DECLARAÇÕES DE PARTE
VALORAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REQUISITOS
PRESCRIÇÃO
Sumário

1.–As declarações de parte devem ser valorizadas tendo em atenção a forma como são prestadas, a coerência e verosimilhança do declarado, ponderada a situação concreta e as regras da experiência, no confronto com a demais prova produzida.

2.–A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, entendendo-se que a aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele.

3.–Para que exista a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa, têm de verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos: a existência de um enriquecimento (entendido como a obtenção de uma vantagem pela pessoa obrigada à restituição, seja qual for a forma que essa vantagem revista); a falta de causa justificativa desse enriquecimento (se não existir uma relação ou facto que legitime o enriquecimento à luz dos princípios aceites pelo sistema, a deslocação patrimonial não tem causa justificativa); que esse enriquecimento seja obtido à custa de outrem (à vantagem alcançada por um corresponde o sacrifício económico correspondente suportado pelo outro, ou a privação do aumento do património deste).

4.–Nos termos do disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 608º do CPC, o juiz deve de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

5.–Se o tribunal concluir que o A. não tem o direito que se arroga, fosse a que título fosse, então, não tem de apreciar se esse (inexistente) direito estava prescrito, embora possa abordar tal exceção invocada se entender que conduz a um resultado que reafirma a decisão (de improcedência), mas se não o fizer a sentença não padece de nulidade.

6.–O direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.

7.–Com a interrupção do prazo de prescrição pela notificação judicial avulsa do R. pela qual o A. lhe pediu a restituição do dinheiro indevidamente entregue, começa a correr novo prazo de prescrição.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


Em 16.07.2016, A intentou contra B, ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo que a R. seja condenada a restituir-lhe a quantia global de €16.225,98, sendo €15.741,24 correspondente ao enriquecimento da R., e consequente empobrecimento da A., acrescida da quantia de €484,74 a título de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a notificação judicial da R., bem como dos vincendos até efetivo e integral pagamento.

A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:

Entre a A. e a R., correu termos pela então 9ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, a ação nº 1723/10.1TVLSB na qual foi proferida sentença datada de 3/10/2012, que veio a ser confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa datado de 2/05/2013, já transitado em julgado, que ordenou que “Atenta a matéria de facto provada sob os nºs. 31 a 33, 81, 86 a 88, 96, 98 e 99 da sentença que se segue, extraia certidão da sentença e, independentemente do trânsito da mesma, remeta ao Instituto da Segurança Social para os efeitos tidos por convenientes”.
Na sequência de tal comunicação, em 4/12/2012, a A. foi notificada pelo Instituto da Segurança Social de que o período de baixa médica de que havia beneficiado, compreendido entre Outubro de 2008 e Maio de 2009, quando se encontrava ainda ao serviço da R., havia sido anulado, e, consequentemente, foi-lhe solicitado por aquele Instituto que procedesse à devolução dos subsídios de baixa médica que lhe haviam sido processados a tal título, o que a A. vem fazendo, por desconto mensal na respetiva pensão de reforma, sendo que, no período compreendido entre 16/03/2013 e 15/06/2016, a A. já restituiu à Segurança Social a quantia de €28.180,80, em mensalidades de €704,52.
Sucede que, em 5/06/2009, a A. já havia procedido à entrega à R. de valores que havia recebido da Segurança Social a título de subsídio de baixa médica (transferindo para a conta bancária titulada pela R. no então BES, a quantia de €15.741,24 (€15.741,24 + €1,87 despesas bancárias = €15.743,11), o que fez na sequência de exigência que lhe foi dirigida pelo então Presidente do Conselho de Administração da R., José ......  .
Tal verba de €15.741,24 correspondia à soma de quantias que a A. havia recebido do Instituto de Segurança Social a título de subsídio de baixa médica, situação em que se encontrava desde outubro de 2008.
E fez tal entrega à R. pois, à data de 4.12.2012, estava de baixa médica, mas a pedido do Presidente do Conselho de Administração da R., esteve a trabalhar e, consequentemente, a auferir o respetivo salário mensal pago por esta.
Depois de lhe ser exigida pela Segurança Social a devolução dos montantes auferidos a título de baixa médica, a A. confrontou a R. com esse facto e solicitou-lhe que regularizasse a situação, devolvendo-lhe o valor de €15.741,24 recebido pela R. em 5/06/2009, ou a ela, A., ou diretamente à Segurança Social, notificando-a judicialmente para tal efeito em 8.10.2015, o que a R. recusou e nada fez, mantendo tal quantia na sua posse, sem qualquer motivo justificativo.

Citada, a R. contestou, por exceção, invocando a incompetência material do tribunal para conhecer da ação, estando em causa a devolução de vencimentos indevidamente recebidos, a prescrição dos créditos salariais, a prescrição do alegado direito da A., e por impugnação, pugnando, a final, pela procedência das exceções deduzidas, ou caso assim não se entenda, a improcedência total da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

Convidada a pronunciar-se sobre as exceções invocadas, pronunciou-se o A. no sentido da sua improcedência.

Realizou-se audiência prévia, na qual se julgou procedente a invocada exceção de incompetência absoluta do tribunal cível para conhecer da ação, vindo a Sra. Vice Presidente deste Tribunal da Relação, na sequência de conflito de competência suscitado, a declarar o Juízo Local Cível competente para conhecer da ação.

Foi dispensada nova realização de audiência prévia, e atenta a simplicidade da causa, não se fixou o objeto do litígio, nem se enunciaram os temas da prova.

Realizou-se julgamento, e em 1.02.2019, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido.

Inconformada com a decisão, apelou a A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I.Vem o presente recurso de Apelação interposto da douta sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Juízo Local Cível da Comarca de Lisboa (Juiz 23), que julgou improcedente a ação de processo comum deduzida pela A., ora Recorrente, contra a R., aqui Recorrida, e na qual peticionou a condenação desta no pagamento da quantia de €15.741,24 correspondente ao seu enriquecimento sem causa, acrescida de juros de mora;
II.A Recorrente discorda do julgamento de alguns aspetos da matéria de facto pelo douto Tribunal recorrido e, consequentemente, com a decisão de Direito que deles emergiu, pelo que, nos termos do Art. 640º, nº 1, als. a), b) e c) do C.P.C., a especificou no corpo das suas Alegações de Recurso os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, assim como os  concretos meios probatórios que impõem decisão diversa quanto à matéria impugnada – que aqui dá por integralmente reproduzidos;
III.Pelo que, da concatenação de todos os elementos de prova produzidos nos autos, resultará que a decisão de Direito também deverá ser revogada, e substituída por outra que dê total procedência à ação;
IV.Quanto à impugnação da matéria de facto, começando pelo Art. 3º do elenco dos factos provados da sentença, este deveria ter a redação constante do art. 3º da p.i., ou seja, "3º Na sequência de tal comunicação, na data de 4/12/2012, a A. foi notificada pelo Instituto de Segurança Social de que o período de baixa médica de que havia beneficiado, compreendido entre Outubro de 2008 e Maio de 2009, quando se encontrava ainda ao serviço da R., havia sido anulado.";
V.Desde logo, esta menção de que a A. “se encontrava ao serviço da R.” foi admitida por acordo, porque a R., sob o art. 46º da sua Contestação, impugnou o art. 3º da p.i., mas apenas quanto “à exigência da Segurança Social na devolução das quantias identificadas em 3º da p.i.”, pelo que aceitou o facto de que a A. se encontrava ao serviço da R. no período em causa;
VI.Estes factos resultam também do doc. nº 3 junto à p.i., emitido em 4/12/2012 pelo Centro Distrital de Setúbal da Segurança Social, e do documento junto à resposta às exceções deduzidas pela R. na sua contestação, datado de 4/12/2015, também emitido pelo referido Centro Distrital de Segurança Social;
VII.Estes documentos, apesar de o respetivo teor ter sido genericamente impugnado pela R., deveriam ter sido devidamente valorados pelo Tribunal a quo, e julgados idóneos à prova dos factos deles constantes, atenta a entidade emitente, e bem assim porque não foram contrariados por qualquer outro meio de prova, e porque a A., em sede de declarações de parte, os analisou e contextualizou;
VIII.A data até à qual esteve em vigor o contrato de trabalho que vinculou a A. à R. consta, ainda, do doc. nº 1 junto à Contestação da Recorrida, onde se menciona que o despedimento da Recorrente ocorreu em 30/11/2009;
IX.Quanto à prova testemunhal, estes factos resultam do depoimento da Testemunha Paula ......, ouvida em 11/12/2018, na 1ª Sessão da Audiência de Julgamento, entre as 14:31:55 e as 14:58:40, concretamente das seguintes passagens: 07:20 a 07:46; 09:50 a 10:40; 10:50 a 12:52; e 24:25 a 26:15;
X.Esta testemunha trabalhou para as empresas do grupo económico da R., com a A., e possui conhecimento direto destes factos, tendo confirmado de forma inequívoca que a A. estava a trabalhar, comparecendo para esse efeito no escritório que possuía nas instalações da R., no período em causa (outubro/2008 a maio/2009);
XI.A instâncias do Ilustre Mandatário da R., e à semelhança do que correu com as demais testemunhas ligadas à Recorrida, a testemunha aludiu a uma política que alegadamente vigorava no grupo empresarial a que a R. pertence, acerca de “complementos de baixa médica”, mas depois esclareceu, a instâncias da Mandatária da A., que esta não podia enquadrar-se em tal “política”, pois o circunstancialismo que rodeou a sua baixa médica não era comum, nem semelhante à dos demais trabalhadores da R. em situação de doença;
XII.Esta matéria resulta, também, do depoimento da Testemunha Carla ......, prestado em 11/12/2018, na 1ª Sessão da Audiência de Julgamento, das 14:59:32 às 15:20:29, concretamente das seguintes coordenadas: 01:05 a 02:48; 16:43 a 19:38; e de 19:40 a 20:25;
XIII.A mesma é técnica de contabilidade e presta serviço para a Sacramento ...... Projetos e Serviços, empresa do mesmo grupo económico que a recorrida B, e demonstrou conhecimento direto da matéria versada neste artigo, declarando inequivocamente que no período em causa a A. estava a trabalhar;
XIV.Quanto à Testemunha Carlos ......, que prestou depoimento em 13/12/2018, na 2ª Sessão de julgamento, entre as 14:23:12 e as 14:55:18, foi membro do conselho de administração de várias das empresas do grupo económico a que pertence a sociedade aqui Recorrida ao tempo em que a Recorrente também o era, e produziu um depoimento muito parcial, conduzindo todas as suas afirmações no sentido da exata versão preconizada pela Recorrida nestes autos;
XV.Demonstrou clara e reiterada animosidade para com a A., trouxe à colação diversos temas e factos que nem sequer se enquadram no objeto dos autos, mencionou outros processos judiciais entre as mesmas partes no passado, aludiu de forma descontextualizada a documentos que não constam deste processo, e em relação aos quais não foi possível, sequer, exercer o contraditório;
XVI.Afirmou factos com uma certeza que quis aparentar inabalável, mas em relação aos quais nem sequer possui um conhecimento direto, alegando que lhe foram transmitidos por Sacramento ......, então presidente do Conselho de Administração da empresa R., que a A. tentou insistentemente que viesse depor aos autos, mas sem sucesso e sem qualquer colaboração da Recorrida neste sentido, tudo com o lamentável intuito de denegrir a imagem da Recorrente;
XVII.Esta testemunha pretendeu, ainda, com o intuito já supra alegado, convencer o Tribunal de que a A. não estava a trabalhar, mas entrou em contradição, acabando por admitir que a A. exercia as suas funções em diversos locais, nomeadamente no exterior das instalações da R.;
XVIII.Pelo que a Recorrente entende que este depoimento não poderá ser utilizado para prova de qualquer facto alegado pela Recorrida, alicerçando-se esta conclusão nas seguintes coordenadas: 22:28 a 24:26; e 24:27 a 26:30;
XIX.A prova dos factos deste art. 3º resulta, ainda, das Declarações de Parte da A. A, prestadas na 2ª Sessão de julgamento, que teve lugar em 13/12/2018, das 14:56:43 às 15:32.31, e nomeadamente das coordenadas: 01:45 a 03:39; 03:40 a 6:07; 6:08 a 6:45; 6:48 a 7:02; 13:54 a 15:26; 17:03 a 19:42; e 21:08 a 24:58;
XX.Estas, prestadas ao abrigo do Art. 466º do C.P.C., contribuíram decisivamente para a descoberta da verdade e deverão merecer plena credibilidade, nomeadamente em relação a alguns dos factos em discussão, muito pertinentes para a boa decisão da causa, e dos quais apenas esta e Sacramento ......, presidente do conselho de administração da R. ao tempo, tiveram intervenção e, consequentemente, conhecimento direto;
XXI.No que toca ao Art. 7º do elenco dos factos da sentença, entende a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter considerado provada a totalidade dos factos alegados em 7º da p.i., ou seja, "7º Sucede que a A., na data de 5/06/2009, já havia procedido à entrega à R. de valores que havia recebido da Segurança Social a título de subsídio de baixa médica";
XXII.Pois resulta dos autos, à saciedade, que a Recorrente em 5/06/2009 devolveu à R. verbas recebidas a título de baixa médica - e não de salários - convicta de que era seu dever efetuar esta devolução à entidade patronal e esta, por sua vez, regularizar a situação junto da Segurança Social, o que mais tarde, veio a apurar que tal não sucedeu e que a sua obrigação era perante a Segurança Social e não perante a entidade patronal;
XXIII.A Recorrente, no período compreendido entre Outubro de 2008 e Maio de 2009, cumulou o recebimento de subsídio de baixa médica processado pela Segurança Social, com o ordenado mensal que lhe era pago pela R., e isto porque a mesma se encontrava, efetivamente, a trabalhar diariamente nos citados meses;
XXIV.Fê-lo a pedido expresso de Sacramento ......, cfr. foi dado como assente sob o art. 8º do elenco dos factos provados na sentença, pessoa que sempre exerceu grande ascendência sobre a A.;
XXV.Então, se a A. prestou naquele período os respetivos serviços profissionais à R., o salário que esta lhe pagou era-lhe devido, pelo que não cumpria à A. proceder – como não procedeu – a qualquer devolução a tal título, cumprindo outrossim, devolver tais verbas à Segurança Social;
XXVI.A A. entregou à R. €15.741,24, correspondente à quantia exata que, desde o início do período de baixa (Outubro/2008), até 5/06/2009, havia recebido da Segurança Social a título de subsídio de baixa médica, convicta de que a R. a iria restituir àquela entidade, o que só muito mais tarde apurou não ter sucedido;
XXVII.Assim, alicerça estas conclusões nos docs. nºs. 6 a 11 juntos à p.i. (emitidos pela Segurança Social, e onde a soma das parcelas recebidas pela Recorrente desta entidade totaliza exatamente o valor que devolveu à Recorrida), no doc. nº 5, fls. 46, junto à p.i. (comprovativo de depósito pela A. na conta da R., onde apôs as palavras manuscritas “devolução sub. Bx” e que passou a estar na posse da Recorrida logo nos dias que se seguiram à respetiva emissão), e no documento junto ao articulado de resposta às exceções (carta emitida pela Segurança Social em 4/02/2015, na sequência de reclamação da A., onde é feito constar que esta entregou tal quantia de €15.741,24 à entidade patronal a título de subsídio de doença, e na qual aquela entidade confirmou que tal verba pertence à Segurança Social);
XXVIII.Estes documentos, apesar de terem sido genericamente impugnados pela R., foram analisados e contextualizados pela A. nas suas declarações de parte, merecedoras de credibilidade, e que não foram contrariados por qualquer outro meio de prova, mas a douta sentença não os valorou, nem sequer os mencionou, o que deveria ter feito, por serem fundamentais para a boa decisão da causa;
XXIX.Quanto à prova testemunhal produzida com relevância para esta matéria, Paula ...... (coordenadas 08:54 a 9:47; 14:58 a 15:50; e 20:40 a 23:02), refere-se à mesma, mas confusamente e sem certezas, o que inclusivamente motivou a intervenção do Mmo. Juiz a quo durante a sua inquirição, pelo que este depoimento não poderá suportar qualquer prova quanto a este facto;
XXX.Já no que toca à Carla ......, nas coordenadas do seu depoimento 02:52 a 04:17; 05:20 a 07:13; 07:45 a 8:41; 09:54 a 11:15; 12:10 a 14:06; e 15:27 a 19:30, afirmou inequivocamente que a quantia em causa "teve a ver com a devolução dum dinheiro que a Dra. Isaltina recebeu da Segurança Social e devolveu à empresa".
XXXI.Esta testemunha referiu-o a instâncias da Mandatária da Recorrente, de forma espontânea e, consequentemente, credível, sendo que numa fase posterior, e a instâncias do Ilustre Mandatário da Recorrida, aludiu a uma alegada política que vigorava na empresa R., nos termos da qual esta pagaria aos seus trabalhadores de baixa médica um "complemento de subsídio de baixa", sendo que este Ilustre Mandatário pretendeu levar a testemunha a concluir - e apenas isso, uma mera conclusão - que se tratava de devolução de "complemento de baixa";
XXXII.No entanto - e, como já tinha ficado demonstrado a propósito na análise do art. 3º do elenco dos factos provados da sentença -, a Recorrente não estava numa situação de verdadeira baixa médica, pelo que esta alegada política social da Recorrida, ainda que existisse, não se podia aplicar a este caso concreto - o que foi, também, afirmado por esta testemunha.
XXXIII.No que toca a Carlos ......, a propósito deste ponto da matéria de facto (coordenadas 26:27 a 28:06), e com a postura que já antes se alegou, referiu que teria participado numa reunião, onde Sacramento ......, presidente do conselho de administração da R., alegadamente lhe terá relatado o que se passou na reunião que antes tivera com a A., na qual lhe terá sido pedida a devolução da verba que a A. havia recebido “a título de salários”;
XXXIV.No entanto, este alegado conhecimento acerca do que se passou na dita reunião é indireto, pois que a testemunha nem sequer esteve presente na ocasião, sendo que quanto ao demais demonstrou comprometimento evidente com a versão da R. nestes autos, pelo que este depoimento não merece qualquer credibilidade, nem deveria ter fundamentado a convicção do Tribunal a quo;
XXXV.Quanto às Declarações de parte da A. quanto a esta matéria (coordenadas 07:03 a 09:17; 09:18 a 09:20; 10:29 a 13:07; 13:14 a 13:50; 26:10 a 27:28; e 32:20 a 33:00).
XXXVI.foram claras, credíveis, explicaram que se encontrava em situação de baixa médica mas esteve a trabalhar e que foi confrontada por Sacramento ......, que lhe solicitou a devolução do que lhe havia sido pago a título de baixa médica;
XXXVII.Após o que, pelos motivos já supra alegados, a A. procedeu à devolução de todo o valor que havia recebido da Segurança Social até àquela data, inclusive faz constar no documento comprovativo da transferência a expressão “Devolução Baixa Médica”;
XXXVIII.Nesta sede a A. abalou, ainda, a credibilidade da testemunha Carlos ......, quando referiu que este não terá sido chamado ao final de qualquer reunião com Sacramento ......, que por isso não relatou a esta testemunha qualquer conversa ocorrida entre Sacramento ...... e a A., demonstrando assim que aquele faltou à verdade;
XXXIX.A A. analisou também, de forma igualmente credível, o teor dos documentos já mencionados a propósito da prova documental que suporta o facto em análise;
XL.Quanto ao art. 11º do elenco dos factos da sentença, entende a A. que a sentença recorrida deveria ter conferido ao mesmo a seguinte redação: "11º A A. entregou à R. o citado montante pois no período referido estava de baixa médica e estava a trabalhar a auferir o respetivo salário mensal".
XLI.Uma vez que se trata, neste ponto, da mesma matéria de facto, a Recorrente dá aqui por integralmente reproduzido todo o supra alegado a propósito dos arts. 3º e 7º dos factos provados da sentença recorrida e dos meios de prova que sobre esta incidiram (documental, testemunhal e declarações de parte da A.), concluindo que estes factos resultam destes concretos meios de prova;
XLII.No que toca aos factos alegados sob o art. 10º da p.i., a Recorrente entende que deveria ser considerado provado, e consequentemente aditado ao elenco dos factos provados, o seguinte: “10º Tal verba de €15.741,24 correspondia à soma de quantias que a A. havia recebido do Instituto de Segurança Social a título de subsídio de baixa médica, situação em que se encontrava desde Outubro de 2008, a saber: i)- Período de 23/10/2008 a 31/10/2008 €1.004,76; ii)- Período de 1/11/2008 a 12/11/2008 €1.339,68; iii)- Período de 13/11/2008 a 12/12/2008 €3.349,20; iv)- Período de 13/12/2008 a 11/01/2009 €3.349,20; v)- Período de 12/01/2009 a 10/02/2009 €3.349,20; vi)- Período de 11/02/2009 a 12/03/2009 €3.349,20, cfr. docs. nos. 6 a 11, que junta e dá por reproduzidos;”
XLIII.Uma vez que a matéria sobre que versa este artigo está diretamente relacionada com a que consta do art. 7º da p.i. e do art. 7º do elenco dos factos provados da sentença, a Recorrente dá por integralmente reproduzido o alegado supra acerca deste ponto da matéria de facto;
XLIV.Quanto aos factos alegados sob o art. 16º da p.i., ou seja, “16º - A R. mantém tal quantia na sua posse, sem qualquer motivo justificativo, porquanto no período referido em 3º desta p.i., a A. esteve a trabalhar para a R., que beneficiou assim dos seus serviços, pelo que deveria pagar, como pagou, a inerente contrapartida;”, entende a A. que deverá, também, ser aditado ao elenco dos factos provados;
XLV.Tal resulta, nomeadamente dos arts. 12º, 14º e 15º do elenco dos factos provados da sentença recorrida, e bem assim, quanto à ausência de motivo justificativo, por parte da R., para manter essa verba na sua posse e não a ter devolvido à A. ou à Segurança Social, tal decorre do facto de a A. estar efetivamente a trabalhar para a R. no período de Outubro/2008 a Maio/2009, e de lhe ser devida, por isso, a respetiva retribuição;
XLVI.E tanto assim é que a Segurança Social, ao constatar este facto, anulou este período de baixa médica e exigiu à A. que devolvesse o subsídio auferido, o que esta não teve alternativa que aceder, pois tais quantias foram descontadas da sua pensão de reforma - tudo cfr. arts. 3º a 6º dados como provados na sentença recorrida;
XLVII.Ora, se a Recorrida beneficiou, neste período, da prestação laboral da Recorrente, o salário que lhe pagou foi devido, pelo que a quantia que a A. peticiona nestes autos, e que entregou à R. para que esta devolvesse à Segurança Social, e uma vez que esta não o fez e se locupletou com a mesma, deverá ser-lhe devolvida;
XLVIII.Ao invés, se a R. fizer seus os €15.741,24 entregues pela Recorrente, tal conduziria a que esta ficasse duplamente penalizada, pois se trabalhou, efetivamente, de Outubro/2008 a Maio/2009 para a R., se devolveu à Segurança Social o respetivo subsídio, e se, a par, entregou igual montante à R., se a sentença não for revogada a Recorrente ficaria privada, simultaneamente, do vencimento e do subsídio de baixa deste período, o que redundaria numa manifesta injustiça;
XLIX.Estas conclusões, e o facto de o art. 16º da p.i. dever ser considerado provado, resultam do que foi já alegado a propósito da matéria constante dos arts. 3º, 7º e 11º do elenco dos factos provados da sentença, e bem assim acerca da matéria constante dos arts. 3º, 10º e 11º da p.i.;
L.Em suma, a Recorrente considera que a sentença recorrida, em sede de motivação da decisão de facto, faz uma incorreta valoração dos meios de prova produzidos, porquanto a concatenação de todos os documentos, depoimentos testemunhais e declarações de parte, imporia que a matéria de facto fosse julgada como supra se requer, e não do modo como o foi;
LI.Desde logo porque se alude à denominada "situação estranha da A. na empresa, uma vez que estava de baixa médica e continuava a auferir salários em conjunto com o subsídio", omitindo a evidência de que a A. estava, efetivamente, a trabalhar;
LII.Estando a A. a trabalhar, e havendo necessidade de regularizar a situação, carece de qualquer sentido que tal fosse pela via da devolução dos salários à R., devendo sê-lo - como foi - pela via da devolução das quantias recebidas a título de baixa médica, pois a Segurança Social foi, neste caso, a entidade realmente defraudada;
LIII.Acresce ainda que, como consta da motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo fundou a respetiva convicção na alegada exigência do Administrador da R. (Presidente do Conselho de Administração da R.) na restituição dos salários indevidamente pagos, o que teria ocorrido numa reunião com a A. após o conhecimento da situação fraudulenta;
LIV.No entanto, esta reunião onde terá ocorrido a exigência de "devolução de salários" foi relatada pela testemunha Carlos ......, mas à qual o mesmo não esteve presente - e foi negada pela A. -, pelo que se trata de um conhecimento indireto, que não deveria ter sido considerado;
LV.A Recorrente discorda, ainda, da desvalorização das suas declarações de parte que é feita em sede da motivação da decisão de facto, onde foi considerado que a A., sendo parte, tem interesse direto na causa, que estas declarações só devem ser valoradas quando corroboradas fortemente por outro meio de prova ou que sejam de tal forma credíveis que não permitam formular outra conclusão, considerando que, ao decidir deste modo, a sentença recorrida violou o Art. 466º do C.P.C.;
LVI.Ou seja, não sendo unânime o modo de valoração das declarações de parte, a Jurisprudência maioritária tem considerado este meio de prova de modo substancialmente diferente do da sentença recorrida;
LVII.Nomeadamente, no estudo do Juiz Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, “As Declarações de Parte. Uma Síntese”, de Abril de 2017, a cujas conclusões a Recorrente adere, é preconizado, em suma, que (i) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (ii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente.(…)
(…) entendemos que a posição mais correta radica na tese mais ampla e permissiva sobre a potencialidade e centralidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz (…) repudiamos o prejuízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de parte, sendo infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte.
LVIII.Não obstante o supra alegado, cumpre sublinhar que, ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, as declarações de parte da A. foram, pelo menos parcialmente, e quanto à matéria fulcral para a boa decisão da causa, efetivamente corroboradas por outros meios de prova produzidos no processo;
LIX.Nomeadamente, e dando por reproduzida a análise da prova que supra é feita nestas alegações, conclui-se que os documentos juntos pela A. à p.i. e à resposta às exceções, nomeadamente as comunicações e documentos emitidos pela Segurança Social e o documento de depósito a favor da R., corroboram os valores que alegou ter devolvido;
LX.Por seu turno, os depoimentos das testemunhas Paula ...... e Carla ...... corroboram o facto de a A. estar a trabalhar para a R. no período em que recebeu cumulativamente salário e subsídio de baixa médica, sendo que ambas reconheceram que a situação da A. era diferente de uma baixa comum, de qualquer outro trabalhador da R.;
LXI.A par, a testemunha Carla ...... também confirmou que a A. sempre referiu, desde junho/2009, que estava a devolver subsídio de baixa médica, e não salários.
LXII.Quanto à fundamentação de direito, a Recorrente naturalmente que não pode concordar com a constante da douta sentença recorrida pois, sendo dado como provada, além da matéria constante dos arts. 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 9º, 14º e 15º do elenco da sentença, os arts. 3º, 7º e 11º da mesma, mas na redação que lhes é dada nesta alegação, e por fim se for aditada a matéria constante dos arts. 10º e 16º da p.i., tal conduzirá à prova de que a R. se locupletou à custa do empobrecimento da A., e que estão cumulativamente preenchidos os requisitos do enriquecimento sem causa e, consequentemente, da obrigação de restituição – Art. 473º, nº 1 do C.C.;
LXIII.A Recorrente lançou mão deste instituto, que tem natureza subsidiária, porquanto a lei não lhe faculta outro meio para, na qualidade de empobrecida, ser indemnizada ou restituída pelas quantias de que despendeu a favor da R. – Art. 474º do C.C.;
LXIV.Ao decidir do modo como fez, a douta sentença recorrida, além do mais já supra alegado, incorreu também em violação dos Arts. 473º e 474º do Código Civil.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a ação procedente, por provada, e, consequentemente, condene a Recorrida a restituir à A. a quantia global de €16.225,98, sendo €15.741,24 correspondente ao enriquecimento da R., e consequente empobrecimento da A., acrescida da quantia de €484,74 a título de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a notificação judicial da R., bem como dos vincendos, até efetivo e integral pagamento.

A apelada contra-alegou, e, subsidiariamente, ampliou o objeto do recurso, formulando, quanto a esta parte, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

Da Ampliação do objeto do recurso: a nulidade da sentença por omissão de pronúncia
QQQ.-Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 636º do Código do Processo Civil, vem a Apelada requerer, a título subsidiário, e para o caso de o recurso interposto pela Apelante vir a ser julgado procedente, a declaração de nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto às exceções invocadas pela Recorrida em sede de contestação.
RRR.-Na contestação apresentada, a Apelante defendeu-se por exceção, tendo para o efeito invocado (i)- a prescrição de créditos salariais, nos termos do art. 337 do Código do Trabalho; e caso se considerasse que tal não era aplicável (ii)- a prescrição do direito a recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa.
SSS.-O Tribunal a quo na sentença proferida, a qual veio a ser favorável à Apelada, não se pronunciou quanto à defesa por exceção invocada pela mesma em sede de contestação.
TTT.-Nos termos do art. 615º, n. 1, alínea d) do C.P.C., é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
UUU.-O Tribunal a quo devia ter-se pronunciado quanto às exceções invocadas pela Apelada, pelo que não o tendo feito, a sentença proferida é nula, vício que expressamente se argui e que terá de ser corrigido pelo Tribunal ad quem através da pronuncia quanto ao mérito das exceções invocadas.
VVV.-Assim, e sendo a sentença proferida declarada nula por omissão de pronúncia,  deverá a exceção perentória extintiva por prescrição do alegado crédito da Apelante ser julgada procedente por provada, quer por via da prescrição do crédito laboral por ultrapassagem do prazo de um ano, quer por via da prescrição da possibilidade de recurso ao instituto do enriquecimento sem causa.
WWW.-Termos em que deverá o recurso interposto pelo Apelante ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Termina pedindo que se julgue o recurso interposto pela apelante improcedente por não provado. Subsidiariamente, e na hipótese de o recurso ser julgado procedente, requer a ampliação do objeto do recurso com a declaração de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

A apelante respondeu, sustentando que as exceções deduzidas na contestação devem ser julgadas improcedentes, por não provadas.

QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
a)-impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b)-do alegado enriquecimento sem causa da apelada.

AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
a)-Nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia;
b)-da prescrição dos créditos laborais;
c)-da prescrição do crédito resultante do enriquecimento sem causa.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
     
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
-Correu termos entre a A. e a R. ação de processo ordinário nº 1723/10.1TVLSB, que correu termos pela então 9ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, na qual foi proferida a douta sentença datada de 3/10/2012, doc. nº 1, a qual foi confirmada por douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa datado de 2/05/2013, já transitado em julgado – doc. nº 2;
-A douta decisão proferida em 1ª Instância ordenou que “Atenta a matéria de facto provada sob os nºs. 31 a 33, 81, 86 a 88, 96, 98 e 99 da sentença que se segue, extraia certidão da sentença e, independentemente do trânsito da mesma, remeta ao Instituto da Segurança Social para os efeitos tidos por convenientes”;
-Na sequência de tal comunicação, na data de 4/12/2012, a A. foi notificada pelo Instituto da Segurança Social de que o período de baixa médica de que havia beneficiado, compreendido entre outubro de 2008 e maio de 2009, havia sido anulado – doc. nº 3;
-Foi-lhe solicitado por aquele Instituto que procedesse à devolução dos subsídios de baixa médica que lhe haviam sido processados a tal título.
-O que a A. vem fazendo, por desconto mensal na respetiva pensão de reforma – doc. nº 4;
-Sendo que, no período compreendido entre 16/03/2013 e 15/06/2016, a A. já restituiu à Segurança Social a quantia de €28.180,80, em mensalidades de €704,52.
-Sucede que a A., na data de 5/06/2009, já havia procedido à entrega à R. de valores que havia recebido a título de salários.
-Fê-lo na sequência de exigência que lhe foi dirigida pelo então Presidente do Conselho de Administração da R., José ......;
-Com efeito, na citada data, e por transferência para a conta bancária titulada pela R. no então BES, a A. entregou-lhe a quantia de €15.741,24 (€15.741,24 + €1,87 despesas bancárias = €15.743,11) – doc. nº 5;
11º-[1] A A. entregou à R. o citado montante, pois no período referido estava de baixa médica, mas continuou a auferir vencimento, sem estar ao serviço;
12º-A Autora solicitou-lhe que devolvesse o valor de €15.741,24 recebido pela R. em 5/06/2009, ou a ela, A., ou diretamente à Segurança Social;
14º-[2] Nomeadamente, notificou-a judicialmente para tal efeito – doc. nº 12;
15º-Mas a R. recusou e nada fez.
*

Nos termos do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 663º, nº 2, do mesmo diploma legal, adita-se à factualidade provada o seguinte facto:
16º-A notificação a que se alude em 14º ocorreu no dia 8.10.2015, conforme certidão de notificação avulsa junta a fls. 50 dos autos.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1.A apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que seja alterada a redação dos pontos 3, 7 e 9 dados como provados e aditados outros dois factos por si alegados.
A apelante deu cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC (ao contrário do que sustenta a apelada), pelo que cumpre apreciar e decidir depois de analisados os documentos juntos aos autos e ouvida a prova produzida em audiência de julgamento.
1.1.-O tribunal recorrido deu como provado que “3. Na sequência de tal comunicação [3], na data de 4/12/2012, a A. foi notificada pelo Instituto da Segurança Social de que o período de baixa médica de que havia beneficiado, compreendido entre outubro de 2008 e maio de 2009, havia sido anulado – doc. nº 3”.
O tribunal recorrido motivou a decisão sobre (toda) a matéria de facto dada como provada nos seguintes termos: “O Tribunal formou a sua convicção com base no teor de todos os documentos apresentados pelas partes como meio de prova, concatenado com o teor conjugado dos depoimentos das testemunhas, todas estas funcionários da Ré, que afirmaram ao tribunal que se murmurava, no local de trabalho, acerca da situação estranha da Autora, na empresa, uma vez que estava de baixa médica e continuava a auferir salários em conjunto com o subsídio, sendo relevante, na formação da convicção do julgador, de que o Administrador da Ré, em reunião com a Autora, tomando conhecimento da situação fraudulenta, exigiu a restituição dos salários indevidamente pagos, ao contrário do que afirmou a Autora em declarações de Parte, foi a testemunha Carlos ......, que soube, numa reunião de 21 de Maio de 2009, que a Autora estava de baixa médica, através da Diretora dos Recursos Humanos. Quanto às declarações de parte, apesar de serem um meio de prova legalmente admitido na recente reforma do Código de Processo Civil de forma, designadamente, a possibilitar às partes que não tivessem outro meio de prova a possibilidade de fazerem prova, na sua apreciação crítica tem de se pesar sempre que quem as presta é a parte e não um terceiro sem interesse direto na causa, e só devem ser decisivamente valoradas quando corroboradas fortemente por outro meio de prova ou sejam de tal forma credíveis que não permitam formular outra conclusão, pelo que as declarações de parte do Autor, apenas foram valoradas quando não opostas, e nessa parte, aos meios de prova supra considerados que permitiram formar convicção no sentido dos factos provados.”.
Pretende a apelante que seja alterada a redação deste ponto de facto, devendo passar a constar que “3º Na sequência de tal comunicação, na data de 4/12/2012, a A. foi notificada pelo Instituto de Segurança Social de que o período de baixa médica de que havia beneficiado, compreendido entre outubro de 2008 e maio de 2009, quando se encontrava ainda ao serviço da R.,havia sido anulado", conforme por si alegado na PI, e porquanto:
- a expressão que se pretende ver aditada foi admitida por acordo;
- tal decorre do doc. 1 junto com a PI, e do doc. junto com a resposta às exceções, ambos emitidos pelo centro distrital da Segurança Social, que, apesar de impugnados, deviam ter sido ponderados atenta a entidade emitente, e dos quais consta a data em que ocorreu o despedimento (no 1º), e que houve acumulação de recebimento de remuneração com subsídio de doença (no 2º);
- nesse sentido depuseram as testemunhas Paula ...... e Carla ......;
- o depoimento da testemunha Carlos ...... foi parcial, referiu-se a documentos não juntos aos autos, tentando denegrir a imagem da apelante, demonstrou, apenas conhecimento indireto dos factos, e acabou por cair em contradições, devendo, pois, ser desvalorizado;
- a apelante prestou declarações de parte dando um contributo decisivo para a descoberta da verdade, devendo merecer plena credibilidade e serem valoradas, sendo a posição do tribunal recorrido quanto às mesmas contrário à posição maioritária da jurisprudência e de doutrina que indica;
- em todo o caso, as referidas declarações de parte foram corroboradas pelos documentos e testemunhas referidos.

Vejamos.

A apelante pretende aditar ao facto impugnado a expressão “quando se encontrava ainda ao serviço da R.”, atribuindo-lhe um duplo sentido, ou seja, o de que o seu contrato de trabalho ainda se mantinha em vigor (porque só foi despedida em 30.11.2009), e o de que, no período referido, a A. estava a trabalhar efetivamente, comparecendo para esse efeito no seu local de trabalho.
Ora, o tribunal deve abster-se de dar como provados factos que não tenham um sentido claro, que se prestem a mais do que uma interpretação, o que logo à partida determina que não se adite ao facto impugnado o trecho pretendido.
Em todo o caso, e porque o mencionado facto reproduz o art. 3º da PI, resulta inquestionável que o que foi alegado o foi no primeiro dos referidos sentidos, ou seja, o de que o período de baixa em causa ocorreu enquanto a A. era ainda trabalhadora da R.
Ora, nos presentes autos não está em discussão se a A., no período compreendido entre outubro de 2008 e maio de 2009, era trabalhadora da R., sendo questão que não foi por qualquer das partes suscitada nos autos [4].
O que está em discussão nos autos é saber a que título a A. entregou à sua entidade patronal, em 5.6.2009, o montante de €15.741,24, e se tem direito à devolução desse montante, por enriquecimento sem causa da apelada.
Improcede, pois, a pretensão da apelante, mantendo-se inalterada a redação do ponto 3 da fundamentação de facto.

1.2.-O Tribunal recorrido deu como provado que: “7º Sucede que a A., na data de 5/06/2009, já havia procedido à entrega à R. de valores que havia recebido a título de salários”.
Pretende a apelante que seja alterada a redação do ponto 7 dado como provado, passando a ter-se como provado que "7º Sucede que a A., na data de 5/06/2009, já havia procedido à entrega à R. de valores que havia recebido da Segurança Social a título de subsídio de baixa médica".

Fundamenta a sua pretensão nos seguintes termos:
- resulta dos docs. 6 a 11 juntos com a PI que a soma das parcelas recebidas pela A. da segurança social desde o início do período de baixa, em outubro de 2008, até 5.6.2009, totaliza, exatamente, o valor que, nesta data, devolveu à apelada;
- do doc. 5 junto com a PI também resulta, das palavras manuscritas, que o depósito efetuado respeitava à devolução das quantias recebidas a título de subsídio de baixa médica, e que essa era a convicção da apelante;
- também resulta da carta da Segurança Social de 4.2.2015 junta com o articulado de resposta às exceções, que a A. entregou a quantia de €15.741,24 à R. a título de subsídio de doença;
- esta factualidade resultou demonstrada pelo depoimento da testemunha Carla ...... que declarou inequivocamente que a apelante devolveu à R. um dinheiro que recebeu da Segurança Social, devendo ser desvalorizados os depoimentos da testemunha Paula ......, que foi confuso e sem certezas nesta matéria, e Carlos ......, pelas razões anteriormente referidas;
- as declarações de parte da A. foram esclarecedoras e credíveis nesta matéria, tendo analisado os documentos referidos também de forma credível.

Pronuncia-se a apelada no sentido da improcedência da pretensão da apelante.

Comecemos por dizer que a convicção do tribunal sobre a factualidade provada e não provada há de resultar do conjunto das provas produzidas (no caso, testemunhal, documental, e declarações de parte), e da ponderação conjugada que das mesmas se faça, à luz das regras da experiência, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso.

A convicção no plano judiciário não corresponde a uma certeza absoluta, mas apenas a uma mera “persuasão do julgador formada a partir de um certo número de provas, provas essas que, à luz de uma comum e experiente perspetiva, fazem crer numa certa realidade” (cfr. Manso Rainho, Decisão da Matéria de Facto – Exame Crítico das Provas, Sep. da Revista do CEJ, I semestre 2006, nº 4).

Como ensinava Vaz Serra, no BMJ, Ano 110, pág. 82, “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza acerca dos factos a provar (…), o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”.

Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª ed. págs. 435 e 436, escrevia que “a demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)”, acrescentando que “A prova visa apenas, de acordo com critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”.

No que à prova testemunhal respeita, os depoimentos não podem ser ponderados de forma compartimentada, mas na sua globalidade, tanto mais que, por vezes, aquilo que uma testemunha diz só é perfeitamente compreensível com os esclarecimentos que vai dando ao longo do mesmo, e a sua ponderação e análise tem de ser feita, também, no cotejo com os depoimentos das restantes testemunhas e com a demais prova junta aos autos, nomeadamente documental.

No que respeita à prova por declarações de parte, o NCPC veio consagrar expressamente este novo meio de prova, a incidir “sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto” (nº 1 do art. 466º), estando a parte obrigada a cooperar na descoberta da verdade, e prestando juramento antes de começar as suas declarações (arts. 417º e 459º, aplicáveis ex vi do nº 2 do art. 466º), apreciando o tribunal livremente as declarações prestadas pela parte, salvo se as mesmas constituírem confissão (nº 3 do art. 466º).

A posição da doutrina e da jurisprudência sobre este meio de prova não tem sido unânime, como de forma exaustiva se analisa no Ac. desta Relação de 26.4.2017, P. 18591/15.0T8SNT.L1-7, em que foi relator o, ora, 2º adjunto, Luís Filipe Pires de Sousa, consultável em www.dgsi.pt, para o qual se remete.
Por ser parte, não deve o tribunal, à partida, desacreditar as declarações que presta, o que significaria postergar a disciplina do art. 466º do CPC, antes devendo valorizar a forma como as presta, a coerência e verosimilhança do declarado, tendo em conta a situação concreta e as regras da experiência, no confronto com a demais prova produzida.
Feitas estas considerações preliminares, apreciemos.
Ouvidos os depoimentos das testemunhas Paula ......(assessora financeira), Carla ...... (técnica de contabilidade), e Carlos ...... (gestor/administrador), todos funcionários da R. e/ou das empresas do grupo, nenhum reparo nos suscitam em termos de isenção e imparcialidade [5], nessa medida não perfilhando as críticas que a apelante faz ao depoimento das testemunhas, que se mostrou esclarecedor, e foram coerentes entre si.
Também as declarações de parte da A. se nos afiguraram esclarecedoras, não estando, necessariamente, em contradição com os referidos depoimentos, como melhor esclareceremos, e tendo sustentação na documentação junta aos autos.
Do depoimento das testemunhas referidas resulta que o valor entregue pela A. à R. em 5.6.2009 foi uma devolução de salários, mas associada ao regime de complemento do subsídio de baixa que funcionava na R.
Explicaram todas as referidas testemunhas que era política da R. comparticipar com 35% do ordenado nos primeiros 3 meses de baixa, na medida em que o trabalhador recebia o subsídio da Segurança Social correspondente a 65% do ordenado.
Contudo, a R. adiantava a totalidade do “vencimento” até o trabalhador receber o subsídio de doença da segurança social, devolvendo-lhe, depois, o trabalhador tais quantias assim que recebiam o subsídio da segurança social.
No caso, à A. foram pagos os vencimentos na totalidade, durante todo o referido período de baixa, ou seja, de outubro de 2008 a maio de 2009, sem que a mesma tivesse entregue qualquer montante recebido da segurança social até ser confrontada com a situação pelo Sr. Sacramento ...... .
Referiu a testemunha Paula ...... que a A. foi confrontada para devolver os vencimentos que tinha recebido enquanto esteve de baixa, o que a A. fez com a referida transferência, desconhecendo se correspondiam ou não à totalidade dos vencimentos recebidos nesse período.
No mesmo sentido depôs a testemunha Carlos ......, que esclareceu que a A. não devolveu a totalidade dos salários.
É certo que nenhuma das testemunhas presenciou a reunião entre o Sr. Sacramento ...... e a A. em que foi feito tal pedido [6], mas ambas referiram que foi isso que lhes foi transmitido por aquele.
Acresce que a testemunha Carlos ...... esclareceu que só souberam que a A. estava de baixa a posteriori, só pouco antes daquela reunião tomou conhecimento, através da Dra. Sandra ......, diretora dos Recursos Humanos, que a A. estava de baixa e a receber há vários meses o salário por inteiro (do que aquela o questionou por achar estranho não estar a ser seguido o procedimento habitual na empresa), e, por isso, numa reunião do CA em que estava a testemunha, um tal Carlos ......, a arquiteta Patrícia ......, e a A., perguntaram-lhe se era verdade tal situação, o que a mesma confirmou (tendo-lhe a referida arquiteta [7] dito para corrigir imediatamente a situação), após o que foram verificar se era verdade, constatando que, de facto, a A. estava a receber o salário por inteiro e as ajudas de custo e não tinha devolvido nada do que tinha recebido da segurança social conforme era prática da empresa, dando, de seguida, nota ao Sr. Sacramento ...... do que se estava a passar, que pediu para examinar algumas contas da empresa, após o que fez a referida reunião com a A.
Nesta conformidade, afigura-se-nos credível o depoimento da testemunha Carlos ...... de que, após a dita reunião entre o Sr. Sacramento ...... e a A., aquele chamou a testemunha e, na frente da A., lhe transmitiu, “para que fosse testemunha”, que a A. tinha dito que ia pagar os salários que tinha recebido e que ia pedir a demissão, o que tinha aceite.
Por outro lado, a testemunha Carla ......, que, nesse período vinha processando os vencimentos à A. como complemento de baixa, declarou que desconhecia se foi ou não pedido à A. para devolver aqueles, mas quando recebeu desta o documento da transferência junto a fls. 46 dos autos, fez contas no sentido de abater esse montante ao complemento de baixa que a A. tinha recebido da R.
E atuou dessa forma, não porque alguém lhe tivesse dito para o fazer, mas atenta a descrição manuscrita pela A. que constava do mesmo, explicando que recebendo a A. complemento de baixa (correspondente ao vencimento na totalidade), o que foi recebido foi abatido ao complemento de baixa.
Afirmou esta testemunha que o dinheiro transferido pela A. para a R. “teve a ver com a devolução de um dinheiro que recebeu da segurança social e que devolveu à empresa”, na lógica do que era habitual acontecer na empresa.
Analisando o mencionado documento - doc. 5 junto com a PI -, verifica-se que do mesmo constam, manuscritas, as seguintes palavras “Devolução Sub. Bx”, feitas pelo punho da A., como a mesma reconheceu em sede de declarações de parte, e a testemunha Carla ...... também confirmou.
O montante depositado corresponde ao montante alegadamente recebido pela A. a título de subsídio de doença até ao momento em que fez a transferência para a R.
Os docs. 6 a 11 juntos com a PI respeitam a “detalhe de pagamento” dos subsídios de doença emitidos pela Segurança Social em nome da A., e a sua soma totaliza, efetivamente, €15.741,24, ou seja, montante igual ao depositado pela A. na conta da R. em 5.6.2009.
É certo que desses documentos resulta que os montantes em causa pagos pela Segurança Social respeitam ao período compreendido entre 23.10.2008 e 12.3.2009, e não até final de maio de 2009, resultando da carta da Segurança Social de 4.2.2015 junta a fls. 221 dos autos que o subsídio de doença auferido pela A. de 20.10.2008 a 30.5.2009 foi de €24.672,40, mas a A. referiu que as prestações por doença não eram pagas pontualmente, e que quando fez a transferência era aquele o montante que tinha sido pago até à data, o que é coerente com a prática nesta matéria.
Em conclusão do que se deixa escrito, resulta da ponderação conjugada de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência e ponderadas as circunstâncias concretas, que a A., confrontada pelo Sr. Sacramento ...... da situação que se verificava, devolveu o valor que, até então, havia recebido da segurança social, para “abater” aos valores indevidamente recebidos da R. como complemento de baixa.
Procede, pois, a pretensão da apelante, devendo alterar-se o ponto 7 da fundamentação de facto em conformidade, passando a ter a seguinte redação: “Sucede que a A., na data de 5/06/2009, já havia procedido à entrega à R. de valores que havia recebido da Segurança Social a título de subsídio de baixa médica".

1.3.-O tribunal recorrido deu como provado que “11º- A A. entregou à R. o citado montante, pois no período referido estava de baixa médica, mas continuou a auferir vencimento, sem estar ao serviço”.
Insurge-se a apelante contra o decidido, pretendendo que seja alterada a redação do ponto 11 dado como provado, passando a ter-se como provado que “A A. entregou à R. o citado montante pois no período referido estava de baixa médica e estava a trabalhar a auferir o respetivo salário mensal”.
A fundamentar a sua pretensão, deu “por integralmente reproduzido todo o supra alegado a propósito dos arts. 3º e 7º dos factos provados da sentença recorrida e dos meios de prova que sobre esta incidiram (documental, testemunhal e declarações de parte da A.)”.

Ao contrário do sustentado pela apelada, ao dar por reproduzida a impugnação antecedente (e sendo certo que os factos em causa estão relacionados, e a questão aqui tratada foi anteriormente abordada) tem de entender-se que cumpre os ónus que a lei lhe impõe, uma vez que os meios de prova indicados e os fundamentos da impugnação foram devidamente especificados.
Ou seja, a apelante pretende a alteração da redação do ponto de facto impugnado nos termos referidos porquanto resulta do doc. 3 emitido pela Segurança Social em 4.12.2012, junto a fls. 297, da carta de 4.12.2015 da Segurança Social, junta a fls. 221/222, do depoimento das testemunhas Paula ...... e Carla ...... (devendo ser desvalorizado o depoimento da testemunha Carlos ...... nos termos suprarreferidos), e das declarações de parte da A., que durante o período em que esteve de baixa médica (outubro de 2008 a maio de 2009) esteve a trabalhar.
Sustenta a apelada a improcedência da pretensão da apelante.
Apreciemos, adiantando que a pretensão da apelante tem, necessariamente, de proceder.
Resulta dos autos que durante o período em que a A. esteve de baixa (outubro de 2008 a maio de 2009) esteve a trabalhar.
Aliás, foi precisamente por ter resultado provado no processo mencionado em 1 da fundamentação de facto que a A. esteve a trabalhar naquele período de baixa, que na sentença proferida naquele processo se determinou a extração de certidão da sentença e remessa ao ISS para os efeitos convenientes – doc. 1 junto com a PI [8].
Por outro lado, foi com o fundamento de a A. “ter exercido atividade profissional no período de incapacidade temporária para o trabalho (alínea c) do nº 1 do art. 24º)” que a Segurança Social informou a cessação do subsídio de doença atribuído à A. (doc. 3 de fls. 297), e veio a exigir a restituição do subsídio de doença indevidamente pago no referido período no montante de €24.672,40 (doc. de fls. 221/222).
Conforme resulta da fundamentação de facto, foi na sequência da notificação da decisão proferida em 3.10.2012 no P. 1723/10.1TVLSB, que a segurança social notificou a A. de que o período de baixa médica de que havia beneficiado entre outubro de 2008 e maio de 2009 havia sido anulado, e lhe veio a pedir o reembolso dos montantes pagos a tal título.

Na referida sentença determinou-se a remessa de certidão da mesma à segurança social “atenta a matéria de facto provada sob os nºs 31 a 33, 81, 86 a 88, 96, 98 e 99”, ou seja:
31-A Autora esteve em situação de incapacidade para o trabalho, por baixa médica, desde outubro de 2008 (…);
32-Apesar dessa situação, a mesma, desde outubro de 2008 a maio de 2009, recebeu mensalmente e de forma cumulativa o subsídio de doença da Segurança Social e a remuneração que lhe era paga pela ré B (…);
33-A autora devolveu à ré B, em junho de 2009, a quantia de Euros 15.741,24, o que fez depois de ter sido confrontada pelo, à data, Presidente do CA da mesma ré, Sr. Sacramento (…);
81-Os pagamentos da remuneração referidos em 32 foram ordenados pela própria autora (…);
86-As remunerações recebidas pela autora conforme referido em 32 foram pagas nas seguintes datas e pelos valores que se indicam (antes do abatimento do IRS): a)- em 29.10.2008, €2,418; b)- em 25.11.2008, €5.273; c)- em 26.12.2008, €5.273;  d)- em 27.1.2009, €5.273;  e)- em 25.2.2009, €5.273;  f)- em 27.3.2009, €5.273; g)- em 28.4.2009, €5.273;  h)- em 26.5.2009, €5.273;  (…);
87-Caso a autora tivesse recebido o complemento do subsídio de doença apenas durante 3 meses teria recebido as seguintes quantias: a)-em 29.10.2008, €846,30; b)-em 25.11.2008, €1.845,55; c)- em 26.12.2008, €1.845,55 (…);
88-A autora recebeu o subsídio de Natal por inteiro (…);
96-Apesar da baixa médica referida em 31 a autora esteve a trabalhar diariamente durante o período mencionado em 32 (…);
98-No período referido em 32 a autora recebeu da Segurança Social 65% dos €5.273 declarados no recibo do salário (…);
99-A autora procedeu à devolução referida em 33, contra a sua vontade e por ordem expressa deste último (…)”.
Nesta ação, intentada pela A. contra a, aqui, R. e outras sociedades do grupo, pedindo, para além do mais [9], o pagamento de várias quantias a título de remunerações pelo exercício do cargo de administradora no ano de 2008, a R. deduziu reconvenção, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe, para além do mais, a quantia de “€20.104,96, a título de remunerações indevidamente recebidas durante o período em que a Autora esteve a receber o subsídio de doença, acrescendo juros desde o seu pagamento”, a qual veio a ser julgada improcedente, por não provada, com a seguinte fundamentação: “… No que tange às remunerações indevidamente recebidas, os factos pertinentes são os enumerados sob 31 a 33, 113, 79 a 81, 86 a 88, 96, 98 e 99. Dos mesmos resulta que a Autora, perante a Segurança Social, apresentou-se como estando com incapacidade para o trabalho, razão pela qual recebeu o subsídio correspondente entre outubro de 2008 e maio de 2009. Contudo, a Autora – apesar da situação formalizada perante a Segurança Social – esteve a trabalhar diariamente durante o referido período (96). Daqui resulta que o vencimento pago pela Ré à Autora correspondeu a um sinalagma efetivo e real, ou seja, a Autora trabalhou cabia-lhe receber o vencimento, o que aconteceu. O que a Autora não podia e não devia fazer era, ao mesmo tempo, receber subsídio por doença da segurança social. Desta forma, não cabe à Ré obter a devolução da quantia paga por uma prestação efetiva de trabalho que recebeu. A Segurança Social é que tem direito à devolução de verbas que pagou indevidamente a quem trabalhava, no pressuposto errado de que estava incapacitada para trabalhar – cfr. Artigos 24-1-c e 30º do Decreto-Lei nº 28/2004, de 4.2, e artigos 1º e 4-1 do Decreto-Lei nº 133/88, de 20.4. Termos em que deve improceder este pedido reconvencional”.
Dispõe o art. 619º do CPC que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º” (artigos estes que se referem ao recurso extraordinário de revisão).
E o art. 621º explicita que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.
O caso julgado material a que se reporta o art. 619º tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e por isso não pode ser alterado em qualquer ação nova que porventura se proponha sobre o mesmo objeto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir.
Para que o caso julgado se imponha fora do processo, vinculando o juiz e as partes, é indispensável que concorram os requisitos do art. 581, nº 1 do CPC, isto é, que entre a ação em que se formou o caso julgado e a ação em que se pretende fazer projetar a sua eficácia se verifiquem as três identidades previstas no artigo citado: sujeitos, pedido e causa de pedir.
O caso julgado material pode funcionar como autoridade ou como exceção.
Como autoridade implica a aceitação da decisão proferida, estando-lhe inerente a ideia de estabilidade, imutabilidade.
Como exceção obsta a que outro tribunal possa definir em termos diferentes, ou iguais, o direito concreto aplicável à relação material objeto do litígio.
A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, entendendo-se que a aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele.
A este propósito refere Miguel Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 578, que “como a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
Em conclusão, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa, o que se verifica no caso sub judice.
E conforme se sumariou no Ac. do STJ de 15.1.2013, P. nº 816/09.2TBAGD.C1.S1 (Fernandes do Vale), em www.dgsi.pt, “O alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos definidos nos arts. 497º e segs. do CPC [10] para a exceção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam, notoriamente, presentes” (sublinhado nosso) [11].
No caso em apreço não se verificam os requisitos de identidade do pedido e da causa de pedir, mas verifica-se, seguramente, a identidade de sujeitos, limitada aos intervenientes nesta ação, e verifica-se a autoridade de caso julgado relativamente à questão da A. ter estado a trabalhar no período em que esteve de baixa – outubro de 2008 a maio de 2009 -, que foi o pressuposto fático e fundamento de improcedência do pedido reconvencional deduzido pela R. naquela ação.
Nesta medida, resulta assente, por força da autoridade de caso julgado, que durante o período em que aquela esteve de baixa, de outubro de 2008 a maio de 2009, esteve a trabalhar.
Sempre se acrescenta, porém, que tal factualidade resultou do depoimento das testemunhas Paula ......, Carla ......, e Carlos ......, que disseram que a A. se encontrava diariamente no seu local de trabalho, embora durante um período inferior de horas [12], sendo, também, nesse sentido as declarações de parte da A.
Em conclusão, procede, necessariamente, a pretensão da A., devendo alterar-se o ponto 11 da fundamentação de facto, que passa a ter a seguinte redação: “11º- A A. entregou à R. o citado montante, pois no período referido estava de baixa médica, mas continuou a auferir vencimento, e estava a trabalhar”.

1.4.-Pretende, por último, a apelante que à factualidade provada sejam aditados os factos alegados nos arts. 10º [13] e 16º [14] da PI, por serem relevantes para a decisão da causa, e resultarem provados, o 1º, pelos motivos invocados aquando da impugnação da decisão sobre o ponto 7, e com o mesmo relacionado, o 2º, em coerência com a factualidade dada como provada nos pontos 12, 14 e 15, e 3 a 6.
Não lhe assiste razão, porquanto o alegado no art. 10º é facto instrumental que apenas serviu de apoio à formação da convicção acerca do ponto 7 dado como provado, e nessa circunstância foi referido na motivação, o alegado no art. 16º, tem natureza claramente conclusiva, que se prende com o mérito da ação.
Não procede, pois, nesta parte, a pretensão da apelante.
*

Foram alterados os pontos 7 e 11 da fundamentação de facto, que passaram a ter a seguinte redação:
7º-Sucede que a A., na data de 5/06/2009, já havia procedido à entrega à R. de valores que havia recebido da Segurança Social a título de subsídio de baixa médica.
11º-A A. entregou à R. o citado montante, pois no período referido estava de baixa médica, mas continuou a auferir vencimento, e estava a trabalhar.
*

2.Fixada a factualidade provada, apreciemos de mérito.
Apoiada na peticionada alteração da factualidade provada, sustenta a apelante a procedência da ação, com base no enriquecimento sem causa da R., em que alicerçou o seu pedido.
O enriquecimento sem causa, previsto nos arts. 473º e ss. do CC, constitui uma fonte autónoma de obrigações, e assenta na ideia de que nenhuma pessoa deve locupletar-se, enriquecer, à custa de outrem.
Estabelece o referido art. 473º que “1-Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2-A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
Para que exista a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa, têm de verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos:
- a existência de um enriquecimento – entendido como a obtenção de uma vantagem [15] pela pessoa obrigada à restituição, seja qual for a forma que essa vantagem revista (aumento do ativo patrimonial, diminuição do passivo, uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio, poupança de despesas...);
-a falta de causa justificativa desse enriquecimento – a deslocação patrimonial não tem causa justificativa se não existir uma relação ou facto que legitime o enriquecimento à luz dos princípios aceites pelo sistema;
- que esse enriquecimento seja obtido à custa de outrem - ou seja, à vantagem alcançada por um corresponde o sacrifício económico correspondente suportado pelo outro, ou a privação do aumento do património deste [16];
Nos termos do artigo 474º do CC, a ação baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação [17].

Como explica Almeida Costa, na ob. cit., pág. 502, o empobrecido “apenas poderá recorrer à ação de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos. Sempre que exista uma ação normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado.” E mais à frente, na pág. 503, refere que “à inexistência da ação normalmente adequada equipara-se a circunstância de esta não poder ser exercida em consequência de um obstáculo legal (ex: prescrição do direito de indemnização – cfr. o art. 498º, nº 4), ou de não poder sê-lo utilmente por razões de facto “maxime” a insolvência do devedor)”, observando que “a falta de outro meio jurídico pode ser originária ou superveniente”.
De acordo com o art. 479º do CC, a obrigação de restituir no âmbito do enriquecimento sem causa não visa reparar qualquer dano do lesado, sendo seu único fim suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa do outro.

Em anotação ao art. 473º do CC, Júlio Gomes, no Comentário ao CC, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCE, pág. 250/251, escreve que, da articulação entre os arts. 473º e 479º, parece “poder concluir-se que a nossa lei utiliza tanto o conceito de enriquecimento real, como o de enriquecimento patrimonial (…), mas o objeto da restituição é o enriquecimento real, funcionando o enriquecimento patrimonial como o limite da obrigação de restituir, quando e enquanto o enriquecido está de boa-fé. Por outras palavras, deve ser restituído o que tiver sido «indevidamente recebido» (ou recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito  que não se verificou, como afirma o nº 2 do artigo 473º) e a nossa lei parte do primado da restituição natural. Em sede de restituição natural parece-nos (…) que nem sequer se coloca a questão do valor patrimonial. Esta põe-se com acuidade quando se transita para a restituição em valor ou por equivalente. Aqui é que importa proteger o enriquecido de boa-fé e a sua obrigação de restituir não deverá exceder o seu enriquecimento patrimonial (o valor a mais no seu património), tendo em conta, por exemplo, uma eventual poupança de despesas necessárias. … A restituição fundada no enriquecimento sem causa não visa a reparação de um dano e não é uma modalidade menor (…) de responsabilidade civil: o ordenamento não reage aqui contra uma perda patrimonial que pode nem sequer existir, mas contra a obtenção de algo que de acordo com o próprio ordenamento deveria caber a outrem …”.
Retomando ao caso em apreço, terá de concluir-se, atenta a factualidade provada fixada nesta instância, que se verifica um enriquecimento ilegítimo da R. à custa de um correspondente empobrecimento da A., sem causa justificativa.
Na realidade, a A. entregou à R. o valor de €15.741,24 que recebeu da Segurança Social, na sequência de interpelação que lhe foi feita nesse sentido e convencida de que o tinha de fazer, por, no período compreendido entre outubro de 2008 e maio de 2009, estar a trabalhar e a receber o correspondente salário, bem como o subsídio por baixa médica.
Contudo, tal entrega carecia de justificação, na medida em que, durante o período em causa em que a A. esteve de baixa, manteve-se a trabalhar, estando a R. obrigada a pagar-lhe o correspondente salário, como fez.
Esse aumento, injustificado, do património da R. fez-se à custa do empobrecimento do património da A., uma vez que esta se viu obrigada a devolver à Segurança Social os valores processados pela baixa médica, no referido período.
Tendo beneficiado da atividade profissional da A. no período mencionado, a R. carece de justificação para reter e recusar devolver àquela a quantia que integrou no seu património, sem causa justificativa.
E a recusa de devolução da quantia em causa traduz-se no correspondente sacrifício económico suportado pela A.,  que teve de devolver à Segurança Social o valor que lhe foi pago a título de baixa médica.
Em conclusão, devia o tribunal recorrido ter julgado procedente a ação, procedendo, em consequência a apelação.

3.Aqui chegados, cumpre, então, apreciar a ampliação do objeto do recurso.

3.1.-Sustenta a apelada que a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, porque o tribunal recorrido não apreciou as exceções de prescrição de créditos salariais, e de prescrição do direito a recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, por si invocadas na contestação.
Não lhe assiste razão.
Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d), do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
A nulidade referida está em correspondência direta com a primeira parte do nº 2 do artigo 608º, onde se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade em causa da infração do referido dever.
Se o tribunal recorrido concluiu que a A. não tinha o direito que se arrogava, fosse a que título fosse, também não tinha de apreciar se esse (inexistente) direito estava prescrito, embora pudesse abordar tais questões, se entendesse que conduziam a um resultado que reafirmava a decisão (de improcedência).
Como resulta do mencionado nº 2 do art. 608º, o juiz tem de apreciar todas as questões que lhe são colocadas, excetuadas as que se mostrem prejudicadas pela solução dada a outras.
Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [18], no CPC Anotado, Vol. I, pág. 726, “É já no mérito da causa que se inscrevem as exceções perentórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, se e na medida em que o caso concreto o justifique ou como reforço da decisão proferida relativamente a outras questões. Naturalmente que se a matéria de facto não permitir reconhecer a existência do direito que foi invocado pelo autor, tornar-se-á dispensável, por exemplo, a apreciação da exceção de prescrição suscitada pelo réu, a não ser que porventura se justifique um reforço decisório que conte também com esse argumento complementar”.

Não padece, pois, a sentença recorrida da nulidade invocada.

3.2.-Sustenta a apelada que em causa está um crédito salarial, que se mostra prescrito, nos termos do art. 337º do CTrab., uma vez que a devolução foi realizada em 5.6.2009, e o contrato cessou em 30.11.2009, mediante despedimento, que a A. impugnou, e no âmbito de cujo processo poderia ter reclamado o crédito.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, em causa não está a reclamação de qualquer crédito salarial.
A A. não veio peticionar o pagamento de salários devidos, o que peticiona é a devolução de uma quantia que lhe foi paga pela segurança social e que entregou à R., por estar a receber, em simultâneo a retribuição pelo trabalho prestado e o subsídio de doença, e que esta, agora, se recusa a devolver-lhe, não obstante a A. tenha sido obrigada a devolvê-la à segurança social, como resultou provado.
Este crédito não emerge da relação laboral, nem tem conexão com ela, pelo que não está em causa um crédito laboral, a que deva ser aplicado o CTrab.
Não procede, pois, a invocada exceção.

3.3.-Por último, e subsidiariamente, alega a apelada que o crédito da A. se mostra prescrito, nos termos do art. 482º do CC, já que o valor foi entregue em 5.6.2009, devendo o exercício do direito ser exercido até 5.6.2012.
E mesmo que se entendesse que a contagem do prazo só se iniciava com a cessação do vínculo laboral, o crédito estaria igualmente prescrito, já que esse momento ocorreu em 30.11.2009.
Dispõe o art. 482º do CC que que “O direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo do prazo de prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento”.
No caso sub judice, é certo que o prazo de prescrição ordinária, de 20 anos (art. 309º do CC), não decorreu, o que se questiona é se decorreu o prazo de 3 anos indicado no mencionado art. 482º.
O fundamento legal da prescrição extintiva reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado, negligência que faz presumir ter querido renunciar ao direito, deixando por isso de ser merecedor da proteção jurídica [19].
Para ser eficaz, a prescrição tem de ser invocada por aquele a quem aproveita, não podendo o tribunal dela conhecer oficiosamente – art. 303º do CPC.
Completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – nº 1 do art. 304º do CC.
Atentas as circunstâncias concretas do caso, não podemos sufragar o entendimento da apelada de que o prazo de prescrição se iniciou quando a A. entregou o valor à R., em 5.6.2009, ou, quanto muito, no momento em que cessou o vínculo laboral, em 30.11.2009.
Quando a A. entregou o dinheiro que tinha recebido da segurança social à R., fê-lo porque tal lhe foi exigido e porque, no referido período estava de baixa médica, a receber o correspondente subsídio, e, simultaneamente, a trabalhar e a auferir vencimento, ou seja, a A. estava convencida de que havia uma causa a justificar essa entrega.
Só quando a segurança social lhe dá conhecimento, por carta de 4.12.2012, que o período de baixa médica de que havia beneficiado, entre outubro de 2008 e maio de 2009, havia sido anulado, e que tal podia determinar a restituição das prestações que lhe haviam sido pagas [20], é que a A. toma conhecimento de que a quantia em causa tinha sido indevidamente entregue à R.
Só nessa data (4.12.2012) a A. tem conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito contra a R., só nessa data tem conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.
Assim sendo, o seu direito prescrevia em 4.12.2015.
Com a notificação judicial avulsa mediante a qual a A. solicitou à R. a devolução da referida quantia a si ou, diretamente, à segurança social, interrompeu-se o prazo de prescrição em curso, nos termos do art. 323º, nº 1, do CC [21], o que ocorreu em 8.10.2015 (ponto 16 da fundamentação de facto), antes, pois, de se completar o prazo prescricional.
Com a interrupção do prazo, começa a correr novo prazo de prescrição (art. 326º, nº 1 do CC), pelo que à data da propositura da presente ação (15.7.2016), o direito da A. não se mostrava prescrito.
Não procede, em consequência, a invocada exceção de prescrição.
*

Em conclusão de tudo quanto se deixa escrito, procede a apelação, devendo revogar-se a sentença recorrida, e julgar-se procedente a ação, condenando-se a R. no pedido, e improcedente a ampliação do âmbito do recurso.
As custas da ação e do recurso [22] são a cargo da apelada, por ter ficado vencida (art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC).

DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, que se substitui por outra a julgar procedente a ação, condenando-se, consequentemente, a R. restituir à A. a quantia global de €16.225,98, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%,  sobre a quantia de €15.741,24, vencidos desde a notificação judicial da R., e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Mais se julga improcedente a ampliação do âmbito do recurso.
Custas pela apelada, nos termos referidos.
*



Lisboa, 2022.03.22



Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa



[1]Inexiste o facto nº 10.
[2]Inexiste o facto nº 13.
[3]A referida no ponto 2 da fundamentação de facto.
[4]E sendo certo que se mostra junta aos autos (fls. 79 a 152) cópia de partes do processo de impugnação do despedimento da A., que lhe foi comunicado em novembro de 2009.
[5]Sendo certo que nesta matéria o Mmo Juiz de 1ª instância estava em melhores condições para se aperceber de comportamentos ou posturas que pudessem pôr em causa essa credibilidade, do que não dá conta na sua motivação.
[6]Cfr. o ponto 8 da fundamentação de facto.
[7]Que, no dizer da testemunha, é a “Sacramento Campos”, por ser filha do proprietário.
[8]O que também resultou provado no processo de impugnação do despedimento da A. que correu termos no Tribunal de Trabalho do Barreiro, conforme resulta da cópia da sentença junta a fls. 137/152 dos autos.
[9]Como se pode ver da cópia da sentença junta a fls. 5vº a 23.
[10]Atualmente, arts. 580º e ss.
[11]Neste sentido, cfr. os Acs. do STJ de 22.9.2016, P. 106/11.0TBCPV.P2.S1 (Abrantes Geraldes), onde se faz referência a inúmeros outros acórdãos no mesmo sentido, de 26.2.2019, P. 4043/10.8TBVLG.P1.S1 (Pinto de Almeida), da RL de 14.1.2014, P. 1243/11.7TVLSB.L1-7 (Graça Amaral), todos em www.dgsi.pt, e, ainda, o Ac. do STJ de 23.11.2011, P. 644/08.2TBVFR.P1.S1 (Pereira da Silva), no mesmo site, no qual se sumariou que: “I. A força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário da predita parte do julgado. …”.
[12]A testemunha Carlos Almeida referiu que, dos documentos que analisou, se pode concluir que a A., no referido período, trabalhou a 50%, sendo que entre janeiro e maio de 2009, houve 3 semanas em que trabalhou a 100%, tendo estado em trabalho em Cabo Verde e no Brasil.
[13]“10º - Tal verba de €15.741,24 correspondia à soma de quantias que a A. havia recebido do Instituto de Segurança Social a título de subsídio de baixa médica, situação em que se encontrava desde Outubro de 2008, a saber: i) Período de 23/10/2008 a 31/10/2008 €1.004,76; ii) Período de 1/11/2008 a 12/11/2008 €1.339,68; iii) Período de 13/11/2008 a 12/12/2008 €3.349,20; iv) Período de 13/12/2008 a 11/01/2009 €3.349,20; v) Período de 12/01/2009 a 10/02/2009 €3.349,20; vi) Período de 11/02/2009 a 12/03/2009 €3.349,20, cfr. docs. nos. 6 a 11, que junta e dá por reproduzidos”.
[14]“16º - A R. mantém tal quantia na sua posse, sem qualquer motivo justificativo, porquanto no período referido em 3º desta p.i., a A. esteve a trabalhar para a R., que beneficiou assim dos seus serviços, pelo que deveria pagar, como pagou, a inerente contrapartida”.
[15]Uma “melhoria”, nos dizeres de Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 12ª ed., rev. e atualiz., pág. 492.
[16]Almeida Costa, na ob. cit., pág. 495, escreve que “A deslocação patrimonial justificativa da pretensão do empobrecido é suscetível, evidentemente, de produzir-se das mais diversas maneiras: uma despesa que se efetua, um trabalho prestado sem remuneração, uma renda que não se cobra, etc.”.
[17]Dispõe o mencionado art. 474º, sob a epígrafe “natureza subsidiária da obrigação”, que “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, …”.
[18]Este último que assina o presente acórdão como 2º adjunto.
[19]A justificação deste instituto assenta, também, nas seguintes razões: 1º - A defesa da certeza e segurança jurídica, que tende a beneficiar as situações de facto que se constituíram e prolongaram por determinado tempo, gerando, no interessado, a firme e fundada expectativa da sua consolidação; 2º - A necessidade de obviar às dificuldades de prova por parte dos devedores; 3º - O propósito de incentivar os titulares dos direitos a não descurarem o exercício atempado dos seus direitos, não deixando, pela sua injustificada e excessiva demora, criar a ideia de que abdicaram deles.
[20]Cfr. O documento de fls. 297.
[21]Que estatui que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
[22]Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, na ob. cit., pág. 580, “…, quando o acórdão do tribunal superior revogar total ou parcial da decisão recorrida, justificar-se-á que seja redefinida a responsabilidade global pelas custas nas diversas instâncias, de acordo com as regras gerais”.