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NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCEPÇÃO DE LITISPENDÊNCIA
SUSPENSÃO POR CAUSA PREJUDICIAL
Sumário
I - O terceiro ofendido na sua posse ou direito incompatível com ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, não pode recorrer simultaneamente à ação declarativa comum, de simples apreciação ou de reivindicação, e aos embargos de terceiro. II - Até à venda ou adjudicação judicial da coisa, o proprietário tem ao seu dispor, em alternativa, a ação declarativa comum, de simples apreciação ou de reivindicação, e os embargos de terceiro. Depois daquela venda ou adjudicação, estão-lhe vedados estes últimos, restando-lhe a primeira.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I - RELATÓRIO
No âmbito da execução de sentença instaurada por X, S.A. e Y – GESTÃO E FISCALIDADE, LDA. contra M. C., veio I. G. deduzir embargos de terceiro em que pede, na sua procedência, seja reconhecida:
a) A posse da embargante exercida de forma ininterrupta, relativa à propriedade em causa, a qual remonta pelo menos há meio século;
b) Que a mesma (posse), foi e é, exercida de forma pública, pacifica, boa-fé, imediata e efetiva;
c) Reconhecer que a residência da embargante, se situa dentro da propriedade, nomeadamente numa zona (habitacional) por si – exclusivamente -, mandada construir, e que não possui, qualquer outra alternativa onde residir;
d) Reconhecer que a diligência contida na citação, e referente à execução que corre termos nesse Juízo, a ser efetivada, colidirá de forma frontal e cortará cerce o legítimo direito da embargante, assim como, lhe causará um prejuízo de dificílima reparação;
e) Deverão os presentes embargos, serem sustidos, durante e enquanto, não houver douta decisão, respeitante ao processo que corre termos no Juízo Central – Juiz 1, sob o nº 2443/21.7T8BRG, em virtude do confronto de direitos serem de per si, incompatíveis;
f) Ser de imediato sustida a diligência firmada no corpo da citação, conjugada com contido/pretendido no requerimento executivo – entrega imediata do imóvel.
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Pelo tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:
«Verifica-se agora que a decisão por nós proferida em 08-07-2021 padece de lapso de escrita.
Na verdade, na mesma é referido que a requerente não respondeu ao despacho de 19-05-2021 quando, na verdade, tal aconteceu em 04-06-2021.
Assim, será rectificada a decisão em conformidade, de seguida, a qual substituiu a anterior:
Da litispendência:--
Por despacho proferido em 19-05-2021 foi notificada a embargante para, querendo, em 10 dias, se pronunciar sobre a eventual existência de litispendência entre os presentes embargos de terceiro e a ação n.º2443/21.7T8BRG, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1, pois estar presente a tríplice identidade prevista no artigo 581.º, do Cód. Proc. Civil.
Findo tal prazo, a requerente veio pronunciar-se conforme requerimento de 04-06-2021 (refª 11567250), concluindo pela inexistência de litispendência.
A litispendência é legalmente qualificada como excepção dilatória e implica a absolvição do réu da instância - cfr. arts. 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea i), ambos do Cód. Proc. Civil.
A excepção dilatória de litispendência pressupõe a repetição de um litígio quando o anterior ainda está em curso, sendo que a repetição de uma causa pressupõe a tríplice identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir - cfr. art. 581º, nº 1, do Cód. Proc. Civil. Distingue-se do caso julgado porquanto este pressupõe a repetição de um litígio já decidido por sentença que não admita recurso ordinário - cfr. art. 580º, nº1, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil.
Tanto o caso julgado como a litispendência visam, no seu efeito jurídico, acautelar que o tribunal se coloque na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior - cfr. art. 497º, nº2, do Cód. Proc. Civil.
Está em causa a coerência, o prestigio e até a economia da actividade jurisdicional.
O conceito de partes pode ser analisado na dupla perspectiva formal e material. Em sentido formal, são partes as pessoas (físicas ou meramente jurídicas) que pedem em juízo ou contra quem é pedida a composição de um litígio, mas em sentido material só são partes os sujeitos da relação jurídica material controvertida que é objecto do litígio.
A mencionada identidade subjectiva prende-se com a posição das partes na relação jurídica material controvertida que é objecto do processo e não com a que nele ocupam. A identidade de partes em duas acções afere-se, pois, pela identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada.
Por outro lado, há identidade de pedido se numa e noutra acção se pretende o mesmo efeito jurídico - cfr. art. 498, nº3, do Cód. Proc. Civil. Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/2007 (Processo nº 07B595, acessível no sítio www.dgsi.pt/jstj), «A identidade do pedido implica que seja o mesmo o direito subjectivo em causa, bastando a coincidência do objectivo fundamental de que dependa o êxito, total ou parcial, de cada uma das pretensões».
No que concerne à causa de pedir, nos termos do art. 581º, nº 4, do Cód. Proc. Civil, existe identidade quando “a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.
Ora, vertendo ao caso concreto fácil é constatar que existe litispendência entre os presentes embargos de terceiro e a ação n.º2443/21.7T8BRG, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1, pois que existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - cfr. art. 581º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.
Assim, não se recebem os presentes embargos de terceiro, por existir a referida litispendência, absolvendo-se da instância os embargados.
Custas pela embargante
Notifique a embargante.»
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Inconformada com esta decisão, a embargante vem dela interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:
I – NULIDADE DO DESPACHO
ɋ - Prejudicialidade
a) O douto despacho posto ora sob sindicância, e conforme se demonstrou em sede de alegações, está ferido de nulidade, em virtude da Mª. Juíza, não se ter pronunciado sobre a questão que lhe foi diretamente colocada, que se prende com a figura da prejudicialidade;
Com efeito,
b) A Srª. Juíza estava obrigada a pronunciar-se sobre a matéria, obrigação que advém op legis;
Ao não fazê-lo
c) Cometeu pecado mortal - por violação grosseira da lei - o qual pela sua gravidade, tem como consequência necessária a já sobredita nulidade;
Em conforto com que supra se refere;
d) Já em sede de alegações, se fez referência à jurisprudência sobre esta matéria, a qual é francamente dominante, senão mesmo unânime, sendo ainda confortada pela doutrina que segue a mesma via;
e) A Srª. Juíza, ao não se ter pronunciado sobre a questão em causa violou o contido no nº 1 al. e) do artº. 615 do Cód. Proc. Civil.
Dito de outra forma,
f) A Mª. Juíza deveria – ex officio e, em cumprimento do segmento normativo em causa – ter-se pronunciado sobre a questão que lhe foi colocada.
Ao não se pronunciar sobre a mesma,
g) Redunda a sua omissão, numa nulidade que aqui se expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
β – Litispendência
Quanto a este item, dir-se-á o seguinte:
a) A figura da litispendência tem como quadro principal, saber se num dado momento, judicioso/processual, há repetição de uma causa, isto é, se, se repete uma causa, estando uma anterior ainda em curso.
Para essa análise,
b) Deverá no confronto com as duas causas, existir identidade de sujeitos, causa de pedir e respetivo pedido.
Será que no caso ora colocado sob sindicância os requisitos da figura da litispendência, estarão preenchidos?
c) Não subscrevemos de forma alguma, que quanto à matriz principal – repetição de causas – haja a mínima correspondência.
Na verdade,
d) Não existe nenhuma afinidade no confronto entre o processo principal e os embargos de terceiro.
Com efeito,
e) As finalidades subjacentes a cada um das ações, são-no perfeitamente autonomizadas e distintas a saber:
f) No processo principal, este move-se com a aquisição pela aqui recorrente do direito de propriedade por via da usucapião – pedido principal -, e num segundo momento, a aquisição do referido direito de propriedade, por via da acessão industrial imobiliária, caso o primeiro segmento, não seja sufragado.
g) Nos embargos de terceiro, a finalidade dos mesmos, é no essencial, suster a execução para entrega do bem, enquanto o processo principal está a decorrer, sob pena, caso este colha vencimento como é expectável, ver a recorrente precludida toda a séria expectativa que tem, quanto ao reconhecimento da propriedade, preclusão irreversível.
Daí,
h) Não ter qualquer cabimento, por falta da mínima coincidência, a decisão no caso sob sindicância, da existência de causas repetitivas, só possível, por uma errada análise técnica/jurídica.
E neste conspecto,
i) Ao sufragar a existência de repetição de causa, a Srª. Juíza violou o contido no nº 1 do artº. 580 do Cód. Proc. Civil.
E quanto aos sujeitos? Será que há uma identidade quanto ao aspeto formal/nominal, assim como, à sua qualidade jurídica?
j) Desde logo, quanto ao requisito formal/nominal, fica arredada a sua identidade, com efeito, na ação principal existe 1 autora (aqui recorrente) e 2 rés, ao passo que nos embargos, existe 1 embargante (ora recorrente) e 3 embargadas.
Ou seja,
l) Há uma nítida diferença entre as partes de ambas as causas, sendo que, nos embargos de terceiro, surge uma nova figura jurídica – M. C. – que em momento algum, surge na ação principal.
m) E por tal circunstância, não se pode falar em identidade das partes (formal/nominal) considerando o acrescento da referida figura, que, conforme se referiu, não aparece no processo principal.
E quanto à sua qualidade jurídica?
n) Seguindo o critério jurisprudencial oportunamente referido – (Ac. STJ 9-7-2015 – Proc. nº 896/09 e Ac. STJ 22-2-2015 – Proc. nº 915/09) não se vislumbra de onde emergiu o entendimento da Mª. Juíza, ao afirmar que existe identidade de sujeitos, quando surge num horizonte processual/substancial, um novo sujeito – sujeito passivo da relação material controvertida (embargos), que em momento algum, tem ou teve qualquer relação, com os autos na ação principal.
E por tal devir,
m) Não existe qualquer afinidade dos sujeitos, quanto à relação jurídica, considerando que estes, não são portadores do mesmo interesse substancial, quanto à relação jurídica em causa.
n) E dentro deste conspecto, não podia ter feito apelo à figura da litispendência, aqui quanto à identidade dos sujeitos – a qual não existe, não só quanto à sua qualidade formal/nominal, mas ainda, quanto do ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou ou atua no processo- violando assim, o critério apontado pelo já referido no 2 do artº. 581 do Cód. Proc. Civil.
E quanto à causa de pedir?
o) Quanto a este item, conforme supra se explanou em sede de alegações, não existe concordância entre a causa de pedir consubstanciada nos embargos de terceiro, com aqueloutra constante do processo principal.
p) A causa de pedir nos embargos de terceiro tem como matriz principal, ou seja, emerge do pedido expresso no requerimento executivo, consubstanciado na entrega do bem, do qual, a ora recorrente pretende ver reconhecido o seu direito de propriedade;
E neste quadro,
q) Houve necessidade de arrolar matéria de onde emergisse factualidade suficientemente clara, no sentido da aí embargante, poder justificar a razão de ser dos próprios embargos de terceiro.
Porém,
r) Daí não se pode/deve concluir como o fez a Mª. Juíza que as causas de pedir em ambas as ações são coincidentes.
Mais,
s) Na ação principal, existem duas causas de pedir autonomizadas, o que só por si, deveria ter levado a Srª. Juíza a não sufragar sua identidade, e ao fazê-lo, violou o nº 4 do artº. 581 do já citado compêndio legal.
E no que respeita ao pedido?
t) Também quanto a este item, não existe a mínima correspondência/identidade entre a ação principal e os embargos de terceiro, considerando que estes, mais não pretendem senão, de que, a execução para entrega de coisa certa, seja sustida, durante e enquanto o processo principal estiver em tramitação;
Na verdade,
u) Se no confronto entre o processo principal e a execução para entrega de coisa certa, viesse esta última a ser consumada, e se por hipótese (altamente provável), a aqui recorrente, venha a ter ganho de causa no processo principal, qual a solução prática/jurídica?
v) Tão só uma, ou seja, nenhuma!
x) Razão pela qual, não existe coincidência/identidade quanto aos pedidos em ambas as ações, pelo que, uma vez mais a Mª. Juíza violou o nº 3 do já referido artº. 581 da nossa lei adjetiva.
Finalmente e na jurisprudência das cautelas, afere-se aqui a figura da prejudicialidade, tão só, para o caso (que só aqui se coloca por dever de ofício), da figura da litispendência sufragada na douta decisão posta aqui em relevo, venha a ser superior e doutamente confirmada.
Nesta linha seja permitido de forma muito sintética, avocar-se o conceito de prejudicialidade. Assim,
Questão prejudicial pode definir-se como aquela cuja solução é necessária para se decidir uma outra;
- existe prejudicialidade nas situações em que o conhecimento do fundo ou mérito da acção (ou seja, para se prover sobre o petitório formulado) está dependente da prévia resolução de uma outra questão que, segundo a estrutura lógica ou o encadeamento lógico da sentença, carece de prévia decisão ; Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada, ou seja, a relação de dependência entre uma acção e outra já proposta, como causa de suspensão da instância, assenta no facto de, na segunda acção, se discutir em via principal uma questão que é essencial para a decisão da primeira.
Posto isto,
z) Feito o devido encandeamento quanto aos processos em tramitação, (processo principal/execução/embargos), obviamente que emerge deste confronto, que entre o processo principal, os presentes embargos e a execução para entrega de coisa certa, há uma interdependência processual/substantiva.
Na verdade,
aa) Caso os embargos de terceiro não venham ser admitidos e por via disso, suspender a execução, e esta venha ser consumada, qual a solução jurídica a dar, se porventura a ação principal vier a ser favorável à aqui recorrente?
Ou seja,
ab) No caso aqui hipotisado, existirá uma flagrante injustiça, considerando que a consumação quanto à eficácia do pedido em sede executiva, será um golpe irreversível, quanto ao confronto entre esta eficácia (consumação da execução), e a decisão que venha sufragar a tese da recorrente, no processo principal.
ac) Considerando que a eficácia desta última decisão, sê-lo-á (e seja permitida esta expressão) para tão a encaixilhar num quadro qualquer, em virtude do seu alcance substantivo não ter qualquer relevância prática, considerando que a montante, não houve critério adequado, considerando a relação processual interdependente.
Por tal motivo,
ad) Deverá ser doutamente decidido a existência da figura de prejudicialidade de causa, com as consequências processuais daí advindas, de harmonia com o contido no nº 1 do artº. 272 do Cód. Proc. Civil.
Acompanhando assim o segmento final do acórdão 89/13.2TBMAC.E1 de 30-06-16 da Relação de Évora que refere no seu segmento final:
Por isso, os prejuízos ou vantagens de que a lei fala no nº2 do citado art.272º devem ser analisados, não numa perspectiva subjectiva e de interesses das partes, mas essencialmente numa perspectiva de interesse processual, nomeadamente de celeridade e de boa administração da justiça.
Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e, em consequência:
I – Considerado nulo, por omissão de pronúncia quanto à questão da prejudicialidade, com as consequências daí advindas;
Caso assim não seja doutamente entendido,
II – Seja sufragado douta decisão, de que, no caso em concreto não existe a figura da litispendência, por falta dos respetivos requisitos (identidade de ações por repetição, de sujeitos, de causa de pedir e de pedido), e por tal devir, ser revogado o douto despacho em causa, substituindo-se por outro, que admita os presentes embargos de terceiro, com as consequentes ulteriores determinações legais.
Ainda, para o caso de assim não ser doutamente entendido
III – Seja doutamente firmado, que no caso vertente, existe a figura de prejudicialidade, face à interdependência dos processos em curso, e supra referidos, e por tal circunstância;
(i) Ser ordenada a suspensão imediata referente ao processo que corre termos no Juízo de Execução de V.N. de Famalicão sob o nº 799/21.0T8VNF-A, ao abrigo do disposto no nº 1 do artº. 272 do já citado Cód. Proc. Civil, durante e enquanto, decorrer a tramitação do processo principal (Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1 – Proc. nº 2443/21.7T8BRG).
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As Recorridas exequentes contra alegaram pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da apelante, sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente, são três as questões a decidir:
- da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
- da verificação ou não da exceção de litispendência;
- da prejudicialidade da ação n.º2443/21.7T8BRG face à execução e por tal circunstância se esta deve ser suspensa ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 272º do Código de Processo Civil.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão são as que decorrem do relatório que antecede.
Apreciando juridicamente as questões postas sob recurso.
Da nulidade por omissão de pronúncia:
As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece, além do mais, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)), quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)), ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
O Prof. Castro Mendes (1), após a análise dos vícios da sentença, conclui que uma sentença é nula quando “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
Na senda da delimitação do conceito, adverte o Prof. Antunes Varela (2), que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
Considera a Recorrente, quanto ao vicio da omissão, que o Tribunal não se pronunciou sobre a questão que lhe foi diretamente colocada, que se prende com a figura da prejudicialidade.
O vício de omissão de pronuncia está contemplado na alínea d) do citado artigo 615º, nº1 e prende-se com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no artigo 608º, nº2: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Todavia, importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
É pacífico o entendimento de que a nulidade consistente na omissão de pronúncia só se verifica quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.
A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do Tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Recorrendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (art.º 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art.º 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas” (3).
Afigura-se-nos ser manifesto que a decisão recorrida não enferma da apontada nulidade de omissão de pronúncia.
A questão da prejudicialidade foi colocada pela embargante no requerimento em que exerceu o contraditório sobre a litispendência.
Ora, como bem se evidenciou no despacho de sustentação, a questão da prejudicialidade nos termos em que foi suscitada não se reporta à relação entre os presentes embargos de terceiro e a ação pendente no Juízo Central Cível de Braga, mas antes à relação entre essa ação e a execução de que estes embargos são apenso, sendo certo que tal questão já foi apreciada e decidida pelo tribunal a quo no despacho proferido, no processo principal, a 01.12.2021 – ref.ª176113399.
No âmbito destes embargos, uma vez motivadamente tomada determinada orientação no sentido do conhecimento da exceção de litispendência, o que a parte alega a propósito de uma outra questão atinente à prejudicialidade, não tem de ser separadamente analisado.
Não padece, pois, a decisão da invocada nulidade.
Da exceção de litispendência:
Considerou o tribunal a quo que no caso concreto se verificava litispendência entre os presentes embargos de terceiro e a ação n.º2443/21.7T8BRG, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1 e por essa razão não recebeu os embargos de terceiro.
Contra este entendimento insurge-se a Recorrente, considerando não existir entre as duas ações identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
A questão posta em recurso convoca para sua apreciação os meios de tutela que o ordenamento jurídico coloca à disposição do terceiro que vê o seu direito de posse ou outro ofendido.
Os meios de tutela encontram-se quer na lei adjetiva, quer na substantiva.
Assim, o artigo 342.º, n.º 1, do Código de Processo Civil estabelece que se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
Concretiza o artigo 344.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.
E especifica o artigo 346..º do mesmo diploma que a rejeição dos embargos não obsta a que o embargante proponha ação em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida.
Assim é que no artigo 839.º, n.º 1, alínea d) prescreve-se que a venda fica sem efeito se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.
No que respeita à lei substantiva, dispõe-se no artigo 1278.º, nº1, do Código Civil (manutenção e restituição da posse) que o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito. Por sua vez, o artigo 1311.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
O titular do direito de propriedade sobre uma coisa pode sempre recorrer aos tribunais com o objetivo de ver reconhecido esse seu direito.
Do excurso destes normativos legais resulta que se o direito de propriedade for posto em causa, por penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, em processo de que o respetivo titular não seja parte, poderá este último defendê-lo através da dedução de embargos de terceiro, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CPC; pode também lançar mão da ação de reivinvindicação ou de reconhecimento do seu direito de propriedade.
A questão que constitui o centro nevrálgico do problema é a de saber se pode recorrer a ambos os expedientes jurídicos e em que termos.
Podemos desde já avançar que não é indistinto o recurso a um ou outro meio de tutela.
Fazendo uma resenha histórica do instituto dos embargos de terceiro, escreveu Salvador da Costa, na sua obra Os Incidentes da Instância, (4) o seguinte:
«Outrora, a lei configurava os embargos de terceiro como um incidente da acção executiva contra a penhora, a entrega judicial da coisa e o arresto, passando, posteriormente, a abranger o arrolamento e a posse judicial e, mais tarde, o acto executivo de despejo.
Com o Código de Processo Civil de 1939, os embargos de terceiro passaram a abranger as referidas diligências e quaisquer outras judicialmente ordenadas.
A principal inovação do Código de Processo Civil revisto, no quadro do incidente de oposição, foi a inclusão nele da sub-espécie da oposição espontânea em que se traduz o procedimento de embargos de terceiro.
(…)
Como os embargos de terceiro também comportam uma vertente de defesa da posse de terceiro, entre eles e as acções possessórias propriamente ditas existem, naturalmente, pontos comuns.
Dir-se-á que entre os embargos de terceiro e que visem a defesa da posse e as acções possessórias destinadas a remover as ameaças ou perturbações da posse existe um núcleo comum tendente à defesa da posse e uma vertente diferenciada que se traduz no facto de os primeiros visarem as diligências judicialmente ordenadas e as segundas os actos de particulares ou da administração pública.
A lei processual actual já não integra as acções possessórias no âmbito dos processos especiais, mas ampliou os fundamentos dos embargos, que, agora, têm a virtualidade de efectivação, para além da posse, de qualquer direito que se revele incompatível com alguma diligência de cariz executivo judicialmente ordenada. (…)
A estrutura dos embargos de terceiro é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa fase declarativa que corre por apenso a uma acção executiva com a especificidade de inserirem uma sub-fase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante.
Através deles, agora relativamente desvinculados da posse, pode o embargante efectivar ou defender, para além da posse, qualquer direito de conteúdo patrimonial ilegalmente afectado pela diligência judicial de tipo executivo. (…).
Deve entender-se incompatível com o acto judicial de tipo executivo, o direito de terceiro de natureza impeditiva da realização da sua função, seja a venda executiva ou outra.
O conceito de direito incompatível apura-se, pois, no confronto da finalidade da diligência em causa.»
Emerge da evolução histórica do instituto e à luz da lei atual que os embargos de terceiro surgem não apenas ligados à qualificação do embargante como possuidor, mas sobretudo à averiguação da titularidade de um direito que não possa ser legitimamente atingido pelo ato de apreensão judicial, por ser oponível aos interessados que promoveram ou a quem aproveita a diligência judicialmente ordenada.
Como afirma Lopes do Rego “na base da admissibilidade do incidente passa, pois, a estar uma questão de hierarquia ou prevalência de direitos em colisão (o actuado através do processo em que se inserem os embargos e o oposto pelo embargante), a resolver, naturalmente, em função das normas jurídico-materiais aplicáveis (5).
Diz-nos também Amâncio Ferreira, que “até à Reforma do processo Civil de 95/96, que eliminou as ações possessórias do elenco dos processos especiais, através da revogação dos arts. 1033º a 1043º, a função dos embargos estava limitada à defesa da posse, ofendida por qualquer diligência ordenada judicialmente (art. 1037º, nº1). Isto em consonância com o regime substantivo do artigo 1285º, do CC, onde os embargos de terceiro se apresentam como um meio de defesa possessória revestido de características especiais, por se destinar à defesa da posse contra a actividade jurisdicional do Estado. Hoje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351º e segs). E assim, como é do conceito de oposição (art. 342º, nº1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas.” (6)
O que se se deixa exposto, quanto à atual estrutura, função e natureza dos embargos de terceiro, conduz-nos à questão posta inicialmente: pode um terceiro recorrer indistintamente e em simultâneo à ação de reconhecimento de propriedade ou reivindicação e aos embargos de terceiro?
Segundo Miguel Teixeira de Sousa são possíveis três respostas: “ – se os embargos forem considerados um meio especial perante a acção de reivindicação, se o uso daqueles estiver precludido, não é admissível recorrer à acção de reivindicação; - se a acção de reivindicação for qualificada como subsidiária perante os embargos de terceiro, esta só é admissível quando aqueles não puderem ser utilizados; - se os embargos de terceiro e a acção de reivindicação forem considerados meios alternativos, o terceiro interessado pode utilizar qualquer deles”. (7)
Justifica o autor que esta parece ser a melhor solução, dado que o artigo 910º, nº1, (atual artigo 840º) admite, sem qualquer restrição, a ação de reivindicação do terceiro afetado pela penhora. Ademais, evidencia-se que o estatuído no artigo 840º, nº1, aceita que o terceiro possa protestar pela reivindicação antes da venda e que o art. 344º, nº2, só admite que os embargos de terceiro sejam deduzidos até à venda ou adjudicação do bem, pelo que apenas até este momento a reivindicação e os embargos são realmente meios alternativos.
Sendo assim, como nos mesmo termos conclui o acórdão da Relação de Évora de 12.10.2017 (8), até à venda ou adjudicação judicial da coisa, o proprietário tem ao seu dispor, em alternativa, a ação declarativa comum, de simples apreciação ou de reivindicação, e os embargos de terceiro (sublinhado nosso). Depois daquela venda ou adjudicação, estão-lhe vedados estes últimos, restando-lhe a primeira.
Em conclusão, como assevera Lebre de Freitas, “o proprietário pode, alternativamente, usar o meio dos embargos de terceiro ou o da ação de reivindicação” (9).
No caso vertente, ao ter conhecimento da execução a Recorrente lançou mão da ação de reconhecimento do seu direito propriedade sobre o bem, a qual corre termos no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1, sob o n.º2443/21.7T8BRG e intentou os presentes embargos de terceiro para obstar à entrega do bem.
Independentemente da conformação jurídica cuja diversidade neste recurso se tenta sustentar, cremos não haver dúvida que um e outro meio se configuram como reação a um ato lesivo do alegado direito de propriedade da embargante por parte dos exequentes.
E, portanto, cumprirá analisar se o terceiro pode invocar diferentes fundamentos daqueles em que alicerçou outro processo em data anterior e relativos ao mesmo ato ofensivo da sua posse.
A Recorrente na ação para reconhecimento do direito de propriedade formula os seguintes pedidos:
Pedido Principal:
a) Reconhecerem que a autora, por si, e por via de sucessão (por decesso do seu progenitor), há mais de 50 anos, vem firmando atos na propriedade, os quais mais não traduzem senão, uma posse exercida pela autora, correspondente ao respetivo exercício do direito de propriedade.
b) Reconhecerem ainda, que a sua posse tem plena tradução nos seguintes carateres: de boa-fé, no convencimento que não estava a colidir com direitos de terceiros, pública, por que à vista de todos, incluindo aqui os interessados, e pacífica, por a mesma ter sido desde sempre, exercida sem qualquer tipo de violência, e jamais ninguém a ter contestado;
c) Reconhecerem que a sobredita posse, deverá retroagir há mais de 50 anos, por uma dupla via – inicialmente por via da acessão emergente pelo negócio translativo firmado em 1985 pelos seus pais – e posteriormente (2009) por via da sucessão em virtude do decesso de seu pai;
E como corolário,
d) Atento o decurso do tempo, e as características da posse supra evidenciadas, seja declarada a favor da autora, a aquisição do direito de propriedade ora em evidência, a cujo exercício corresponde plenamente com a sua atuação, desaguando por tal devir, na figura da usucapião.
Pedido Subsidiário;
a) - Reconhecer à autora adquirir o direito que incide sobre a unidade predial descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o nº …, inscrita na respetiva matriz sob o artigo … urbano, composta por uma habitação constituída por cave, rés-do-chão, andar e logradouro, ocupando uma área coberta de 290 metros, e logradouro – área descoberta – com 940 metros com todas as obras incorporantes existentes no aludido logradouro da identificada propriedade, nomeadamente: a fração habitacional tipo T1, com a área de 80 metros, que as RR., garagem com a área de 40 metros, piscina e demais dependências de apoio à mesma.
Sendo que, e pelos motivos supra expendidos,
Que o referido direito de aquisição, seja firmado por via da figura de acessão industrial imobiliária, ao abrigo no disposto no artº. 1340 do Cód. Civil.
E como consequência,
b) Declarar-se que a autora adquira o direito de propriedade sobre a supra identificada unidade predial, com todas as edificações que a compõe, desde que pague às RR. o valor que a dita propriedade tinha à data das obras incorporantes (2001).
E neste conspecto
c) Que se declare que uma vez paga pela autora às RR, o valor que vier ser apurado, mas reportado a 2001, a autora adquirirá com os efeitos reportados à referida data a propriedade plena;
d) Ser fixado um prazo não inferior a 45 dias, para a autora consignar em depósito o sobredito valor reportado a 2001, montante a que as RR., têm direito, ficando assim a transmissão da unidade predial, com tudo aquilo que a compõe, dependente do pagamento do aludido montante.
Por sua vez, nos embargos de terceiro a Recorrente pede que se reconheça:
a) A posse da embargante exercida de forma ininterrupta, relativa à propriedade em causa, a qual remonta pelo menos há meio século;
b) Que a mesma (posse), foi e é, exercida de forma pública, pacifica, boa-fé, imediata e efetiva;
c) Reconhecer que a residência da embargante, se situa dentro da propriedade, nomeadamente numa zona (habitacional) por si – exclusivamente -, mandada construir, e que não possui, qualquer outra alternativa onde residir;
d) Reconhecer que a diligência contida na citação, e referente à execução que corre termos nesse Juízo, a ser efetivada, colidirá de forma frontal e cortará cerce o legítimo direito da embargante, assim como, lhe causará um prejuízo de dificílima reparação;
e) Deverão os presentes embargos, serem sustidos, durante e enquanto, não houver douta decisão, respeitante ao processo que corre termos no Juízo Central – Juiz 1, sob o nº 2443/21.7T8BRG, em virtude do confronto de direitos serem de per si, incompatíveis;
f) Ser de imediato sustida a diligência firmada no corpo da citação, conjugada com o contido/pretendido no requerimento executivo – entrega imediata do imóvel.
Defende a Recorrente que as finalidades subjacentes a cada uma das ações são autonomizadas e distintas a saber: na ação de reconhecimento da propriedade, esta move-se com a aquisição do direito de propriedade por via da usucapião – pedido principal -, e num segundo momento, a aquisição do referido direito de propriedade, por via da acessão industrial imobiliária, caso o primeiro segmento, não seja sufragado; nos embargos de terceiro, a finalidade dos mesmos, é no essencial, suster a execução para entrega do bem.
Cremos que assim não é.
Apesar de regulados em sede de incidentes da instância, os embargos de terceiro configuram-se como uma verdadeira ação declarativa, autónoma e especial, conexa com determinado procedimento de tipo executivo.
Através deles, visa o embargante efetivar ou defender, para além da posse, qualquer direito ilegalmente afetado pela diligência judicial de tipo executivo.
A causa de pedir dos embargos de terceiro é a factualidade integrante do direito invocado, seja a posse, seja a propriedade, seja algum outro direito incompatível com a finalidade da diligência judicial que se pretende impugnar, bem como a factualidade integrante daquela diligência.
Ora, como já referido, a estrutura dos embargos de terceiro é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa ação declarativa que corre por apenso à ação ou ao procedimento de tipo executivo, com a especificidade de inserirem uma sub-fase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efetivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum ato judicial de afetação ilegal de um direito patrimonial do embargante.
Reagindo à execução para entrega do bem, que considera ser de sua propriedade, a Recorrente começou por instaurar uma ação de reconhecimento do direito de propriedade. De seguida, deduz embargos de terceiro com diverso fundamento, assente exclusivamente na posse (mas da qual retira a presunção de propriedade, que constitui afinal fundamento daqueloutra ação) mas já verificado e existente aquando da dedução do primeiro processo.
Tal significa que ao instaurar a primeira ação já conhecia e poderia também ter invocado os fundamentos de que se serviu para alicerçar os embargos de terceiro que deduziu.
E assim sendo, como se decidiu no acórdão desta Relação de Guimarães de 24.09.2015 (10) a Recorrente não invocou, como lhe competia, todos os factos que poderia invocar como fundamento de oposição à consumação do ato lesivo da sua posse, fazendo, por isso, todo o sentido, nessas circunstância, fazer precludir o exercício desse seu direito, com os fundamentos que agora deduz.
As duas ações são idóneas como meio de reação a um ato ofensivo da posse e à afirmação de um direito, pelo que optando-se por qualquer delas nela se deve concentrar todos os fundamentos, sejam os que afigurem essenciais para o reconhecimento do direito que se pretenda fazer valer, ou e os que pareçam secundários, na eventualidade de serem também relevantes.
Como ensina Manuel de Andrade, o princípio da preclusão tem a ver com exigência de lealdade dos diversos sujeitos processuais e visa impedir que algum deles use a táctica de reservar algum argumento apenas para quando o achar mais oportuno. (11)
Donde, tendo lançado mão da ação de reconhecimento do direito de propriedade está vedado à Recorrente, em simultâneo, deduzir embargos de terceiro.
Tendo-o feito, ocorre a exceção de litispendência.
O pedido de reconhecimento de direito de propriedade pela usucapião está ínsito nos embargos deduzidos e o núcleo essencial da causa de pedir em ambas as ações é a posse da Recorrente.
A circunstância de a executada M. C. (mãe da embargante) não ser parte no processo n.º2443/21.7T8BRG não altera o núcleo essencial da causa de pedir, nem do efeito pretendido, nem do direito que se pretende ver reconhecido. De igual modo, está bom de ver, que a omissão de um interveniente na ação de reais não legitima, de per si, a admissibilidade da dedução dos embargos de terceiro. De contrário estava achada a fórmula de recorrer simultaneamente aos dois meios de tutela que a lei prevê como alternativos.
Também não vinga a tese no que concerne ao pedido subsidiário formulado na ação de reconhecimento do direito de propriedade (acessão industrial imobiliária) e que não se encontra peticionado nos embargos, posto que tal não retira a identidade do pedido, nem da causa de pedir.
Ademais nos embargos deduzidos alegou a Recorrente factos relativos ao instituto da acessão industrial imobiliária, que subsumiu ao pedido constante da alínea c) do petitório.
Em suma, quer na ação n.º2443/21.7T8BRG, quer nos presentes embargos, a Recorrente assenta os pedidos nos mesmos factos, pelo que estamos perante a mesma factualidade essencial e a mesma pretensão jurídica.
A propósito, escreveu-se no acórdão do STJ de 02/06/2020 (pertinentemente citado pelas Recorridas) “Sabendo-se que o objecto da acção reside na pretensão que o autor pretende ver tutelada e identificando-se esta através do direito a ser protegido por esse meio, a individualização do mesmo consubstancia-se não só através do seu próprio conteúdo e objecto (o pedido) como por meio do acto ou facto jurídico que se considere que lhe deu origem (causa de pedir). Consequentemente, a sentença a proferir nesses termos declarando determinado direito apenas tomará em conta o acto ou facto jurídico donde provenha. (….) Uma vez que a identificação do direito que se pretende fazer valer em juízo passa necessariamente pela sua causa ou a fonte (acto ou facto constitutivo), esta (causa de pedir) tem de ser especificada, concretizada ou determinada e consiste em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas, representando na acção o substrato material a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas”. (12)
Do exposto, resulta que bem andou o tribunal a quo ao julgar verificada a exceção de litispendência.
Da suspensão por causa prejudicial:
Por fim, pretende a Recorrente que se aprecie a figura da prejudicialidade, face à interdependência dos processos em curso, e por tal circunstância, seja ordenada a suspensão da execução, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 272º do Código de Processo Civil, durante e enquanto, decorrer a tramitação do processo principal (Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1 – Proc. nº 2443/21.7T8BRG).
Se bem compreendemos esta pretensão recursória, a mesma vem formulada para a eventualidade de ser mantida a decisão de não recebimento dos embargos de terceiro, o que a torna ininteligível.
Com efeito, com a extinção da instância dos embargos, não poderia nessa sede tal pretensão ser apreciada.
Mas o que verdadeiramente releva é que a questão da prejudicialidade não se reporta à relação entre os embargos de terceiro e a ação pendente no Juízo Central Cível de Braga, mas antes à relação entre essa ação e o processo de execução.
Daí que sempre a causa prejudicial haveria de ser apreciada no processo executivo.
Como o foi.
Com efeito, a embargante requereu no âmbito da execução a suspensão da ação executiva devido, por um lado, a ter instaurada a ação declarativa n.º2443/21.7T8BRG, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga - Juiz 1, onde pede o reconhecimento da sua condição de proprietária do bem imóvel cuja entrega é reclamada, e, por outro, à pendência da ação n.º2602/19.2T8BRG, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga - Juiz 5, na qual é peticionada a declaração da nulidade do negócio, por via do qual, as exequentes compraram (aquisição derivada) o imóvel em causa.
Considerou-se que não é possível suspender os termos de uma ação executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente, pois uma ação executiva não é propriamente uma causa a decidir, mas antes, contém em si um direito já efetivamente declarado ou reconhecido, não havendo, por isso, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade.
Acrescentou-se que a entender-se que constitui motivo justificado para a suspensão de um processo de execução, a simples instauração, ainda para mais por um terceiro estranho à instância executiva, de uma ação cujo objeto seja o bem executado, ação essa (como quase todas) de resultado necessariamente aleatório, autorizada estaria uma forma de protelamento da execução que mais não visa do que dar realização prática a uma situação jurídica definida pela sentença passada em julgado ou documentada por título executivo legalmente válido, em manifesto prejuízo dos direitos reconhecidos dos exequentes.
Decidiu-se em conformidade pelo indeferimento da suspensão.
Daqui resulta claramente que a Recorrente renova neste recurso pretensão que já foi apreciada e decidida, em termos que lhe foram desfavoráveis, mas com os quais se conformou, estando-lhe vedado por lei “ressuscitar” a questão que se tornou definitiva.
*
IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
1. In “Direito Processual Civil”, Vol. III, p. 308.
2. In “Manual de Processo Civil”, p. 686.
3. In CPC Anotado, Vol. V, p. 143.
4. Os Incidentes da Instância, 3ª ed., pags. 188 a 190 , também o acórdão do STJ de 08.01.2009, disponível em www.dgsi.pt..
5. In Comentário ao Código de Processo Civil, 1999, pag. 262.
6. In Curso de Processo de Execução, 3ª Edição, pag. 225.l
7. In Acção Executiva Singular, pags. 315 a 318.
8. Disponível em www.dgsi.pt.
9. In A Ação Executiva: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª Edição, pag. 344.
10. Disponível em www.dgsi.pt.
11. In Noções Elementares de Processo Civil, pag. 38.
12. Disponível em www.dgsi.pt.