REVISTA EXCEPCIONAL
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO
REMISSÃO PARA DOCUMENTOS
Sumário


I - O requisito da al. a) do nº 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil implica a controvérsia da questão jurídica na doutrina e na jurisprudência, a sua complexidade, ou, finalmente a sua natureza inovadora, em termos de se justificar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para evitar dissonâncias interpretativas a porem em causa a boa aplicação do direito;
II - Não se revela necessária uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de revista excepcional, para esclarecer e definir se a fundamentação da decisão de despedimento proferida no procedimento disciplinar pode efectuar-se por remissão para a factualidade inserida na nota de culpa, dado que a questão tem suporte em jurisprudência consolidada deste STJ.

Texto Integral




Processo 5016/20.8T8CBR.C1.S1
Revista Excepcional
10/22

Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo de Trabalho, contra T..., Ldª.

Não tendo sido possível a conciliação, a Ré - empregadora apresentou articulado a fundamentar o despedimento.

O Autor - trabalhador contestou, pugnando pela declaração da ilicitude do despedimento e deduziu pedido reconvencional. Conclui, peticionando:

PEDIDO PRINCIPAL:

A) O despedimento do Trabalhador pela Empregadora, ser declarado ilícito para todos os devidos e legais efeitos, e, consequentemente a Empregadora ser condenada no pagamento ao Trabalhador da indemnização em substituição da reintegração prevista no art.º 391.º do CT e bem assim a pagar as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (Cfr. art.º 389.º n.º 1 al. b) e art.º 390.º n.º 1 do C.T), o que neste momento se computam em € 2.550,00 e € 1.410,24 respectivamente, mas que carecem de actualização a final;

DO PEDIDO RECONVENCIONAL

B) Ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional deduzido e em consequência:

bb) O despedimento do Trabalhador A. ser declarado ilícito para todos os devidos e legais efeitos, mormente os descritos em a);

bbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A., a título de formação profissional não ministrada nem paga, a importância de € 569,52;

bbbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A., a título de férias vencidas com a cessação da relação laboral e não gozadas nem pagas a importância total de € 1.575,34;

bbbbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a retribuição de 18 dias de Agosto de 2020 no montante de € 1.272,80;

bbbbbb) Declarar-se ilícita por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição e do princípio pacta sunt servanda a diminuição da retribuição mensal base do A. operada e decidida unilateralmente pela R. em Janeiro de 2019 de € 850,00 para € 630,00 no ano de 2019 e € 700,00 no ano de 2020 e consequentemente a Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a título de diferenças salariais na retribuição mensal base dos anos de 2019 e 2020 um total de € 4.430,00;

bbbbbbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a título de Cl.ª 74.ª n.º7 e 61.ª do CCT no ano de 2018 a importância total de € 1.790,98;

bbbbbbbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a título de prémio TIR no mês de Setembro de 2018 a importância de € 105,75;

bbbbbbbbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a título de cláusula 45.ª do CCT nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2018 a importância total de € 56,70;

bbbbbbbbbb) Declarar-se que o contrato de trabalho entre A. e R. é um contrato de trabalho sem termo;

bbbbbbbbbbb) Declarar-se ilícito o desconto de € 517,83 feito pela R. na retribuição do A. do mês de Julho de 2020 e a R. ser condenada a restituir ao A. essa importância;

bbbbbbbbbbbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. juros à taxa legal sobre as quantias vencidas em peticionadas desde a data do respectivo vencimento e até efectivo e integral pagamento”.

A Ré respondeu ao articulado do Autor, sustentando a licitude do despedimento e propugnando pela sua absolvição do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Em face do exposto, sem necessidade de mais considerandos e ao abrigo dos normativos supracitados, julgo totalmente improcedente a ação, no que concerne ao pedido de ilicitude do Despedimento, formulado pelo trabalhador, e, consequentemente:

a) Declaro lícito o despedimento do trabalhador, AA, promovido pela empregadora, T..., Ldª, com a consequente absolvição da empregadora dos pedidos formulados pelo Autor, decorrentes da alegada ilicitude do despedimento.

Custas a cargo do trabalhador – artigo 527, nº 1 do CPC.

                                                             ***

Valor da ação: o referido no artigo 12/1-f) do RCP.

                                                             ***

b) Declaro parcialmente procedente, por parcialmente provado o pedido reconvencional e, consequentemente, condeno a empregadora, a pagar ao trabalhador/Autor, o montante global de €4.186,69 – quatro mil, cento e oitenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos - a título de créditos laborais devidos pela cessação da relação laboral (€ 286,54 + € 1.481,35 + € 927.74 + € 1.434,36 + € 56.70), nos termos supra decididos;

c) Mais condeno a empregadora a restituir ao trabalhador/Autor o montante de €517,83 – quinhentos e dezassete euros e oitenta e três cêntimos - que lhe descontou no pagamento da retribuição do mês de julho de 2020.

d) Condeno ainda a empregadora a pagar ao trabalhador/Autor, os juros de mora à taxa legal sobre os montantes em que foi condenada, vencidos e vincendos, desde a data em que os mesmos eram devidos e até efetivo e integral pagamento, como peticionado.

e) Absolvo a empregadora do demais peticionado.

                                                             ***

Valor da reconvenção: o indicado pelo reconvinte – 30.000,01.

Custas na proporção do decaimento – artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC – sem prejuízo da isenção de que goza o trabalhador/Autor”.

O Autor interpôs recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação de 15.12.2021 foi decidido:

Termos em que se delibera julgar a apelação parcialmente improcedente em função do que se condena a empregadora a pagar ao trabalhador a quantia de € 4.430,00 (quatro mil quatrocentos e trinta euros) a título de diferenças salariais na retribuição base mensal dos anos de 2019 e 2020, no mais se confirmando a sentença impugnada”.

O Autor interpôs recurso de revista excepcional, que fundamentou da seguinte forma:

 “Salvo o devido respeito, a questão sub judice em discussão nos presentes autos, pela sua relevância jurídica e para uma melhor aplicação do direito deve ser apreciada por este tribunal superior.

Outrossim, atentos quer os factos, quer o direito em causa, também se nos afigura estarem em causa interesses de particular relevância social. Vejamos então:

Nos presentes autos a questão suscitada e colocada em crise pelo ora recorrente prende-se com a decisão de despedimento que lhe foi comunicada pelo empregador e a sua, na óptica do trabalhador, falta de fundamentação.

Isto, porque nos encontramos em sede de direito sancionatório/punitivo e numa situação em que esse mesmo poder do empregador conduziu ao despedimento do trabalhador e por essa via à rutura da relação laboral.

Entendeu o douto tribunal a quo, na esteira da primeira instância que uma mera comunicação do empregador ao trabalhador com os dizeres “Face à notificação da Nota de culpa enviada pela entidade patronal T..., Ldª e ausência de resposta à mesma, consideram-se admitidos os factos enumerados na mesma. Motivo pelo qual, a minha decisão, enquanto instrutor do processo é a de proceder ao seu despedimento por justa causa a partir da presente data.” cumpre o dever legal de fundamentação exigido pelo artigo 357.º n.º 4 e 5 do CT para a decisão final do processo de despedimento.

Ora bem, no entender do ora recorrente, a definição do que deve ser a fundamentação exigida a uma decisão final em processo disciplinar laboral é sem dúvida alguma uma questão cuja apreciação pela sua relevância jurídica é necessária para uma melhor aplicação do direito, designadamente no caso sub iudice. Trata-se de balizar e definir em que termos e de que forma pode ser considerada válida uma decisão final proferida em processo disciplinar. Trata-se de definir o que é exigido (formal e substancialmente) a uma decisão final em processo disciplinar. Decisão que, tratando-se de despedimento do trabalhador, deve ser reforçadamente fundamentada por implicar o fim da relação laboral e por nos encontrarmos em sede de direito sancionatório/punitivo.

Por outro lado, também entendemos que estão em causa relevantes interesses sociais como são o direito constitucional ao trabalho – ofendido por eventual ilicitude do despedimento derivada a falta de fundamentação da decisão.

Em síntese, uma decisão emanada do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão em discussão não só conduzirá a uma melhor aplicação do direito como versará sobre interesses de particular relevância social”.

                                                           x

Foi proferido despacho liminar, no qual se considerou: que o recurso é tempestivo; que a Recorrente tem legitimidade; que estão preenchidas as demais condições gerais relativas à admissibilidade do recurso, bem como a existência de dupla conforme.

O processo foi  distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil.

                                                           x

Cumpre apreciar e decidir:

A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito.

De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional .

O recorrente invoca como fundamento da admissão do recurso   o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, que referem o seguinte:

1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social”.

Relativamente à primeira excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea, a) pode ler-se em anotação ao artº 672º do CPC, anotado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), “Para esta primeira exceção são elegíveis situações em que a questão jurídica suscitada apresente um carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas. Na verdade, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de uma questão cujo relevo jurídico seja indiscutível, embora a lei não distinga entre questões que emergem do direito substantivo ou do direito adjetivo. Não bastará, pois, o mero interesse subjetivo da parte.»

Com maior desenvolvimento, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, pág. 381) refere: “Outra linha de força aponta para a recusa da pretensão quando a decisão recorrida se enquadrar numa corrente jurisprudencial consolidada, denotando a interposição de recurso mero inconformismo perante a decisão recorrida.

As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador.

Constituindo um instrumento processual em que fundamentalmente se pretendem tutelar interesses ligados à “melhor aplicação do direito”, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de questões cujo relevo jurídico seja indiscutível, o que pode decorrer, por exemplo, da existência de legislação nova cuja interpretação suscite sérias divergências, tendo em vista atalhar decisões contraditórias (efeito preventivo), ou do facto de as instâncias terem decidido a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador)”.

Ora nada disso está em causa no presente recurso.

O que o Recorrente demonstra é o simples inconformismo com a decisão do Tribunal da Relação.

Onde se referiu, a propósito, que:

“Assim, a decisão de despedimento tem de ser fundamentada, alicerçando-se nos factos que o empregador considere demonstrados no decurso do PD, com a limitação constante da segunda parte do nº 4 do artº 357º.

A falta de fundamentação determina a invalidade do PD e a consequente ilicitude do acto extintivo.

Admite-se contudo, a fundamentação indirecta, ou seja, por remissão para outra peça do processo (v.g. para a nota de culpa ou para o relatório final de instrução, se existir).

(…)

Tendo por base o entendimento jurisprudencial acabado de citar, haverá agora que saber se, no caso, a decisão final se encontra fundamentada.

Consta dos autos que, com data de 13.10.2020, o instrutor do PD comunicou ao trabalhador que “face à notificação da nota de culpa, enviada pela entidade patronal (…) e ausência da resposta à mesma, consideram-se admitidos os factos enumerados na mesma.

Motivo pelo qual, a minha decisão, enquanto instrutor do processo é a de proceder ao seu despedimento por justa causa a partir da presente data”.

Mais consta dos autos que, com data de 22.10.2020, a ré, comunicou ao autor o seguinte: “de acordo com a decisão que já lhe foi comunicada prelo instrutor do processo (…) e face à não contestação da nota de culpa, consideram-se provados os factos constantes da mesma, motivo pelo qual esta empresa decidiu aplicara como decisão o despedimento por justa causa”

Do exposto pode concluir-se que a decisão final remete para nota de culpa onde se encontram devidamente individualizados os factos concretos imputados ao trabalhador, com indicação das circunstâncias de tempo e de lugar em que foram praticados, tal como se encontram descritos no ponto nº 6 do elenco dos factos provados.

Por outro lado, na mesma nota de culpa (artºs 8º a 14º), encontra-se a fundamentação que na opinião do empregador determinou a aplicação da sanção de despedimento pelo que em nenhum momento ficaram afectados ou cerceados os direitos de defesa do trabalhador”.
Dispõe o artº 353º do CT de 2009 que a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, exigência que se prende com o exercício do direito de defesa do trabalhador e com o princípio da vinculação temática, este consagrado no artº 357º, nº 4, do mesmo CT, de acordo com o qual na decisão de despedimento não poderão ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.

A necessidade de descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa, sendo que tal descrição deverá ser apta a dar a conhecer ao trabalhador os concretos comportamentos que justificam, segundo o empregador, a justa causa invocada. E, por isso e conquanto não exista uma fórmula típica para tal circunstanciação, se tem entendido que ela envolve, por regra, a necessidade de indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos. Não obstante, a imposição da circunstanciação temporal não é, todavia, absoluta, podendo não ter necessariamente que ocorrer se a restante factualidade constante da nota de culpa e da decisão de despedimento permitir ao trabalhador, de forma segura, conhecer e situar no tempo o concreto (e não genérico) comportamento que lhe é imputado e, assim, defender-se adequadamente. Se a acusação imputada estiver, em termos concretos e não genéricos, circunstanciada de modo a que permita ao trabalhador saber a que concreta situação se reporta o empregador, dá este cumprimento à exigência legal na medida em que não é posto em causa o exercício do direito de defesa, sendo  este o desiderato da norma.

Ora, essa exigência legal de fundamentação – do artº 357º, nºs 4 e 5 do CT- só se pode considerar preenchida se o trabalhador tiver possibilidade de, através do conteúdo dessa decisão, tomar pleno conhecimento dos factos que lhe são imputados e que, na perspectiva da entidade empregadora, constituem justa causa de despedimento, por tornarem pratica e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Dito isto, temos que o entendimento de que a fundamentação da decisão disciplinar de despedimento pode ter lugar por simples remissão para a nota de culpa, desde que esta cumpra as citadas exigências de circunstanciação e permita ao trabalhador exercer cabalmente o contraditório, por ter perfeita noção dos factos que lhe são imputados, tem suporte em jurisprudência consolidada deste STJ, nomeadamente o Ac. de 6/12/2017, Proc. n.º 434/14.3.TTBRR.L1.S1 in www.dgsi.pt:

Em qualquer circunstância não podem ser invocados factos que não constem da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a sua responsabilidade.

A razão para esta imposição é clara: o trabalhador tem o direito de saber quais os factos em que a empregadora fundamenta o despedimento. E quais as razões jurídicas que enformam esse despedimento, pois só conhecendo-as (nos termos já referidos supra) poderá encetar a sua defesa.

Mas essa exigência válida para a nota de culpa, não se estende, conforme se deixou expresso no ponto anterior, a todas as formalidades, porquanto não se exige a reprodução, nos mesmos termos, de todos os factos na decisão disciplinar, admitindo-se a remissão para a nota de culpa desde que esta observe as referidas regras de fundamentação circunstanciada fáctica e juridicamente, com a respectiva comunicação ao trabalhador por escrito, nos termos legais estabelecidos.

(...)

a remissão para a factualidade inserida na nota de culpa e no relatório final do instrutor, que fundamenta a decisão de despedimento não viola nenhum princípio, sendo válido o respectivo procedimento. Razão pela qual se conclui que a decisão final encontra-se devidamente fundamentada, ainda que por remissão para “o relatório final dos autos de processo disciplinar, onde foram dados como provados os factos constantes dos artigos da nota de culpa”, o que, conforme se expressou nos pontos anteriores, é admitido à luz dos ensinamentos citados e não contraria nem colide com as disposições legais referidas nos autos”.

No mesmo sentido os acórdãos de 28/10/1998, de 16/01/2002 e de 13/01/2010 (este citado pela Relação), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Não conhecemos, nem o Recorrente a indica, qualquer jurisprudência em sentido contrario.

Como se decidiu no Ac. deste Supremo Tribunal de 29/09/2021, proc. n.º 2948/19.0T8PRT.P1. S2,  no recurso de revista excepcional devem ser indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional com o objectivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.

“O pressuposto previsto na al. a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC ocorre nos casos em que existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade, de tal sorte que o cidadão comum que lida com estes assuntos não possa legitimamente estar seguro da interpretação com que pode contar por parte dos tribunais” - Ac. de 03/11/2020, proc. 3069/19.0T8VNG.P1.S2.

O requisito da al. a) do n.º 1 do artigo 672.° do Código de Processo Civil implica a controvérsia da questão jurídica na doutrina e na jurisprudência, a sua complexidade, ou, finalmente a sua natureza inovadora, em termos de se justificar a intervenção do Supremo ‘Tribunal de Justiça para evitar dissonâncias interpretativas a porem em causa a boa aplicação do direito” – Ac. de 10/04/2014, proc. 1833/10.5TBBRG.G1.S1

Por outro lado, e no que concerne à segunda excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea b), os autores já citados Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), referem que “Na segunda exceção, por estarem em causa interesses de particular relevo social, serão de incluir ações cujo objeto respeite, designadamente, a interesses importantes da comunidade, à estrutura familiar, aos direitos dos consumidores, ao ambiente, à ecologia, à qualidade de vida, à saúde ou ao património histórico e cultural, valores que naturalmente se sobrepõem também ao mero interesse subjetivo da parte da admissibilidade do terceiro grau de jurisdição”.

Ora, não esquecendo o referido acerca da necessidade de fundamentação e da possibilidade de a mesma poder ser atingida através de simples remissão para nota de culpa, é manifesto que, por outro lado e pese embora a importância do procedimento disciplinar, como forma de o trabalhador ter plena consciência, por forma a exercer o seu direito de defesa, do comportamento ilícito que lhe é assacado pelo empregador, não estamos perante “interesses de particular relevo social”, com os contornos definidos pelos referidos autores.

 As razões indicadas pelo recorrente no que se refere aos alegados interesses de particular relevância social não se sobrepõem ao caso concreto, sendo que “o requisito da al. b) do n.º 1 do referido preceito legal tem ínsita a aplicação de preceito ou instituto a que os factos sejam subsumidos e que possa interferir com a tranquilidade, a segurança, ou a paz social, em termos de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito”- Ac. de 16/05/2019, proc. 86375/16.9YIPRT.L1.S1

A relevância social aludida no art. 672.º, n.º 1, al. b), do NCPC (2013) não tem a ver com os interesses das partes mas com interesses importantes e particularmente significativos da comunidade em geral que devem ser preservados sob pena de se gerar intranquilidade social.

Trata-se de questões que extravasam o caso concreto e que assumem repercussão social, geradoras de controvérsia, por se ligarem a valores sócio-culturais com inquietantes implicações transversais a toda a comunidade que possam colocar a eficácia do direito ou fazer duvidar da sua aplicabilidade, quer no que toca à formulação legal quer na sua aplicação em concreto”- Ac. de 08/04/2014, proc. 990/09.8TBCBR.C1.S1

Assim, e à laia de conclusão, e atento o quadro traçado, não se vislumbra justificação para a intervenção do STJ, em sede de revista excepcional, uma vez que não está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para melhor aplicação do direito, nem tão pouco que estejam em causa interesses de particular relevância social.

                                                           x

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pelo Autor / recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11/05/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Vieira Gomes