CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário

Constitui justa causa de despedimento o comportamento de um trabalhador bancário que, nessa qualidade e no seu posto de trabalho, falsifica a assinatura do pai, controlando ele próprio essa assinatura, com vista a usar em proveito próprio o cartão de crédito assim fraudulentamente obtido.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B......... intentou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C......., S.A., pedindo que se declare a prescrição do procedimento disciplinar relativamente ao facto da falsificação da assinatura do pai do A. na requisição de um cartão de crédito, bem como a ilicitude do despedimento efectuado e que se condene a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho e a pagar-lhe quantia não inferior a € 45.000,00, a título de indemnização por aplicação de sanção abusiva, atento o disposto na cláusula 126.ª do CCTV, para além das retribuições vencidas desde a data do despedimento. Alega, para tanto, o A. que foi despedido pela R., através de carta registada de 2003-08-05, após elaboração de processo disciplinar, prescrito relativamente ao facto da falsificação da assinatura do pai do A. na requisição de um cartão de crédito, ocorrida em 1999-02-01, sendo certo que é abusiva a aplicada sanção de despedimento.
A R. contestou, por impugnação, alegando os factos constantes da nota de culpa e da decisão disciplinar e concluindo a final pela improcedência da acção.
Realizado o julgamento e proferida sentença, foi julgada improcedente a excepção de prescrição e parcialmente procedente a acção, sendo declarada a ilicitude do despedimento e a R. condenada a reintegrar o A. no Banco e a pagar-lhe as retribuições vencidas eventualmente não pagas, a liquidar oportunamente e, quanto ao mais, foi a R. absolvida do pedido.
Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpor recurso de apelação , invocando a nulidade da sentença, consistente na contradição entre a fundamentação e a decisão, atento o disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil e pedindo que se declare a licitude do despedimento, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
I - O Mº Juiz a quo na fundamentação, declara o comportamento do autor no que respeita à falsificação e validação da assinatura, que o próprio autor fez, como culposa e grave instituindo-o na prática de infracção disciplinar grave.
II - Contudo, recorrendo a conjecturas e meras hipóteses para explicar a razão/motivo da actuação do autor, no sentido de o tentar justificar, não havendo nos autos a menor prova do motivo do seu comportamento em qualquer sentido, o Mº Juiz a quo decidiu-se pela ilicitude do despedimento.
III - Existe, pois, evidente oposição entre a fundamentação explanada nesta matéria e a decisão, nisto residindo a nulidade da sentença nos termos do artigo 668º, nº 1, al.c) do Código de Processo Civil, "ex vi" artigo 1º, nº 2 do Código do Processo do Trabalho.
IV - O autor praticou indiscutivelmente todos os factos constantes dos artigos 12º a 29º dos Factos Provados.
V - Os factos provados e constantes dos artigos 12º, 15º e 16º, ao contrário do que se conclui na sentença, atendendo à circunstância do autor ser gerente bancário da entidade emissora do cartão que era, simultaneamente, a sua entidade patronal, fá-lo incorrer em infracção disciplinar, por violação dos seus deveres de idoneidade, de ética e da deontologia profissional e de actuação conscienciosa, como lhe impunha, em primeira linha, a cl.ª 34.ª al. b) e g) do ACTV do Sector Bancário.
VI - Com efeito, ainda que o plafond de 1.000.000$00 tenha sido carregado por lapso, por outro, as suas referidas obrigações de gerente, impunham-lhe que não usasse tal plafond, que bem sabia, pelas suas funções e conhecimentos profissionais, não poder dispor, devendo antes alertar o Banco e não aproveitar-se do lapso.
VII - Os factos dados como provados nos artigos 23º, 25º e 26º da matéria de facto instituíram, também, o autor, na prática de infracções disciplinares, nos termos da clª 34ª al. b) e g) do ACTV do Sector Bancário, por violação das normas internas relativa à atribuição de cartões e das regras da ética e da deontologia profissional e da idoneidade a que estava obrigado.
VIII - É que o autor fez utilização indevida dos cartões de crédito em causa, tendo usado ele próprio e sempre os cartões emitidos em nome do pai (artº 27º dos Factos Provados) à revelia deste (artigo 28º dos Factos Provados), bem sabendo que não lhe pertenciam e que os mesmos são por natureza pessoais e intransmissíveis, não fora ele gerente bancário.
IX - Além do mais, usava-os conscientemente, furtando-se ao controlo da identificação e da assinatura, usando-os, por isso, apenas em cash-advance e pagamentos em ATM, onde lhe bastava o código de que ilegitimamente dispunha, pelo que não é, ao contrário do que diz a sentença recorrida, irrelevante o modo por que eram utilizados, obviamente, com um propósito bem determinado - o de escapar ao controlo.
X - Todo o "modus operandi" levado a efeito pelo autor era, pois, consciente e voluntário, ou seja, bem sabia que estava a usar cartões que não devia usar, que o fazia à revelia do Banco, sua entidade patronal e um deles (senão os dois) à revelia do seu próprio pai, formal e legalmente o dono dos cartões. (Artigo 28º dos Factos Provados).
XI - Não é, também, ao contrário do que afirma a sentença, irrelevante para o Banco recorrente que os saldos originados pela utilização indevida dos cartões por parte do autor tenham sido pagos por um crédito concedido ao autor, isto porque quem concedeu tal crédito foi o próprio Banco recorrente.
XII - O crédito concedido teve de ser feito pelo Banco recorrente porque o Autor não tinha capacidade financeira para liquidar aqueles saldos fraudulentamente originados que obrigavam ao cancelamento dos cartões e sua liquidação imediata.
XIII - Ora tal não é irrelevante, também, porque a um gerente bancário se exige que lide de outra forma com o dinheiro e com as obrigações e encargos que assume, sendo-lhe exigível pela ética e pela deontologia profissionais que não se comporte como qualquer cliente que assume obrigações sem capacidade financeira para as satisfazer.
XIV - Para a sentença os factos integrados como provados nos artigos 21º e 22º dos Factos Provados também não são infracção disciplinar, mas a verdade é que assim não é, pois ainda que o autor estivesse integrado numa comissão de crédito estava-lhe vedada a sua participação em operações próprias, dos familiares ou naquelas em que, por qualquer forma, tivesse um interesse directo ou indirecto. (Comunicação Nº 86/96 - DIA de 23.10.96).
XV - Esta questão e esta infracção não lhe foi apontada na Nota de Culpa, mas uma vez que a sentença a suscita, impõe-se demonstrar que a conclusão feita na sentença está errada.
XVI - Assim, para além do cumprimento deste normativo impunha-lhe a ética, a deontologia profissional e a actuação conscienciosa exigida pela sua profissão que não tivesse por qualquer forma intervido na atribuição dos cartões ou dos respectivos plafonds como é, a todas as luzes, evidente.
XVII - De qualquer modo os cartões em causa foram abusivamente usados ao longo dos anos e um deles fraudulentamente obtido, por falsificação pelo autor da assinatura do seu pai, assinatura que também validou, aproveitando-se das suas funções ao serviço do Banco recorrente.
XVIII - Para além das outras referidas infracções disciplinares, à conduta do autor há que acrescer este outro ilícito disciplinar que constitui, em simultâneo, ilícito criminal, como declara a sentença recorrida.
XIX - Tal ilícito disciplinar - falsificação da assinatura pelo autor e posterior validação pelo próprio autor - é considerada na sentença infracção disciplinar grave, sem qualquer dúvida.
XX - Não obstante até ter sido declarado na sentença o comportamento do autor, nesta matéria, como culposo e grave, com base em conjecturas e desvalorizações sucessivas dos factos praticados pelo autor, assentes sempre em meras hipóteses, nunca demonstradas e muito menos provadas; a sentença conclui pela ilicitude do despedimento por falta de justa causa.
XXI - E nesta evidente contradição entre a fundamentação e a decisão proferida reside, como já se referiu, a nulidade da sentença que não pode, nunca, julgar em contradição com os factos provados, com a real qualificação dos mesmos (infracção disciplinar grave/ilícito criminal) e com base em meras conjecturas favoráveis ao autor, ou a quem quer que seja.
XXII - Não houve "ligeireza" nem pode ser considerado um "acto irreflectido", como por mera hipótese se aventa na sentença, a requisição de um cartão de crédito, com falsificação da assinatura do pai pelo autor, que é empregado bancário do Banco emitente do cartão, assinatura que ele, graças à sua função no Banco, validou, sendo o falsificador da mesma, e depois usa anos a fio esse cartão em proveito próprio (artigos 27º e 28º dos Factos Provados) tudo à revelia do pai e do Banco recorrente.
XXIII - E mais, usa conscientemente esse cartão sempre em pagamentos em ATM e Cash Advance, furtando-se ao controlo da assinatura e de identificação. (artigo 23º dos Factos Provados).
XXIV - São estes os factos objectivamente a considerar, ponderando ainda os seus efeitos na relação laboral - considerando a qualidade de gerente do autor e a actividade bancária do ora recorrente.
XXV - Desde a requisição à utilização dos cartões, especialmente, do cartão Classic, fraudulentamente obtido por acto do próprio autor, nada evidencia "ligeireza", "acto irreflectido" ou "comodismo", antes uma sucessão de actos intencionais, conscienciosos e culposos e graves constituindo ilícitos criminal e disciplinar.
XXVI - O facto do cliente do Banco recorrente que viu a sua assinatura falsificada, ser o pai do autor, entre os quais havia, aliás, uma grande relação de proximidade (artigos 31º e 32º dos Factos Provados) não pode minorar a gravidade da infracção, - pai é pai - e merece o maior respeito, mas independentemente disso, o que está aqui em causa não é a relação pai/filho mas autor/Banco e Banco/cliente - pai, e ao Banco recorrente, no dever de fazer cumprir as regras da sua actividade na defesa intransigente dos seus clientes, não lhe cabe distinguir os clientes por serem familiares dos seus empregados, afrouxando nos seus próprios deveres e dos dos seus empregados, como é óbvio e manda o princípio da igualdade.
XXVII - A circunstância do autor ser o gerente do Balcão não lhe retira ou minora culpas, pelo contrário.
XXVIII - Não é o autor um homem experimentado na vida, bancário com cerca de 18 anos de serviço, que percorreu toda a carreira profissional desde contínuo a gerente de Balcão e, obviamente que não poderia ignorar que aquela sua conduta, pese embora o facto de ser quem eram os titulares da conta, constituía infracção disciplinar, grave, tanto mais que se trata de falsificação de um documento tipificado pela lei penal como crime, como afirma o Mº Juiz a quo?
XXIX - E mesmo não ignorando, bem pelo contrário, ponderando, como se faz na Deliberação de Despedimento, os factos constantes dos artigos 24º, 31º, 32º, 33º, 34º e 35º dos Factos Provados, não se pode aceitar, por mais esforço que se faça e melhor vontade que se tenha, qual a relação causa/efeito entre a conduta do autor e as situações acima apontadas, por forma a afastar a licitude do Despedimento.
XXX - A confissão da falsificação não foi espontânea, só ocorreu quando o autor foi confrontado pela utilização dos cartões pelos serviços de Inspecção do Banco recorrente, como testemunham os inspectores inquiridos e demais testemunhas, conforme gravação. (artº 24º - Factos Provados).
XXXI - Ser filho único de um casal e estar obrigado a dar assistência ao pai não justifica a prática de qualquer ilícito criminal e/ou disciplinar, muito menos quando se trata da falsificação da assinatura do próprio pai numa requisição de um cartão a emitir pela própria entidade patronal. O respeito ao pai e ao Banco impunha, antes, outro comportamento. (artºs 31º e 32º - Factos Provados).
XXXII - E o grau de confiança que gerou e lhe foi dispensado ao longo do seu percurso profissional, de contínuo a gerente, exigia-lhe indubitavelmente que deliberadamente tivesse tomado outra conduta e não lhe justifica - não pode justificar - o injustificável. (Artºs 33º, 34º e 35º - Factos Provados).
XXXIII - Não restam dúvidas que para além das demais infracções disciplinares praticadas pelo autor, a da falsificação da assinatura do pai e respectiva conferência pelo autor projecta-se na lealdade e idoneidade a que estava obrigado para com o Banco recorrente, em todas e quaisquer circunstâncias e no âmbito do foro disciplinar (e não criminal) aqui em apreço.
XXXV – A lealdade é, sem dúvida, um dos deveres que constituem os pilares da relação laboral e da actividade bancária e da função de gerente.
XXXVI - É indispensável que o gerente, a quem não se pode exigir que seja perfeito, seja, contudo, em cada momento e em todas as situações, impoluto em termos de merecer a confiança que o cargo pressupõe e a actividade da entidade patronal exige e que o autor assim quebrou em absoluto.
XXXVII - Podendo-se afirmar que a conduta do autor, foi voluntária e consciente no sentido de que o arguido sabia que ao falsificar a assinatura do pai não estava a agir correctamente; que se estava a fazer passar por outra pessoa; que estava a declarar e a assumir ilegitimamente vontade alheia.
XXXVIII - E não há razões pessoais ou quaisquer outras que permitam ao empregado bancário, seja ele quem for, subverter as normas do banco nem da actividade bancária, muito menos quando não há causa justificativa, como era o caso, nem tão pouco agir contra a lei.
XXXIX - Tanto mais que o autor dispunha de outros meios capazes de satisfazer a sua pretensão, sem ter de ser desleal, ou violar qualquer dos seus outros deveres laborais, bastar-lhe-ia, como diz, aliás, a sentença, ou levar o documento ao pai para que o assinasse, ou levar o pai ao Banco.
XL - Todos sabemos que os Bancos são instituições, pessoas colectivas, constituídas pelo conjunto dos seus empregados, a todos os níveis, e que é através deles que o sistema bancário age nas suas diversas funções.
XLI - É por isso que os empregados bancários estão obrigados a cumprir as normas internas, as normas legais aplicáveis, bem, como se obrigam a ser responsáveis, leais, idóneos, honestos e conscienciosos na sua relação laboral, desde que esteja em causa um cliente, mesmo que seja familiar do empregado.
XLII - O autor foi admitido como empregado do C........, e ascendeu na carreira, no pressuposto de que cumpriria sempre e em qualquer circunstância, tivesse ela a natureza que tivesse, estas normas, como profissional responsável, honesto, leal e merecedor de confiança.
XLIII - Mas a conduta do autor, ao invés foi, pois, de tal forma que, objectiva e subjectivamente, o arguido constitui agora uma ameaça à estabilidade e ao correcto funcionamento da relação laboral, dado que violou as mais elementares obrigações de qualquer empregado bancário, e mais, ainda, naturalmente de um gerente.
XLIV - E ninguém duvida que um gerente bancário tem de merecer absoluta confiança alicerçada naturalmente na idoneidade e lealdade que demonstra sempre e em cada momento na sua relação com a entidade patronal.
XLV - Neste caso, o autor andou mais de quatro anos a ser desleal e desonesto, usando ilicitamente cartões emitidos pelo Banco recorrente e que não lhe pertenciam, tendo obtido um deles, inclusive, por meios ilícitos.
XLVI - Oferece agora o autor um elevado risco no sentido do não cumprimento dos seus deveres de agir conscienciosamente, com lealdade e idoneidade, que estão definitivamente, na perspectiva da relação laboral, postos em causa, pondo definitivamente em perigo a correcta execução futura do seu contrato.
XLVII - Sendo ainda legítimo, na óptica do empregador, considerar que o que o autor fez hoje, com o pai, também o poderá fazer amanhã, com qualquer outro cliente.
XLVIII - 7 Banco objectivamente, atendendo à sua função social e económica, não pode ter ao seu serviço pessoas que, em qualquer circunstância pessoal ou outra, ponham em causa esta sua função e, por isso, subjectiva e objectivamente, precisa é de ter trabalhadores de absoluta confiança, que o autor já não oferece.
XLIX - Um trabalhador bancário, que nessa qualidade e no seu posto de trabalho como gerente se aproveita, inclusive, da sua competência e poderes, para falsificar a assinatura do pai, controlando, ele próprio, essa assinatura, e usando em proveito próprio o cartão assim fraudulentamente obtido, adoptou um comportamento culposo e verdadeiramente grave que quebra a confiança na sua idoneidade, lealdade e honestidade que justificadamente não pode conduzir à manutenção do seu vínculo laboral.
L - Não sendo aceitável nem justo que o Banco recorrente tenha de manter ao seu serviço um gerente, não um simples e não qualificado empregado que, podendo evitá-lo, não se coibiu nas relações com a sua entidade patronal, a que devia idoneidade e lealdade, de falsificar a assinatura do pai, para proveito próprio e aproveitando-se do facto de ser empregado bancário, gerente, controlando ele próprio a assinatura que bem sabia falsificada por si próprio e fazendo perdurar para si próprio o uso do cartão fraudulentamente obtido por vários anos. Não se ignorando que a confissão não foi tão espontânea assim, não foi de sua iniciativa, só o fez quando confrontado pela Inspecção do Banco, como consta dos depoimentos das testemunhas.
LI - Está, portanto, provado que o autor cometeu, neste caso, na qualidade de empregado bancário e enquanto gerente, esta infracção disciplinar grave, para além de ter cometido outras infracções disciplinares, como atrás referido, que violaram, por várias vezes os seus deveres de idoneidade, lealdade, ética e deontologia profissional e de actuação conscienciosa.
LII - Tais comportamentos nos exactos termos em que ocorreram fizeram o autor violar expressamente os seus mais elementares deveres de trabalhador, tal como previstos nas alíneas a), c), d) e g) do nº 1 e nº 2 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 49408, e na sua específica qualidade de empregado bancário violou ainda os deveres consignados no nº 1, aI. b) e g) da cláusula 34ª do A.C.T.V..
LIII - Pelo que o comportamento ilegítimo, ilegal e culposo do autor, conforme resulta provado no presente processo, isolada e no seu conjunto, é uma conduta real e objectivamente grave.
LIV - Sendo evidente que a conduta do autor, pela sua gravidade, quebra por completo a confiança necessária e indispensável à subsistência da relação laboral, atenta, em especial, a natureza das suas funções, a sua categoria profissional e a actividade da entidade empregadora.
LV - Em consequência da sua conduta, como atrás descrita, porque intencional, culposa e grave, o autor cometeu as infracções disciplinares previstas nas alíneas a) e d) do nº 2 e no nº1 do artigo 9º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27/2, que constituem justa causa do seu despedimento, que é assim, lícito.
LVI - Assim, com a sentença recorrida, o Mº Juiz a quo violou o artigo 668º, nº 1 al. c) do Código do Processo Civil, aplicável "ex vi" artigo 1º, nº 2 do Código do Processo de Trabalho.
LVII - Violou ainda o disposto nas alíneas a), c), d) e g) do nº 1) e o nº 2 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 49408 e a clª 34ª al. b) e g) do ACTV Bancário, bem como o disposto nas alíneas a) e d) do nº 2 e o nº 1 do artigo 9º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, aplicáveis ao caso sub judice, pelo que deve ser declarada a licitude do despedimento.
O A. apresentou a sua alegação de resposta ao recurso principal, concluindo pela confirmação da sentença no que respeita à declaração de ilicitude, reintegração na empresa e liquidação dos créditos que lhe forem devidos e interpôs recurso subordinado, pedindo que se declare prescrito o procedimento disciplinar no que respeita ao facto da falsificação da assinatura do pai do A., feita por este em 1999-02-01, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
A - O Recorrente colocou, em 1/2/99, numa proposta de requisição do cartão de crédito classic, feita em nome de seu pai e afecto à conta de que eram ambos titulares, uma assinatura como se de seu pai se tratasse.
B - Tal assinatura foi efectuada no documento em causa em 1.2.99, sendo que nos termos do nº 3 do artº 27 do DL 49.408, prescreve ao fim de um ano da ocorrência do facto, independente do momento do seu conhecimento por parte da entidade patronal iniciando-se esse prazo a partir do momento da sua consumação - facto provado nº 19.
C - A assinatura aposta em nome do pai traduziu-se num acto instantâneo, não premeditado, que se esgotou no momento da sua prática, aí se consumando - neste sentido v.d. por exemplo Ac. STJ de 1988 in BMJ nº 382, pág. 414, AC STJ Proc 4216 de 25/10/95; Ac. 678/96 de 22/1/1997; AC STJ 99S284 de 20/1/2000.
D - A utilização posterior do cartão, a nova emissão de novo cartão ou a renovação do mesmo cartão, não dependeram de qualquer intervenção ou acto do Recorrente junto da instituição que autorizou a emissão de novo cartão ou a renovação de cartão anterior.
E - As consequências que advêm, ou advieram no caso sub judice, da utilização do cartão - pagamento de contas em Atm, cash advance, etc. - são consequências do uso do cartão, pelo que não se integram nem na infracção disciplinar aludida nos autos e, muito menos, na eventual existência de ilícito criminal pois, quando muito, constituiriam ilícitos económicos e/ou criminais diferentes.
F - No caso em análise só haveria indícios da prática de um ilícito criminal, que teria de ser avaliado à luz das regras do Direito Penal, sendo que o crime de falsificação exige um dolo especifico que, notoriamente, não aconteceu - neste sentido ver código penal de Maia Gonçalves - anotação ao artº 256º, anterior.
G - A infracção disciplinar é o comportamento culposo do trabalhador que viola deveres jus-laborais mas "não constituem parte integrante do conceito de infracção as consequências dela decorrentes. Estas apenas relevam para graduação da medida disciplinar "(neste sentido v.d., por ex., Ac. STJ, publicado no BMJ nº 394 ano 1990 pág. - 363 - recurso da RC - Proc. 72/88).
H - O prazo de prescrição tem como fim a preservação do próprio fim da punição, de forma a existir o excessivo distanciamento entre a infracção e correspondente infracção - AC STJ de 10/4/1991 in BMJ nº 406, pág. 442; ACSTJ proferido no processo JST00000227 de 16/1/2001.
A R. apresentou a sua alegação de resposta ao recurso subordinado, tendo entendido que a sentença não merece censura no que respeita ao julgamento da prescrição, pelo que deve ser mantida nessa parte.
A Ex.mª Sr.ª Procuradora da República, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que não se verifica a invocada nulidade da sentença e de que os recursos não merecem provimento, sendo de manter a decisão ora impugnada.
Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
1º) - O autor iniciou a sua actividade ao serviço da D......, ora C......., SA., com a categoria profissional de contínuo e com contrato de trabalho a termo, em 15.07.1985. Cf. doc. de fls. 148 a 150 do procº disciplinar
2º) - Foi evoluindo na carreira profissional, passando a gerente interino em 03.05.1999 e a gerente em 03.11.1999, na Agência da ré em Ermesinde. Cf. docs. de fls. 149/150 do procº disciplinar.
3º) - Em 18.10.2000 foi colocado (já com a categoria profissional de gerente), na Agência da ré em ...... - V. Nova de Gaia. Cf. doc. de fls. 150 do procº disciplinar.
4º) - O autor é desde, pelo menos, o ano de 1996 sócio do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários.
5º) - A ré, é membro da Associação Portuguesa de Bancos e subscritor do CCTV publicado no BTE nº 31, 1ª série, de 22.08.1990.
6º) - Em 27.02.2003, a Comissão Executiva do Banco réu tomou conhecimento da informação prestada pela Direcção de Auditoria e Inspecção do Banco quanto aos factos imputados ao autor na nota de culpa e deliberou, nessa data, instaurar-lhe processo disciplinar com intenção de despedimento com justa causa; suspendê-lo de imediato de funções; cancelar os cartões de crédito de que o autor era titular e a regularização imediata das responsabilidades decorrentes do uso desses cartões. Cf. docs. de fls. 1 a 4 do procº disciplinar.
7º) - Por carta datada de 17.03.2003, a ré comunicou ao autor a instauração do processo disciplinar com intenção de despedimento com justa causa, remeteu-lhe a nota de culpa e informou-o de que poderia responder, por escrito, no prazo de 15 dias úteis a contar da sua recepção, recepção ocorrida em 18.03.2003, tudo conforme docs. de fls. 48 a 56-A do procº disciplinar, aqui dados por integralmente reproduzidos. Cf. docs. de fls. 48 a 56-A do procº disciplinar.
8º) - O autor respondeu à nota de culpa, conforme doc. junto ao procº disciplinar a fls. 60/63, aqui dado por integralmente reproduzido e aí requereu diligências de instrução.
Cf. doc. fls. 60/63 do p.d.
9º) - Em 17.06.2003, a Snrª Instrutora do procº disciplinar elaborou o "relatório final”, conforme doc. junto ao procº disciplinar a fls. 178/194, aqui dado por integralmente reproduzido.
Cfr. doc. de fls.178/194 do p.d.
10º) - A Comissão Executiva da ré reuniu em 10.07.2003 e nessa data deliberou aprovar o “relatório final” do p.d.; aplicar ao autor a sanção disciplinar de despedimento com justa causa e, incumbir a sua Direcção de Recursos Humanos de comunicar ao autor a sanção disciplinar aplicada e remeter-lhe cópia da deliberação e do relatório final, tudo conf. doc. de fls. 195/199 do p.d., aqui dado por integralmente reproduzido.
Cf. doc. fls. 195/199 do p.d.
11º) - Por carta registada com A/R datada e registada em 05.08.2003, foi dado cumprimento à deliberação da Comissão Executiva da ré e assim comunicada ao autor a sanção disciplinar que lhe foi aplicada. Cf. docs. de fls. 200/202 do p.d.
12º) - O autor tinha como 1º titular uma "conta ordenado" - conta de depósito à ordem nº 45/240045 -, aberta em 27.03.1995 no Balcão da ré no Carvalhido, da qual era segunda titular, sua mulher, E.......... .
13º) - O autor era ainda 2º titular duma outra conta de depósitos à ordem - conta nº 45/218495-, da qual era 1º titular, seu pai, F......, aberta em 11.10.1994 no Balcão da ré do Carvalhido.
14º) - Afecta a essa conta nº 45/218495 foi atribuído um "cartão de crédito privilege" em nome do pai do autor, F........, com um limite de crédito associado de Esc. 1.000.000$00.
15º) - O autor dispunha, em nome próprio e associados à conta nº 45/240045 da qual é 1º titular, os cartões de crédito "privilege" e "classic".
16º) - O autor usou o limite de crédito de Esc. 1.000.000$00 associado ao seu "cartão privilige", disponível por lapso de carregamento.
17º) - Em 19.08.1996, o autor, como 2º titular da conta nº 45/218495, alterou a morada desta conta para a Rua ....., nº .... - ....., 4400 Vila Nova de Gaia.
18º) - A alteração da morada do pai do autor para a Rua ....., nº .... - Canidelo, também se verificou em relação aos contratos de prestação de serviços com a P.T. - Portugal Telecom.
19º) - Em 01 de Fevereiro de 1999, o autor requisitou, em nome do seu pai e afecto à conta nº 45/218495, da qual o autor era 2º titular, um "cartão classic", tendo ele próprio aposto uma assinatura, no espaço destinado na requisição à assinatura, como sendo a assinatura do seu pai.
Cf. Doc. fls. 8 do p.d.
20º) - Assinatura que também ele "conferiu" na requisição. Cf. doc. fls. 8 do p.d.
21º) - Tendo ele próprio, enquanto elemento da comissão de crédito do Balcão, juntamente com os outros elementos que integravam essa comissão de crédito, autorizado o plafond de 300 contos para o cartão de crédito, com a informação da antiguidade do cliente no C...../Carvalhido e no C...../Sá da Bandeira. Cf. doc. fls. 8 do p.d.
22º) - Plafond que, à posteriori, foi elevado para Esc. 500.000$00.
23º) - O plafond deste cartão, em 06.02.2003 estava esgotado por utilizações em levantamentos Cash Advance e pagamento de serviços em ATM.
24º) - O autor confessou imediata e espontaneamente os factos referidos nos artºs 19º a 21º acima.
25º) - Todos os saldos de todos os cartões, quer os emitidos em nome do pai do autor, quer os emitidos em nome deste, foram pagos com um crédito pessoal que foi aprovado pela ré ao autor em Janeiro/2003 e todos os cartões foram anulados.
26º) - A quase totalidade dos movimentos efectuados com os cartões emitidos em nome do pai do autor, foram destinados a pagamento de facturas em ATM e levantamentos em Cash Advance.
Cf. docs. de fls. 98 a 137 do p.d.
27º) - Todos os movimentos efectuados com os cartões emitidos em nome do pai do autor e afectos à conta nº 45/218495, foram efectuados pelo autor.
28º) - O pai do autor, desconhecia a requisição e existência do "cartão classic" referido no artº 19º acima, como desconhecia todos os movimentos que foram efectuados com esse "cartão classic" e bem assim todos os movimentos em concreto, que foram efectuados com o "cartão privilege" emitido em seu nome e afecto à mesma conta.
29º) - Sabia porém, que o "cartão privilege" emitido em seu nome era movimentado pelo seu filho aqui autor.
30º) - O pai do autor, se tivesse sido solicitado para o efeito, autorizaria a requisição do "cartão classic" referido no artº 19º acima, apondo a sua assinatura e bem assim a sua utilização pelo seu filho aqui autor, nos termos em que foi feita.
31º) - Após o falecimento da mãe do autor, ocorrida em 21.04.1998, o autor passou a prestar apoio quase diário a seu pai.
Cf. doc. fls. 64 do p.d.
32º) - O autor é filho único do casal.
Cf. doc. fls. 69/71 do p. d.
33º) - O autor é considerado pelos seus colegas de trabalho e por alguns superiores hierárquicos com quem trabalhou ao longo dos anos, pessoa honesta, empenhada e cumpridora.
34º) - O autor tem um percurso profissional de dedicação e esforço.
35º) - Nunca antes fora sancionado disciplinarmente.

O Direito.
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso [Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531], como decorre das disposições conjugadas dos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto nos Art.ºs 1.º, n.º 2, alínea a) e 87.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. do Trabalho, são as seguintes as questões a decidir:
1.ª – No recurso principal, a nulidade da sentença.
2.ª - No recurso principal, a justa causa de despedimento.
3.ª - No recurso subordinado, a prescrição do procedimento disciplinar relativamente à falsificação da assinatura.

Vejamos a 1.ª questão.
Trata-se de saber se a sentença é nula, pois entende a R., no requerimento de interposição do recurso, que há contradição entre a fundamentação e a decisão proferida.
Decidindo.
As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, ele pode ser impugnado através de recurso de agravo. As nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas e fundamentadas no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade.
[Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329].
No entanto, in casu, nenhuma questão se coloca a este nível, uma vez que o requerimento de interposição do recurso, bem como as respectivas alegações e conclusões, portanto, toda a peça processual, foi dirigida ao Sr. Juiz a quo.
Quanto ao mérito da nulidade, propriamente dito, dir-se-á que não existe a alegada contradição entre a fundamentação e a decisão, pois o Tribunal a quo entendeu que a infracção disciplinar, apesar de grave, não o é naquele grau que impusesse a imediata cessação do vínculo. Esta decisão, em si mesma considerada, é lógica, enuncia os respectivos fundamentos e conclui pela não verificação de justa causa, sendo assim coerente, nenhum reparo merecendo ao nível do silogismo praticado. O que poderia ter existido, se a alegação da R. correspondesse à realidade, era erro de julgamento, a brigar com o mérito da causa, mas não compaginável com os vícios da sentença, conforme invocado.
Assim, não praticou o Tribunal a quo qualquer contradição, a determinar a nulidade da sentença, atento o disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil, pelo que é de a manter.

A 2.ª questão a decidir neste recurso de apelação [recurso principal] consiste em saber se existiu justa causa para despedir o A. Por sua vez, a 3.ª questão consiste em saber se, no recurso subordinado, se verifica a prescrição do procedimento disciplinar relativamente ao facto da falsificação da assinatura do pai do A., feita por este, ao requisitar um cartão de crédito em nome daquele, numa conta em que ambos eram co-titulares, aberta no Banco R. Assim, há que conhecer em primeiro lugar a questão da prescrição, uma vez que a decisão dela tem - ou pode ter - influência na apreciação da justa causa invocada.

Vejamos, pois, a 3.ª questão.
Na sentença entendeu-se que a assinatura aposta pelo A., em vez de seu pai, na requisição do cartão de crédito classic, integrava um facto continuado que só terminou com o pagamento do saldo desse cartão, tendo-se - perdurado e - repetido com a renovação do mesmo cartão.
Entende o A. que se trata de acto instantâneo, pelo que a infracção se consumou no momento da aposição da assinatura na requisição do referido cartão de crédito, estando assim prescrita, defendendo a R. o ponto de vista da confirmação da sentença, nessa parte.
Decidindo.
O critério da distinção do carácter instantâneo ou continuado da infracção disciplinar laboral é importado do direito penal, em cujo Art.º 30.º, n.º 2 do respectivo código se estabelece:
Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
E tem-se entendido que são pressupostos do crime continuado, os seguintes:
- a realização plúrima do mesmo tipo de crime;
- homogeneidade da forma de execução;
- lesão do mesmo bem jurídico;
- unidade de dolo;
- persistência da mesma «situação exterior» [Cfr. Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, in O CÓDIGO PENAL DE 1982, vol. 1, 1986, págs. 208 e 209 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-02-16 e de 1997-05-14, in, respectivamente, BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, n.º 394, págs. 363 a 370 e COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Ano V-1997, Tomo II, págs. 280 e 281.]

Ora, aplicando estes ensinamentos ao foro laboral, logo verificamos, in casu, que a assinatura da requisição do cartão não é facto da mesma natureza da sua renovação e, muito menos, o é da sua utilização nas caixas muitibanco ou nos fornecedores de bens ou serviços, pois apenas a celebração do contrato respectivo exige uma assinatura do cliente, ora A., e não já a sua execução, traduzida na sua renovação e utilização, caso a caso, no comércio ou nas ATMs.
Por outro lado, não há homogeneidade da forma de execução, pois a utilização do cartão em ATMs e como cash advance não exige qualquer assinatura, nem sequer a relação com uma pessoa, mas apenas com uma máquina, sendo certo que se trata de actividade que a comissão de crédito do R. não controla, como sucede nos contratos de emissão de cartões de crédito.
Acresce que são diferentes os bens jurídicos protegidos nos casos de falsificação de assinatura - que é também crime - e de utilização indevida de cartão de crédito, nomeadamente alheio, que pode não o ser.
Por último, não se pode falar de unidade de resolução do agente, ora A. e de persistência da mesma situação exógena, facilitadora da acção, quando são de diferente natureza, como se viu, quer os actos materiais em causa, quer o modus faciendi.
Daí que concluamos no sentido de que a falsificação da assinatura em causa se traduziu numa infracção laboral instantânea, que se consumou no acto da sua aposição na requisição do cartão de crédito, pelo que tendo esta ocorrido em 1999-02-01, encontrava-se já prescrita – a infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, como dispõe o Art.º 27.º, n.º 3 da L.C.T., aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 1969-11-24 - quando em 2003-02-27 a R. decidiu instaurar processo disciplinar ao A., por tais factos.
Tal significa, assim, que in casu na apreciação da justa causa de despedimento não se pode levar em conta o facto consistente na falsificação da assinatura levada a cabo pelo ora A. na requisição do cartão de crédito classic, para o seu pai.
A 2.ª - e última - questão.
Consiste em saber, no recurso de apelação [recurso principal], se existiu justa causa para despedir o A.
Vejamos.
Estabelece o Art.º 9.º, n.º 1 do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro:
O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constitui justa causa de despedimento.
Decompondo o conceito de justa causa, constante do n.º 1, logo se vê que ele se analisa em três elementos, a saber:
a) Comportamento do trabalhador, culposo – elemento subjectivo;
b) Uma situação de impossibilidade prática de a relação de trabalho subsistir – elemento objectivo e
c) Uma relação causal – nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Tal significa que o comportamento do trabalhador tem de lhe poder ser imputado – atribuída a sua autoria [Imputar... é colocar na conta de alguém uma acção censurável, uma falta, logo, uma acção previamente confrontada com uma obrigação ou com uma interdição que essa acção infringe... ou... Imputar uma acção a alguém é atribuir-lha como sendo o seu verdadeiro autor, colocá-la, por assim dizer, na sua conta, e tornar esse alguém responsável por ela. Cfr. Paul Ricoeur, in O JUSTO OU A ESSÊNCIA DA JUSTIÇA, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pág. 38] - título de culpa ou, no limite, a título de negligência, o que pressupõe que o trabalhador esteja no completo domínio das suas faculdades mentais, com capacidade de entender e de querer, nomeadamente, de entender que integra uma organização produtiva, dinâmica, de que ele constitui um elemento vivo.
Por outro lado, a justa causa tem de ser apreciada em concreto, isto é, o comportamento do trabalhador tem de ser analisado integrado dentro da organização produtiva que é a empresa da entidade empregadora e face aos interesses desta; isto é, como o trabalhador é um elemento da empresa, integrado na respectiva organização dinâmica, o seu comportamento também tem de ser visto em acção, para se poder aferir da sua gravidade e consequências dentro e para a empresa. Para isso, interessa, nomeadamente, averiguar das relações entre o trabalhador e os seus colegas de trabalho, da relação entre o trabalhador e a empresa, saber da prática disciplinar em geral e em relação ao trabalhador em causa e todas as outras circunstâncias do caso.
É fazendo o caldeamento crítico de todos estes elementos e circunstâncias que, caso a caso, se há-de concluir pela existência ou não de justa causa, face ao grau de gravidade da conduta, em si mesma e nas suas consequências, que determine a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral. Pois, se atendendo ao princípio da proporcionalidade e fazendo apelo a juízos de equidade, for possível a conservação do contrato pela aplicação de sanção mais leve, é isso o que deve ser feito: o despedimento é a sanção mais grave a que se deverá recorrer apenas quando outra sanção não possa eficazmente ser aplicada [Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, in CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, 2.ª edição com aditamento de actualização, 1996, a págs. 511, nomeadamente.],[Cfr., em geral e sobre todas as questões até aqui tratadas, Jorge Leite, in DIREITO DO TRABALHO, DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, Coimbra, 1978, págs. 114 e segs., António de Lemos Monteiro Fernandes, in Noções Fundamentais de Direito do Trabalho 1, 3.ª edição, 1979, págs. 307 e segs., José Maria Rodrigues da Silva, in MODIFICAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, Direito do Trabalho, Suplemento do Boletim do Ministério da Justiça, 1979, págs. 179 e segs., Abílio Neto, in Despedimentos e Contratação a Termo, 1989, págs. 43 e segs., Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, págs. 82 e segs., Pedro de Sousa Macedo, in Poder Disciplinar Patronal, págs. 70 e segs., Costa Martins, SOBRE O PODER DISCIPLINAR DA ENTIDADE PATRONAL, in I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coordenação de António Moreira, págs. 223 e segs., Pedro Romano Martinez, in DIREITO DO TRABALHO, II VOLUME, CONTRATO DE TRABALHO, 1.º Tomo, 3.ª edição, 1999, págs. 406 e segs.]

Por outro lado e como corolário do princípio da boa fé na execução dos contratos, é habitual apontar-se o dever de lealdade do trabalhador para com a sua entidade empregadora, pedra de toque do contrato de trabalho. Tal dever tem como correspectivo a confiança, aquele elemento fiduciário, infungível e intuitu personae, que é pressuposto fundamental do referido contrato, seja nos preliminares ou na sua celebração, mas sobretudo na sua execução. E se isto é assim em geral, é-o de modo particular naqueles casos em que o trabalhador ocupe cargos de direcção, sendo a doutrina e a jurisprudência bem mais exigentes nestas situações. De facto, é nestes casos que a necessidade de confiança - elemento fiduciário - mais se faz sentir [Cfr., por todos, João Moreira da Silva, in Direitos e Deveres dos Sujeitos da Relação Individual de Trabalho, Coimbra, 1983, págs. 61, António Monteiro Fernandes, in TEMAS LABORAIS, DEVER DE LEALDADE E PROIBIÇÃO DE CONCORRÊNCIA, Coimbra, 1984, págs. 59 e segs., António Menezes Cordeiro, anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/03/1985, (in BMJ n.º 345, págs. 300-304), in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, Setembro 1986, Tomo II, págs. 495-526 (o Acórdão está publicado no mesmo tomo da Revista, imediatamente antes da anotação), Armando Braga, in A Nova Lei dos Despedimentos e da Contratação a Termo, 1989, págs. 36, Bernardo da Gama Lobo Xavier, obra citada, págs. 499-501, nomeadamente e Isabel Ribeiro Parreira, A QUEBRA DE CONFIANÇA COMO CRITÉRIO DE CONCRETIZAÇÃO DA JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO, I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coimbra, 1998, págs. 271-280, que a págs. 275 refere, nomeadamente: “... a confiança depositada no trabalhador é tanto maior quanto maior for a responsabilidade do cargo e a intelectualidade ou especialidade da função ...”].
Voltando à hipótese concreta dos autos.
Numa análise inicial acerca dos factos dados como provados, deve dizer-se desde já que não poderão ser considerados no juízo a formular acerca da justa causa de despedimento, o ponto 19.º, dado o decidido no âmbito da questão anterior acerca da prescrição e o ponto 30.º, por se tratar de mera hipótese e não – como não poderia deixar de ser – de um facto.
Depois, em síntese, são imputados ao A. factos que se relacionam com o uso dos cartões privilege e classic, tanto os emitidos em seu nome com base na conta de que ele é 1.º titular, como os emitidos em nome do seu pai e sobre a conta de que o A. é 2.º titular, sendo seu pai o 1.º.
Ora, sendo os primeiros emitidos em seu nome, nada há a apontar ao A. em termos de regularidade formal, embora pareça que o mesmo não se possa dizer do ponto de vista do seu funcionamento e utilização, pois estes também acabaram por ser anulados e os respectivos saldos substituídos por um crédito pessoal que a R. abriu a favor do A., como resulta provado no ponto 25.º da lista dos factos assentes; isto é, mesmo os cartões de crédito emitidos em nome do A. foram utilizados de forma incorrecta, pois os respectivos saldos ou fracções não foram liquidados nos prazos previamente estabelecidos.
Já quanto aos cartões de crédito privilege e classic, emitidos em nome do pai do A. e sobre a conta de que ele, A., é 2.º titular, sendo seu pai o 1.º, as irregularidades começam no plano formal, estendendo-se depois ao modo do seu funcionamento e utilização. Na verdade, embora emitidos em nome do pai do A., é este que tem a sua posse e os utiliza como bem entende, com o conhecimento do pai no caso do cartão de crédito privilege, mas sem o seu conhecimento no caso do cartão classic.
Ora, a utilização de cartão de crédito alheio, com desconhecimento do seu titular – ou mesmo com o seu conhecimento – é uma prática proibida pela banca a qualquer cliente, pelo que a prática correspondente levada a cabo por um funcionário é muito mais grave e, muito mais grave ainda, se se tratar de funcionário com cargo de direcção, atentos os valores que estão em causa, tanto no plano interno das relações entre os funcionários do banco, como no externo das relações entre os funcionários do banco e dos seus clientes e do banco em si, com estes.
Daí que, in casu, a circunstância do titular dos cartões de crédito utilizados pelo A. a non domino ser o seu pai, pouco peso tem na análise da justa causa, uma vez que o R., em termos de juízo de prognose acerca da viabilidade da relação de trabalho com o A., ficaria sempre com a dúvida fundada acerca de que comportamento é que poderia esperar dele amanhã. Na verdade, tendo ele utilizado cartões de crédito do pai, não poderia amanhã utilizar cartões de outro familiar ou de qualquer outra pessoa? Que garantias poderia o A. dar em sentido contrário?
O A. não é um qualquer funcionário da banca, mas um gerente de balcão, cargo de responsabilidade, a vários níveis, cuja conduta tem de ser impoluta para que dúvidas não existam acerca da sua conduta futura.
Cremos que a conduta do A., atento o cargo de gerente e a gravidade dos factos praticados, quebrou a confiança que a R. nele – até aí – sempre tinha depositado, sendo certo ela não admite gradações.
Tal significa que a relação familiar com o pai, a perda da mãe e a ausência de passado disciplinar, sendo sempre respeitáveis e inolvidáveis, não apresentam a virtualidade de transformar a quebra da confiança na sua reaquisição, pelo que não se impunha à R. a aplicação de uma sanção conservatória do vínculo.
Assim, cremos que lícito foi o despedimento, a impor a revogação da sentença no que aos efeitos da ilicitude concerne.
Daí que deva improceder a invocada nulidade da sentença e proceder os recursos principal e subordinado, assim se revogando parcialmente a sentença, com a consequente absolvição da R. do pedido.

Decisão.
Termos em que se acorda em indeferir a invocada nulidade da sentença, em conceder provimento a ambos os recursos de apelação, principal e subordinado, assim revogando parcialmente a sentença, com a consequente absolvição da R. do pedido.
Custas do recurso principal pelo A. e do subordinado pela R.

Porto, 09 de Janeiro de 2006
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira