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JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS
FALSAS DECLARAÇÕES
DEVER DE LEALDADE
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
GRAVIDADE DA INFRACÇÃO
DOENÇA PROLONGADA
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
CRÉDITO POR HORAS DE FORMAÇÃO
Sumário
I - Entregando o trabalhador à empregadora “Certificado de Incapacidade” comprovativo da incapacidade temporária para o trabalho com autorização do domicílio apenas para tratamentos, sofrendo o mesmo uma queda no local de trabalho do seu filho, o qual acompanhava, a questão não se enquadra nas falsas declarações relativas à justificação de faltas a que se refere a al. f) do nº 2 do art.º 351º do Código do Trabalho, mas sim como de violação do dever de lealdade para com o empregador. II - Na alínea f) do nº 1 do art.º 128º do Código do Trabalho, está contido um dever de honestidade que implica uma obrigação de abstenção por parte do trabalhador de qualquer comportamento que possa fazer desaparecer a relação de confiança (enquanto obrigação de conteúdo mais amplo) que se move nas coordenadas impostas pelo princípio da boa-fé. III - Comete infração disciplinar o trabalhador que procede como referido em I), pois violou a obrigação de se abster dum comportamento que a sua empregadora confiava não acontecesse em face daquilo que o trabalhador lhe comunicou. Porém, não se demonstrando que o trabalhador estivesse a trabalhar para outrem, ou que estivesse capaz para trabalhar, é de considerar que essa infração não assume uma tal gravidade que leve a dizer ter a relação laboral ficado irremediavelmente comprometida. IV - O pagamento das denominadas retribuições intercalares assenta na ideia de reconstituição da situação que existiria se o despedimento ilícito não tivesse ocorrido e o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, pelo que se o contrato estiver suspenso por doença do trabalhador que se prolonga, não são devidas as retribuições intercalares nesse período; cabe à empregadora, como facto impeditivo do direito do trabalhador a receber as retribuições intercalares, demonstrar a suspensão do contrato por doença do trabalhador, pelo que se não o fizer relativamente a todo o período em que são devidas aquelas retribuições, as mesmas são devidas relativamente à parte do período em que a prova não seja feita. V - A utilização do verbo “assegurar” no nº 1 do art.º 132º do Código do Trabalho leva-nos a retirar, a contrario, que se o empregador tiver assegurado a realização da formação, e a mesma não se tiver efetivado por facto que não lhe seja imputável, não se dá a transformação em créditos de horas formativas a serem utilizadas pelo trabalhador; é de considerar que a empregadora assegurou a realização de formação se está comprovado que num ano o trabalhador esteve impossibilitado de comparecer à formação que a empregadora disponibilizasse, não se dando, nesse caso a transformação em crédito de horas. VI - O direito às horas de formação não se vence em bloco, antes se vencendo à medida e na medida em que o tempo decorre, pelo que se a suspensão do contrato se inicia depois do início do ano, é devido o proporcional de crédito de horas à parte do ano em que não se verifica a suspensão do contrato de trabalho.
Texto Integral
Recurso de apelação n.º 150/21.0T8AVR.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro – J1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
AA apresentou formulário para impulsionar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “G..., S.A.” manifestando oposição ao seu despedimento, ocorrido em 11.01.2021, juntando cópia de decisão proferida em procedimento disciplinar que lhe foi instaurado.
Realizada Audiência de Partes frustrou-se a conciliação das mesmas.
Notificada a Ré[1] para apresentar articulado de motivação do despedimento, a mesma apresentou tal articulado, juntando o procedimento disciplinar que instaurou ao Autor, então seu trabalhador, e alegando que instaurou o competente procedimento disciplinar e concluiu que se verificou justa causa de despedimento do Autor, em síntese porque o trabalhador declarou à empregadora estar incapacitado para o trabalho quando afinal se deslocava às instalações de outra empresa (a “A...”) onde prestava trabalhos.
Termina dizendo que o despedimento do trabalhador/Autor, com invocação de justa causa pela empregadora, deve ser considerado regular e lícito.
Notificado, o Autor apresentou contestação, alegando, em resumo, por um lado verificar-se a invalidade do procedimento disciplinar nos termos do art.º 382º, nº 2, al. d) do Código do Trabalho, e também por via do disposto no nº 5 do art.º 357º e al. c) do art.º 381º, ambos do Código do Trabalho, e por outro lado que a Segurança Social informou a Ré que o Autor não estava apto para desempenhar a sua atividade.
Apresentou reconvenção, formulando no final o seguinte pedido:
a) condenação da Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento decretado por invalidade do procedimento disciplinar nos termos da al. d) do nº 2 do artigo 382º do Código do Trabalho, bem como pelo facto de ao não conter a decisão de despedimento qualquer fundamentação, e de não ter sido comunicado ao Autor a decisão final de despedimento, foi violado o nº 5 do artigo 357.º do Código do Trabalho, determinando a invalidade do procedimento disciplinar do Autor e consequentemente nos termos da al. c) do artigo 381º do Código do Trabalho, ilícito o seu despedimento,
ou caso tal não seja entendido,
b) condenação da Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor decidido pelo procedimento disciplinar, onde de forma ilegal, abusiva, infundada e desproporcional foi considerado que o Autor violou os deveres das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho e,
c) condenação da Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho e categoria, sem perda de antiguidade ou, se este vier a optar em audiência, a indemnizá-lo na quantia de € 29.370,00, atenta a situação à data da efetivação do despedimento (12 de janeiro de 2021) e,
d) condenação da Ré a pagar ao Autor as retribuições que deixou de auferir desde o seu despedimento até á data do trânsito em julgado, que reconheça a ilicitude do despedimento, sendo as vencidas, com referência ao final do mês de fevereiro (deduzidos os valores recebidos a título de prestação de desemprego) de € 1.150,68 e,
e) condenação da Ré a pagar ao Autor o valor correspondente às horas de formação que não lhe foram proporcionadas nos termos do art.º 134º do Código do Trabalho, no valor de € 898,63 e,
f) condenação da Ré a pagar ao Autor o valor referente às férias não gozadas e retribuição de férias no valor de € 1.424,00 e,
g) condenação da Ré a pagar pelo menos a quantia de € 2.670,00 a título de danos morais sofridos pelo Autor em razão da ilicitude do seu despedimento,
i) e a pagar juros de mora sobre todos os valores peticionados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento dos mesmos.
A Ré apresentou resposta alegando, em síntese, que:
-- o crédito de horas para formação que não seja utilizado, caduca passados três anos sobre a sua constituição (art.º 134º do Código do Trabalho), não tendo, nessa medida, aplicabilidade nos casos em que não é o empregador quem não proporciona a formação, mas sim o trabalhador quem não pode recebê-la;
-- nada deve a título de férias vencidas e não gozadas e subsídio de férias;
-- o pagamento de salários intercalares deixa de ter cabimento nas situações em que, independentemente do despedimento, o trabalhador não pudesse, durante o período que medeia o despedimento e a decisão de ilicitude, exercer a sua atividade;
-- impugna o alegado pelo Autor na contestação, reafirmando dever o despedimento ser considerado regular e lícito.
Foi admitida a reconvenção, dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova bem como dispensada a realização de audiência prévia.
Foi proferido despacho saneador, afirmando a validade e regularidade da instância.
Em 30.07.2021, depois de juntos pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários ... de “relatórios relativos à ocorrência de 24.09.2020”, a Ré apresentou requerimento solicitando a condenação do Autor como litigante de má-fé em multa e condigna indemnização a seu favor, a fixar nos termos do nº 2 do art.º 543º do Código de Processo Civil.
O Autor pronunciou-se pelo indeferimento desse pedido.
Foi realizada audiência de discussão e julgamento, durante a qual o Autor declarou desistir do pedido que formulara sob a alínea f) e declarou optar pelo pagamento de uma indemnização em substituição da sua reintegração [cfr. ata de 02.07.2021].
Foi, depois, proferidasentençadecidindo julgar a ação parcialmente procedente e:
I) Declarar ilícito o despedimento do Autor;
II) Condenar a Ré a pagar ao Autor:
a) indemnização pelo despedimento ilícito, no valor de € 19.580,00.
b) as retribuições vencidas e vincendas desde 14.01.2021 até à data do trânsito em julgado da sentença, no valor atual ilíquido de € 8.860,45 – deduzidas porém das importâncias que auferiu e venha ainda a auferir a título de subsídio de desemprego, em resultado do despedimento, cujo valor a Ré deverá entregar à Segurança Social.
c) € 750,00, a título de créditos por formação profissional não proporcionada.
d) juros de mora à taxa legal (atualmente de 4%) sobre tais quantias, até efetivo e integral pagamento, contabilizados: desde a data da prolação da sentença no que respeita à aludida em II. a); desde o vencimento de cada uma das retribuições, quanto à referida em II. b), exceto no que se refere às vencidas antes da notificação à Ré da contestação/reconvenção, em que são devidos a contar da data dessa notificação; e desde a notificação à Ré da contestação/reconvenção, no tocante às referenciadas em II. c).
III. Declarar extinto, por desistência, o (eventual) direito do Autor à quantia peticionada sob a al. f) da contestação/reconvenção.
IV. No mais, absolver a Ré do pedido.
V. Absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pela Ré.
Foi fixado o valor da ação em € 35.513,31.
Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
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Termina dizendo dever o recurso ser julgado procedente, e em consequência ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que:
a) altere a resposta à matéria de facto, declarando provada a factualidade vertida nos artigos 11º a 14º, 18º e 19º do articulado motivador da Apelante;
b) em aplicação do disposto no art.º 351º do Código do Trabalho, declare lícito o despedimento do Autor, com todas as legais consequências,
c) em aplicação do disposto no art.º 790.º no Código Civil, declare improcedente o pedido de pagamento de horas de formação não prestada.
Subsidiariamente,
d) deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, em aplicação do disposto nos art.ºs 390º e 391º do Código do Trabalho, declare improcedente o pedido de pagamento de salários intercalares e reduza a indemnização arbitrada ao montante de € 9.790,00 correspondente a 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.
O Autor apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
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Conclui dizendo dever a sentença proferida em 1ª instância ser mantida nos pontos objeto de recurso.
Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
O Senhor Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, referindo em essência o seguinte:
Tendo em consideração a factualidade dada como provada e os meios de prova – testemunhal e documental – que a sustentam, entendemos que a sentença recorrida deverá ser infirmada, atentos os fundamentos que nela foram consignados, considerando que a factualidade dada como provada, mesmo considerado alguns “minus”, apontam para uma solução de direito necessariamente diversa da que foi prolatada e tal como a recorrente o defende.
Com efeito, há que reconhecer que o recorrido desempenhava uma outra atividade laboral incompatível com a sua situação de inaptidão para o trabalho, que deveria ser exercida a título principal, justificando as suas ausências mediante sucessivas renovações de declaração médica e por haver sofrido naquela um acidente que o incapacitou. E nem foi dado como provado que no dia 24.09.2020 o recorrido tomara a iniciativa de suspender tal declaração para desempenhar a sobredita atividade, independentemente do vínculo que tivesse sido estabelecido.
Do exposto decorre que a sentença recorrida não observou as consequências que foram apuradas em procedimento disciplinar, afigurando-se-nos haver contradição com a fundamentação de direito quanto ao ocorrido no dia 24.09.2020, dada a objetividade do facto então ocorrido, pois que se o recorrido estava incapacitado para o exercício do trabalho principal, também haveria de estar para outro tipo de trabalho numa outra entidade diferente e o que vai manifestamente para além de qualquer ausência do domicílio para tratamento, pelo que terá de improceder qualquer desconhecimento como o que vem invocado na sentença.
Antes se inculca que os certificados de incapacidade para o trabalho sucessivamente apresentados perante a recorrente foram usados em contrário do que neles foi mencionado e o que consubstancia violação dos deveres laborais. Daí a licitude do despedimento com justa causa.
Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[3], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[4] é saber se:
● verifica-se erro de julgamento sobre a matéria de facto?
● o despedimento do Autor promovido pela Ré é lícito?
● as retribuições intercalares não são devidas?
● o valor da indemnização deve ser reduzido (calculando-se com base no valor de 15 dias de retribuição por cada ano)?
● não é devido ao Autor o valor reclamado a título de créditos por formação?
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Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.
Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem:
1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 04 de janeiro de 1999, para exercer as funções de Serralheiro Civil.
2) Em 09 de dezembro de 2016, o Autor deixou de trabalhar, em virtude de uma operação ao pé direito.
3) Entre 09 de dezembro de 2016 e 02 de junho de 2017, o Autor não se apresentou a prestar trabalho, entregando à Ré sucessivos certificados de incapacidade para a prestação da sua atividade.
4) Entre o dia 05 de junho de 2017 e o dia 09 de junho de 2017, o Autor gozou férias.
5) No dia 12 de junho de 2017, o Autor apresentou-se a prestar trabalho.
6) Em 14 de junho de 2017, o Autor apresentou à Ré novo certificado de incapacidade temporária para o trabalho, com fundamento em doença natural.
7) Desde o dia 14 de junho de 2017 que o Autor não voltou a apresentar-se para prestar trabalho na Ré, entregando-lhe periodicamente sucessivas renovações de declaração médica de situação de incapacidade para a prestação de trabalho.
8) O último certificado de incapacidade entregue pelo Autor à Ré data de 15 de dezembro de 2020 e é referente ao período entre 15 de dezembro de 2020 e 13 de janeiro de 2021.
9) Nos termos do referido certificado, entregue pelo Autor à Ré, o Autor padece de doença incapacitante para a sua atividade profissional e apenas está autorizado a ausentar-se do seu domicílio para tratamento, prevendo a possibilidade de “em caso devidamente fundamentados o médico pode[r] autorizar a ausência no período das 11 às 15H e das 18 às 21H”.
10) O Autor desempenhava na Ré funções de Chefe de equipa da Secção de Pintura, desde há cerca de 10 anos antes de entrar de baixa médica.
11) As funções do Autor consistiam em «(…) retirar peças metálicas, de vários pesos e tamanhos (pode chegar aos 25 Kg) de uma caixa, colocá-las num gancho onde estas vão ser pintadas e depois de secas, retirá-las do referido gancho e voltar a arrumá-las na respetiva caixa. Esta tarefa é executada durante 8 horas e em pé. Para além desta tarefa é coordenador do seu sector que é a pintura. Portanto anda de um lado para outro a vigiar e a orientar o trabalho».
12) Até determinada altura, não concretamente apurada, mas que coincidiu com a entrada em funções da nova administração da Ré, o Autor tinha as chaves das instalações.
13) A retribuição mensal do Autor era de € 890,00.
14) No dia 24 de setembro de 2020, o Autor encontrava-se nas instalações da sociedade “A...”, tendo caído de cima de uma galera, sofrendo lesões na cabeça e tórax.
15) Aquando da queda o Autor, estava presente nas instalações da “A...” o filho do Autor, BB, trabalhador da referida sociedade, que se encontrava a preparar a carga de um veículo num reboque.
16) Foi chamada ao local uma equipa de emergência médica e a GNR.
17) O sucedido motivou comentários dos trabalhadores da Ré.
18) O Autor acompanhava por vezes o filho nas viagens de trabalho que este fazia.
19) A 01 de outubro de 2020, a instrutora procedeu à abertura do procedimento disciplinar, determinando a junção aos autos do despacho da administração da Ré, que ordenou a abertura do procedimento disciplinar e dos certificados de incapacidade para o trabalho que o Autor apresentou entre dezembro de 2016 e outubro de 2020.
20) Na mesma data (01/10/2020), a Instrutora do procedimento disciplinar proferiu despacho de inquirição das testemunhas CC, DD e EE.
21) No dia 07 de outubro de 2020, foram inquiridas as testemunhas CC, EE e DD, tendo os seus depoimentos ficado a constar do processo.
22) Em 19 de outubro de 2020, a instrutora redigiu a nota de culpa.
23) A nota de culpa (acompanhada dos 2 documentos que a instruíram) foi dirigida ao Autor a 19 de outubro de 2020, tendo sido pelo mesmo rececionada a 20 de outubro de 2020.
24) A 23 de outubro de 2020, o Exmo. Sr. Dr. FF dirigiu-se à Ré na qualidade de mandatário do Autor, solicitando que lhe fosse indicado horário para consultar o processo.
25) Em 30 de outubro de 2020, o Exmo. Mandatário do Autor comunicou à Instrutora que não havia sido possível consultar a integralidade do processo.
26) Em 04 de novembro de 2020, foi determinada, pela Instrutora do procedimento disciplinar, a disponibilização do processo ao Mandatário do Autor, mais se lhe concedendo um novo prazo de resposta, correspondente ao inutilizado após a impossibilidade de consulta.
27) Em 11 de novembro de 2020, foi rececionada pela Instrutora do procedimento disciplinar a resposta à nota de culpa enviada pelo Autor, através do seu mandatário, onde é requerida a junção de 3 documentos e a inquirição das testemunhas BB, GG e HH.
28) Em 13 de novembro de 2020, foi proferido despacho (i) de junção de tal resposta aos autos, (ii) de deferimento da requerida junção do registo de trabalhador do Autor, (iii) e de indeferimento da requerida junção do registo disciplinar do Autor.
29) Mais foi determinada a notificação do Autor para:
- querendo, esclarecer qual o documento (“ficha médica”) cuja junção pretendia, sob pena de indeferimento do requerido quanto a este ponto.
- esclarecer se pretendia que as inquirições fossem realizadas presencialmente ou à distância, por recurso a meios de comunicação.
30) Em 27 de novembro de 2020, o Mandatário do Autor solicitou a realização presencial das inquirições das testemunhas arroladas, nas instalações da Ré, em ..., mais comunicando a disponibilidade das mesmas para a manhã do dia 10 de dezembro, a partir das 10:30.
31) Quanto aos demais esclarecimentos solicitados, nada foi apresentado, indeferindo-se a requerida junção da “ficha médica” pelos motivos exarados no despacho de 23 de novembro.
32) Por despacho da Instrutora do procedimento disciplinar de 02 de dezembro de 2020, foi agendada a inquirição das testemunhas indicadas pelo Autor na sua resposta à nota de culpa, para o dia e horas por este sugeridos.
33) No dia 10 de dezembro de 2020, na presença do Mandatário do Autor, foi realizada a inquirição das testemunhas HH, BB e GG.
34) Face à discrepância dos depoimentos das testemunhas indicadas na nota de culpa e as indicadas pelo trabalhador e por tal se mostrar essencial a apurar a veracidade dos factos, determinou-se a inquirição de todos os trabalhadores que prestam trabalho nas instalações da Ré em ....
35) A 24 de dezembro de 2020, foram inquiridas as testemunhas II e JJ, tendo os depoimentos ficado a constar dos autos.
36) No dia 30 de dezembro de 2020, foram inquiridas as testemunhas KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV, tendo os depoimentos ficado a constar dos autos.
37) Em 06 de janeiro de 2021, procedeu-se à junção do registo de trabalhador que havia sido determinada em 13 de Novembro e indeferiu-se, por falta de indicação que permitisse identificar o documento cuja junção tinha sido requerida com essa designação, o documento “ficha médica”.
38) Na mesma data, a instrutora juntou aos autos a informação constante do sistema de controlo de assiduidade e dos certificados de incapacidade entregues nos dias 16 de outubro de 2020, 15 de novembro de 2020 e 15 de dezembro de 2020.
39) Em 08 de janeiro de 2021, a instrutora procedeu à elaboração do relatório final do procedimento disciplinar, propondo a aplicação da sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem compensação ou indemnização.
40) Em 08 de janeiro de 2021, a Administração da Ré, aderindo à fundamentação de facto e de direito do relatório final, proferiu decisão final, deliberando a aplicação ao Autor da sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem compensação ou indemnização.
41) A decisão foi comunicada ao Autor por carta registada de 08 de janeiro de 2021 e recebida em 11 de janeiro de 2021.
42) O Autor nunca tinha sido alvo de qualquer sanção disciplinar por parte da Ré.
43) No âmbito do procedimento disciplinar, foi requerida pela Ré ao ... Instituto da Segurança Social, I.P., em 25.11.2020, a verificação da situação de incapacidade temporária para o trabalho do Autor.
44. Em 11.11.2020, o ... Instituto da Segurança Social, I.P. comunicou o resultado dessa verificação, que foi no sentido de que o Autor «Não está apto para desempenhar a atividade».
45) Essa comunicação não foi junta ao procedimento disciplinar.
46) O Autor recebeu do Instituto da Segurança Social, I.P. subsídio de desemprego, com efeitos desde 29.01.2021, no valor mensal de € 510,27, tendo ainda recebido do ISS, I.P., em 2017, 2018 e 2019, prestação compensatória de subsídio de Natal e de férias.
47) A situação de doença do Autor não estava ainda resolvida aquando da apresentação pelo Autor da contestação/reconvenção, em 09.03.2021
E quanto a factos NÃO PROVADOSfoi consignado o seguinte, que se reproduz:
«Não se provaram quaisquer outros factos de entre os constantes do AMD, contestação/reconvenção e resposta (não se pronunciando o tribunal sobre as alegações de natureza jurídica, conclusiva ou desnecessária, em face das regras de distribuição do ónus da prova), nomeadamente [atribuindo-se agora letras a cada ponto para maior facilidade de exposição infra]:
a) que a queda sofrida pelo Autor no dia 24 de setembro de 2020 nas instalações da “A...” ocorreu quando o Autor executava trabalhos de serralharia por conta da referida empresa;
b) que essa queda se deu quando o Autor se encontrava em cima de uma palete, num empilhador, a cortar uma peça numa galera de um reboque, usando para o efeito um maçarico;
c) que o Autor alguma vez trabalhou para as empresas “A...” e/ou “Z...”, executando trabalhos de serralharia ou de qualquer outro tipo;
d) que na referida data (24 de setembro de 2020), o Autor não estava incapacitado de prestar a sua atividade profissional;
e) que o Autor era um trabalhador respeitado e respeitador no seu local de trabalho;
f) que o Autor era o trabalhador designado para abrir as portas aos colegas todos os dias, para que estes pudessem ir trabalhar;
g) que o Autor abria as portas das instalações inclusivamente aos fins de semana e a horas fora do período normal, para carga e descarga de camiões;
h) que o Autor conduzia os veículos da Ré para fazer entregas de produto, quando os motoristas não tinham disponibilidade;
i) que o Autor tem graves problemas físicos ao nível ósseo e que a sua doença se iniciou em dezembro de 2016;
j) que o Autor desde dezembro de 2019 que não recebe qualquer quantia referente ao impedimento temporário para o trabalho, por ter terminado o período a que tinha direito;
k) que o despedimento causou ao Autor humilhação, tristeza e angústia, passando a falar pouco, a andar atormentado e cismado com essa questão, passando algumas noites sem dormir;
l) que o Autor passou a estar profundamente envergonhado, pelo facto de todos os trabalhadores da Ré, seus colegas, terem tido conhecimento dos exatos termos do processo disciplinar que lhe foi movido, fazendo com que o Autor nem sequer tenha vontade de sair à rua, por se poder cruzar com os seus colegas que residem na mesma localidade;
m) que por ter sido despedido e se encontrar desempregado, o Autor anda preocupado e ansioso com a sua vida futura.»
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Do erro de julgamento sobre matéria de facto:
Alega o Recorrente que o tribunal a quo errou na decisão sobre a matéria de facto, porque deviam ter sido considerados provados os factos constantes dos pontos 11º a 14º, 18º e 19º do articulado motivador do despedimento (AMD).
Comecemos por enquadrar os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre matéria de facto, de modo a ficar claro em que termos é feita essa apreciação no tribunal ad quem, ou seja, em que termos vamos apreciar esta parte do recurso.
Caso haja impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).
Porém, embora não se trate de um novo julgamento, tendo presente o disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, vem-se entendendo que o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil)[5], em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece[6].
Daí referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se), ou seja, não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida.
Assim, o recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção.
Em conformidade, o legislador, tal como impõe ao tribunal o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova (art.º 607º, nº 4, do Código de Processo Civil), impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.
Com efeito, o art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, o seguinte:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (tem que haver indicação clara dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (tem que fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa); e
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quanto ao ónus referido na alínea b), manda o legislador (nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil) que se observe o seguinte:
a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Decorre do exposto que o recorrente deverá também (a par da indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios) relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna.
No entanto, ainda que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos que se expuseram (usando o Tribunal da Relação do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que o tribunal a quo, como se disse), o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo[8].
Importa ainda ter presente que é pacífico que a apreciação a fazer é da questão posta, de saber se houve erro de julgamento sobre a matéria de facto, sem que haja o dever de responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado pelo recorrente[9].
Feitas estas considerações, vejamos então o recurso apresentado pela Ré.
Como concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – alínea a) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil – indica a Recorrente os pontos 11º a 14º, 18º e 19º do AMD, cujo teor é o seguinte:
11º No dia 24 de setembro [de 2020], o Autor sofreu um acidente.
12º Tal acidente ocorreu nas instalações da sociedade A..., enquanto o Autor executava trabalhos de serralharia por conta desta sociedade.
13º Concretamente, o Autor encontrava-se em cima de uma palete, num empilhador, a cortar uma peça numa galera de um reboque, usando, para o efeito um maçarico.
14º Tendo, nesse momento, sofrido uma queda.
18º Tendo chegado ao conhecimento da Ré, nos dias que se seguiram ao acidente, que não era a primeira vez que o Autor executava trabalhos de serralharia por conta da aludida A....
19º Há já mais de um ano que o Autor executava trabalhos de serralharia por conta das empresas A... e Z....
Vamos apreciar essa impugnação, fazendo-o por um lado em relação aos pontos 11º a 14º do AMD, e por outro lado em relação aos pontos 18º e 19º do AMD, como faz a Recorrente. Quanto aos pontos 11º a 14º do AMD, como decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – alínea c) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, indica a Recorrente o teor dos citados pontos ipsis verbis (cfr. conclusão sob a letra R).
Ora, o alegado nestes pontos do AMD em parte integra já os factos provados, pois ficou assente que naquele dia ocorreu um acidente nas instalações da sociedade em causa, que consistiu numa queda (ponto 14 dos factos provados[10]).
Assim, só pode estar em causa apenas a parte que se refere a encontrar-se, no momento da queda, a executar certos trabalhos e por conta da sociedade “A...”, que se traduz no consignado pelo tribunal a quo nos dois primeiros parágrafos dos factos não provados [as alíneas a) e b) supra].
Para justificar a não prova destes pontos escreveu o tribunal a quo o seguinte:
Quanto à alegação de que a queda do Autor ocorreu quando este prestava trabalho de serralharia para a “A...”, que nenhuma das testemunhas ouvidas a presenciou, apenas se encontrando na altura nas instalações da empresa o filho do Autor e a testemunha GG, segundo foi afirmado por este, que também não assistiu à queda, por se encontrar no interior do armazém.
Sendo ainda ter presente o escrito pelo tribunal a quo a propósito da prova do ponto 14, porque acolhe parte da matéria em causa, como se disse, e que foi o seguinte:
No que concerne à queda do Autor, circunstâncias em que ocorreu e lesões sofridas, teve-se em conta o depoimento das testemunhas GG, que trabalha na “A...” há 3 anos, como mecânico, tendo afirmado em julgamento que se encontrava no interior do armazém da empresa, aquando da queda do Autor, a que não assistiu, tendo ouvido um pedido de socorro e acorrido ao local, verificando que o Autor se encontrava deitado no chão, com um golpe na cabeça e a deitar sangue, tendo chamado o INEM. Acrescentando que não sabe o que é que o Autor estava a fazer em cima da galera, de onde terá caído; que não estava lá nenhum empilhador e nenhum maçarico; que apenas lá se encontravam o Autor e o seu filho, que é colega de trabalho da testemunha na “A...”; e que o Autor costumava acompanhar o filho nas viagens de trabalho que este fazia, de transporte de viaturas avariadas ou acidentadas, mas ia só fazer companhia, e não trabalhar, nunca tendo visto o Autor a prestar trabalho na “A...”.
A testemunha BB (filho do Autor, que trabalha como condutor de reboques para a “A...” desde há cerca de 3 anos, primeiro como prestador de serviços e desde há 1 ano e tal como trabalhador dos quadros), afirmou que o pai nunca trabalhou para referida empresa, limitando-se a acompanhar a testemunha em viagens de trabalho que fazia, sobretudo quando ia para mais longe. E que no dia em causa, estava a preparar a carga de um veículo, tendo ido à cabine do camião buscar um comando, quando ouviu um estrondo, verificando que o pai tinha caído da galera, ficando inconsciente e a sangrar da cabeça. Acrescentando que não havia ali nenhum empilhador ou maçarico, não sabendo ao certo o que é que o pai estava a fazer quando caiu.
A testemunha HH, que é um dos sócios gerentes da “A...”, desde o início da sociedade, afirmou que já conhece o Autor há mais de 40 anos, que vive em frente a casa dos seus pais, sendo o filho do Autor trabalhador da empresa, concretamente motorista de reboques de pesados, fazendo assistência em viagem a veículos acidentados/avariados. Mais afirmando que o Autor acompanhava por vezes o filho em viagens de trabalho que este fazia, nomeadamente nas mais longas, o que a testemunha permitia, em relação a todos os motoristas da empresa; que o Autor nunca trabalhou para si ou para a “A...”; e que ouviu falar da queda do Autor, mas não assistiu, nem estava na altura nas instalações da “A...”[11], já lá estando os Bombeiros Voluntários ..., quando chegou ao local.
Consta de fls. 147 v.º/148 dos autos relatório de ocorrência dos Bombeiros Voluntários ..., onde está escrito, no campo destinado à “descrição da ocorrência”, «Queda na A... – ... Chegada ao local vítima com queimadura no peito seguido de queda abaixo de uma galera». E a fls. 233 e seg., cópia do “Relatório de saída” da viatura do INEM, onde se assinala no campo “Natureza do serviço”, «acidente trabalho» e na descrição do acidente, «Acidente de trabalho na A... ... vítima sofreu queimadura no peito e deu queda abaixo de galera de camião, a nossa chegada GNR no local vítima sentada junto a galera do camião (…)».
Porém, ouvida em julgamento a testemunha WW, Bombeiro-Operador de Central que recebeu o telefonema de pedido de socorro, disse que não foi ele próprio ao local e que o que posteriormente escreveu no relatório de ocorrência de fls. 147 v.º/148, que elaborou e assinou, foi com base no que os colegas que foram ao local escreveram no relatório de saída, que se limitou a transcrever.
Por seu turno, a testemunha XX, Bombeiro-Socorrista que se deslocou ao local, conduzindo a ambulância, verificou que o Autor estava sentado no chão, tinha uma queimadura no peito e hemorragia na cabeça, mas não sabe o que aconteceu nem se preocupou em saber, mas apenas em ajudar o colega Socorrista-Principal a tratar o Autor.
Pelo que se desconhece porque razão é feita no “Relatório de Saída” de fls. 233 e seg. referência a “acidente de trabalho”.
De acordo com as testemunhas CC, TT, II (que trabalha na Ré há 24 anos, como Serralheiro), KK (que trabalha na Ré há 20 anos, como Soldador), QQ (que trabalha na Ré desde 2001, como Serralheiro) e YY (que trabalhou na Ré até 2019, como Soldador), o acidente sofrido pelo Autor nas instalações da “A...” foi comentado na Ré, como também se comentava que o Autor prestava trabalhos para a referida empresa, mas nunca nenhuma das referidas testemunhas o lá viu a trabalhar, não podendo consequentemente afirmar se tal era ou não verdade.
Quanto a concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida – alínea b) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, indica a Recorrente:
− excerto do depoimento da testemunha XX (bombeiro que se deslocou na ambulância, como motorista da mesma, ao local[12]), que refere ter visto que o Autor “tinha uma queimadura na zona do peito”;
− “Relatório de Saída” dos Bombeiros Voluntários ... de ... (junto ao processo em 14.07.2021), que na “descrição do serviço” contém manuscrito «acidente trabalho na A...…»;
− excertos dos depoimentos das testemunhas WW (bombeiro, que é «operador de central»[13]) e XX, que referem como é elaborado o “Relatório de Saída”;
− excertos dos depoimentos das testemunhas DD (trabalhador da Ré como «assistente de logística», sobrinho do Autor[14]), BB (trabalhador da “A...”, filho do Autor[15]), HH (um dos sócios e gerente da “A...”, conhece o Autor há cerca de 40 anos[16]) e GG (trabalhador da “A...”, como mecânico[17]), para referir que nada permite infirmar que fosse um acidente de trabalho.
Lendo a argumentação da Recorrente, o que resulta é que, sendo aceite que ninguém presenciou a queda sofrida pelo Autor (e efetivamente em julgamento ninguém afirmou ter presenciado), entende que existem elementos que levam a concluir encontrar-se o Autor na altura a executar tarefa por conta da “A...”.
Ou seja, está em causa o recurso à prova por presunção, daí citar a Recorrente o nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil e os art.ºs 349º e 351º do Código Civil.
É verdade que existe a possibilidade de o julgador recorrer à prova por presunção (art.ºs 349º a 351º do Código Civil), caso em que se consagram factos (mas factos concretos, objetivos) que se provam por via indireta (teremos, então um facto indiciário e um facto presumido, unidos por um nexo lógico).
Explicando melhor, obtido por prova direta um determinado facto, pode através de um raciocínio presuntivo estabelecer-se um nexo lógico, assente nas máximas da experiência, com outro facto, e assim ficar este assente[18], fazendo o juiz a articulação de factos na fundamentação da sentença para obter conclusões (chegar a factos presumidos) – cfr. parte final do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil[19].
Em face do alegado pela Recorrente, há desde logo que dizer que a referência no “Relatório de Saída” a «acidente de trabalho» (ou no “verbete de socorro/transporte” que é referido pela Recorrente, e embora não especifique onde se encontra no processo, será o junto pelos Bombeiros Voluntários ... com o “Relatório de Saída”, no qual no «motivo da chamada» tem assinalada a opção «acidente de trabalho») não tem grande relevo (de resto, por si só não tem nenhum relevo) para se afirmar que se tratou de acidente qualificável como de trabalho.
É que, saber se um acidente é ou não de trabalho não é algo que seja determinado por quem elaborou tais documentos, antes se tratando de enquadramento que o tribunal fará de factos objetivos que sejam apurados (ainda que com recurso a prova indireta).
Ouvido o depoimento de WW (no Citius Media Studio), o mesmo, confirmando ter rubricado o Relatório, recordava a chamada mas não recordava o pedido em concreto (excluindo que fosse incêndio, esclarecendo que o código inserido corresponde a “saída para trauma”), referindo que como «operador de central» recebe as chamadas e “despacha os meios”, inserindo “os dados que lhe foram dados” [transcreve aquilo que os colegas inscreveram no livro associado a cada veículo dos Bombeiros Voluntários ..., e relatório do INEM (o “verbete de socorro/transporte” já referido); acredita que tivesse queimadura porque os colegas o escreveram].
Não será porque quem telefona a solicitar meios de socorro indica que ocorreu um acidente de trabalho, ou porque o socorrista que se desloca ao local assinala ter ocorrido acidente de trabalho (sem fundamentar, ademais, porque o afirma), que se conclui que o acidente foi de trabalho, antes o concluindo o tribunal se forem apurados factos que permitam enquadrar a situação na previsão do art.º 8º da LAT (ou na previsão do art.º 9º da LAT).
Temos, pois, que partir para a análise da prova produzida em busca de factos objetivos, e não em busca de conceitos jurídicos, sendo depois, no enquadramento jurídico, aferido se os factos se integram ou não nos conceitos pertinentes ao caso.
Em primeiro lugar há que dizer que a ocorrência ou não de queimaduras não é facto que seja pretendida a inserção nos factos provados [já se referiu supra a decisão que, no seu (da Recorrente) entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, e não consta esse facto], sendo o parágrafo que a Recorrente cita, por discordar dele, da sentença recorrida – [i]mporta ter presente que é sobre a Ré que incumbe o ónus da prova dos factos integradores da justa causa do despedimento, e que esta só pode invocar no AMD factos constantes da nota de culpa e da decisão de despedimento. Sendo que nem na nota de culpa, nem na decisão de despedimento, a Ré alega que o Autor sofreu queimaduras – relativo à apreciação da alegada litigância de má-fé por parte do Autor (parte final da sentença), e o decidido a esse propósito não foi objeto de recurso.
Ou seja, a existência ou não de queimadura(s) apenas releva na apreciação a fazer de modo a saber se, a existirem, leva a concluir, ou ajuda a concluir, que o Autor se encontrava a manusear um maçarico, podendo ser um elemento que possa levar a dizer que executava nesse momento tarefa por conta da sociedade “A...” (sendo certo, diga-se, que não consta da matéria que a Recorrente pretende se insira entre os factos provados que fosse remunerada).
Posto isto, avancemos.
A argumentação avançada pela testemunha HH (um dos sócios e gerente da “A...”) para a presença do Autor nas instalações da “A...”, qual seja a de que por vezes estava lá porque acompanhava o seu filho (a testemunha BB, que é trabalhador da “A...”) nas saídas com o “pronto-socorro”[20] não justifica à partida a permanência do Autor em cima de uma galera (semi reboque que é movimentado por camião trator[21]), da qual caiu, galera essa que, continuando a acompanhar o depoimento da testemunha HH, estava acidentada e estava a ser preparada para ser transportada, e nessa medida “estariam a amarrar e cortar algumas peças que pudessem estar salientes” [é isto que a testemunha refere de forma espontânea por volta do minuto 5, embora depois por volta do minuto 10, ao ser questionado, reorganize a narrativa, sendo de salientar que não refere quem executava essas tarefas, apenas excluindo que fosse o Autor].
Na verdade, o estar em cima da galera é mais consentâneo com o estar a desenvolver alguma tarefa de corte das tais “peças salientes”, utilizando para o efeito eventualmente um maçarico.
Mas, note-se que, o estar a desenvolver essa tarefa não implica ser trabalhador subordinado da referida sociedade (a “A...”), podendo estar a fazê-lo, por exemplo, ajudando o seu filho.
E essa versão ajustar-se-ia ao referido pela testemunha DD (sobrinho do Autor) no seu depoimento: o Autor ao utilizar um maçarico, terá cortado (acidentalmente) uma mangueira de óleo (na galera), o que provocou explosão, donde a queda (e, dizemos nós, a queimadura – queimadura essa que a testemunha XX viu quando esteve no local, embora sem saber a gravidade por não ser o socorrista principal, pensando ser ligeira, acrescentando que entrou em urgência e como tal era um ferido com alguma gravidade).
Só que, o referido por essa testemunha apoia-se no ouvido a outros (primeiro naquilo que ouviu à sua mãe, que por sua vez o ouviu à nora do Autor, depois naquilo que ouviu ao seu avô), não se podendo dizer ser uma versão consistente, não estando baseado no visto, podendo estar baseada em suposições (note-se que a testemunha fala em “rumores” de que o seu tio, o Autor, trabalhava para a “A...”, mas não passa dos rumores).
Acresce que, se o estar em cima da galera é mais consentâneo com o estar a desenvolver alguma tarefa de corte das tais “peças salientes”, também é consentâneo com a observação de algo, por curiosidade, enquanto aguardava para ir acompanhar o seu filho.
Assim, vem a assumir relevo o saber se manuseava ou não um maçarico, pois se assim for estava necessariamente a executar tarefa (fosse ou não por ordem da “A...”).
Ora, não existe referência à existência de maçarico no local aquando da queda, antes referindo a testemunha GG (que depois de ouvir chamar por socorro veio de imediato para o local onde ocorreu a queda) no final do seu depoimento, quando questionado expressamente, não ter visto qualquer maçarico no local.
E não é o facto de não se alcançar explicação lógica para a queimadura (ligeira) que leva a dizer que existia um maçarico no local (há que não confundir a prova por presunção, com a presunção daquilo que carece de prova e não é provado).
Sendo assim, não se pode concluir com um mínimo de segurança que o Autor, aquando da queda, manuseasse um maçarico, e ainda menos que o fizesse por conta da “A...” (ou por sua indicação).
É possível, em tese, que os laços familiares e as amizades/inimizades possam ter condicionado os depoimentos, mas fazendo-se a sua análise não se retira de todo a presença do maçarico (nem do empilhador), não havendo suporte seguro para concluir que o Autor estivesse a executar alguma tarefa específica, e ainda menos que o fizesse por indicação ou por conta da “A...”.
Em suma, o “Relatório de Saída” e o “verbete de socorro/transporte” não têm a importância que a Recorrente lhe confere, sendo um elemento a conjugar com os demais, e dessa conjugação (com a prova testemunhal) claramente não resulta diretamente aquilo que a Recorrente pretende fique assente, e também não resultam com segurança factos que levem a concluir o pretendido pela Recorrente, ou seja, não se forma convicção diferente da formada em 1ª instância.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
Quanto aos pontos 18º e 19º do AMD, como decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – alínea c) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, indica a Recorrente o teor dos citados pontos ipsis verbis (cfr. conclusão sob a letra R).
O constante destes corresponde grosso modo ao consignado pelo tribunal a quo no terceiro parágrafo dos factos não provados [a alínea c) supra], estando em causa essencialmente o executar o Autor trabalhos de serralharia há já mais de um ano por conta das empresas “A...” e “Z...”.
Para justificar a não prova destes pontos escreveu o tribunal a quo o seguinte, que se reproduz:
- No que se refere à alegação de que o Autor anteriormente ao acidente prestou trabalho para as empresas “A...” e “Z...”, que embora as testemunhas CC, TT, II, KK, QQ e YY, todos trabalhadores ou ex-trabalhadores da Ré, tenham dito em julgamento que se ouviam rumores nesse sentido, nenhum deles o viu lá a trabalhar – como já acima se referiu.
A única testemunha que disse em julgamento que viu o Autor a trabalhar na “Z...” foi DD (trabalhador da Ré há 5 anos e sobrinho do Autor), segundo o qual cerca de 2 ou 3 meses antes do acidente foi à aludida empresa e viu o Autor lá a trabalhar. Porém, para além de não se dar bem com o Autor (como a própria testemunha reconheceu), as testemunhas GG e HH, respetivamente trabalhador e sócio gerente da “Z...”, afirmaram que o Autor nunca lá trabalhou, limitando-se a acompanhar por vezes o filho nas viagens que este fazia enquanto trabalhador da “Z...”. Não ficando em nosso entender demonstrado com a segurança exigível, no descrito contexto, que o Autor tenha alguma vez prestado efetivamente trabalho para a “Z...”.
Quanto a concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida – alínea b) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, indica a Recorrente:
− excertos do depoimento da testemunha DD (trabalhador da Ré e sobrinho do Autor), que referiu ter visto o Autor, seu tio, cerca de 2 ou 3 meses antes do acidente a realizar a tarefa de soldar nas instalações da “A...”;
− excertos dos depoimentos das testemunhas GG (trabalhador da “A...”) e TT (trabalhador da Ré, casado com uma irmã do Autor, vivendo em casa dos seus sogros, os pais do Autor – é pai da testemunha DD[22]), referindo o primeiro que desde há cerca de 1 ano começou a ver o Autor nas instalações da “A...”, e referindo o segundo que o Autor fazia umas “biscatadazitas”.
De referir que a Recorrente alude ainda aos depoimentos das testemunhas CC, II, KK e QQ, dizendo que os mesmos declararam ter visto o Autor a entrar e sair das instalações da “A...” antes do acidente, e ao depoimento da testemunha BB (filho do Autor), dizendo que o mesmo declarou apenas ter começado a trabalhar para a “A...” depois do acidente sofrido pelo pai contrariamente ao considerado na sentença recorrida, mas o certo é que a Recorrente alude a estes depoimentos sem cumprir o ónus estabelecido pelo legislador acima referido, qual seja o de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, o que inviabiliza que o tribunal ad quem controle o afirmado pela Recorrente, pelo que não serão os mesmos considerados.
Ora, ouvidos os depoimentos confirmam-se os excertos citados, mas a sua análise não leva a retirar com segurança o pretendido pela Recorrente.
Com efeito, a testemunha DD referiu-se a uma situação concreta (mas apenas uma), de ter visto um certo dia o seu tio (Autor) a soldar nas instalações da “A...”, mas não precisou em que condições o fizesse, não estando excluído que fosse ajuda ao seu filho (que ali trabalha), tanto que a testemunha refere que o Autor o ajudou a cortar uma peça que o depoente necessitava e que o fez voluntariamente; pode não ser o mais plausível mas, à luz das regras da experiência comum, é possível estar em causa ajuda.
Quanto à testemunha GG apenas referiu que começou a ver o Autor nas instalações da “A...”, não referindo que executasse tarefas próprias da atividade dessa empresa, e quanto à testemunha TT falou em realizar “biscatadazitas” mas não referiu que fosse na “A...”, negando expressamente no seu depoimento (após o excerto transcrito) que tenha dito que o Autor trabalhasse para a “A...”.
Ou seja, e tal como já acima se disse, desta conjugação não fica excluído que o Autor pudesse estar a realizar tarefa por ordem e conta da “A...”, mas não resulta com segurança que assim fosse, sendo a permanência dele nas instalações dessa empresa compatível com o ir acompanhar o seu filho, que ali trabalha [o que ficou provado no ponto 18; que o filho estava a preparar a carga de um veículo num reboque como consta do ponto 15, podendo, por isso, o Autor enquanto “fazia tempo” para o acompanhar ter subido à galera atraído pela curiosidade de algo – a presença do Autor nas instalações sem ser para “trabalhar” pode causar alguma estranheza, mas não é absurdo].
Certo é que não existem elementos concretos seguros que apontem (apenas) para que realizasse tarefas por ordem e conta dessa empresa.
Dessa forma, não se pode dar como assente o pretendido pela Recorrente.
Argumenta a Recorrente que estando o Autor na altura privado de rendimentos, porque em situação de baixa, justifica que estivesse naquela ocasião a trabalhar.
Todavia, trata-se de uma possibilidade, mas não passa de uma suposição sem apoio na prova, não implicando uma coisa a outra.
No fundo a Recorrente faz uma apreciação diferente da prova, mas a mesma não se sobrepõe à do tribunal a quo, não se formando agora convicção diferente do julgador em 1ª instância.
Em suma, improcede o recurso também nesta parte.
Da (i)licitude do despedimento do Autor:
Há agora que apreciar a (i)licitude do despedimento, e porque a impugnação da decisão sobre matéria de facto foi julgada improcedente, ter-se-ão presentes os factos provados constantes da sentença recorrida, aqueles que acima se transcreveram, sendo que está subjacente ao recurso a alínea b) do art.º 381º do Código do Trabalho (… o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente).
Alega a Recorrente que, mesmo sem se proceder à alteração da decisão sobre matéria de facto, sempre resulta que o Autor, seu trabalhador, lhe prestou falsas declarações e violou o dever de lealdade a que estava adstrito.
O Recorrido pronunciou-se no sentido de não se verificar qualquer violação de qualquer dever laboral, sendo o despedimento ilícito.
O tribunal a quo considerou o despedimento promovido pela Ré sem justa causa e ilícito nos termos do art.º 381º, al. b) do Código do Trabalho, referindo o seguinte:
… a Ré fundamentou a decisão de despedimento no facto do Autor já não lhe prestar trabalho efetivo desde pelo menos 14 de junho de 2017, apresentando sucessivos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, com fundamento em doença natural, quando no dia 24 de setembro de 2020 sofreu um acidente nas instalações da “A...”, ao executar trabalhos de serralharia por conta da dita empresa, semelhantes aos que deveria desempenhar para a Ré.
E que há já mais de um ano que o Autor executava trabalhos de serralharia por conta das empresas “A...” e “Z...”, pelo que não estava incapacitado de prestar a sua atividade profissional, tendo apresentado declaração médica com intuito fraudulento, o que constitui, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 254º, falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento.
Entendendo que as faltas do Autor não podem deixar de considerar-se como injustificadas e que o seu comportamento foi grave e doloso, configurando violação reiterada dos deveres de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade e de guardar lealdade ao empregador, previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 128º, causando-lhe importante prejuízo e representando uma quebra irremediável da confiança.
Porém, não se provou que o Autor alguma vez tenha prestado trabalho para outra empresa, nomeadamente que no dia 24 de setembro de 2020 estava a trabalhar nas instalações da “A...”, desempenhando trabalhos de serralharia ou de qualquer outro tipo.
Apenas se tendo demonstrado que nesse dia, o Autor estava nas instalações da referida empresa, tendo caído de cima de uma galera, sofrendo lesões na cabeça e tórax. E que o Autor acompanhava por vezes o seu filho, trabalhador da “A...”, nas viagens de trabalho que este fazia. Estando o filho do Autor presente nas instalações da aludida empresa, preparando a carga de um veículo num reboque, aquando da queda do Autor.
Não se tendo de igual modo provado que na referida data (24 de setembro de 2020), o Autor não estava incapacitado de prestar a sua atividade profissional.
Por conseguinte, não pode concluir-se que as faltas do Autor foram injustificadas ou que este apresentou declaração médica com intuito fraudulento. Nem que houve por parte do Autor violação do dever de lealdade, por ter trabalhado para empresa terceira quando se encontrava de baixa médica.
O que pode afirmar-se é que o Autor estava fora do seu domicílio no dia 24/09/2020, apesar de no certificado de incapacidade temporária para o trabalho que apresentou à Ré, relativamente ao período de 16/09/2020 a 15/10/2020 (que figura, em cópia, a fls. 43 dos autos) constar que apenas estava autorizado a ausentar-se do seu domicílio para tratamento, podendo também o médico, em caso devidamente fundamentados, autorizar a sua ausência no período das 11 às 15H e das 18 às 21H.
Desconhecendo-se, porém, se existia ou não autorização médica para o Autor estar ausente do domicílio.
Mas mesmo assumindo que não existia, o facto do Autor estar fora do seu domicílio sem estar autorizado pelo médico, nas instalações da “A...”, não consubstancia por si só ilícito disciplinar/laboral.
Em suma, não se demonstraram os factos que fundamentaram a decisão de despedimento proferida pela Ré, não resultando da factualidade apurada o incumprimento por parte do Autor dos seus deveres laborais.
Como se vê, o tribunal a quo considerou não estarem demonstrados factos que, por um lado levem a dizer que as faltas do Autor foram injustificadas ou que o Autor apresentou declaração médica com intuito fraudulento, e por outro lado consubstanciem infração disciplinar com base na violação do dever de lealdade.
Vejamos.
O art.º 351º do Código do Trabalho, sob a epígrafe noção de justa causa de despedimento, estabelece:
1- Constituiu justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2- Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
(…)
f) falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
(…)
3- Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Os comportamentos descritos no nº 2 são meramente exemplificativos da verificação de justa causa, devendo ser lidos à luz do nº 1.
Aquilo que está em causa nos autos são eventuais falsas declarações relativas à justificação de faltas, e não a ocorrência de faltas injustificadas (estas têm a ver com a violação do dever de assiduidade), pois as faltas foram justificadas (com apresentação de “certificados de incapacidade” com fundamento em doença natural incapacitante – cfr. pontos 6 a 9 dos factos provados), restando saber se foram justificadas com um pressuposto falso/por meio de declarações falsas.
Tem-se entendido que para que existam falsas declarações sobre justificação de faltas se exige que o trabalhador falseie intencionalmente a verdade dos factos, iludindo o empregador e pondo em crise o princípio da mútua confiança e lealdade que caracteriza o contrato de trabalho[23].
Ora, a autoria dos “certificados de incapacidade” não pertence ao trabalhador (o Autor), não havendo elementos (não se retira dos factos provados) para dizer que essa incapacidade não existisse, ou seja, não se pode dizer que o Autor falseasse intencionalmente a verdade dos factos quanto à justificação das faltas. Não se pode, pois, enquadrar a situação dos autos no nº 2 do art.º 351º do Código do Trabalho, importando, porém, ver se existe infração disciplinar, como alega a Recorrente (com violação do dever de lealdade).
Não se encontra um conceito legal de infração disciplinar, podendo a isso não ser alheia a dificuldade em enunciar um conceito aplicável a um vasto campo de setores de atividade e géneros de empregadores, mas podemos dizer traduzir-se ela na violação culposa de qualquer dos deveres do trabalhador, seja por ação seja por omissão, sendo irrelevante a falta de intenção delituosa por parte do agente[24].
São pressupostos da existência de uma infração disciplinar:
- facto: exige-se a verificação de um facto humano do trabalhador, isto é, o trabalhador deve ter consumado um facto, por ação ou omissão;
- ilicitude: existe incumprimento de deveres do trabalhador;
- culpa: exige-se que o trabalhador possa ser censurado porque poderia e deveria ter agido de modo diferente (medida em abstrato, em função dos padrões de diligência típica, do bom pai de família colocado na situação concreta do trabalhador);
não configurando pressuposto constitutivo da responsabilidade disciplinar a existência de dano, embora a sua ocorrência possa ser tomada em consideração[25].
O dever de lealdade está espelhado na alínea f) do nº 1 do art.º 128º do Código do Trabalho, e, como refere Nuno Abranches Pinto[26], o mesmo constitui um conceito indeterminado que o legislador entendeu concretizar exemplificativamente (por um lado com a obrigação de o trabalhador não negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o empregador, e por outro lado com a obrigação de não divulgar informações referentes à organização, métodos de produção ou negócios do empregador), mas em temos gerais impõe ao trabalhador uma conduta de afetação do exercício da sua função aos interesses do empregador, não devendo atuar de forma a causar prejuízo desses interesses.
Na base deste dever, transcendida uma visão puramente obrigacional (ancorada no dever de boa-fé consagrado no nº 2 do art.º 762º do Código Civil), de cumprimento pontual dos deveres contratuais, encontra-se uma ideia de comunidade ou comunhão de interesses entre o empregador e os trabalhadores, ou uma especial relação de confiança, uma lealdade pessoal que leva a que mesmo comportamentos extralaborais do trabalhador possam ter relevo para efeitos de justa causa de despedimento.
Para além de regras de comportamento da contraparte (lealdade ao empregador), exige-se ainda que o trabalhador empreenda uma conduta correta do ponto de vista dos interesses da organização (lealdade à organização do empregador).
Ou seja, nesta alínea f) do nº 1 do art.º 128º do Código do Trabalho, está contido um dever de honestidade que implica uma obrigação de abstenção de qualquer comportamento que possa fazer desaparecer a relação de confiança (enquanto obrigação de conteúdo mais amplo) que se move nas coordenadas impostas pelo princípio da boa-fé.
Nesta conformidade, o acórdão do STJ de 11 de outubro de 1995[27] (então a propósito do art.º 20º da LCT, mas que mantém atualidade) refere que apesar da redação que a al. f) do nº 1 do art.º 128º do Código do Trabalho apresenta, esta assume carácter exemplificativo [a letra do corpo do nº 1 é «sem prejuízo de outras obrigações» e a al. f) refere «nomeadamente»] não impedindo que aquele opere como um “dever geral” de conteúdo não especificado.
Escreveu-se em tal aresto que este dever geral de lealdade tem um lado subjetivo que decorre da estreita relação com a permanência de confiança entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, suscetível de abalar ou destruir essa confiança, criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador. Pelo seu lado objetivo este dever reconduz-se à necessidade do ajustamento do comportamento do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das suas obrigações (art.º 762 C. Civil). / Por outro lado, a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode, em determinado contexto, levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança. / E, tendo em conta aquele lado objetivo temos que dele deriva o imperativo de uma certa adequação funcional da conduta do trabalhador à realidade do interesse do empregador, na medida em que este interesse tenha a sua satisfação dependente do cumprimento da obrigação assumida pelo trabalhador[28].
No acórdão do TRC de 22.10.2009[29], escreveu-se que infringe o dever de lealdade – corolário do princípio geral da boa-fé na execução dos contratos, lembrado no art.º 119º, nº 1 do Código do Trabalho[30] – o trabalhador que, faltando às suas obrigações contratuais, não comparece no local de trabalho, a coberto do atestado de doença, e frequenta, no mesmo período, uma atividade afim em entidade terceira [está subjacente situação de violinista que não atua com a orquestra da empregadora, apresentando atestado médico para justificar a ausência, e nessa ausência prestou serviços na área da música para outrem].
Com alguma semelhança a essa, é a situação subjacente ao acórdão desta Secção Social do TRP de 31.03.2020[31], no qual se considerou que [c]onstitui justa causa de despedimento o, em síntese, seguinte comportamento do autor: ter faltado ao trabalho no dia 03.07.2018; ter apresentado à Ré certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativo a esse dia; mas, não obstante isso, nesse dia 03.07.2018 e em que período em que devia prestar a sua atividade à Ré, ter conduziu um autocarro da sociedade “D…, Lda.”, empresa esta que tem atividade comercial concorrente com a da Ré, sociedade C…, em algumas das rotas.
Por sua vez, no acórdão desta Secção Social do TRP de 01.02.2016[32], considerou-se verificar-se infração disciplinar, numa situação em que o trabalhador em período relativamente ao qual apresentou à entidade empregadora certificado de incapacidade temporária para o trabalho válido, trabalhou no estabelecimento de restauração que explora como empresário em nome individual sem informar de tal circunstância a empregadora, embora considerando não se configurar justa causa de despedimento, escrevendo-se o seguinte:
O que se verificou, no caso dos autos, foi o exercício de outra atividade no período da incapacidade temporária, mais exatamente, nos dias 04 e 06 de março de 2014 – cf. alínea G) dos factos provados.
Tal situação pode ser enquadrada, por analogia, na previsão do artigo 247.º, do CT, que sob a epígrafe “exercício de outra atividade durante as férias”, dispõe:
“1- O trabalhador não pode exercer durante as férias qualquer outra atividade remunerada, salvo quando já a exerça cumulativamente ou o empregador o autorize. 2- Em caso de violação do disposto no número anterior, sem prejuízo da eventual responsabilidade disciplinar do trabalhador, o empregador tem direito a reaver a retribuição correspondente às férias e o respetivo subsídio, metade dos quais reverte para o serviço responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança social.”
Se é certo que “Paralelamente ao trabalho que executa para a entidade empregadora, o trabalhador também é empresário em nome individual, sendo que nas horas que não está ao serviço da empregadora colabora na exploração do estabelecimento denominado “D…”, onde em regra se encontra o seu cônjuge”; e que “Tal facto é do conhecimento pessoal do seu superior hierárquico e dos demais colegas” – cf. alíneas B) e C) dos factos provados –, também é verdade que a incapacidade temporária do Autor se destinava a um fim exclusivo: prestar assistência à sua mulher, após intervenção cirúrgica – cf. alíneas F) e M) dos factos provados.
Assim, dado o fim exclusivo da incapacidade temporária, no mínimo, o Autor deveria ter informado a Ré do exercício daquela atividade,nos dias 04 e 06 de março de 2014, atento o disposto no artigo 109.º, n.º 3, do CT: “O trabalhador deve prestar ao empregador informação sobre todas as alterações relevantes para a prestação da atividade laboral, no prazo previsto no nº 1”. (negrito nosso)
Ao omitir essa informação, o Autor agiu com imprudência.
Deste modo, sem a autorização, expressa ou tácita, da Ré empregadora, o Autor não devia ter trabalhado no estabelecimento de restauração que explora, nos dias 04 e 06 de março de 2014.
Ao fazê-lo, sem essa autorização, incorreu em infração disciplinar.
A questão que se coloca é a de saber se essa infração disciplinar foi de tal modo grave que justifique a sanção de despedimento, aplicada pela Ré.
A gravidade do comportamento deve aferir-se pelas circunstâncias de facto e suas consequências que rodearam a ação disciplinar do Autor, descritas na nota de culpa e provadas na respetiva ação de impugnação, pelo empregador.
Como supra referido, na nota de culpa, a Ré não concretizou, no tempo e no modo, qualquer facto suscetível de integrar a “perturbação do serviço” ou os “prejuízos sérios”, bem como a “comprometida eficácia da sua atividade”.
Também não está alegado, nem muito menos, demonstrado que o Autor tenha agido com o intuito de ocultar, à Ré, a sua atividade, nos dias 04 e 06 de março de 2014, no estabelecimento de restauração que explora, em ..., tanto mais que a Ré não ignorava que o Autor também é empresário em nome individual – cf. alíneas B) e C) dos factos provados.
Assim, ponderadas todas as circunstâncias supra referenciadas – como a Ré não ter alegado e provado o intuito de ocultação, pelo Autor, da prestação no referido estabelecimento, nos dias 04 e 06 de março de 2014; não ter alegado e provado a existência de qualquer prejuízo, quer material, quer de imagem; não ter alegado e provado a existência de qualquer perturbação no serviço, e, ainda, os onze anos de antiguidade do autor, sem registo disciplinar – somos a concluir que o comportamento do Autor, nos termos supra descritos, apesar de censurável, não constitui, só por si, gravidade e consequências tais, que tornem inexigível a subsistência da relação de trabalho.
Assim, dada a inexistência de justa causa, concluímos, como na 1.ª instância, pela ilicitude do despedimento.
De citar ainda o acórdão do STJ de 05.06.2019[33], que refere: entre os deveres do trabalhador devem distinguir-se os acessórios integrantes da prestação principal [prestação do trabalho] e os acessórios independentes da prestação principal; na segunda categoria incluem-se aqueles deveres do trabalhador que não dependem da prestação do trabalho, pelo que se mantêm nas situações de não prestação de trabalho e nas situações de suspensão do contrato de trabalho; entre estes está o “dever de lealdade”, em geral[34].
Feitas estas considerações, vejamos o caso concreto. In casu, com pertinência à questão agora em análise, apurou-se o seguinte, que acima se transcreveu e agora recordamos:
7. Desde o dia 14 de junho de 2017 que o Autor não voltou a apresentar-se para prestar trabalho na Ré, entregando-lhe periodicamente sucessivas renovações de declaração médica de situação de incapacidade para a prestação de trabalho.
8. O último certificado de incapacidade entregue pelo Autor à Ré data de 15 de dezembro de 2020 e é referente ao período entre 15 de dezembro de 2020 e 13 de janeiro de 2021.
9. Nos termos do referido certificado, entregue pelo Autor à Ré, o Autor padece de doença incapacitante para a sua atividade profissional e apenas está autorizado a ausentar-se do seu domicílio para tratamento, prevendo a possibilidade de “em caso devidamente fundamentados o médico pode[r] autorizar a ausência no período das 11 às 15H e das 18 às 21H”.[35]
14. No dia 24 de setembro de 2020, o Autor encontrava-se nas instalações da sociedade “A...”, tendo caído de cima de uma galera, sofrendo lesões na cabeça e tórax.
15. Aquando da queda do Autor, estava presente nas instalações da “A...” o filho do Autor, BB, trabalhador da referida sociedade, que se encontrava a preparar a carga de um veículo num reboque.
18. O Autor acompanhava por vezes o filho nas viagens de trabalho que este fazia.
Como se vê, não está apurado que o Autor executasse tarefa por conta da sociedade “A...”, apenas se sabendo que num determinado dia sofreu uma queda quando estava em cima de uma galera nas instalações daquela sociedade.
Todavia, esse dia situa-se num período em que o Autor se encontrava “de baixa”, tendo comunicado à empregadora (a Ré/Recorrente) que se encontrava doente (doença natural) com incapacidade para o trabalho, e que apenas podia sair de casa se autorizado (por médico), sendo certo que na comunicação que fez à empregadora – a comunicação corporizou-se na entrega de Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, como resulta do ponto 7 dos factos provados – não consta qualquer autorização específica para sair de casa, no espaço destinado a tal (como se comprova da visualização do respetivo Certificado, junto ao procedimento disciplinar, nada estando inserto no campo “autorização”[36]).
Ora, o Autor por vezes acompanhava o filho nas viagens de trabalho que este fazia como trabalhador da “A...”, concluindo-se que era o que acontecia naquele dia pois na ocasião o seu filho estava a preparar a carga de um veículo num reboque.
Quer isto dizer que o Autor violou a obrigação de se abster dum comportamento que a sua empregadora confiava não acontecesse, em face daquilo que o Autor lhe comunicou: a obrigação de, em virtude da doença de que padecia, não se ausentar de casa sem autorização médica.
Dito de outra forma: o trabalhador comunicou à sua empregadora que segundo avaliação médica se encontrava impossibilitado de trabalhar e por isso não comparecia para trabalhar, mas mais do que isso, que por determinação médica tinha que permanecer em casa, só podendo sair de casa com autorização médica que não estava dada; a partir daí a empregadora sabe que o Autor não comparece ao trabalho com justificação, e confia que o Autor permanece em casa porque não tem autorização para tal (podendo dizer-se ser o medicamente adequado para a sua recuperação).
Como refere a Recorrente, a mesma confiava que o Autor estava em casa a recuperar da doença, e não fora de casa, sem autorização médica, a colocar em causa a sua recuperação (com vista a poder voltar a cumprir a obrigação com que se comprometera com a empregadora – a prestação de trabalho – o mais rapidamente possível, como era interesse da empregadora).
Assim, o descrito comportamento do trabalhador é suscetível de minar a relação de confiança entre o trabalhador e a sua empregadora (note-se que o Autor não estava, por exemplo num Centro de Saúde em consulta médica; estava nas instalações de uma empresa, que por definição não tem fins altruísticos antes visa o lucro, a acompanhar o seu filho, que estava a trabalhar).
Não podemos, pois, deixar de considerar ter o Autor sido imprudente, ter tido um comportamento para com a sua empregadora censurável à luz da boa-fé que deve estar presente nas relações laborais.
Note-se que, a encontrar-se o Autor melhor do seu estado de saúde, cabia-lhe dar conhecimento à empregadora, pois esta tem interesse na recuperação de quem contratou para lhe prestar trabalho [cfr. art.ºs 109º, nº 3 e 128º, nº 1, als. b) e c) do Código do Trabalho].
Pelo exposto, concluímos que os deveres que impendiam sobre o trabalhador, mais propriamente o dever de lealdade, foram violados culposamente, pois o Autor podia e devia ter atuado de forma diferente, sendo a sua conduta, em si censurável, traduzindo uma atuação não aceitável, o mesmo é dizer, concluímos, em contrário da decisão de 1ª instância, que é de imputar ao Autor a prática de infração disciplinar.
Aqui chegados pergunta-se, porém, se, tal como defende a Recorrente, a infração disciplinar justifica ou não a aplicação da sanção de despedimento sem indemnização ou compensação, ou seja, se se verifica ou não justa causa de despedimento.
No conceito genérico de justa causa concorrem três elementos essenciais, a saber: (i) elemento subjetivo, traduzido num comportamento culposo e grave do trabalhador, por ação ou omissão; (ii) elemento objetivo, traduzido numa situação de impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; (ii) um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade[37].
A justa causa corresponde a um incumprimento grave de deveres contratuais (principais, secundários ou acessórios) por parte do trabalhador, sendo, porque viola deveres contratuais, um comportamento ilícito.
A culpa é apreciada, em cada caso, por um critério objetivo: segundo a diligência média exigível a um trabalhador daquele tipo, nos termos em que se desenvolve a relação laboral e atendendo às circunstâncias do caso[38].
Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se a seguinte ponderação de interesses: é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir ao empregador a subsistência da relação contratual (o comportamento do trabalhador quebrou a relação de confiança que existia), independentemente da existência de anteriores procedimentos disciplinares ou sanções.
É que, para que o trabalhador seja despedido não basta que pratique um ilícito laboral, sendo necessário que, apreciado que seja o desrespeito de um ponto de vista objetivo e iluminado por uma perspetiva de proporcionalidade dos interesses em causa, a subsistência da relação laboral se torne insustentável, intolerável, ou vulneradora do pressuposto fiduciário do contrato, sendo que, naquela apreciação, deve ser ponderado todo o circunstancialismo rodeador do objetivo desrespeito[39].
Assim, concluindo pela existência de infração disciplinar, é de questionar se é correta a aplicação da sanção disciplinar de despedimento com justa causa (a mais gravosa de que o empregador dispõe – art.º 328º do Código do Trabalho), ou se antes deveria ser aplicada outra menos gravosa.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 20.05.2009[40], a inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado, o que pressupõe a necessidade de um prognóstico sobre a viabilidade da relação de trabalho, ou seja, um juízo referido ao futuro sobre a impossibilidade das relações contratuais, do que decorre que, assentando a relação laboral na cooperação e recíproca confiança entre trabalhador e empregador e num clima de boa-fé, a mesma não poderá manter-se se o trabalhador destruir ou abalar, de forma irreparável, a confiança na idoneidade futura da sua conduta.
Assim, importa responder à pergunta de saber se não estamos perante infração disciplinar que pela sua gravidade, associada à culpabilidade do Autor, leva a concluir ser proporcional o seu despedimento.
Desde logo há que ter presente que a ausência de antecedentes disciplinares e o tempo que durou a relação laboral são elementos a ponderar no juízo sobre a existência de justa causa, mas têm uma relevância relativa, aferida, em cada caso concreto, face à gravidade da conduta ilícita do trabalhador, já que não reduzem a obrigação daquele se pautar, sempre, pela lisura de comportamentos na sua relação profissional com a empregadora.
Passemos agora a ver se no caso em apreço estamos perante uma violação com uma gravidade tal que justifica a aplicação da sanção disciplinar que foi aplicada, se se verifica em termos objetivos uma impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho.
Ora, estamos perante uma situação de “baixa prolongada” (iniciou-se em dezembro de 2016), sendo de admitir algum “cansaço” do Autor de permanência em casa, não se retirando dos factos provados que estivesse a ser realizada qualquer tarefa (remunerada ou não), caso em que se questionaria porque realizava ali tarefas e não as realizava enquanto trabalhador da empregadora (já que existia incapacidade para o trabalho, sem discriminação).
Por outro lado, não se pode olvidar que a relação laboral já durava há um pouco mais que 20 anos, sem registo de sanções disciplinares.
Assim, nada mais de relevante resultando dos factos provados, ainda que fosse violada a lealdade à empregadora, não se pode dizer que fosse de forma de tal modo grave que quebrasse de forma irreparável a relação de confiança entre as partes, e tornasse insubsistente a relação laboral.
Relembramos que dos factos provados não se pode, como se viu supra, extrair que o Autor estivesse capaz para prestar o seu trabalho (estivesse ou não, a prova produzida não o demonstrou).
Em resumo, afigura-se-nos estarmos perante uma infração disciplinar, mas uma infração que não assume uma tal gravidade que leve a dizer ter a relação laboral ficado irremediavelmente comprometida, não se nos afigurando poder dizer-se terem deixado de existir condições para a Ré confiar que o Autor continuaria a ser um trabalhador leal.
Quer isto dizer que o despedimento do Autor se apresenta como desproporcional, bastando outra sanção disciplinar menos gravosa (que não cabe agora aferir qual).
Pelo exposto, acabamos por concluir como a sentença recorrida não ter existido justa causa para despedimento do Autor, despedimento que como tal não foi ilícito nos termos do art.º 381º, al. b) do Código do Trabalho.
Do pagamento das retribuições intercalares:
Concluindo-se ser o despedimento ilícito, há que apreciar a questão seguinte (supra enunciada), qual seja a de saber se as denominadas retribuições intercalares ou de tramitação são ou não devidas.
O Tribunal a quo condenou a Ré no pagamento das retribuições vencidas e vincendas desde 14.01.2021 até à data do trânsito em julgado da presente sentença, no valor atual ilíquido de € 8.860,45 (oito mil, oitocentos e sessenta euros e quarenta e cinco cêntimos) – deduzidas porém das importâncias que auferiu e venha ainda a auferir a título de subsídio de desemprego, em resultado do despedimento, cujo valor a Ré deverá entregar à Segurança Social.
Alega a Recorrente não serem devidas essencialmente porque, sendo o fundamento para o seu pagamento o colocar o trabalhador na situação em que se encontraria se não tivesse sido despedido, estando de baixa não existe fundamento para seu pagamento. Citou a Ré o acórdão do STJ de 06.03.2002[41] e o acórdão desta Secção Social do TRP de 19.05.2014[42].
Alega, por sua vez, o Recorrido, que o contrato de trabalho deixou de estar suspenso a partir do momento em que impugnou o despedimento, pelo que tem direito ao que ganharia se o contrato tivesse subsistido.
O tribunal a quo considerou serem devidas as referidas retribuições, a que se refere o art.º 390º do Código do Trabalho, escrevendo o seguinte:
Defende a Ré que a condenação no pagamento de salários intercalares não tem cabimento nos casos em que, independentemente do despedimento, o trabalhador não pudesse durante o período que medeia o despedimento e a decisão de ilicitude, exercer a sua atividade. Alegando que, a concluir-se, como confessado pelo Autor no artigo 135º da contestação/reconvenção, se encontra atualmente incapaz de prestar as suas funções, não lhe são devidas as denominadas retribuições intercalares, até por imperativo do disposto no art.º 790º do Código Civil.
Embora se tenha dado como provado – em consequência da não impugnação por parte da Ré do alegado pelo Autor no art.º 135º da contestação/reconvenção – que pelo menos aquando da apresentação da referida peça processual, em 09/03/2021, a situação de doença do Autor não estava ainda resolvida (cfr. n.º 47 dos factos provados), isso não significa necessariamente que continuava incapacitado de prestar trabalho para a Ré ou que não se apresentaria lá para o prestar, caso não tivesse sido despedido. Aliás, o entendimento expresso pela Ré no AMD é que o Autor estava na realidade capaz de trabalhar.
E apesar do Autor se ter mantido durante muito tempo em situação de incapacidade temporária para o trabalho, o último certificado de incapacidade entregue à Ré data de 15 de dezembro de 2020 e é referente ao período entre 15 de dezembro de 2020 e 13 de janeiro de 2021.
Não resultando dos factos provados que a partir de 13 de janeiro de 2021 a incapacidade para o trabalho do Autor subsistiu ou que este recebeu o que quer que seja a título subsídio de doença. Sabendo-se sim, que na sequência do seu despedimento pela Ré, o Autor passou a receber subsídio de desemprego, com efeitos desde 29 de janeiro de 2021.
Assim, não estando demonstrado que o Autor esteve de baixa médica ou incapacitado de trabalhar desde 14/01/2021 (inclusive) em diante, não há fundamento para considerar que não tem direito a retribuições intercalares, pelo menos a partir da referida data. Sendo certo que o despedimento ocorreu em 11 de janeiro de 2021 e a ação foi proposta menos de 30 dias depois, em 14 de janeiro de 2021 (cfr. fls. 2).
Vejamos.
A consagração das chamadas retribuições intercalares ou salários de tramitação assenta na ideia de reconstituição da situação que existiria se o despedimento ilícito não tivesse ocorrido e o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, à luz do regime decorrente do art.º 795.º nº 2 do Código Civil (relativo aos «contratos bilaterais», que dispõe: se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação).
Assim, tendo sido o empregador (credor) quem impediu, sem causa justificativa, o trabalhador (devedor) de cumprir a prestação (exercício da atividade) a que estava vinculado, essa circunstância não desonera aquele da realização da contra prestação (pagamento de salários) decorrente do contrato, correspondendo, pois, os salários de tramitação àquilo que o trabalhador despedido ganharia se o contrato subsistisse. Estando em causa um despedimento ilícito, o “despedimento não produziu a extinção do contrato de trabalho”, que se manteve na plenitude dos seus efeitos, pelo que “os direitos e deveres das partes permanecem inalterados, devendo ser prestado aquilo que indevidamente o não foi, na medida em que tal for materialmente possível”, ou seja, os efeitos da ilicitude referidos no art.º 389º do Código do Trabalho são “no essencial, equivalentes aos que decorrem do próprio contrato de trabalho” [43].
Dito de outra forma, para um trabalhador ilicitamente despedido, em sede remuneratória, tudo se deve passar como se a relação laboral sempre tivesse subsistido.
Quer isto dizer que se o contrato de trabalho estiver suspenso se tem que ter em consideração tal vicissitude contratual.
É que, quando o trabalhador está doente por um longo período de tempo o contrato de trabalho suspende-se (art.º 294º, nº 1 do Código do Trabalho), e durante a suspensão mantém-se os direitos, deveres e garantias das partes, mas os que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho (art.º 295º, nº 1 do Código do Trabalho).
Como escreve Bernardo da Gama Lobo Xavier[45], a suspensão visa tutelar a situação determinada pela impossibilidade de prestar o trabalho (uma situação que não pode ser resolvida no quadro das faltas), a qual constitui uma manifestação de patologia contratual, reflexo de uma situação anómala ocorrida no desenvolvimento da relação laboral, assim afastando a hipótese de a impossibilidade temporária para trabalhar dar origem à cessação do contrato de trabalho.
Por esse motivo, no acórdão do TRL de 13.03.1996[46] se escreveu, a propósito da discordância da ali recorrente com a condenação com o pagamento das retribuições desde a data do despedimento (estando então em causa o art.º 13º do denominado regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho – DL nº 64-A/89, de 27 de fevereiro), o seguinte: vem provado que o Autor foi despedido em 15.04.1992, mas que o mesmo esteve doente desde 16.12.1991 até 15.05.1993, o que significa que neste período a entidade patronal não tinha a obrigação de lhe fazer a retribuição (que naturalmente decorre da efetiva prestação de trabalho pelo trabalhador – art.º 1º do RJCIT aprovado pelo DL 49.408/69[47]), e no acórdão do STJ de 22.05.2002[48], se sufragou o entendimento de que em princípio, no período de não prestação efetiva de trabalho por motivo de doença, quando o trabalhador receba o correspondente subsídio, não são devidos salários, a menos que … a situação de baixa por doença tiver sido causada pelo próprio despedimento, pois, nesta hipótese, como a perda da direito à retribuição é imputável à entidade empregadora, tudo se deve passar como se o trabalhador sempre tivesse estado em efetividade de funções e, assim, terá direito às correspondentes retribuições (com restituição do percebido a título de subsídio de doença)[49].
No caso sub judice, possivelmente atendendo ao acabado de expor, o tribunal a quo condenou no pagamento dos salários intercalares apenas a partir de 14.01.2021, data posterior ao despedimento já não coberta pelos certificados de incapacidade entregues pelo Autor (cfr. pontos 41 e 8 dos factos provados).
Aquilo que se pergunta é se é de considerar tal período, a partir de 14.01.2021, como de suspensão do contrato de trabalho, pois se for esse o caso é de aplicar o regime acabado de expor, e em conformidade não são devidas retribuições intercalares.
Ora, aqui afigura-se-nos ter que se apelar às regras de repartição de ónus da prova, como se passa a explicar.
Como consequência do despedimento considerado ilícito o legislador prevê a compensação correspondente ao pagamento dos referidos salários intercalares (art.º 390º do Código do Trabalho), pelo que é de concluir que à luz do arquétipo legal[50] a situação de baixa (suspensão do contrato de trabalho) surge como um facto impeditivo do direito reconhecido pelo legislador ao trabalhador de receber os salários intercalares (ou, se se quiser, modificativo dos efeitos, no seu todo, decorrentes da lei para o despedimento ilícito).
Assim, na sequência do pedido de pagamento dos salários de tramitação como efeito de despedimento ilícito promovido pelo empregador, cabe a este demonstrar que o contrato de trabalho se encontra suspenso por doença[51] por forma a impedir o direito do trabalhador a receber os salários de tramitação[52].
Ora, in casu consta dos factos provados que foi certificada a incapacidade para o trabalho até 13.01.2021 (ponto 8 dos factos provados), e que a situação de doença do Autor em 09.03.2021 não estava ainda resolvida (ponto 47 dos factos provados), mas o certo é que está por concretizar o que seja “não estar resolvida” a doença em termos de incapacidade para o trabalho, desde logo se desconhecendo se implicou o pagamento da respetiva prestação social, antes se podendo até dizer que não, pois resulta que a partir de 29.01.2021 o Autor recebeu subsídio de desemprego (ponto 46 dos factos provados), subsídio que será deduzido aos salários intercalares (como expressamente está dito, e prevê o art.º 390º, nº 2 do Código do Trabalho[53]) e que à partida substituiu prestação por baixa.
Sendo assim, não se tem por satisfeito o ónus de prova de que após 13.01.2021 se mantivesse a incapacidade para o trabalho por parte do Autor, determinante do pagamento da respetiva prestação social, o que quer dizer não haver censura a fazer a decisão recorrida de pagamento dos salários intercalares a partir de 14.01.2021.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
Do valor da indemnização (por antiguidade):
Passemos agora à questão seguinte, qual seja a de saber se o valor da indemnização deve ser reduzido (calculando-se com base no valor mínimo previsto pelo legislador, de 15 dias de retribuição por cada ano).
O tribunal a quo entendeu que [n]o caso, atendendo ao valor inferior à média da retribuição auferida pelo Autor, ao grau que se considera mediano da ilicitude do despedimento e aos 22 anos de antiguidade do Autor ao serviço da Ré, entende-se fixar a indemnização em 30 dias de retribuição base, por ano de antiguidade ou fração.
O Recorrido pronunciou-se pela manutenção do valor da indemnização, dizendo ser a ilicitude grave, o valor do seu salário é baixo relativamente às funções que desempenhava (apenas 33,84% aos valor do salário dos trabalhadores da equipa que o Autor coordena, este igual à RMMG).
Nos termos do art.º 391º do Código do Trabalho, o tribunal fixa o montante da indemnização entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art.º 381º [o qual enuncia as situações suscetíveis de originar a ilicitude do despedimento, dizendo ser o despedimento ilícito, a) se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso, b) se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; c) se não for precedido do respetivo procedimento, d) em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres].
Como se vê o legislador acolheu o entendimento de que não é de dar tratamento igual a todas as situações de ilicitude de despedimento, não devendo ser dado igual tratamento aos despedimentos que não tenham sido antecedidos de nenhum procedimento (por exemplo despedimento verbal) ou cujo fundamento seja patentemente inexistente ou insuficiente e aos despedimentos com observância do procedimento devido e invocação de motivos sérios e reais, mas que o tribunal veio a considerar insuficientes para fundamentar a cessação do contrato mercê e especiais circunstâncias do caso concreto ou apenas de uma diferente avaliação da relevância da motivação apresentada pelo empregador, podendo dizer-se serem mais graves as falhas relacionadas com a fundamentação do que as falhas de ordem procedimental[54].
Sendo o despedimento um ato ilícito e culposo praticado pelo empregador, será ainda, naturalmente, de ter em atenção o grau de culpa do empregador, nomeadamente na apreciação do motivo justificativo invocado[55]. In casu será de atender em especial a que, por um lado a retribuição é de € 890,00, por isso, como refere a sentença recorrida, inferior à média, mas, por outro lado verifica-se infração disciplinar, sendo o despedimento ilícito por violação do princípio da proporcionalidade, por não se considerar que o comportamento do trabalhador torna impossível a subsistência da relação laboral.
Assim, o grau de ilicitude do despedimento não se pode considerar elevado, mas também não se considera diminuto a ponto de levar a fazer coincidir a indemnização com o mínimo previsto pelo legislador, sendo de considerar um valor intermédio entre o intervalo previsto pelo legislador, próximo do meio do intervalo.
Ora, foi o que fez o tribunal a quo, pelo que se mantém o valor fixado em 1ª instância.
Do crédito de horas por formação não assegurada:
Passemos agora a apreciar a questão de saber se não é devido ao Autor o valor reclamado a título de créditos por formação.
O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 750,00, a título de créditos por formação profissional não proporcionada, respeitante aos anos de 2017 a 2020 e os proporcionais de 2021 (16 dias).
A Recorrente discorda dessa condenação, alegando, em síntese, o seguinte:
Não tendo … aplicabilidade [o disposto no art.º 134º do CT] nos casos em que, como no presente caso, não é o empregador quem não assegura a formação, mas sim o trabalhador quem não pode recebê-la.
Ora, no caso que nos ocupa, não foi a Apelante quem não assegurou formação ao Autor nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021.
Foi o Autor que declarou à sua Empregadora estar incapacitado de as receber.
De notar que, contrariamente ao que acontece nas situações em que o contrato se encontra suspenso por facto respeitante ao Empregador, não existe, durante o período de suspensão por facto respeitante ao Trabalhador qualquer obrigação de assegurar horas de formação, não tendo a Ré, nos anos de 2017 a 2021 deixado de assegurar uma tal obrigação.
O tribunal a quo considerou ser devido o crédito por formação profissional respeitantes aos anos de 2017 a 2020 e parte de 2021, escrevendo designadamente o seguinte:
Também não colhe, em nosso entender, a argumentação da Ré, segundo a qual o Autor não tem direito a retribuição por formação, porque esta não lhe foi prestada em virtude do Autor não estar presente para a receber.
Com efeito, do regime que nessa matéria se encontra previsto nos citados art.ºs 131º, nº 2, 132º, nº 1 e 134º não resulta que se tenha pretendido excluir do direito aos créditos por formação profissional não ministrada, as situações em que o trabalhador faltou justificadamente ao trabalho no período de tempo a considerar.
De resto, segundo a regra geral constante do art.º 255º, nº 1, a falta justificada ao trabalho não afeta o direito do trabalhador à formação profissional.
Por outro lado, se é certo que de acordo com o art.º 790º, nº 1 do Cód. Civil «A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor», a obrigação que aqui está em causa é de pagamento dos créditos por formação profissional não proporcionada, que não é impossível de prestar nem de receber, pelo que não se extinguiu.
Por conseguinte, são devidos ao Autor créditos por formação profissional respeitantes aos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e parte de 2021 (proporcionais a 16 dias), no total de 146,2 horas de formação profissional, que correspondem a € 750,00, de acordo com a fórmula prevista no art.º 271º e o disposto no art.º 262º nºs 1 e 2, quanto ao cálculo, em geral, das prestações complementares ou acessórias.
O Recorrido pronunciou-se pela manutenção do decidido, alegando, em resumo, que mesmo na situação de baixa por doença tem direito à formação profissional, tendo o crédito surgido na sua esfera jurídica após o seu despedimento.
Vejamos.
Está em causa a formação contínua, que envolve direitos e deveres para as partes: cabe ao empregador proporcionar a formação profissional adequada a desenvolver a qualificação do trabalhador, cabendo a este participar de modo diligente nas ações de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador – cfr. art.ºs 127º, nº 1, al. d), 128º, nº 1, al. d) e 131º, nº 1, todos do Código do Trabalho].
O empregador tem a obrigação de em cada ano formar pelo menos 10% dos trabalhadores – o que quer dizer que nenhum trabalhador pode exigir ser incluído nesse grupo dos 10% –, mas se a formação não for assegurada pelo empregador no prazo de 3 anos, transforma-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador, mediante comunicação ao empregador, com a antecedência mínima de 10 dias (art.º 132º, nºs 1 3 do Código do Trabalho).
No geral a regra é esta: a formação constitui encargo do empregador; mas em caso de incumprimento do empregador, o dever de formação passa para a esfera jurídica do trabalhador através do direito que este tem de, durante um determinado lapso de tempo, faltar ao trabalho para receber formação da sua iniciativa (usando o crédito de horas de que passou a ser titular).
Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado/assegurado, ou ao crédito de horas de formação de que seja titular à data da cessação – art.º 134º do Código do Trabalho. In casu a questão está em saber se no caso de o contrato de trabalho se encontrar em situação de suspensão por facto respeitante ao trabalhador (como seja doença – art.º 296º, nº 1 do Código do Trabalho) se aplica o regime acabado de expor.
O nº 5 do art.º 125º do Código do Trabalho/2003[56] previa a transformação em créditos de horas as horas de formação que não foram organizadas sob a responsabilidade do empregador por motivo que não lhe seja imputável, ou seja, tinha que haver culpa do empregador para que a referida transformação ocorresse, pelo que se podia dizer que se não lhe fosse imputável essa não organização não haveria essa transformação em créditos[57].
No Código do Trabalho/2009[58], o nº 1 do art.º 132º deixou de se referir a motivo não imputável ao empregador, apenas se exigindo para ter lugar a transformação em crédito que a formação não tenha sido assegurada pelo empregador, logo independentemente de culpa.
Todavia, tal não significa que tenha sido querido pelo legislador que o não assegurar pelo empregador da formação implique sempre transformação em crédito das horas correspondentes.
Encontrando-se o cumprimento do dever de formação do empregador, por princípio, condicionado à presença do trabalhador, não se concorda com a afirmação da sentença recorrida de que do art.º 255º, nº 1 do Código do Trabalho – que dispõe que a falta justificada não afeta qualquer direito do trabalhador… – se retira que com a suspensão do contrato não seja afetado o direito do trabalhador à formação contínua, pois dir-se-á que não afeta qualquer direito que não reclame, em princípio, a presença do trabalhador.
É certo que não existe culpa do trabalhador na suspensão do contrato, mas também é certo que o facto que dá origem à suspensão do contrato de trabalho (doença) é totalmente estranho à esfera jurídica do empregador.
Ora, a utilização do verbo “assegurar” no nº 1 do art.º 132º do Código do Trabalho (o que não acontecia no nº 5 do art.º 125º do Código do Trabalho/2003, embora fosse utilizado no nº 3) leva-nos a retirar, a contrario, que se o empregador tiver assegurado a realização da formação, e a mesma não se tiver efetivado por facto que não lhe seja imputável, não se dá a transformação em créditos de horas formativas a serem utilizadas pelo trabalhador[59].
Dir-se-ia, porém, que se impunha que o empregador preparasse efetivamente a formação (cfr. art.ºs 13º a 15º da Lei nº 105/2009, de 14 de setembro) para depois se comprovar a ausência do trabalhador, e só então se poderia concluir não haver a transformação em crédito de horas.
Todavia, não se nos afigura que assim seja, tanto que se o empregador deve assegurar a formação a (apenas) pelo menos 10% dos trabalhadores – nº 5 do art.º 131º do Código do Trabalho –, não irá nela incluir trabalhador que sabe de antemão estar impossibilitado de comparecer.
Ou seja, se existe comprovativo da impossibilidade de, num ano, o trabalhador comparecer à formação que o empregador lhe disponibilizasse, pode-se afirmar que o empregador só não assegurou o mínimo de horas de formação previstas pelo legislador por facto que não lhe é imputável.
Entendendo-se assim a “formação que tenha sido assegurada” referida no nº 1 do art.º 132º do Código do Trabalho, concluímos que nessa situação (não culposa por parte do empregador) a “falta de formação” não se transforma em crédito de horas.
Assim, tendo no caso em apreço o contrato de trabalho estado suspenso por doença do trabalhador entre 14 de junho de 2017 e 13 de janeiro de 2021 (pontos 7 e 8 dos factos provados), não existe nesse período formação que devesse ter sido proporcionada ou crédito de horas na titularidade do trabalhador porquanto a Recorrente (empregadora) não podia assegurar a formação ao Autor (trabalhador) por facto que não lhe é imputável a ela (note-se que o Autor/trabalhador apenas estava autorizado a sair do domicílio para tratamento – ponto 9 dos factos provados).
Porque a decisão de despedimento foi recebida em 11.01.2021 (ponto 41 dos factos provados – cfr. art.º 357º, nº 7 do Código do Trabalho), apenas se põem a questão de saber se é devido crédito relativo ao período de 01.01.2017 a 13.06.2017.
Ora, o Código do Trabalho em 2009 deixou de prever que o direito à formação se vença no dia 01 de janeiro de cada ano civil[60], pelo se tem que entender que o direito às horas de formação não se vence em bloco (relativo ao ano), antes se vencendo à medida e na medida em que o tempo decorre.
Deste modo, o Autor apenas tem direito ao proporcional relativo ao período de 01.01.2017 a 13.06.2017 (ano bissexto, por isso 164 dias).
Deste modo, pegando no valor/hora referido na sentença recorrida – (€ 890,00 x 12) : (52 x 40), ou seja, € 5,13 – se por referência ao ano (366 dias) eram devidas 35 horas[61], por referência a 164 dias são devidas 16 horas, ou seja, € 82,08.
Procede, pois, o recurso nesta parte nestes termos.
*
Quanto a custas, procedendo o recurso em parte, as custas do recurso ficam a cargo da Recorrente e do Recorrido na respetiva proporção, que se fixa em 98% para a Recorrente e 2% para o Recorrido (art.º 527º do Código de Processo Civil).
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
I) revogar a sentença recorridana parte em que condenou a Ré no pagamento na quantia de € 750,00 a título de créditos por formação profissional não proporcionada, e em substituição condenar a Ré no pagamento ao Autor na quantia de € 82,08 a esse título;
II) confirmar no mais a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente e pelo Recorrido na proporção do respetivo decaimento (que se fixa em 98% e 2% respetivamente), com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).
Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)
Porto, 14 de fevereiro de 2022
António Luís Carvalhão
Domingos José de Morais
Paula Leal de Carvalho
________________
[1] Tal como em 1ª instância aconteceu, designamos o trabalhador por Autor, na medida em que impulsiona o processo apresentando formulário com vista a ver declarada a ilicitude ou irregularidade do seu despedimento, e designamos a sociedade empregadora por Ré, na medida em que, ainda que apresentando o primeiro articulado, contesta esse impulso tendente à declaração da ilicitude ou irregularidade do despedimento que promoveu.
[2] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[3] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[4] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[5] Como é sabido, a generalidade das provas produzidas em audiência de julgamento estão sujeitas à livre apreciação do tribunal (como é o caso dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte), dispondo o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária – vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347.
[6] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286.
[7] É que, de outra forma ocorreria uma inversão da posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão [assim tem também referido o Tribunal Constitucional – vd. por exemplo, o acórdão nº 198/2004, publicado no DR II série nº 129, de 02.06.2004 (na pág. 8546), e também acessível em www.tribunalconstitucional.pt].
[8] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 292/293.
[9] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, ibidem, pág. 116.
[10] É o seguinte o teor do ponto 14 dos factos provados, recordemos: [n]o dia 24 de setembro de 2020, o Autor encontrava-se nas instalações da sociedade “A...”, tendo caído de cima de uma galera, sofrendo lesões na cabeça e tórax.
[11] Na sentença consta “Ré”, mas é manifesto lapso, pois só poderia o julgador referir “A...”, donde se ter corrigido.
[12] Informação que se colhe da audição da gravação do depoimento no Citius Media Studio.
[13] Informação que se colhe da audição da gravação do depoimento no Citius Media Studio.
[14] Informação que se colhe da audição da gravação do depoimento no Citius Media Studio.
[15] Informação que se colhe da audição da gravação do depoimento no Citius Media Studio.
[16] Informação que se colhe da audição da gravação do depoimento no Citius Media Studio.
[17] Informação que se colhe da audição da gravação do depoimento no Citius Media Studio.
[18] Sobre a questão, vd. Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova por Presunção no Direito Civil”, Almedina, 3ª edição (2017), págs. 31 a 71.
[19] No entanto, o tribunal não poderá presumir (presunção judicial) aquilo que a parte não prova (diretamente) – Vd. a propósito Ac. STJ de 01.04.2009 (consultável em www.dgsi.pt processo nº 08S3254).
[20] O que igualmente foi referido pela testemunha BB, seu filho, no depoimento, e também pela testemunha GG, trabalhador da “A...”, que referiu que desde há cerca de um ano que via o Autor acompanhar o filho, por vezes, em viagens longas.
[21] Por exemplo as testemunhas GG BB explicam no seu depoimento que se tratava de uma galera (“zorra”), mais propriamente um porta automóveis (como referiu o segundo), o que se coaduna com a referência (pelo primeiro) que tem uma parte mais baixa que dá para subir.
[22] Informação que se colhe da audição da gravação do depoimento no Citius Media Studio.
[23] Vd. a propósito Ana Lambelho e Luísa Andias Gonçalves, “Poder Disciplinar – Justa Causa de Despedimento”, Quid Juris, 2012, págs. 42.
[24] Vd. a propósito Pedro Sousa Macedo, “Poder Disciplinar Patronal”, Almedina, 1990, págs. 31-35, e Nuno Abranches Pinto, “Instituto Disciplinar Laboral”, Coimbra Editora, 2009, págs. 49ss.
[25] Para maior desenvolvimento, vd. Nuno Abranches Pinto, “Instituto Disciplinar Laboral”, Coimbra Editora, 2009, págs. 70-76.
[26] In “Instituto Disciplinar Laboral”, Coimbra Editora, págs. 63 a 65.
[27] Publicado na CJ/STJ – Associação de Solidariedade Social “Casa do Juiz”, Ano III, tomo 3, págs. 277-279.
[28] Sobre este “dever de lealdade em sentido amplo”, vd. também Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina (julho de 2006), pág. 357-359, que fala na «lealdade pessoal».
[29] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 777/08.5TTAVR.C1.
[30] Atualmente o art.º 126º, nº 1 do Código do Trabalho.
[31] Relatado pela aqui 1ª adjunta, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 10026/18.2T8VNG.P1.
[32] Relatado e subscrito pelos aqui 1º e 2º adjuntos, respetivamente; consultável em www.dgs.pt, processo nº 292/14.8TTGDM.P1.
[33] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 6926/15.0T8FNC.L1.S1.
[34] Cfr. art.º 295º, nº 1 do Código do Trabalho.
[35] O que também se verifica relativamente ao “Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho” que se reporta à data da queda (o relativo ao período de 16.09.2020 a 15.10.2020), junto no procedimento disciplinar.
[36] Têm que se ler os factos conjugados com os “Certificados” que lhe serviram de suporte, e deles não consta (não está preenchida) a “autorização”, pelo que não se pode dizer, como na sentença recorrida, que se desconhece se existia ou não autorização médica para o Autor estar ausente do domicílio (final da pág. 24) porquanto esse campo do impresso não está preenchido.
[37] Cfr. acórdão desta Secção Social do TRP de 18.09.2006, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 0542236.
[38] Vd. Pedro Romano Martinez, “Apontamentos sobre a cessação do contrato de trabalho à luz do Código do Trabalho”, AAFDL, págs. 91 a 96.
[39] Vd. acórdãos do STJ de 30.05.2007 e 12.11.2008, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 07S673 e 08S1297, respetivamente.
[40] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 08S3536.
[41] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 02S337.
[42] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 816/09.2TTVNF.P3.
[43] Vd. Pedro Furtado Martins, “Cessação do Contrato de Trabalho”, Principia, 3ª edição revista e atualizada – Código do Trabalho de 2012, pág. 432.
[44] Já se viu que persiste o dever de lealdade, o que explica que mesmo estando suspenso o contrato de trabalho possam ser aplicadas sanções disciplinares ao trabalhador que o infringir (incluindo o despedimento).
[45] In “Manual de Direito do Trabalho”, Verbo, 2011, pág. 652.
[46] Publicado na Colectânea de Jurisprudência – Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Ano XXI – 1996, tomo II, págs. 165-167.
[47] Que contém a noção do contrato de trabalho, como hoje o art.º 11º do Código do Trabalho.
[48] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 01S1659.
[49] Vd. igualmente os arestos citados pela Ré.
[50] Os factos não são constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos (art.º 342º do Código Civil) em abstrato, importando ver o quadro legal em concreto aplicável.
[51] E se tiver dificuldade na obtenção da prova pode solicitar a colaboração, atempada, do tribunal (art.º 7º, nº 4 do Código de Processo Civil).
[52] Assim como cabe ao empregador o ónus de prova da perceção pelo trabalhador de rendimentos em atividades iniciadas posteriormente ao despedimento – vd. Bernardo da Gama Lobo Xavier, “Manual de Direito do Trabalho”, Verbo, 2011, pág. 805.
[53] Esta disposição legal visa aproximar, na medida do possível, o montante condenatório ao prejuízo suportado em concreto pelo trabalhador, evitando situações de dupla fonte de rendimentos por parte do trabalhador despedido, socialmente injustificadas.
[54] Vd. Pedro Furtado Martins, “Cessação do Contrato de Trabalho”, Principia, 3ª edição revista e atualizada – Código do Trabalho de 2012, págs. 503/504.
[55] Cfr. acórdão do STJ de 11.04.2018, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 354/16.7T8PTM.E1.S1.
[56] O Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto.
[57] Vd. Júlio Manuel Vieira Gomes, “Direito do Trabalho – volume I – Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, pág. 566.
[58] O Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.
[59] Vd. a propósito a dissertação de mestrado de Teresa Clara de Carvalho Pires Martins Neves Pinto no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, “A Formação Contínua Enquanto Dever Contratual – Os Critérios Legais; O Arquétipo da Lei na Avaliação do Desempenho”, junho de 2015, págs. 33-35, consultável em https://repositorio.iscte-iul.pt.
[60] Cfr. art.º 162º, nº 1 da Regulamentação do Código do Trabalho/2003 (aprovada pela Lei nº 35/2004, de 29 de julho).
[61] Cfr. a redação do nº 2 do art.º 131º do Código do Trabalho antes da Lei nº 93/2019, de 04 de setembro.