AMPLIAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NOMEAÇÃO DE INSTRUTOR
Sumário

I. Em princípio não é possível juntar documentos com a apelação; mas pode sê-lo no caso da sua falta no processo ter como única consequência a determinação oficiosa para a parte o juntar, como no caso da falta de procuração desta a constituir mandatário forense (art.os 651.º, n.º 2 e 41.º do CPC).
II. O Tribunal da Relação não pode ordenar à 1.ª instância a ampliação da matéria de facto com factos que não tenham sido alegados pelas partes nos articulados, pois que o estatuído no art.º 72.º, n.º 1 do CPT se dirige apenas ao juiz do julgamento.
III. Imperando no direito privado a regra da liberdade de forma das declarações negociais e dos actos, pode o empregador nomear informalmente um instrutor de processo disciplinar, sem necessidade de o fazer por escrito (art.º 219.º do CC).
(Elaborado pelo relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório.
AAA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BBB pedindo que fosse:
I) declarado inválido o processo disciplinar que lhe foi instaurado;
II) julgada procedente a excepção de caducidade do processo disciplinar;
Por mera cautela jurídica, que fosse:
III) declarada inválida a sanção pecuniária por perda de remuneração, graduada em 12 dias, que lhe foi aplicada sem causa justificada e efectivamente cumprida;
IV) a ré condenada a pagar-lhe os montantes retributivos que não recebeu, mas que normalmente auferiria caso não tivesse sido sujeito à dita sanção disciplinar, os quais ascendem, na sua globalidade, a € 426,95;
V) a ré condenada a pagar-lhe o valor estimado em € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais;
VI) a ré condenada a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal em vigor, contados desde a data da entrada em juízo da presente acção até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
• é trabalhador da ré desde 01.07.2017, com antiguidade reportada ao dia 01.06.1991, desempenhando as funções de técnico especialista de categoria 5.
• com fundamento em factos alegadamente ocorridos no dia 09.08.2019, a ré instaurou-lhe um processo disciplinar, tendo no dia 08.11.2019 determinado a sua suspensão preventiva, a qual cessou no dia 14.01.2020.
• na decisão final, aplicou-lhe a sanção pecuniária de perda de remuneração, graduada em doze dias, sanção que foi efectivada sem comunicação prévia, em Abril de 2020, e de que só teve conhecimento através do recibo de vencimento, no qual a empregadora operou o desconto da quantia de € 426,95 (quatrocentos e vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos).
• o procedimento disciplinar é inválido pois: i) a falta de poderes de representação e de competência disciplinar por parte do signatário da nota de culpa e da respectiva comunicação; ii) a inexistência de participação, de auto de ocorrência ou de denúncia dos factos imputados; iii) a falta de nomeação de instrutor.
• a acção disciplinar caducou porquanto o procedimento disciplinar foi instaurado depois de decorridos 60 dias sobre a alegada data da prática dos factos.
• de todo o modo, negou a prática dos factos e pediu a anulação da sanção disciplinar aplicada.
• a empregadora agiu de forma reprovável no modo como conduziu o procedimento disciplinar e tornou pública, no seio da empresa, a acusação que lhe dirigiu, atentando contra o seu bom nome, o que lhe provocou humilhação, vergonha, ansiedade e tristeza, com sequelas familiares e no seu círculo social de amigos e colegas de trabalho. Por isso, pediu a condenação da mesma no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 7.500,00.
Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.
Para tal notificada, a ré contestou, alegando, em resumo:
• as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que teve conhecimento dos factos que veio a imputar ao autor na nota de culpa.
• o qual tem antecedentes disciplinares por factos idênticos aos que foram apurados e que, ponderados os factos, o comportamento do trabalhador e analisados os deveres violados, reputou ajustada a sanção que veio a aplicar.
• impugnou a matéria relativa aos alegados danos não patrimoniais e refutou os fundamentos da invalidade do procedimento disciplinar suscitados pelo trabalhador.
• concluiu pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição.
Notificado da contestação, o autor pronunciou-se sobre a cópia do procedimento disciplinar junta pela Ré.
Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, dispensada a fixação do objecto do processo e a enunciação dos temas de prova, determinada a apresentação do original do procedimento disciplinar, depois apenso por linha, fixado o valor da causa, admitidas as provas arroladas pelas partes e designada a data para realização da audiência de julgamento.
Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juiz preferiu a sentença na qual julgou improcedentes as excepções suscitadas e válido o processo disciplinar, totalmente improcedente, por não provada, a acção e, em consequência, manteve a sanção aplicada e absolveu a ré dos pedidos de condenação.
Inconformado, o autor interpôs recurso, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
(…).
Contra-alegou a ré, concluindo que deve ser mantida a decisão recorrida.
Os autos foram com vista ao Ministério Público, tendo nessa sequência a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que deverá improceder e prevalecer a decisão recorrida.
Apenas o apelante respondeu ao parecer do Ministério Público, no essencial para reafirmar o que antes já alegara no recurso.
Colhidos os vistos,[1] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo apelante, sem prejuízo das questões que o tribunal conhece ex officio.[2] Assim, importa apreciar:
i. a falta de mandato conferido ao Ilustre Advogado Fernando Braga de Matos (uma vez que a procuração junta aos autos foi subscrita por quem não tem poderes de representação da ré);
ii. a invalidade do procedimento disciplinar (falta de poderes na nomeação de instrutor e do signatário da nota de culpa e respectiva comunicação);
iii. a impugnação da decisão proferida acerca da matéria dos factos provados 5, 15, alínea a) e 24;
iv. se alterada for a decisão da matéria de facto, a caducidade do direito de acção disciplinar (pelo decurso do prazo de 60 dias a que alude o artigo 329.º n.º 3 do CT, uma vez que os factos se reportam a 9 de Agosto de 2019 e a nota de culpa foi elaborada com data de 20 de Dezembro de 2019).
*
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados.
1) O Autor desempenha as funções de técnico especialista de categoria 5 sob a autoridade e direcção da Ré, desde 1 de Julho de 2017, com antiguidade reportada 1 de Junho de 1991 – cfr. resposta ao artigo 1.º da p.i. (aceite pela Ré).
2) Em data não concretamente apurada, o Autor solicitou uma reunião ao Coordenador dos Recursos Humanos, Sr. …, para discutir questões relacionadas com a progressão da sua carreira – cfr. resposta ao artigo 29.º da p.i..
3) No dia 25 de Outubro de 2019, o Autor e o Coordenador dos Recursos Humanos, Sr. …, reuniram – cfr. resposta dada ao artigo 29.º da p.i..
4) Antes mesmo de o Autor começar a falar, o Coordenador dos Recursos Humanos referiu-lhe que teve conhecimento por parte de outros colaboradores de desvio de material, perguntando ao Autor se queria falar sobre o assunto – cfr. resposta ao artigo 30.º da p.i..
5) Em 28.10.2019, e após comunicação verbal do Coordenador dos Recursos Humanos, a Ré tomou conhecimento de que no dia 09.08.2019, teriam desaparecido dois discos SSD (componente de computador) que se encontravam no armário do piso 3 do edifício em … onde trabalhava o Autor e que ali tinham sido deixados pelo funcionário … – cfr. resposta ao artigo 4.º da contestação.
6) Com fundamento nos factos alegadamente ocorridos no dia 9 de Agosto de 2019, a Ré instaurou contra o Autor um processo disciplinar – cfr. resposta ao artigo 2.º da p.i. (aceite pela Ré).
7) No dia 8 de Novembro de 2019, a Ré comunicou ao Autor a sua suspensão preventiva de funções com efeitos imediatos – cfr. resposta ao artigo 2.º da p.i. e carta constante a fls. 34 do processo disciplinar.
8) Nos dias 16 e 17 de Dezembro de 2019, a Ré inquiriu as testemunhas …, … e … – cfr. respostas aos artigos 15.º da p.i. e 6.º da contestação e fls. 8 a 10 do processo disciplinar.
9) Com data de 20 de Dezembro de 2019, a Ré comunicou ao Autor a instauração de processo disciplinar com intenção de despedimento e remeteu-lhe a nota de culpa, o que fez por via postal no mesmo dia 20.10.20219 – cfr. resposta ao artigo 3.º da p.i. e fls. 1 a 7 do processo disciplinar.
10) O Autor respondeu à Nota de Culpa por carta datada de 15 de Janeiro de 2020 – cfr. resposta ao artigo 4.º da p.i., por referência à carta constante de fls. 26-32 do processo disciplinar.
11) Em 14 de Janeiro de 2020, o Autor reiniciou as suas funções, terminando assim a suspensão de funções, por ordem expressa da Ré – cfr. resposta ao artigo 5.º da p.i. (aceite pela Ré).
12) Na mesma data a Ré comunicou ao Autor a alteração provisória do local de trabalho para as instalações sitas em …, …, …– cfr. resposta ao artigo 6.º da p.i. (aceite pela Ré).
13) Por carta datada de 13 de Fevereiro de 2020, e na sequência do respetivo processo disciplinar, o Autor foi notificado da Decisão Final, a qual determinou a aplicação da sanção pecuniária por perda de remuneração, graduada em 12 dias – cfr. resposta ao artigo 7.º da p.i. (aceite pela Ré).
14) No recibo de vencimento de Abril de 2020, a Ré operou a aplicação da sanção descontando ao Autor o montante de € 426,95 (quatrocentos e vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos) – cfr. resposta aos artigos 8.º e 10.º da p.i. (sendo o facto do artigo 10.º expressamente aceite pela Ré).
15) No descritivo da nota de culpa constam, além de outros, os seguintes factos:
a) A arguente – através do coordenador de RH, …, e superior hierárquico do arguido - tomou conhecimento em 28.10.2019 do desaparecimento de dois discos SSD ocorrido no dia 09 de Agosto de 2019 que se encontravam no armário do piso 3 do edifício em … onde trabalha o arguido e ali deixados pelo funcionário …, que reportou o seu desaparecimento.
b) O armário em causa é o local onde são colocados os serviços concluídos, sendo ali que o funcionário ... colocou os discos após ter terminado o serviço que lhe havia sido atribuído de retirar os discos de uma máquina.
c) O ... e o …, funcionários da Ré, iniciaram uma busca pelos discos, tendo o último encontrado o material numa gaveta do posto de trabalho do arguido e logo recolhido fotografias.
d) Depois de ter sido confrontado com o facto pelo colega FR..., via telefone e em alta-voz ao lado do colega ..., o Autor declarou que não sabia do equipamento desaparecido.
e) Mas depois, em segunda abordagem feita por …, o Autor entregou os discos em mão, declarando que os tinha com ele.
f) Mais disse que 'não precisava dos discos para nada'.
g) Na sequência, o coordenador de R.H., …, comunicou que reuniu com o Autor, em 25.10.2019, onde o questionou sobre o assunto, tendo este confessado que removeu os discos do local onde se encontravam 'para saber quem andava a mexer nas suas coisas'.
h) O Sr. … confrontou-o com o facto de essa explicação não fazer sentido, tendo o Autor dito que queria encontrar uma solução 'boa para todos' e que 'não era o único a fazer asneiras' e que 'os outros também deviam ter processos disciplinares'.
i) O Sr. … falou com os colegas de trabalho do Autor, tendo estes explicado que a situação causa enorme desconforto no trabalho, tendo gerado desconfiança quanto ao comportamento do Autor, sendo este conhecido por estar sistematicamente envolvido em situações de desaparecimento de artigos no local de trabalho – cfr. nota de culpa junta a fls. 2-6 do processo disciplinar.
16) A comunicação de instauração de processo disciplinar e a nota de culpa foram assinadas por pessoa em nome da Administração da Ré – cfr. fls. 1 a 6 do processo disciplinar.
17) A fls. 35 do processo disciplinar consta um documento intitulado de 'Procuração', com data de 18 de Dezembro de 2019, no qual se pode ler o seguinte:
…., com o cartão de cidadão n.º …, administrador único da sociedade …., autoriza o Sr…, com o cartão de cidadão n.º …, a assinar a nota de culpa do processo disciplinar a entregar ao Sr. AAA, com o cartão de cidadão n.º ….
18) O referido documento não constava do processo disciplinar na data em que o Autor o consultou – cfr. resposta ao artigo 54.º da contestação.
19) Do processo disciplinar não consta qualquer documento a conferir poderes de instrução ao Sr. Dr. …, Advogado, instrutor do processo, que inquiriu as testemunhas ouvidas e assinou o Relatório Final – cfr. artigo 12.º da p.i..
20) Na comunicação referente à instauração do procedimento disciplinar que acompanhou a nota de culpa, datada de 20 de Dezembro de 2019, a Ré consignou o seguinte:
'Mais se informa de que foi nomeado instrutor o Sr. Dr. …., advogado, com escritório (…)' – cfr. resposta ao artigo 56.º da contestação.
21) Na contestação a Ré declarou expressamente que o instrutor nomeado para o procedimento disciplinar foi o Sr. Dr. …, advogado, e ratificou todo o processado – cfr. respostas aos artigos 57.º e 58.º da contestação.
22) O Autor tem os seguintes antecedentes disciplinares:
- seis dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, cuja execução ficou suspensa por dois anos, sanção notificada ao Autor em 06.03.2002;
- cinco dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, sanção notificada ao Autor em 29.11.2009 – cfr. resposta ao artigo 24.º da contestação e fls. 13 a 25 do processo disciplinar.
23) A sanção aplicada em Março de 2002 teve como fundamento os factos descritos no relatório final que consta a fls. 21-25 do processo disciplinar.
24) Nestes autos ficaram demonstrados os factos constantes do ponto 15).
25) Mais se apurou que, à data, o local de trabalho do Autor se situava no piso 1 do edifício em … onde trabalhavam o Autor e os colegas ... e FR... – facto instrumental que resultou da produção de prova em audiência de discussão e julgamento.
26) A gaveta do posto de trabalho do Autor onde os discos foram encontrados situa-se no piso 1 do edifício – facto instrumental que resultou da produção de prova em audiência de discussão e julgamento.
27) Anteriormente aos factos acima relatados, o Autor já havia estado envolvido em rumores sobre o desaparecimento de artigos do local de trabalho, propriedade da empregadora.
2. Factos julgados não provados.
- que o Autor tenha sido notificado da nota de culpa no dia 02 de Janeiro de 2020 (cfr. artigo 3.º da p.i.);
- que o procedimento disciplinar tenha surgido na sequência de uma reunião solicitada, por e-mail, pelo Autor ao Coordenador de Recursos Humanos, Sr. …., e porque o Autor pretendia discutir a sua progressão na carreira por ter terminado uma licenciatura (cfr. artigo 29.º da p.i.);
- que, na reunião ocorrida no dia 25.10.2019, entre o Autor e o Coordenador de Recursos Humanos, Sr. …, este tenha referido ao Autor que já havia solicitado e consultado o seu registo disciplinar (cfr. artigos 31.º e 37.º da p.i.);
- que o Coordenador de Recursos Humanos, Sr. …, tenha conduzido a reunião num tom intimidatório para com o Autor (cfr. artigo 32.º da p.i.);
- que a Ré tenha tornado pública a acusação feita na nota de culpa, divulgando-a no seio da empresa e aos restantes colegas do Autor (cfr. artigo 60.º da p.i.);
- que, como consequência da conduta da Ré, o Autor se tenha sentido humilhado e marginalizado (cfr. artigo 61.º da p.i.);
- que o Autor seja conhecido e respeitado no meio laboral como pessoa extremamente zelosa e cumpridora de todos os procedimentos relacionados com o exercício das suas funções.
3. Motivação da decisão da matéria de facto.
(…)
4. O direito.
4.1 A falta de mandato forense da apelada.
O apelante invocou a excepção dilatória da falta de mandato conferido ao Ilustre Advogado … uma vez que a procuração junta aos autos foi subscrita por quem não tem poderes de representação da ré. É certo que só o fez na apelação, mas a verdade que não estava impedida de assim o fazer uma vez que se trata da invocação de uma excepção dilatória que não foi objecto de concreta decisão no processo mas e apenas de decisão genérica ou tabelar no despacho saneador (e na sentença) e isso consabidamente não produz efeito de caso julgado atendendo a que, conforme é estatuído no n.º 3 do art.º 595.º do Código de Processo Civil, "o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas" (o que, como atrás referido, não foi o caso).[3]
Vejamos então se lhe assiste razão.
Na sequência da sua citação para a acção (concretamente para comparecer na audiência de partes), a apelada juntou aos autos, no dia 23-09-2020, uma procuração datada de 09-02-2018, subscrita por …pes pela qual e na qualidade de seu representante legal declarou que "constitui seu bastante procurador, o Ex.mo Senhor Dr. …., advogado com escritório na Rua …, a quem concedem os mais amplos poderes forenses bem".
Por sua vez, como se vê do documento junto pela apelada com a contra-alegação no dia 13-12-2021:
"---…, (…) o qual outorga na qualidade de administrador único da sociedade comercial anónima com a firma:---… (…) qualidade e suficiência de poderes, para este acto, que verifiquei pela certidão permanente, disponível na Internet através do respectivo código de acesso, nos termos do artigo 75.º, número 5, do Código do Registo Comercial.---
---E por ele foi dito:---
---Que constitui procurador da sociedade sua representada … (…), a quem concedem os necessários poderes para:---
(…)
i) Representar a sociedade em qualquer tribunal ou juízo, interpor qualquer acção, seja de que natureza for, com os amplos poderes forenses, custas de parte, denuncia ou queixa, transigir, confessar ou desistir em quaisquer acções, podendo substabelecer os poderes forenses em direito permitidos;---
(…).
---Requerendo, praticando e assinando tudo o mais que necessária seja aos indicados fins.---
---Esta procuração foi lida ao outorgante e ao mesmo explicado o seu conteúdo.---
….".
Assim, é verdade que a procuração junta aos autos constituindo o Sr. Dr. … mandatário forense da apelada foi subscrita por … e que o gerente único da apelada era ….
Por outro lado, também é certo que a apelada concedeu àquele …poderes para constituir mandatário forense através da segunda procuração referida e, pormenor importante, em data anterior, pois que essa procuração passada para aquele poder constituir mandatário judicial para a apelada está datada de 09-02-2018 a procuração forense desta é de 16-07-2012.
Daí que neta parte nada haja a apontar à regularidade do mandato forense e consequente procuração pela qual a apelada o corporizou, sendo de resto irrelevante que a data da procuração seja anterior à dos factos do processo pois que nada impede a concessão de poderes de representação forense para o futuro, improcedendo, portanto, a invocada excepção dilatória.
É certo que a segunda das referidas procurações podia e devia ter sido inicialmente junta ao processo pela apelada e que a necessidade da sua junção não decorreu da decisão recorrida (mas da necessidade inicial do patrocínio judiciário e do mandato forense nela manifestado), pelo que e em princípio não seria agora possível a sua junção ex vi do art.º 651.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.[4] Todavia, uma vez que o art.º 41.º do Código de Processo Civil estatui que "se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa", a falta de constituição de mandatário teria como única consequência determinar-se a notificação da apelada para juntar procuração aos autos (e eventualmente ratificar o processado caso não tivesse ainda conferido mandato ao Ilustre Advogado que a tem patrocinado), está bem de ver que isso seria pura inutilidade dado que a mesma já o fizera… na contra-alegação.
4.2 A invalidade do procedimento disciplinar.
Prossegue a apelação do autor pretextando a invalidade do procedimento disciplinar por virtude da nomeação de instrutor e respectiva ratificação em sede de audiência de discussão e julgamento ter alegadamente sido foi feita por quem não tinha poderes de representação da ré, incluindo da nota de culpa e respectiva comunicação.
Esta questão foi expressamente respondida pelo Mm.º Juiz a quo neste trecho da sentença recorrida:
"Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 329.º do Código do Trabalho, o poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele. Ou seja, a lei admite expressamente a possibilidade de o poder disciplinar ser exercido por pessoa diversa do empregador, seja um superior hierárquico com funções disciplinares, seja outra pessoa com poderes de representação para o efeito, nos termos gerais dos artigos 258.º e segs. do Código Civil.
(…)
A fls. 35 do processo disciplinar, depois da resposta do Autor à nota de culpa, consta um documento intitulado de 'Procuração', com data de 18 de Dezembro de 2019 – data anterior à que consta na nota de culpa – no qual se pode ler o seguinte:
…, com o cartão de cidadão n.º ..., administrador único da sociedade …, autoriza o Sr…, com o cartão de cidadão n.º …, a assinar a nota de culpa do processo disciplinar a entregar ao Sr. AAA, com o cartão de cidadão n.º ….
E, na comunicação que acompanhou a nota de culpa, ficou consignado que:
'Mais se informa de que foi nomeado instrutor o Sr. Dr. …, advogado, com escritório (…)'.
Ora, podendo a entidade patronal delegar o seu poder disciplinar, tal delegação não tem que ser feita por escrito ou constar de qualquer documento, porquanto a lei não exige para o contrato de mandato, em geral, a forma escrita (cfr. artigos 219.º, 258.º e 262.º do Código Civil). A delegação do poder disciplinar pode ser realizada genericamente ou caso a caso e pode ocorrer de modo informal. Entendemos até que não tem que constar ab initio do procedimento disciplinar, nem ser comunicada ao trabalhador.
(…)
A pessoa que assinou a nota de culpa e a respectiva comunicação estava mandatada pela empregadora para o fazer, o mesmo sucedendo com o instrutor do processo.
Neste enquadramento fáctico não há qualquer falta que possa invalidar o procedimento".
Ora, conforme se afere do art.º 219.º do Código Civil e de resto lembrou a sentença recorrida, no âmbito do direito privado impera a regra da liberdade de forma das declarações negociais e dos actos.
Daí a conclusão da sentença de que também no processo disciplinar laboral pode o empregador nomear informalmente um instrutor, sem necessidade de o fazer por escrito, como de resto vem sendo entendimento pacificamente aceite na jurisprudência;[5] sem prejuízo de, como também aquela refere, no caso essa nomeação foi expressamente feita por escrito no processo disciplinar (seja para a assinatura da nota de culpa, seja para a instrução), pelo que não poderia de modo algum ser atendida a pretensão do apelante de que o processo disciplinar padecia da invocada nulidade; e pela mesma ordem de ideias segue a própria apelação.
4.3 A impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto.
 (…)
4.4 A caducidade do direito de acção disciplinar.
Finalmente, o apelante pretende que caducou o direito da apelada promover a acção disciplinar pelo decurso do prazo de 60 dias a que alude o artigo 329.º n.º 3 do Código do Trabalho.
Todavia, tal pressupunha que seria outra a solução encontrada para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mas isso não ocorreu; e assim sendo, naturalmente que fica prejudicada a possibilidade de êxito da sua pretensão e arrasta a apelação para o completo insucesso.
*
III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e manter a sentença recorrida.
Custas pelo apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
*
Lisboa, 11-05-2022.
António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
_______________________________________________________
[1] Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[2] Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[3] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil, Anotado, 2017, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, volume 2.º, página 657 e o acórdão da Relação de Coimbra, de 22-11-2016, no processo n.º 3582/13.3TJCBR-C.C1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-04-2019, no processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, publicado em http://www.dgsi.pt.
[5] Acórdãos da Relação de Lisboa, de 31-10-2001, no processo 0080294, publicado em http://www.dgsi.pt da Relação de Coimbra, de 18-04-2002, no processo n.º 3768/01, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2002, tomo II, página 68.