do referido ponto "12." da factualidade julgada provada, o que significa que o Recorrido deixou precludir o prazo constante do n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei 64-Al89, prazo que é de caducidade, face ao disposto no artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, e entendimento perfilhado pelo STJ, no Ac. de 14-4-93, in: "CJ, Acs. do STJ, Ano I, 1993, T. II, p. 266, e Ac. desta Relação, de 9/2/94, in: - "CJ", Ano XIX, 1994, Tomo I, p. 183. (cfr. o citado douto Acórdão).
V - A Sentença violou o disposto no art.º 34.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, pois que deveria ter julgado procedente a apontada caducidade e, em consequência, julgado improcedente a verificação de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho promovida pelo Recorrido, com as legais consequências, designadamente a procedência do pedido reconvencional, desde logo na parte relativa à falta de observância por aquele do prazo legal de pré-aviso.
X - "Para que um trabalhador possa rescindir unilateralmente o contrato de trabalho, sem aviso prévio e com direito a indemnização, são necessários três requisitos: a) Um Objectivo (...); b) Um subjectivo (...), c) E ainda que a conduta do empregador, na sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção do contrato." (Ac. do Sup. Trib. de Justiça de 23.11.1994, in CJ/STJ, 1994, 3º, 297 e, no mesmo sentido os Ac.s do mesmo Tribunal de 29.09.1993, de 12.01.1994, de 3.5.1995, de 27.09.1995 e de 11.03.1999, respectivamente, in AD, 385, 96; AD, 389, 601; BMJ, 447, 271 e BTE, 2ª série, nºs 4,5,6/97, pág. 653; AD, 409º, pág. 109 e CJ/STJ, 1999, 1º pág. 300).
Y - O Recorrido não alegou, como era seu ónus - pois que lhe competia alegar os factos concretos, constitutivos do seu direito que integravam a causa de pedir (cfr. Ac. do STJ de 27.11.90 e de 20.01.1994, in BMJ, 401, 581 e 433, pág. 495) -, absolutamente nenhuns factos susceptíveis de estribar a conclusão de que a conduta do empregador, relativamente ao não pagamento das quantias em causa, na sua gravidade e consequências tornava imediata e praticamente impossível a manutenção do contrato.
Z - O Recorrido não provou tais factos constitutivos do seu direito, i.é., os momentos constitutivos do facto Jurídico (simples ou complexo) que representam o título ou causa desse direito, como era seu ónus, atento o disposto no art.º 342.º do Cód. Civil (cfr. Prof. Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 201; Prof. Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 454 e ss. e Alberto dos Reis, in Cód. Proc. Civil Anotado, 4ª ed., pág. 279 e ss).
AA - Não tendo o Recorrido alegado nem provado os factos constitutivos do seu direito, deveria ter sido julgado que não existiu justa causa para a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador-Recorrido não havendo, por isso, lugar à condenação da Recorrente a indemniza-lo, com as legais consequências, designadamente no que respeita ao pedido reconvencional por falta de pré-aviso, pelo que deve a douta Sentença recorrida ser revogada.
BB - Dá-se aqui por reproduzido o supra alegado sob a alínea “X”.
CC - Conforme supra referido em "R" o Tribunal julgou provado - cfr. pontos "12." a "17." da factualidade julgada provada - que desde Novembro de 1999 não era pago ao Recorrido o trabalho prestado em dias feriados e dias de descanso, com o acréscimo de 200%, concluindo a Mm.ª Juíza na Sentença que "... a ré, durante anos, - cerca de três anos e meio (desde Novembro de 1999 e até Abril de 2003 - não cumpriu a sua obrigação de pagar ao autor o trabalho prestado em dias feriados e dias de descanso, com o acréscimo de 200% (...)".
DD - Ora, "... ela não constitui justa causa de despedimento pelo trabalhador, com direito a indemnização, se a diminuição de retribuição invocada como justa causa do despedimento já ocorrer há mais de 10 anos sem reacção sua" (Ac. do S.T.J. de 13.3.1996 in CJ/STJ 1996, 1º, pág. 272), isto é, "não implica impossibilidade de subsistência das relações de trabalho a falta da entidade patronal que, embora culposa, não motivou imediata reacção do trabalhador que, continuando ao serviço, só declarou o seu despedimento com alegação de justa causa meses depois de cometida essa falta." (Ac. Rel. Coimbra de 2.12.87, in BTE, 2a série, nºs 4-5-6/91, pág. 418).
EE - Nenhum facto se encontra alegado ou provado que pudesse estribar a conclusão de que algo sucedeu ao fim de três anos e meio que determinasse que tal conduta do empregador, na sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção do contrato.
FF - Nada tendo feito o Recorrido-trabalhador durante os mais de três anos em que - no entendimento do Tribunal, não recebeu parte da retribuição, constitui manifesto abuso de direito (cfr. art.º 334.º do Cód. Civil) - na modalidade de "venire contra factum proprium" que expressamente se invoca - a procedência de tal fundamento como constitutivo de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho (cfr. art. 334.º do C. Civil, Antunes Varela in R.L.J., Ano 128.º, pág. 241; Coutinho de Abreu In Do Abuso de Direito, pág. 43; Baptista Machado in Obra Dispersa, Vol. I, pág. 415 e ss. e Ac. do S.T.J. de 17.11.1994, in B.M.J. 441, 284 e ss.).
GG - Deve ser revogada a Sentença julgando-se que não existiu justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo recorrido, com as legais consequências.
HH - Sem prescindir da verificação dos supra citados requisitos - "X" destas conclusões - "Não constitui justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador o não pagamento duma pequena parte da retribuição." (Ac. RE de 24.09.01, in CJ, XXVI, IV, pág. 297).
II - Durante a vigência do contrato - de Novembro de 1999 a Abril de 2003 - o Autor auferiu um total de mais - porque acresce, ainda € 37,40 mensais que "pagava se os motoristas fizessem, pelo menos, duas viagens ao estrangeiro" – de Esc. 16.545.025$00 (dezasseis milhões quinhentos e quarenta e cinco mil e vinte e cinco escudos); e deveria ter recebido, no entendimento da Mm.ª Juíza a quo mais Esc. 504.041$00 (cuja falta de pagamento constituiria justa causa para a resolução do contrato pelo Autor).
JJ - A quantia que o Tribunal entendeu não ter sido paga ao A. pela Recorrente equivale a três por cento daquela que lhe pagou, pelo que tem de ser quantificada como uma pequeníssima parte do que era devido ao Recorrente.
LL - Pelo que, na esteira do douto entendimento vertido no supra citado douto aresto (Ac. RE de 24.09.01, in CJ, XXVI, IV, pág. 297) forçoso é concluir não se verificou justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador pelo facto de não lhe terem sido pagos € 2.514,15" - correspondentes a Esc. 504.041$00 - face aos montantes que o mesmo auferiu durante a vigência do contrato, devendo, consequentemente, ser revogada a Sentença, julgando-se que não existiu justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo recorrido.
MM - A procedência da invocação da "Falta culposa do pagamento pontual da retribuição na forma devida" - cfr. al. a) do artigo 35.º do Dec.-Lei 64-A/89 - depende do cumprimento do disposto no artigo 3.º da Lei n.º 17/86 de 14 de Junho, o qual se encontra em vigor (cfr. Ac. do Trib. Rel. Lisboa de 13.11.1996, in CJ, 1996, 5.º, 170 e Ac. Rel. Évora de 12.11.1996, in BMJ, 461, pág. 548).
NN - Uma vez que o Recorrido não notificou a entidade patronal e a Inspecção-Geral do Trabalho, por carta registada com aviso de recepção, a Sentença deverá ser revogada, julgando-se não ter existido justa causa para a rescisão do contrato de trabalho efectuada pelo Recorrido por o mesmo não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 3.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho.
OO - O trabalhador invocou a falta de pagamento da retribuição para rescindir o contrato em causa alegando que a Recorrente não lhe pagou determinadas quantias, mas não resulta da factualidade provada a falta de pagamento do trabalho prestado em dias feriados e dias de descanso, com o acréscimo de 200%, nomeadamente a quantia de € 2.514,15.
PP - Tendo presente o supra referido quanto à causa de pedir e às regras do ónus da prova, era ao Recorrido que competia provar a falta de pagamento pela Recorrente do trabalho prestado em dias feriados e dias de descanso e qual o montante de tal quantia, não tendo aquele provado nem uma coisa nem outra, pelo que sempre teria a acção de ter sido julgada improcedente no que respeita à existência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho.
QQ - No que respeita ao pedido reconvencional a Mm.ª Juíza a quo entendeu que a quantia de € 324,22 (65.000$00) paga pela Recorrente ao Recorrido "Por cada viagem efectuada ao estrangeiro" não substituía as quantias previstas na cláusula 41.ª do C.C.T., tendo condenado a primeira a pagar ao segundo os montantes aí estipulados.
RR - Assim, não existir qualquer fundamento para o pagamento pela Recorrente ao Recorrido de valores que no total ascendem a € 42.796,92 - simples cálculo aritmético correspondente à multiplicação de Esc. 65.000$00/€ 324,22 (cfr. "8" dos factos provados) pelas viagem realizadas (cfr. "12." a "17." dos factos provados), os quais não encontram na lei ou no contrato individual ou colectivo de trabalho qualquer título justificativo.
SS - Porque dos autos resulta que a R. entregou ao A. o montante de €42.796,92, inexistindo qualquer justificação para tal, deve o pedido reconvencional ser julgado procedente e, em consequência, ser o A. condenado a pagar à R. o aludido valor (cfr. art.º 473.º, n.º 1, do Cód. Civil e Ac. do S.T.J. de 14.01.1970 in BMJ, 213, pág. 214).
TT - Ou deverá ser operada a compensação do crédito da Recorrente no referido valor de € 42.796,92 com o eventual crédito que venha a ser reconhecido ao Recorrido, devendo este ser condenado no pagamento do remanescente.
UU - A sentença violou os citados preceitos devendo, por isso, ser parcialmente revogada, na parte objecto do presente recurso, com as legais consequências.

O A. respondeu ao requerimento de nulidade da sentença, apresentou a sua alegação de resposta ao recurso da R. e interpôs recurso subordinado, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
I) O autor discorda da sentença na parte que condena a ré a pagar as diferenças relativas à cláusula 74.ª n.º 7 CCT a partir de Março de 2000, só sobre o salário devido e não sobre o efectivamente pago.
II) Termos em que, nesta parte deve a sentença ser revogada, por não ter considerado para efeitos de cálculo daquela cláusula os salários efectivamente pagos ao autor a partir daquela data - docs. 7 a 48 juntos à petição e não impugnados pela ré, ponto 5. do douto despacho de fols... e alínea A) da sentença.
lll) Pelo que a esse título e durante a vigência do contrato de trabalho venceu-se o montante total de € 15.698,22, e não o valor decidido de € 11.360,42. Tendo ficado provado por douta sentença que a ré pagou o total de € 11.256,69 - alínea C), deve ainda a ré ao autor e a este título a quantia de € 4.441,53.
IV) O A. discorda também da parte da sentença que condena a ré no pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriados, bem como nos dias de descanso compensatório, tomando em consideração apenas e só o salário mensal base devido e não o efectivamente pago e excluindo a diuturnidade, bem como a retribuição prevista na cláusula 74.ª n.º 7 do CCT.
V) Para se calcular o valor/dia com base no qual se estabelece o pagamento dos dias feriados e dias de descanso trabalhados, deve tomar-se em consideração a remuneração mensal do trabalhador. Ora, a remuneração é composta pelo vencimento base, pela(s) diuturnidade(s) e pela retribuição prevista na cláusula 74.ª n.º 7 CCT, sobre o somatório do qual deverá incidír o acréscimo de 200% previsto na cláusula 41.ª CCT.
VI) Se a cláusula 74.ª deve ser paga 30 dias por mês e não em 22, porque é uma retribuição que tem em conta a disponibilidade do trabalhador perante a sua entidade patronal, mais do que uma prestação de trabalho efectiva, não pode retirar-se essa retribuição nos dias de descanso e nos feriados - Ac. STJ de 11.12.96, CJ Ill, 265; Ac. RP de 09.07.90, CJ IV, 261; Ac. RP de 28.06.99 - Proc. 420/99 da 4ª Secção.
VII) Termos em que deve a douta sentença ser revogada, quanto aos montantes em dívida pela ré a título do pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriados, bem como a título de descansos compensatórios não gozados, devendo em relação aos primeiros a ré ser condenada a pagar ao autor o montante total de € 16.169,51 e em relação aos segundos deve a ré ser condenada a pagar ao autor o total de € 7.967,85.
VIII) No cálculo das duas horas diárias de trabalho extraordinário, no cálculo do trabalho prestado em dias de descanso e feriados, bem como dos descansos compensatórios não gozados, a sentença recorrida violou a cláusula 74.ª n.º 7, o n.º1 da cláusula 41.ª, o n.º 6 da cláusula 41.ª e o n.º 3 da cláusula 20.ª, todas do CCT aplicável ao sector.
IX) Revogada deve ser ainda a parte da douta sentença quanto ao quantum indemnizatório pela rescisão do contrato de trabalho, com justa causa, por não atender também ao salário base efectivamente auferido pelo autor à data da cessação do contrato de trabalho, mas ao fixado no último CCT. Pelo que a este título, deve a ré ser condenada a pagar ao autor a quantia de € 2.743,00.
X) Finalmente revogada deve ser ainda a parte da douta sentença quanto ao montante condenatório das férias e respectivo subsídio vencidas em 01.01.03, bem como dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal do trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho. Mais uma vez, o Tribunal a quo não atendeu ao salário mensal efectivamente auferido pelo autor/apelante, mas ao fixado no último CCT e consequentemente à cláusula 74.ª, n.º 7 calculada sobre este último. Porque o salário mensal do autor/apelante era superior ao legalmente fixado, deve a ré ser condenada a pagar a quantia de € 2.583,54, em substituição do valor fixado na alínea N) da douta sentença recorrida.
XI) Face ao exposto, deve a ré ser condenada a pagar ao autor o montante total de €33.905,43, devendo por isso a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada, tão só quanto aos montantes em dívida, em relação às rubricas atrás referidas.
A Sr.ª Procuradora da República, nesta Relação, emitiu parecer no sentido de que os recursos não merecem provimento.
As partes não se pronunciaram acerca de tal parecer.
Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
1. Por contrato celebrado em 15.11.99, o autor foi admitido ao serviço da ré para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de motorista nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias.
2. No âmbito da sua categoria profissional, competia ao autor exercer as funções de motorista na condução de veículos pesados de transportes internacionais de mercadorias, o que fez até 22.04.03, data em que rescindiu unilateralmente o seu contrato de trabalho.
3. A ré dedica-se à actividade da indústria de transportes rodoviários pesados de mercadorias e encontra-se inscrita na ANTRAM - Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias.
4. O autor é associado no STRUN - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte, associação filiada na FESTRU.
5. Ao serviço da ré o autor auferiu os seguintes vencimentos mensais:
Novembro de 1999................57.409$00
De 01.12.99 a 28.02.00.........98.200$00
De 01.03.00 a 31.07.01.......101.146$00
De 01.08.01 a 31.10.02.......109.984$00
A partir de 01.11.02......€ 563,06 (sendo € 548,60 de vencimento base + €14,46 de uma diuturnidade).
6. A título de ajudas de custo mensal, a ré pagou ao autor as seguintes quantias:
de 15.11.99 a 30.04.00......21.200$00
de 01.05.00 a 31.12.01......21.836$00
de 01.01.02 a 31.03.03.........€ 108,90.
7. A ré pagou, também, ao autor, ao longo da vigência do contrato, uma verba que, ultimamente, era de € 37,40 e que apelidava de subsídio de alimentação, mas que só pagava se os motoristas fizessem, pelo menos, duas viagens ao estrangeiro.
8. Por cada viagem efectuada ao estrangeiro e em substituição do pagamento das refeições à factura, a ré pagava ao autor a quantia de € 324,22 (65.000$00).
9. Desde a data da admissão, cumpriu o autor, por ordem e no interesse da ré, o horário de trabalho semanal de 40 horas, distribuídas de 2.ª a sexta-feira, com descanso semanal ao domingo e complementar ao sábado.
10. A título de retribuição relativa a duas horas de trabalho extraordinário por dia (Cláusula 74.ª, n.º 7), a ré, mensalmente, pagou ao autor as seguintes quantias:
Novembro de 99................28.173$00;
Dezembro de 99.........................0$00;
De 01.01.00 a 30.04.00......56.346$00;
De 01.05.00 a 31.12.01.......58.036$00;
De 01.01.02 a 31.03.03……...€ 289,52.
11. A ré não integrou no subsídio de férias de 2000, o valor relativo às duas horas diárias de trabalho extraordinário.
12. No período compreendido entre 12.11.99 e 31.12.99, por ordem da ré, o autor efectuou 6 viagens ao estrangeiro, tendo trabalhado em 6 dias de descanso semanal, 6 dias de descanso complementar e 2 feriados.
13. No período compreendido entre 01.01.00 e 31.12.00, por ordem da ré, o autor efectuou 40 viagens ao estrangeiro, tendo trabalhado em 29 dias de descanso semanal, 37 dias de descanso complementar e 7 feriados.
14. No período compreendido entre 01.01.01 e 31.12.01, por ordem da ré, o autor efectuou 41 viagens ao estrangeiro, tendo trabalhado em 42 dias de descanso semanal, 43 dias de descanso complementar e 6 feriados.
15. No período compreendido entre 01.01.02 e 31.10.02, por ordem da ré, o autor efectuou 35 viagens ao estrangeiro, tendo trabalhado em 39 dias de descanso semanal, 39 dias de descanso complementar e 7 feriados.
16. No período compreendido entre 01.11.02 e 31.12.02, por ordem da ré, o autor efectuou 7 viagens ao estrangeiro, tendo trabalhado em 5 dias de descanso semanal, 7 dias de descanso complementar.
17. No período compreendido entre 01.01.03 e 22.04.03, por ordem da ré, o autor efectuou 10 viagens ao estrangeiro, tendo trabalhado em 10 dias de descanso semanal, 11 dias de descanso complementar e 1 feriado.
18. Por CR/AR, datada de 22.04.03, o autor rescindiu unilateralmente o contrato de trabalho que havia celebrado com a ré, invocando os seguintes motivos:
a) Falta de cumprimento das tabelas salariais em vigor para o sector de transportes rodoviários de mercadorias, encontrando-se em dívida diferenças salariais desde o mês de Novembro de 1999;
b) Diferenças de pagamento das ajudas de custo mensais "TIR" desde Novembro 1999;
c) Falta de pagamento integral da cláusula 74.ª, n.º 7, desde o mês de Novembro de 1999;
d) Falta de adiantamento em dinheiro, em quantidade suficiente, para fazer face às despesas da viagem enquanto deslocado no estrangeiro;
e) Desconto do valor de € 215,66 na retribuição do mês de Setembro de 2000, referentes a dois pneus do semi-reboque que rebentaram, quando aquele se encontrava no exercício das suas funções ao serviço da ré;
f) Falta do reembolso do pagamento de uma contra-ordenação de € 90,00 em França e falta do reembolso do pagamento de metade da contra-ordenação de €75,00 em Espanha, a primeira sem culpa do autor e a segunda por obedecer à ré ao não respeitar os tempos de descanso obrigatórios devido à urgência de a carga chegar ao destino;
g) Falta de pagamento do trabalho prestado em dias feriados e dias de descanso, com o acréscimo de 200%;
h)Sujeição a um processo disciplinar injusto, quer pela falsidade dos factos alegados na nota de culpa, quer porque o autor não violou nenhum dos deveres a que está adstrito como trabalhador.
19. Com a cessação do contrato de trabalho, a ré não pagou ao autor as férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.03, bem como os respectivos proporcionais e de natal relativos ao ano da cessação do contrato.

O Direito.

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso [Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531], como decorre das disposições conjugadas dos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do Cód. Proc. do Trabalho, são as seguintes as questões a decidir nesta apelação:
A - No recurso principal:
I - Nulidade da sentença.
II - Fundamentação da decisão da matéria de facto.
III - Impugnação dos pontos 12 a 17 dos factos provados.
IV - Caducidade da rescisão do contrato.
V - Justa causa da rescisão.
VI - Pedido formulado na reconvenção.
B - No recurso subordinado:
VII - Diferenças relativas à cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT.
VIII - Diferenças no pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriados, bem como nos dias de descanso compensatório.
IX - Diferenças no pagamento da indemnização por despedimento.
X - Diferenças no pagamento das férias e respectivo subsídio vencidos em 01.01.03, bem como das férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado em 2003.

Vejamos a 1.ª questão.
Trata-se de saber se a sentença é nula, pois entende a R. que formulou um segundo pedido reconvencional - no caso de se decidir pela nulidade da estrutura salarial - distinto do pedido de condenação no pagamento da indemnização devida pela falta de aviso prévio e de fundamento para a rescisão do contrato de trabalho, pelo que teria ocorrido omissão de pronúncia, a integrar a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do Art.º 668.º do Cód. Proc. Civil.
Decidindo.
As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença ou da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, ele pode ser impugnado através de recurso de agravo. As nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas e fundamentadas no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade [Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329.
No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no proc. n.º 413/04, in www.tribunalconstitucional.pt, decidiu, nomeadamente, o seguinte: Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior [sublinhado nosso].]

In casu, mostram-se cumpridos os requisitos para que se possa conhecer a invocada nulidade, pois o requerimento, com a respectiva fundamenteção, foi dirigido ao Tribunal a quo, no lugar próprio, expressa e separadamente.
Quanto ao fundo da questão, verificamos que a R. formula dois pedidos na reconvenção: um, é a indemnização por falta de aviso prévio, pois entende que o A. rescindiu o contrato de trabalho sem justa causa; outro, é a quantia de € 42.796,92, que o A. teria recebido, segundo ela para pagar a retribuição correspondente a dias de descanso e feriados e, segundo ele, para pagar as refeições feitas nas deslocações ao estrangeiro, em vez do pagamento à factura.
Ora, referindo-se no artigo 82.º da contestação e caso assim não se entenda [cfr. fls. 46], depois de se ter alegado os factos relativos a indemnização por falta de aviso prévio e as quantias pagas a título da retribuição mencionada na cláusula 41.ª do CCT., fica-se com a ideia de que o pedido da quantia de € 42.796,92 é subsidiário, pelo que a sorte do primeiro dita a decisão acerca do segundo. Tal ideia decorre também da forma como no fim da reconvenção os pedidos são formulados: no caso de se decidir pela nulidade da estrutura salarial [cfr. fls. 47].
Certo é que a sentença considerou que houve juata causa para o A. rescindir o contrato de trabalho, não havendo assim lugar à procedência do primeiro pedido reconvencional de pagamento da indemnização por falta de aviso prévio, ficando deste modo prejudicado o segundo pedido reconvencional e, por outro lado, como nada decidiu acerca da estrutiura salarial – pois a quantia de € 42.796,92 foi paga ao A. a título diverso do que entende a R. – não tinha a sentença de conhecer o segundo pedido reconvencional, formulado pela R. apenas para o caso de se decidir pela nulidade daquela estrutiura salarial.
Destarte, concluimos no sentido de que não ocorreu omissão de pronúncia na sentença, a integrar a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do Art.º 668.º do Cód. Proc. Civil, cujo requerimento se indefere, assim improcedendo as três primeiras conclusões do recurso principal.

Vejamos a 2.ª questão.
Com fundamento em que a decisão da matéria de facto não especifica quais os factos considerados não provados, não contém remissão ou indicação da matéria de facto vertida nos articulados julgada provada e não provada e, também não contém a fundamentação relativa à respectiva convicção no que respeita aos factos não provados, pretende a R. que a Relação determine ao Tribunal a quo que fundamente devidamente o respectivo despacho, repetindo, para tanto, a produção de prova, ao abrigo do disposto no Art.º 712.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil.
Decidindo.
Dispõe o n.º 2 do Art.º 653.º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente:
“… a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.
Tal decisão consta do douto despacho proferido a fls. 209 a 213, donde se vê que, elencados os factos dados como provados, no fim da lista consta o seguinte: O Tribunal considera os restantes factos como não provados. Por outro lado, logo a seguir consta a fundamentação donde se vê que foram apontados os meios de prova testemunhal e documental, as razões que sustentam a lista dos factos provados e não provados, assinalando-se os depoimentos e as razões que serviram para formar a convicção da Julgadora, quer quanto aos factos dados como provados, quer quanto aos dados como não provados.
A forma breve como se assentou os factos não provados, não sendo talvez o ideal do ponto de vista do desiderato da reforma do processo civil de 1995/1996, não significa incumprimento da lei, pois refere que foram dados como não provados aqueles factos - que teriam interesse para a decisão da causa, se pudessem ser dados como provados - que constam dos articulados para além dos que foram dados como provados, isto é, os restantes.
Por outro lado e quanto à fundamentação, deve dizer-se que no despacho se refere como não convincente o depoimento de determinadas testemunhas, o que justifica que tenha havido factos alegados e que não foram dados como provados. Já quanto aos factos dados como provados, para além da lista ser completa, a fundamentação é exaustiva, quer no apontar dos meios de prova testemunhal e documental, quer quanto às razões que serviram para formar a convicção e decisão da Julgadora, não merecendo qualquer reparo.
De qualquer forma, certo é que o despacho que decidiu a matéria de facto não foi objecto de reclamações, nos termos do diposto no Art.º 653.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil, como se vê de fls. 213.
Assim, estando a decisão da matéria de facto devidamente decidida e fundamentada, ainda que de forma breve na parte apontada, não se vê razões para que a Relação determine ao Tribunal a quo que fundamente devidamente o respectivo despacho, repetindo, para tanto, a produção de prova, ao abrigo do disposto no Art.º 712.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, assim improcedendo as conclusões D, E, e F do recurso principal.

A 3.ª questão.
Consiste ela na impugnação da matéria de facto assente sob os n.ºs 12 a 17 da lista dos factos dados como provados, referenciada nas conclusões G a Q, embora a R. configure a questão também sob outros prismas: que a matéria assente é conclusiva e que a retenção no estrangeiro em dias de fim de semana e de feriado não integra a prestação laborativa.
Decidindo.
Como se vê dos autos, nomeadamente das actas de julgamento, este foi efectuado sem gravação dos depoimentos, pois ela não foi requerida nem oficiosamente ordenada. Tal significa que a matéria de facto não pode ser impugnada, atento o disposto no Art.º 712.º, n.º 1, alínea a) do Cód. Proc. Civil. Assim e não sendo a decisão da matéria de facto deficiente, obscura ou contraditória, nos termos do n.º 4 do artigo ora citado, há que acatá-la, nos seus precisos termos, em princípio.
No entanto, refere a R. na conclusão I que o conteúdo dos pontos da matéria de facto n.ºs 12 a 17 não são directamente apreensíveis, pelo que devem ter-se por não escritos, por aplicação analógica do artigo 646.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil. Tal matéria de facto foi assente, de forma clara, não envolvendo qualquer deficiência, obscuridade ou contradição e resultou do depoimento de testemunhas [cuja gravação não foi requerida nem ordenada] e dos mapas de viagem que reflectem com total exactidão o que se passou, conforme é referido na fundamentação da decisão da matéria de facto [cfr. fls. 212, in fine].
Pretende a R., por outro lado, que a retenção no estrangeiro em dias de fim de semana e de feriado não integra a prestação de trabalho, uma vez que nenhum é prestado ou, quando muito, são prestadas algumas horas, importando que o motorista prove quantas foram, caso a caso. A questão não é simples, visto o problema de um prisma prático, pois se a empregadora nenhum ou pouco serviço recebe, o motorista não readquire a sua autodisponibilidade para gozar os dias de descanso com a família ou os amigos, em Portugal. No entanto, a questão tem de ser analisada do ponto de vista jurídico e, neste prisma, os dias de sábado, domingo ou feriado, em que o motorista está retido no estrangeiro, por razões de organização da entidade empregadora ou por imperativo da legislação rodoviária, têm de ser encarados como de prestação de trabalho efectivo, uma vez que o motorista está disponível para o fazer, tal não acontecendo apenas por razões que lhe não são imputáveis pois, mesmo quando estão parados, não podem abandonar o camião, por causa dos assaltos [cfr. a fundamentação da decisão da matéria de facto, a fls. 213].
Improcedem, assim, as conclusões G a Q do recurso principal.

A 4.ª questão.
Trata-se de saber se caducou o direito do A. de rescindir o contrato de trabalho com justa causa, atento o disposto no Art.º 34.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevreiro, uma vez que desde Novembro de 1999 não lhe era pago o trabalho prestado em dias feriados e dias de descanso, com o acréscimo de 200%.
Decidindo.
Dispõe o Art.º 34.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevreiro:
A rescisão deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento desses factos.
Trata-se de prazo de caducidade, sendo certo que a sua contagem só se inicia quando terminar o último dos factos ilícitos, uma vez que todos eles estão debaixo da mesma resolução do agente, isto é, a decisão da entidade empregdora de não proceder ao pagamento do trabalho prestado em dias feriados e dias de descanso, com o acréscimo de 200%. Daí que se venha entendendo que a falta de pagamento pontual da retribuição constitui um ilícito continuado, renovando-se permanentemente o seu conhecimento para efeitos de contagem do prazo de caducidade de 15 dias, enquanto a situação de incumprimento perdurar [Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1998-10-21, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 480, págs. 205 a 212].

Conclui-se, assim, que não se verificou in casu tal excepção de caducidade, pois o A. rescindiu o contrato de trabalho e a situação de incumprimento mantinha-se, pelo que improcedem as conclusões R a V do recurso principal.

A 5.ª questão.
Consiste em saber se ocorreu justa causa para o A. rescindir o contrato de trabalho por sua iniciativa.
Dispõe o Art.º 35º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro [LCCT]:
Constituem justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador, os seguintes comportamentos da entidade empregadora:
Falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida;
Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador;
Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador.
Por sua vez, estabelecia o Art.º 25º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, hoje revogado:
O trabalhador poderá rescindir o contrato, sem observância de aviso prévio, nas situações seguintes:
b) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida;
c) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador.
f) Lesão culposa de interesses patrimoniais do trabalhador ou a ofensa à sua honra ou dignidade.
Estabelecia, por seu turno, o Art.º 101º, n.º 2 do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 [LCT], hoje também revogado, nesta parte:
Constitui, em geral, justa causa qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, nomeadamente a falta de cumprimento dos deveres previstos nos artigos 19.º e 20.º.
A noção de justa causa, constante deste último preceito, aplica-se tanto a comportamentos do trabalhador como a comportamentos da entidade empregadora tendo, assim, um carácter geral. Na aplicação do critério, há que reter:
- Que só actos graves de incumprimento do contrato ou a necessidade imperiosa de atalhar imediatamente a situações de inexigibilidade, de incompatibilidade ou perda de confiança, são susceptíveis de integrar e configurar a justa causa.
- Que essa gravidade deverá ser de tal ordem que torne praticamente impossível - não apenas difícil - a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe.
- Que a urgência no despedimento tem de se mostrar mais relevante que os interesses protegidos através da normal concessão do aviso prévio e da compensação ou da necessidade de aguardar o decurso do prazo do contrato.
- Que essa análise ou ponderação deve ser feita em concreto, isto é, em cada caso concreto, de acordo com a parificação real das conveniências contrastantes das duas partes e com observância dos critérios legais fixados nos Art.ºs 104.º e 105.º[Cfr. Bernardo Xavier, in Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho, passim, O exercício da justa causa de rescisão, citado por Abílio Neto, in CONTRATO DE TRABALHO, Notas Práticas, 8.ª edição, 1981, pág. 279].

Com o regime do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, passamos a um sistema dualista, em que no Art.º 10.º se dá a definição de justa causa para o despedimento do trabalhador promovido pela entidade empregadora, mas deixa de se definir no Art.º 25.º o que seja justa causa para que o trabalhador possa rescindir o contrato por sua iniciativa, de forma motivada, com comportamento imputável à entidade empregadora e com direito a indemnização. Daí que, neste caso, praticamente se tipifiquem os comportamentos, sem mais.
Com o regime jurídico vigente [à data dos factos] – Art.º 35.º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro – passamos a um sistema misto, em que voltamos ao conceito de justa causa do diploma de 1969, mas mantém-se o sistema dualista do diploma de 1975 – regulamentação aparte da justa causa de despedimento e da rescisão motivada e com direito a indemnização por banda do trabalhador.
Assim, quando no n.º 1 do Art.º 35.º, citado, se refere a expressão justa causa, está a importa-se o conceito definido no Art.º 9.º, n.º 1 do mesmo diploma. No entanto, ele não tem a mesma extensão. De facto, a enumeração constante do n.º 2 do Art.º 9.º é exemplificativa - daí a expressão dele constante - nomeadamente - enquanto a enumeração constante do n.º 1 do Art.º 35.º é taxativa. É justa causa o que, atendendo à cláusula geral, possa ser qualificado como tal, desde que enquadrável em qualquer das alíneas; se o comportamento invocado extravasa as alíneas, já não pode ser qualificado como justa causa. Daí que seja mais restrito o conceito de justa causa.
Por outro lado, a justa causa de despedimento tem de ser sempre apurada em processo disciplinar válido, enquanto na rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador basta que da comunicação escrita ao empregador constem os factos que fundamentam a rescisão, isto é, basta neste caso uma comunicação do tipo da nota de culpa, dispensando-se todo o restante formalismo do processo disciplinar.
Acresce que, nos termos do disposto no n.º 4 do referido Art.º 35.º, a justa causa será apreciada pelo tribunal nos termos do n.º 5 do artigo 12.º, com as necessárias adaptações, o que significa que se deverá atender a todas as circunstâncias ai referidas e que se verifiquem na hipótese em apreço.
Do exposto, concluimos que a justa causa para que o trabalhador possa rescindir o contrato de trabalho, motivadamente e com direito a indemnização, depende da verificação dos seguintes elementos:
Comportamento da entidade empregadora, enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 1 do referido Art.º 35.º[Enumeração taxativa] - elemento objectivo;
Que esse comportamento possa ser imputado [Imputar... é colocar na conta de alguém uma acção censurável, uma falta, logo, uma acção previamente confrontada com uma obrigação ou com uma interdição que essa acção infringe... ou... Imputar uma acção a alguém é atribuir-lha como sendo o seu verdadeiro autor, colocá-la, por assim dizer, na sua conta, e tornar esse alguém responsável por ela. Cfr. Paul Ricoeur, in O JUSTO OU A ESSÊNCIA DA JUSTIÇA, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pág. 38] à entidade empregadora a título de culpa - elemento subjectivo;
Que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível, a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral - elemento causal.
De referir que na distribuição do ónus da prova, cabe ao trabalhador demonstrar a existência do comportamento da entidade empregadora, nos termos do disposto no Art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civil e cabe a esta provar que tal comportamento não procede de culpa sua, nos termos do disposto no Art.º 799.º do mesmo diploma legal [Cfr. A. L. Monteiro Fernandes, in Noções Fundamentais de Direito do Trabalho 1, 3.ª edição, 1979, págs. 330 e segs. José Maria Rodrigues da Silva, in Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho, DIREITO DO TRABALHO, Boletim do Ministério da Justiça (Suplemento), 1979, págs. 207-209, nomeadamente; Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in DESPEDIMENTOS E OUTRAS FORMAS DE CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, 1984, nomeadamente, a págs. 233 e segs.; Abílio Neto, in DESPEDIMENTOS E CONTRATAÇÃO A TERMO, NOTAS E COMENTÁRIOS, 1989, págs. 163 e segs.; José de Castro Santos e Maria Teresa Rapoula, in Da Cessação do Contrato de Trabalho e Contratos a Termo, Do Trabalho Temporário, 1990, págs. 153 e segs., Bernardo da Gama Lobo Xavier, in CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, 2.ª edição com aditamento de actualização, 1996, nomeadamente, a págs. 533 e 534 e Prof. A. J. Motta Veiga, in Lições de Direito do Trabalho, 4.ª edição, 1992, págs. 564-566, nomeadamente.
Cfr., também, a mero título de exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/01/1983 e de 03/05/1995, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 323, págs. 266 a 270 e n.º 447, págs. 271 a 278].

Voltemos, agora, à hipótese concreta dos autos.
A matéria a apreciar tem como limites, in casu, como acima se referiu, a carta de rescisão enviada pelo A. à R., sendo por ela, com referência aos factos provados, que se terá de averiguar, se se verificaram ou não os pressupostos para que o A. pudesse tomar a decisão de rescindir o contrato de trabalho com justa causa, isto é, com direito a indemnização de antiguidade.
Ora, dos factos alegados em tal sede, foram provados os atinentes às diferenças respeitantes à cláusula 74.ª, n.º 7, nos montantes de € 103,73 [cfr. fls. 223 e 224] e de € 275,52 [este relativo à parte de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal (cfr. fls. 224 e 225)] - no recurso subordinado apurou-se a diferença, no montante de € 2.822,72 - bem como foram provados os factos respeitantes à falta de pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriados, no montante de € 9.697,44 [cfr. fls. 225 a 227] – no recurso subordinado apurou-se a quantia de € 16.169,51, em substituição daquela, constante da sentença.
Trata-se de factos verificados na relação de trabalho objecto destes autos, imputáveis à R., a título de culpa, pois ela não elidiu a presunção constante do Art.º 799.º do Cód. Civil. Tal significa que se verificam os elementos objectivo e subjectivo da justa causa. Mas verificar-se-á também o elemento causal?
Como se referiu acima, a sua verificação implica que o comportamento da entidade empregadora, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral.
Ora, salvo o devido respeito por diferente opinião, afigura-se-nos que a falta de pagamento das diferenças salariais e da retribuição dos dias de descanso e feriados, que ocorreu durante toda a vida do contrato, cerca de 3 anos e meio, não tornaram imediata e praticamente impossível a relação laboral, pois ela continuou durante longo tempo, a significar que as pessoas conseguiram manter um relacionamento, apesar dos factos. A falta de pagamento das quantias referidas, apesar de terem um certo peso no orçamento do A., não eram absolutamente determinantes para a sua vida financeira, dado o conjunto de retribuições que, apesar de tudo, recebia. Não se nega que os factos não possuam gravidade em si mesmos e nas suas consequências, em termos de frustrar, em cada mês, o recebimento de um certo quantitativo a que o A. tinha e tem direito, como as instâncias reconheceram e reconhecem. Simplesmente, o ilícito praticado não atingiu os foros de gravidade que determinassem a ruptura imediata do vínculo, pois para satisfazer as necessidades mais elementares, sempre ia recebendo outras atribuições patrimoniais, para além da retribuição base.
Cremos, assim, que o A., ao rescindir o contrato de trabalho por sua iniciativa, não teve justa causa para o fazer, não lhe assistindo direito à indemnização de antiguidade pedida.
Ora, decidindo desta forma, fica prejudicado o conhecimento do abuso de direito eventualmente praticado pelo A. na invocação da justa causa, bem como o conhecimento da aplicação ou não, in casu, da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho e da alegada falta de prova do pagamento, por banda do A., ficando destarte arrumada a matéria constante das concluões X a PP do recurso principal.

A 6.ª questão.
Pretende a R. que se condene o A. a pagar-lhe a quantia de € 42.796,92 - simples cálculo aritmético correspondente à multiplicação de Esc. 65.000$00/€ 324,22 (cfr. "8" dos factos provados) pelas viagens realizadas (cfr. "12." a "17." dos factos provados) - por entender, contra a prova feita em julgamento, que tais quantias foram pagas para retribuir o trabalho prestado em dias de descanso, feriados e dias compensatórios de descanso não gozado. Porém, ficou provado [ponto 8 da respectiva lista] que o pagamento das quantias referidas era efectuado em subsituição do pagamento das refeições do A., à factura, quando deslocado no estrangeiro, não havendo assim fundamento para o pedido reconvencional. Aliás, como dele consta, tal pedido apenas foi formulado para a hipótese de se decidir pela nulidade da estrutura salarial, o que a sentença não fez, nem se mostra objecto do presente recurso. Assim e por qualquer dos fundamentos aduzidos, improcede tal pedido reconvencional.
Improcedem, deste modo, as restantes conclusões do recurso principal.

Recurso subordinado.
A 7.ª questão.
Trata-se de saber se as diferenças relativas à cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT. e respeitantes ao período iniciado em Março de 2000, devem ser calculadas sobre o salário previsto na última tabela salarial daquele instrumento de regulamentação colectiva, como fez o Tribunal a quo, ou sobre o efectivamente pago.
Na verdade, como se refere na sentença, durante a vigência do contrato dos autos, não houve alteração da tabela salarial, embora a R., desde Março de 2000 tenha actualizado as retribuições do A. e pela forma deixada assente no ponto 5. dos factos provados, do seguinte teor:
5. Ao serviço da ré o autor auferiu os seguintes vencimentos mensais:
Novembro de 1999................57.409$00
De 01.12.99 a 28.02.00.........98.200$00
De 01.03.00 a 31.07.01.......101.146$00
De 01.08.01 a 31.10.02.......109.984$00
A partir de 01.11.02......€ 563,06 (sendo € 548,60 de vencimento base + € 14,46 de uma diuturnidade).
Na sentença entendeu-se que no cálculo da importância referida na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT. se deveria atender - sempre - à retribuição mensal fixada na última alteração da tabela salarial do CCT. [Diz-se a fls. 222, nomeadamente, o seguinte: Por força do BTE 30/97 o salário para a categoria do autor era de Esc. 98.200$00, desde 01.01.97, porquanto, a partir desta data, não foram publicadas outras alterações salariais] aplicável, do que o A. discorda e não à retribuição actualizada por iniciativa da R., desde Março de 2000, para os montantes acima referidos
Decidindo.
O contrato individual de trabalho regula-se por todas as normas que lhe sejam aplicáveis, independentemente das respectivas fontes serem internacionais ou nacionais e, dentro destas, independentemente de serem de origem legal, convencional ou regulamentar e, ainda, pelo que for acordado entre as partes. Daí que também possam existir “… tabelas salariais da empresa … destinadas a projectarem-se nos contratos individuais …” [Cfr. António de Lemos Monteiro Fernandes, in Noções Fundamentais de Direito do Trabalho 1, 3.ª EDIÇÃO, 1979, pág. 263 e in DIREITO DO TRABALHO, 11.ª EDIÇÃO, 1999, pág. 457], isto é, sendo o contrato individual de trabalho a lei das partes, em cada caso concreto, se estas acordarem retribuição de maior montante do que a estabelecida por norma de fonte hierarquicamente superior, aquela passa a ser obrigatória, até em homenagem ao princípio favor laboratoris, estabelecido no Art.º 13.º da LCT.
In casu, provada que está uma retribuição superior, concedida pela R., que se deve entender como irreversivelmente incorporada no contrato individual de trabalho celebrado entre A. e R., todas as atribuições patrimoniais calculadas com base nela, têm de atender ao seu montante, por se tratar da [nova] lei das partes.
Será, assim, de atender às retribuições provadas de 101.146$00 entre 01.03.00 e 31.07.01, de 109.984$00 entre 01.08.01 e 31.10.02 e de € 563,06 a partir de 01.11.02 .
Efectuados os respectivos cálculos, concluimos que o A. tem direito a título de retribuição relativa a duas horas de trabalho suplementar por dia, nos termos do disposto na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT. aplicável, incluído o subsídio de férias de 2000, à quantia de € 14.079,41 e não de € 15.698,22, como o A. indica no recurso subordinado [cfr. fls. 298 e 312], certamente por lapso.
Tendo ficado provado que a ré pagou ao A., a tal título, a quantia de €11.256,69 [cfr. a alínea C) da sentença], deve-lhe a diferença, no montante de €2.822,72.
Procedem parcialmente, destarte, as conclusões XXXV a XXXVII do recurso subordinado.

Vejamos a 8.ª questão.
Consiste ela em saber se há lugar às diferenças no pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriados, bem como nos dias de descanso compensatório, uma vez que a sentença apenas tomou em consideração o salário mensal base devido e não o efectivamente pago e excluiu a diuturnidade, bem como a retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT.
Decidindo.
A retribuição padrão deverá, para o efeito, contemplar o vencimento base pago efectivamente - e não o devido nos termos do CCT. - pela R., como se referiu na questão anterior. Por outro lado, a diuturnidade e a retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT., também devem ser atendidas, integrando a retribuição padrão, dado o seu seu carácter de regularidade. Na verdade, a primeira funciona como um prémio pela antiguidade do trabalhador na empresa, pago mês a mês, devendo integrar a base de cálculo de qualquer atribuição patrimonial como, de resto, veio a ser consagrado no Cód. do Trabalho [Cfr. o disposto no seu Art.º 250.º, n.º 1: “… entende-se que a base de cálculo … é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades”] e decorria já do disposto no Art.º 82.º, n.º 3 da LCT. A retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT. funciona como a substituição do pagamento do trabalho suplementar efectuado no estrangeiro pelos motoristas TIR, sem que a entidade empregadora possa, dada a distância a que ocorre a sua prestação, controlar e fiscalizar a actividade dos seus trabalhadores, nomeadamente, no que ao seu quantum concerne. Ora, sendo paga relativamente a todos os dias do mês, independentemente de serem úteis, de descanso semanal ou complemenmtar ou feriados, participa igualmente do carácter de regulaidade, a determinar a sua inclusão na retribuição padrão, atento o disposto no Art.º 82.º, n.º 3 da LCT.[Cfr. António de Lemos Monteiro Fernandes, in DIREITO DO TRABALHO, 11.ª EDIÇÃO, 1999, págs. 436 e segs. e Bernardo da Gama Lobo Xavier, in CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, 2.ª EDIÇÃO, 1996, págs. 381 e segs. Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1996-12-11, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV-1996, Tomo III, págs. 265 a 268 e o Acórdão da Relação do Porto de 1990-07-09, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XV-1990, Tomo IV, págs. 261 a 263]

Assim, relativamente à retribuição correspondente ao trabalho prestado em dias de descanso – semanal e complementar - e feriados, ao A. é devida a quantia de €16.169,51 e não a referida na sentença, no montante de € 9.697,44.
Já não assim nos dias de descanso compensatório não gozados, uma vez que relativamente a tal questão, nada se provou [como se vê da lista dos factos provados]. Destarte, não tendo tal matéria sido objecto do recurso principal [a R. não recorreu com fundamento em que não se provou os dias de descanso compensatório não gozados, mas apenas com fundamento em que não se provou os dias de descanso e feriados e, nessa parte, o recurso não obteve provimento] e não podendo o recurso subordinado ser apreciado por falta de factos provados sobre tal tema, mantém-se o que consta da sentença, isto é, a condenação da R. a pagar ao A. a quantia de € 2.514,15.
Procedem, deste modo, embora só em parte, as conclusões pertinentes do recurso [XXXVIII a XLII].
Vejamos agora a questão 9.ª.
Trata-se de saber se são devidas as reclamadas diferenças no pagamento da indemnização por despedimento.
Sucede, no entanto, que está prejudicado o conhecimento de tal questão, uma vez que na questão 5.ª se decidiu que o A., ao rescindir o contrato de trabalho por sua iniciativa, não teve justa causa para o fazer, não lhe assistindo direito à indemnização de antiguidade pedida.
Improcede, assim, a conclusão XLIII do recurso subordinado.

Por último, vejamos a questão 10.ª.
Trata-se de saber se no montante devido a título de férias e respectivo subsídio, vencidos em 2003-01-01, bem como no montante devido a título de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2003, se deve atender à retribuição respeitante à cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT aplicável, calculada sobre a retribuição efectivamente paga e não sobre o contratualmente fixado [no CCT].
Decidindo.
A questão resume-se a saber se na base de incidência para calcular aquelas retribuições, se atende à quantia respeitante à cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT aplicável, no montante de € 289,52, correspondente ao salário fixado na última tabela salarial, como se decidiu na sentença, ou no montante de € 317,10, calculada a partir da retribuição efectivamente paga ao A. pela R.
Ora, como se deciu na questão 7.ª, é a esta última que se deve atender, pelas razões que aqui, por brevidade, se dão por reproduzidas.
Assim, ao A. é devida a título de férias e respectivo subsídio, vencidos em 2003-01-01, bem como a título de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2003, a quantia de € 2.583,54, em substituição do valor fixado na sentença, no montante de € 2.500,80.
Procede, assim, a conclusão XLIV do recurso subordinado.

Em resumo, a sentença deve ser revogada:
I – Quanto ao recurso principal:
a) Na parte respeitante à questão 5.ª, na consideração de que não ocorreu justa causa para o A. rescindir o contrato de trabalho por sua iniciativa, indo a R. absolvida do pedido de indemnização por despedimento.
II – Quanto ao recurso subordinado:
a) Na parte respeitante à questão 7.ª, vai a R. condenada na quantia de €14.079,41, a título de retribuição relativa a duas horas de trabalho suplementar por dia, nos termos do disposto na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT. aplicável, incluído o subsídio de férias de 2000, pelo que tendo ficado provado que a R. pagou ao A., a tal título, a quantia de € 11.256,69, deve-lhe a diferença, no montante de € 2.822,72.
b) Na parte respeitante à questão 8.ª, vai a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 16.169,51, a título de retribuição relativa aos dias de descanso e feriados, em substituição da quantia de € 9.697,44, constante da sentença.
c) Na parte respeitante à questão 10.ª, vai a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 2.583,54, a título de férias e respectivo subsídio, vencidos em 2003-01-01, bem como a título de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2003, em substituição do valor fixado na sentença, no montante de € 2.500,80,
sendo a sentença confirmada quanto ao mais.

Decisão.
Nestes termos, acorda-se em dar provimento parcial a ambos os recursos e, consequentemente, em revogar a sentença:
I – Quanto ao recurso principal:
a) Na parte respeitante à questão 5.ª, na consideração de que não ocorreu justa causa para o A. rescindir o contrato de trabalho, indo a R. absolvida do pedido de indemnização por despedimento.
II – Quanto ao recurso subordinado:
a) Na parte respeitante à questão 7.ª, indo a R. condenada na quantia de €14.079,41, a título de retribuição relativa a duas horas de trabalho suplementar por dia, nos termos do disposto na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT. aplicável, incluído o subsídio de férias de 2000, pelo que tendo ficado provado que a R. pagou ao A., a tal título, a quantia de € 11.256,69, deve-lhe a diferença, no montante de € 2.822,72.
b) Na parte respeitante à questão 8.ª, indo a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 16.169,51, a título de retribuição relativa aos dias de descanso e feriados, em substituição da quantia de € 9.697,44, constante da sentença.
c) Na parte respeitante à questão 10.ª, indo a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 2.583,54, a título de férias e respectivo subsídio, vencidos em 2003-01-01, bem como a título de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2003, em substituição do valor fixado na sentença, no montante de € 2.500,80,
sendo a sentença confirmada quanto ao mais.
Custas por ambas as partes, na respectiva proporção, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, eventualmente concedido.

Porto, 14 de Novembro de 2005

Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro