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CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
RECUSA DE IDENTIFICAÇÃO
CONTRAORDENAÇÃO ESTRADAL
Sumário
I - Incorre na prática do crime de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.º 2, do Código Penal, 170.º, n.º 1, e 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, o arguido que, perante ordem que expressamente lhe foi dada, na sequência de contraordenação estradal por ele cometida, recusa identificar-se a agentes policiais. II - A tal não obstam o carácter subsidiário e de ultima ratio do Direito Penal e os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação que enformam a atividade da Administração.
Texto Integral
Proc. nº 585/21.8GBOAZ.P1
Juízo Local Criminal de Águeda – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Recurso Penal
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I. Relatório
No âmbito do processo sumário que, sob o nº 585/21.8GBOAZ, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis, AA, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, mediante a acusação do Ministério Público da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo art.º 348.º, n.º 2 do C. Penal, conjugado com os artigos 14º, nº 2 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (aprovada pela lei nº 63/2007 de 6-11, com retificação nº 1- A/2008 de 4-01) e 5º da Lei de Segurança Interna (aprovada pela Lei nº 53/2008 de 29-08, na versão atualizada da Lei nº 21/19 de 25-02), ilícito consubstanciado nos factos narrados na respetiva peça acusatória.
Realizada a audiência, foi proferida sentença datada de 29/10/2021, tendo o arguido AA sido condenado pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de €6, no montante global de €960,00.
Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]:
“a) A douta sentença de que se recorre, dá como provada e reproduzida toda a factualidade constante do auto de Notícia e da acusação, nomeadamente que os agentes, investidos de autoridade e legitimidade, pediram ao arguido que o mesmo se identificasse, com a cominação de crime de desobediência se o não fizesse.
b) O arguido persistiu em não se identificar.
c) Perante a recusa do arguido em identificar-se, a autoridade policial (GNR) efetuou de imediato a cominação do crime de desobediência, sem antes desenvolver qualquer dos procedimentos legais previstos no artigo 250º do CPP, para ultrapassar a dita situação.
d) Nesta sequência, os agentes da autoridade detiveram o arguido, que transportaram o arguido ao posto da Guarda Nacional Republicana, tendo aí logrado obter a identificação do mesmo.
e) A situação acabou por ser resolvida, já depois daquela cominação, com recurso ao mecanismo previsto no n.º 6 daquele preceito, que se mostrou idóneo a produzir o resultado pretendido.
f) A ordem com a cominação do crime de desobediência, não era necessária carecendo, assim, para efeitos de preenchimento do tipo incriminador, de validade substancial à luz do princípio da intervenção mínima do direito penal, ou da necessidade de pena (art. 18º, n.º 2 da CRP), pelo que a sua inobservância não constitui crime de desobediência (acórdão 348/16.2GGSNT.L1-9 de 21 de maio de 2020 do Tribunal da Relação de Lisboa).
TERMOS EM QUE DEVERÁ DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, COM O QUE SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA!”.
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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.
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O Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, pronunciando-se pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida, referindo quanto ao mérito, e em síntese, o seguinte: “[…] no caso destes autos ao arguido não era imputado qualquer crime, nem se referiram suspeitas de que tivesse praticado um ilícito criminal. A conduta referida na participação que sustentou a acusação e os factos assentes em julgamento, integra uma contra-ordenação (v. gr. art.ºs 4.º, n.º 1, 7.º e 87.º a 89.º, do Código da Estrada).
Na verdade, apenas estavam em causa as determinações do elemento da Guarda Nacional Republicana proibindo o arguido de movimentar o seu veículo do local onde se encontrava após um acidente de trânsito.
Neste contexto específico concordamos inteiramente com o decidido no Ac. Rel. de Lisboa de 29-05-2008, proferido no proc. n.º 3710/08 […].
No mesmo sentido se pronunciou o Ac. Rel. de Coimbra, de 10-03-2021, proferido no proc. n.º 22/20.5GATCS.C1 […].
Em conclusão, face à matéria de facto apurada em julgamento, concordando com o entendimento expressado nos Acórdãos acima transcritos, entendemos que o recurso deverá improceder.”.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao parecer apresentado pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Podemos, assim, equacionar como questão colocada à apreciação deste tribunal a de saber se estão verificados os elementos objetivos do tipo de ilícito imputado ao recorrente.
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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.
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Factos provados [2]
1.No dia 11 de outubro de 2021, na estrada ..., em Oliveira de Azeméis, ocorreu um acidente de viação, determinando que militares da GNR se tivessem deslocado ao local.
2. Enquanto os militares da GNR procediam a diligências tendentes ao apuramento das circunstâncias em que havia ocorrido o mencionado acidente, chegou ao local o veículo de pronto socorro conduzido pelo arguido.
3. De imediato, o militar da GNR participante, BB, disse ao arguido para não rebocar o veículo do local, uma vez que ainda não tinham sido verificadas as medidas para elaboração do auto de participação do acidente de viação.
4. Contudo, o arguido procedeu à remoção do veículo do local onde havia ficado imobilizado após o sinistro, impedindo a recolha de medidas e informação para melhor esclarecimento da participação de acidente.
5. Perante isto, o militar da GNR/participante questionou o arguido sobre as razões por que havia retirado o veículo do local, solicitando, de forma explícita e repetida, que se identificasse, recusando-se o arguido, por diversas vezes, a fornecer a sua identificação pessoal.
6. Foi então o arguido informado, pelo militar da GNR, que caso persistisse na sua recusa em identificar-se incorreria num crime de desobediência, respondendo o arguido “levai-me preso, que eu sei os meus direitos e não tenho que me identificar”.
7. Perante tais atos, foi o arguido informado que a partir daquela data se encontrava detido pela prática de um crime de desobediência, tendo o arguido sido levado para o Posto Territorial da GNR de Oliveira de Azeméis.
8. O arguido sabia que estava obrigado a identificar-se perante os militares da GNR e, não obstante, não quis acatar tal determinação, que lhe foi regularmente comunicada por agente de autoridade, devidamente uniformizado e no exercício das suas funções profissionais.
9. Com tal comportamento quis o arguido subtrair-se ao cumprimento das ordens emanadas de exibição de identificação, em total desrespeito pelo teor de tal ordem, apesar de ter percebido o sentido e o alcance da mesma e da advertência de que o seu não acatamento implicaria a prática de um crime de desobediência qualificada.
10. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
11. O arguido não tem antecedentes criminais conhecidos.
12. Trabalha como motorista, com o que aufere o vencimento de 1.000,00 € mensais.
13. Vive com o cônjuge e quatro filhos, três dos quais de menor idade, em casa dos seus sogros.
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Analisando os fundamentos do recurso.
Sustenta o arguido/recorrente que não se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de desobediência por que foi condenado, já que a ordem com a cominação do crime de desobediência dada pelos militares da GNR “não era necessária carecendo, assim, para efeitos de preenchimento do tipo incriminador, de validade substancial à luz do princípio da intervenção mínima do direito penal, ou da necessidade de pena (art. 18º, n.º 2 da CRP), pelo que a sua inobservância não constitui crime de desobediência”, invocando, para o efeito, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21/5/2020 (proferido no proc. n.º 348/16.2GGSNT.L1-9 e disponível para consulta em www.dgsi.pt) [3] .
Defende, assim, o arguido que a ordem de identificação pessoal que lhe foi dada pelos militares da GNR, com a cominação do cometimento de um crime de desobediência caso persistisse na recusa em fazê-lo, não era necessária, nem legítima, já que deveria ter sido antecedida da observância dos procedimentos legais previstos no art.º 250.º do CPP.[4]
Contudo, o procedimento previsto no art.º 250.º do CPP deve ser observado pela autoridade policial quando, sobre a pessoa a identificar, recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes. Ora, e como justamente salienta o Sr. Procurador-Geral da República no seu parecer, no presente caso ao arguido não era imputado qualquer crime, nem se referiram suspeitas de que tivesse praticado um ilícito criminal. A conduta referida na participação que sustentou a acusação e os factos assentes em julgamento integra, antes, uma contra-ordenação (cfr. os artigos 4.º e 7.º, n.º 2, do Código da Estrada).
Na verdade, apenas estavam em causa as determinações do elemento da Guarda Nacional Republicana proibindo o arguido de movimentar/rebocar um veículo do local onde se encontrava após a ocorrência de um acidente de viação.
Assim, neste contexto específico, concordamos inteiramente com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/5/2008, proferido no proc. n.º 3710/08 [5] , quando nele se refere:
“A situação em análise situa-se fora do quadro de aplicação do artigo 250.º do Código de Processo Penal, relativo à identificação de suspeitos da prática de crimes e pedido de informações, no âmbito das 'Medidas Cautelares e de Polícia, bem como fora do quadro da aplicação da Lei n.º 5/95, de 21/02, que veio estabelecer a obrigatoriedade do porte de documento de identificação e a possibilidade de exigência de identificação de suspeitos da prática de crimes.
Com efeito, na factualidade que originou a acusação deduzida nos presentes autos, e que foi considerada provada, a ordem de identificação não se relacionou com a responsabilidade criminal, mas sim contra-ordenacional do arguido.
O citado artigo 250º , bem com a Lei n.º 5/95, partem de um pressuposto concreto para a sua aplicação, qual seja o de haver fundadas suspeitas da prática de crime, aplicando-se assim a casos em que está em causa apuramento de eventual responsabilidade criminal.
Não é, no entanto, apenas ao serviço do apuramento de uma possível responsabilidade criminal que a autoridade policial pode exigir a identificação de um cidadão.
Passamos a explicar.
No caso que originou o presente recurso somos confrontados com a atuação de elementos da GNR e de um cidadão, de que releva, quanto àqueles, a emanação de uma ordem de identificação, e quanto a este, a recusa de acatar tal ordem.
Trata-se ainda de comportamentos espoletados pelo facto de o arguido circular, no dia 14/11/2005, cerca das 9h55m com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (...) no corredor de transportes públicos da Ponte 25 de Abril sem lhe ser permitido, facto que constitui contra-ordenação, nos termos do disposto no n.°s 1 e 3, do artigo 77.° do Código da Estrada.
Parece então que deveremos começar por abordar a disciplina normativa do poder de exigir a identificação de um qualquer cidadão, por parte de um agente de autoridade, centrados sobretudo no âmbito das contra-ordenações.
Importa, assim, identificar as normas que especificamente autorizem o controlo de identidade, em homenagem ao apuramento de responsabilidade não penal, mas antes contra-ordenacional.
E, neste último âmbito, que é aquele que nos interessa, rege, antes do mais, o disposto no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, aplicável 'ex vi' artigo 132.º, do Código da Estrada, de acordo com o qual as autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais podem exigir ao agente de uma contra-ordenação a respetiva identificação.'
Esta exigência de identificação está diretamente ligada ao disposto no artigo 48.° do mesmo Decreto-Lei, que estipula que 'as autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias suscetíveis de implicar responsabilidade por contra-ordenação e tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas.
Estes artigos autorizam, assim, as autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais a exigir a identificação do agente de qualquer contra-ordenação em geral.
Tendo-se provado, na sentença recorrida, que no dia 14 de Novembro de 2005, cerca das 09:55 horas, o arguido circulava com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (...) no corredor de transportes públicos da Ponte 25 de Abril, ..., área desta comarca, (ponto 1. dos factos provados), tal comportamento tê-lo-á feito incorrer, em princípio, na contra-ordenação prevista no artigo 77.°, n.°s 1 e 3, do Código da Estrada, estando assim em causa responsabilidade não penal mas contra-ordenacional, pelo que terá aqui aplicação o artigo 49.° do Decreto-Lei 433/82, de 27/10, sendo legítima a ordem emanada pelos agentes de autoridade no sentido de o arguido fornecer os seus elementos de identificação.
E tendo-se provado que os elementos da GNR se encontravam em serviço, devidamente uniformizados e identificados, tendo advertido o arguido de que a sua recusa em se identificar o faria incorrer num crime de desobediência, mais se provando a permanência na recusa, por parte do arguido, em fornecer a sua identificação, sempre estaria manifestamente em causa o cometimento, pelo arguido, de um crime de desobediência, desde que, obviamente, os respetivos elementos típicos se mostrem preenchidos.
E tais elementos típicos encontram-se indubitavelmente preenchidos, atentos todos os factos dados como provados, acima transcritos […]”.
No mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão datado de 10/3/2021, proferido no proc. n.º 22/20.5GATCS.C1 [6], com o seguinte sumário: “Incorre na prática do crime de desobediência qualificada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.º 2, do Código Penal, 170.º, n.º 1, e 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, e 14.º, n.º 2, da Lei Orgânica da GNR (aprovada pela Lei n.º 63/2007, de 06-11), o arguido que, perante ordem que expressamente lhe foi dada, na sequência de contraordenação estradal por ele cometida, recusa identificar-se a agentes da GNR.”.
Poder-se-ia questionar se, perante a previsão do n.º 2, do artigo 171.º do Código da Estrada, do caráter subsidiário, de ultima ratio, do direito penal, dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação que enformam a atividade da administração, não seria de afastar a punição pelo crime de desobediência, posto que sempre poderia ser levantado o auto de contraordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra este o correspondente procedimento (contraordenacional), seguindo-se então os trâmites descritos nos ulteriores números da disposição legal em referência.
A esta questão responde negativamente o referido acórdão do TRC, com o qual concordamos, salientando que “tal corresponderia a onerar a administração, conduzindo-a à eventual prática de atos/procedimentos que só colhem justificação nos casos em que, por circunstâncias alheias a uma conduta voluntária de recusa do condutor, não seja possível proceder à sua identificação no ato, como sucede v.g. quando a infração não é presenciada pelas autoridades ou agentes de autoridade a quem compete a ação de fiscalização. São situações que não se confundem, a demandar reações distintas. Enquanto num caso a impossibilidade de identificação resulta de uma causa objetiva, ou pelo menos não imputável a uma conduta voluntária do infrator, no outro assiste-se a um comportamento intencionalmente dirigido ao não acatamento da “ordem”, que se sabe material e formalmente legítima.”.
Também na doutrina se identificam autores que a propósito do artigo 49.º do RGCC [«As autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais podem exigir ao agente de uma contra-ordenação a respetiva identificação»] defendem ser a recusa injustificada de identificação punível como desobediência [artigo 348.º do Código Penal]. Neste sentido pronunciam-se, entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, 2011, pág. 207 [«A recusa injustificada de identificação é punível como desobediência (artigo 348.º do CP), permitindo a detenção em flagrante delito do suspeito (artigo 255.º do CPP)»]; António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina,2009, pág. 149 [«A não identificação poderá ter na sua génese uma atitude voluntária de recusa por parte do arguido em relação à entidade policial o que o constitui como agente do tipo legal de desobediência previsto e punido do artigo 348.º do Código Penal com a sequente possibilidade de detenção em flagrante delito nos termos do artigo 255.º do Código de Processo Penal»]; e António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2005, pág.97.
Concluímos, assim, que no presente caso não só a ordem de identificação dada pelos agentes da autoridade era legítima, como a recusa deliberada e injustificada do arguido de acatar tal ordem era punível como desobediência.
Deste modo, encontram-se preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, com referência, designadamente, aos artigos 4.º e 7.º, n.º 2 do Código da Estrada, 49.º do RGCC e 14.º, n.º 2 da Lei n.º 63/2007, de 6/11.
Nenhuma censura merece, assim, a decisão recorrida, que se confirma integralmente.
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III - Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com 3 UC de taxa de justiça (art.º 513.º, n.º 1, do CPP).
Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).
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Porto, 9 de março de 2022.
Liliana de Páris Dias
Cláudia Rodrigues
_________________________________ [1] Mantendo-se a ortografia original do texto. [2] Após audição da sentença proferida oralmente na audiência de julgamento, com recurso ao citius media studio, e consulta do auto de notícia e do despacho de acusação. [3] O acórdão em referência tem o seguinte sumário: I – O crime de desobediência pressupõe a existência de uma ordem ou mandado formal e substancialmente legítimos, constituindo este um dos elementos objetivos do crime. II – Num caso da previsão da al. b) do n.º 1 do art. 348.º do CPP, em que se verificava o circunstancialismo a que alude o n.º 1 do art. 250.º do CPP, in casu, ser o arguido suspeito de um crime, a ordem de identificação que lhe foi dada pela autoridade policial era legítima e dimanou de autoridade com competência para a sua emissão. III – Mas se perante a recusa do arguido em se identificar a autoridade policial efetuou de imediato a cominação do crime de desobediência, sem antes desenvolver qualquer dos procedimentos legais previstos no art. 250.º do CPP para ultrapassar tal situação – que acabou por ser resolvida, já depois daquela cominação, precisamente com recurso ao mecanismo previsto no n.º 6 daquele preceito, que se mostrou idóneo a produzir o resultado pretendido – a ordem com a cominação do crime de desobediência não era necessária, carecendo, assim, para efeitos do preenchimento do tipo incriminador, de validade substancial à luz do princípio de intervenção mínima do direito penal, ou da necessidade da pena (art. 18.º, n.º 2, da CRP), pelo que a sua inobservância não constitui crime de desobediência. [4] Dispõe esta norma – sob a epígrafe “Identificação de suspeito e pedido de informações” - no segmento que para aqui releva, o seguinte: 1 - Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção. 2 - Antes de procederem à identificação, os órgãos de polícia criminal devem provar a sua qualidade, comunicar ao suspeito as circunstâncias que fundamentam a obrigação de identificação e indicar os meios por que este se pode identificar. 3 - O suspeito pode identificar-se mediante a apresentação de um dos seguintes documentos: a) Bilhete de identidade ou passaporte, no caso de ser cidadão português; b) Título de residência, bilhete de identidade, passaporte ou documento que substitua o passaporte, no caso de ser cidadão estrangeiro. 4 - Na impossibilidade de apresentação de um dos documentos referidos no número anterior, o suspeito pode identificar-se mediante a apresentação de documento original, ou cópia autenticada, que contenha o seu nome completo, a sua assinatura e a sua fotografia. 5 - Se não for portador de nenhum documento de identificação, o suspeito pode identificar-se por um dos seguintes meios: a) Comunicação com uma pessoa que apresente os seus documentos de identificação; b) Deslocação, acompanhado pelos órgãos de polícia criminal, ao lugar onde se encontram os seus documentos de identificação; c) Reconhecimento da sua identidade por uma pessoa identificada nos termos do n.º 3 ou do n.º 4 que garanta a veracidade dos dados pessoais indicados pelo identificando. 6 - Na impossibilidade de identificação nos termos dos n.ºs 3, 4 e 5, os órgãos de polícia criminal podem conduzir o suspeito ao posto policial mais próximo e compeli-lo a permanecer ali pelo tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas, realizando, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de natureza análoga e convidando o identificando a indicar residência onde possa ser encontrado e receber comunicações. [5] Consultável em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_print_ficha.php?nid=4433&codarea=57. [6] Relatado pela Desembargadora Maria José Nogueira e disponível para consulta em www.dgsi.pt.