PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
AÇÃO EXECUTIVA
PLANO DE RECUPERAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
INTERPELAÇÃO
LIVRANÇA
AVALISTA
RECURSO PER SALTUM
REQUISITOS
Sumário


I - O prazo de interrupção da prescrição de uma livrança (três anos) avalizada pelos executados – art. 70.º ex vi do art. 77.º da LULL – interrompe-se com a citação destes na execução – art. 323.º, n.º 1, do CC, o que inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr um novo prazo a partir do ato interruptivo – arts. 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, do CC.
II - Numa execução em que os executados avalistas de uma livrança foram citados, se no decurso dessa ação vier a correr um Processo Especial de Revitalização no qual a aprovação e homologação do plano de recuperação vier a determinar a extinção da execução – art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE – essa circunstância não permite que se inicie de imediato novo prazo de prescrição porque a existência do Plano, nos seus termos e condições, constitui um obstáculo à exigência do crédito.
III - O prazo de prescrição da livrança avalizada começa a decorrer quando o credor tiver conhecimento de que os avalistas não cumpriram a prestação homologada no PER.
IV - A interpelação escrita ao devedor para cumprir no prazo de 15 dias estabelecida no art. 218.º, n.º 1, al. a), do CIRE tem por finalidade dar conhecimento a este da vontade do credor fazer cessar a moratória ou o perdão previsto no Plano de Recuperação e não para que a partir desse momento se inicie o novo prazo prescricional interrompido com a citação dos avalistas na execução extinta (por força do art. 17.º-E do CIRE).

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Nos autos de execução movidos por Banco BIC contra AA e BB, os executados, através de embargos de executado invocaram que o título executivo que serve de base à presente execução constituído por uma livrança se encontra prescrito, concluindo com o pedido de extinção da execução quanto a eles.

A exequente deduziu oposição impugnando a ocorrência de prescrição.

Instruídos os autos veio a ser proferida sentença que julgou improcedentes os embargos e determinou o prosseguimento da execução.

Inconformados com esta decisão os embargantes vieram interpor recurso per saltum para este STJ concluindo que:

“A) Decorre e é realçado na Douta Sentença ora recorrida o disposto no artigo 306º nº 1 do Código Civil de “que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

B) Foi entendimento da Meritíssima Juiz “a quo” de que, em caso de incumprimento de um plano de recuperação, o credor só pode exercer o seu direito e assim, o prazo da prescrição só começa a correr, após proceder à interpelação prevista no artigo 218º nº 1 al. a) do CIRE.

C) É neste ponto que os Recorrentes discordam frontalmente da Decisão recorrida pois, a prescrição tem de começar a correr a partir do momento em que o credor está legitimado a recorrer ao predito artigo 218º nº 1 do CIRE e não ao momento em que a ele efetivamente recorre.

D) Com efeito, se assim não fosse e por absurdo, se o credor só decidisse interpelar os devedores dez anos após ocorrer o incumprimento, o prazo da prescrição também só se iniciaria transcorrido que estivesse todo este período temporal, aproveitando-se o credor da sua própria inércia e displicência, o que não pode ter qualquer respaldo legal, mormente em sede do teor do artigo 9º do Código Civil.

E) Ora, retornando “in casu”, conforme resulta do ponto 10 da matéria dada como provada, o plano de recuperação proposto pelos Recorrentes foi judicialmente homologado por sentença prolatada a 05.04.2016 e, conforme bem refere a Recorrida no segundo parágrafo da sua carta interpelatória para efeitos do artigo 218º nº 1 al. a) do CIRE, datada de 14.03.2018, “no seguimento do plano, não foram liquidadas quaisquer prestações, encontrando-se atualmente em dívida a quantia de €: 5.408,35 referentes às prestações vencidas e não pagas”. (sublinhado nosso)

F) Ou seja, resulta de tal missiva e é verdade, que os Recorrentes não liquidaram à Recorrida qualquer valor resultante do plano de recuperação ou seja, não lhe liquidaram qualquer valor a partir de 05.04.2016, data da homologação respetiva.

G) Face ao exposto, a Recorrida demorou praticamente dois anos a reagir ao incumprimento dos Recorrentes e quando existia já um crédito vencido de valor substancial.

H) E, demorou ainda praticamente mais três anos a instaurar o novo processo executivo, o qual só deu entrada em juízo, conforme resulta ainda da matéria dada como provada, a 12.01.2021.

I)Assim, muito embora seja certo que os créditos só recuperam a sua situação originária com a interpelação prevista no artigo 218º do CIRE, a verdade é que inicio do prazo da prescrição não tem de aguardar por tal notificação, mas sim da data em que efetivamente se verifica o incumprimento do plano de recuperação pois a partir desse momento o credor está habilitado, está legalmente legitimado a proceder a tal interpelação.

J) Desta forma, sendo certo que os Recorrentes não pagaram qualquer prestação à Recorrida decorrente do seu plano, temos, pois, que a presente ação executiva só dá entrada em juízo cerca de quatro anos e oito meses depois de se dar o incumprimento,

K) dilação temporal esta que, mesmo descontando a suspensão prevista na Lei 1-A/2020 de 19.03 ocorrida entre 09 de Março de 2020 e 02 de Junho de 2020, faz inelutavelmente preencher a prescrição cambiária dos três anos que resulta do disposto no artigo 70º da LULL, tendo assim o presente processo de executivo de ser extinto por prescrição.

L) O teor da Douta Sentença ora recorrida viola o disposto nos artigos 9º e 306º nº 1 do CC, 70º da LULL e 218º nº 1 do CIRE.

Sem prescindir

M) Requerem os Recorrentes o recurso “per saltum” para esse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto se encontram “in casu” preenchidos todos os requisitos dos quais o artigo 678º nº 1 do CPC faz depender a sua admissibilidade ou seja

- o valor da causa é superior à alçada da Relação;

- o valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação;

- a Recorrente só suscita, nas suas alegações, questões de direito;

- a Recorrente não impugna qualquer decisão interlocutória.

Termos em que deve ser revogada sentença ora recorrida e substituída por outra que declare prescrita a presente ação executiva, por transcorrido o prazo de três anos previsto no artigo 70º da LULL.”


A exequente contra-alegou defendendo ser inadmissível o recurso per saltum por não verificação dos pressupostos e concluiu que

“O aqui Recorrido, é dono e legítimo possuidor de 1 (uma) Livrança nº ...42, com data de emissão a 11.02.2015 e com data de vencimento a 20.02.2015, no montante de €414.637,27 avalizada pelos aqui Recorrentes, tendo sido entregue ao Recorrido para garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato de mútuo outorgado com a empresa subscritora A... S. A. em 10 de maio de 2013, sendo que os Recorrentes incumpriram com as suas obrigações subjacentes;

No que concerne, à prescrição da livrança vencida a 20 de Fevereiro de 2015, os Recorrentes tiveram conhecimento efetivo e pessoal do valor em divida, desde pelo  menos 5 de Outubro de 2015, data em que foram citados, no âmbito da aludida ação executiva, sendo que no decorrer dessa ação, apresentaram-se a PER, a 4 de Novembro de 2015, tendo sido para o efeito, reconhecido o crédito reclamado, no montante de 428.053,09€, sendo que em Abril de 2016, foi homologado o plano aprovado , a favor dos Recorrentes;

Tal plano não foi cumprido, tendo o Recorrido procedido à interpelação dos Recorrentes, como preceituado no nº 1 do artigo 218 do CIRE, permitindo assim, ao Recorrido intentar a presente ação executiva.

Desta forma, a prescrição da livrança encontrava-se interrompida, desde 5 de outubro de 2015, data em que os Recorridos foram citados, encontrando-se a mesma interrompida para efeitos de prescrição.;

O artigo 323 nº 1 do C.C, estabelece que “a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

Ora, esta premissa conduz-nos a indagar se durante a vigência do PER, a que os aqui Recorridos se apresentaram, o Recorrido poderia, para além de ter reclamado créditos no âmbito do aludido processo tinha possibilidade de ainda intentar execução para a cobrança do valor que se encontrava em dívida?

A verdade é que o Recorrido, tendo em base o incumprimento do plano de revitalização teria que proceder ao envio da interpelação, a que faz alusão o artigo 218º nº 1 do CIRE, o que efetivamente verificou-se, sendo que o Recorrido remeteu interpelação para os aqui Recorrentes, através de carta registada com aviso de receção datada de 14 de Março de 2018, e sendo estabelecido o prazo de 15 ( quinze ) dias, a que alude o artigo 218º nº 1 alínea a) do CIRE, sem que para o efeito os Recorrentes tivessem respondido de qualquer forma à mesma;

Atentando, no caso dos autos a prescrição interrompeu-se, no dia 3 de abril de 2018, tendo em conta a ressalva do período de 9 de Março a Junho de 2020, em que os prazos tiveram suspendidos, devido à Lei 1-A/2020 de 19.03, quando a execução foi intentada a 12 de Janeiro de 2021, o prazo de prescrição ainda não havia decorrido, terminando apenas em 3 de Abril de 2021.

Não podendo colher o argumento utilizado por parte dos Recorrentes, que, apenas querem fazer valer o seu ponto de vista inerente à situação da invocação da prescrição, para eximirem -se das suas responsabilidades, bem como não poderá colher o argumento utilizado pelos Recorrentes de que se “ o credor só decidisse interpelar os devedores dez anos após ocorrer o incumprimento, bem como ter demorado a Recorrida mais de três anos a instaurar novo processo executivo “, não poderão tais argumentos serem aceites, quando os próprios Recorrentes tendo conhecimento de toda esta situação de incumprimento, nada fizeram para a cessar.;

Face ao supramencionado, a verdade é que não poderão valer-se agora da invocação da referida prescrição, quando bem sabem que ignoraram por completo, o incumprimento do Plano de Revitalização, encontrando-se as aludidas quantias em dívida, prejudicando claramente a satisfação do crédito do aqui Recorrido.”

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …        

Fundamentação

Foi julgada prova a seguinte matéria de facto:

“1. Em 12-01-2021, a exequente “Banco BIC Português, S.A.” instaurou ação executiva a seguir a forma ordinária contra os executados, aqui embargantes, AA e BB para pagamento coercivo da quantia global de € 516.884,97 euros.

2. No seu requerimento executivo, a exequente alegou que o título executivo é uma livrança e “nos factos”:

“QUESTÃO PRÉVIA

O BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A, por operação de fusão por incorporação, devidamente inscrita no Registo Comercial , sob a inscrição 17.AP .101 de 2012/12/07, passou a operar sob a firma BANCO BIC PORTUGUÊS . S.A., conforme código de acesso de certidão permanente nº 5766- 4878-3420.

II- FUNDAMENTOS:

1 - O Exequente é dono e legitimo possuidor de 1 (uma) Livrança subscrita pelos Executados BB e AA.

2 - A sobredita Livrança foi emitida em 11 de Fevereiro de 2015 e venceu-se em 20 de Fevereiro de 2015, no montante de 414.637,27 € (quatrocentos mil e catorze e seiscentos e trinta e sete mil euros e vinte e sete cêntimos), conforme documento nº 1 que se junta, e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3 - Tendo sido entregue ao BANCO Exequente para garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato de mútuo outorgado com a empresa subscritora A... S. A. em 10 de Maio de 2013, tal como poder-se- á aferir pelo documento nº 2 que se junta, dando -se o seu conteúdo por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

4 - Os aludidos Executados autorizaram expressamente o Exequente , a proceder ao preenchimento da aludida Livrança , apondo-lhe nomeadamente , a data de vencimento  do local de pagamento e a importância do título , pelo valor correspondente ao capital em dívida : aos juros compensatórios e moratórios convencionados e demais encargos e penalizações contratualmente estipuladas e em débito aquando da sua utilização , tal como decorre do documento nº 2 que se junta , e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais ;

5 - Os Executados / Mutuários entraram em incumprimento, e por via disso,

6 - Por carta registada, o BANCO Exequente, procedeu à resolução daquele contrato de mútuo, o supramencionado, nos termos do respetivo clausulado, designadamente clausula 15 l) e m), e notificou os executados do vencimento da livrança e para procederem ao s/ pagamento;

7 - O BANCO Exequente, face ao incumprimento contratual e no exercício do direito que lhe foi concedido, procedeu ao preenchimento da Livrança pelo valor de 414.637,27€ (quatrocentos e catorze mil seiscentos e trinta e sete euros e vinte e sete cêntimos) como suprarreferido;

8 - Apresentada a pagamento, na data do respetivo vencimento, a livrança não foi paga, nem o foi posteriormente, pela subscritora ou pelos avalistas, ora executados, pese embora as diversas interpelações para o efeito;

9 - Pelo que, o Exequente intentou ação executiva por forma a reaver o montante mutuado, tendo essa corrido termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Execução ... -J.…, sob o nº do processo 4658/15....,

POR SEU LADO,

10 - Os aqui supramencionados Executados, apresentaram -se a Processo Especial de Revitalização, tendo em vista a sua revitalização através da aprovação, pelo que o processo executivo corria termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Execução ... – J... , sob o nº do processo 4658/15....,tendo esta execução suspensa no dia 4 de Fevereiro de 2016, conforme documento nº 3 que se junta , dando-se o seu conteúdo por integralmente reproduzido.

11 - Assim , e em face deste processo especial de revitalização, a que os Devedores se apresentaram , e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ...,  sob o nº do processo 9182/15...., veio o Exequente reclamar os seus créditos , tendo o mesmo sido reconhecido no montante de 428.053,09 ( quatrocentos e vinte oito mil e cinquenta e três euros e nove cêntimos ) , como é inerente do documento nº 4 que se junta, dando -se o seu conteúdo por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

12 - Pelo que, e no âmbito deste processo de revitalização, foi homologado o respetivo Plano de Revitalização dos Devedores, que foi incumprido pelos mesmos, tal como poder-se- à aferir pelo documento nº 5 que se junta, dando-se o seu conteúdo por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

13 - Assim, e em conformidade o aludido Tribunal por despacho datado do dia 24 de Maio de 2016, declarou extinto o processo executivo, nos termos e para efeitos do artigo 17º E nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e do artigo 849º nº 1 alínea f) do C.P.C, conforme documento nº 6 que se junta, dando -se o seu conteúdo por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

14 - Ora, os Executados foram interpelados para proceder ao pagamento do montante em dívida, em Março de 2018, e no transato dia 1 de Julho de 2020, nos termos do artigo 218º nº 1 alínea a) do CIRE , conforme documento nº 7 e 8 que se juntam, dando se o seu conteúdo por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

15 - No entanto, e tendo em conta que foi notificado aos Devedores, o incumprimento do Plano, e não tendo sido feita qualquer liquidação do mesmo, e tendo-se remetido ao silêncio, tem-se por assente o incumprimento do plano.

16 - Sem prejuízo de o aqui Exequente, poder requerer a insolvência do Devedor que incumpra o PER, conforme o estipulado no artigo 20º nº 1 alínea b) do CIRE, o Exequente poderá propor nova ação executiva, conjugando o título executivo que já possui com a comprovação dos fatos que conduzem às consequências previstas no artigo 218º nº 1 alínea a) do CIRE;

17 - Pelo que, e verificando-se o incumprimento do plano, nos termos do artigo 218º do CIRE, a verdade é que os créditos recuperam a sua situação originária, dado que apenas e só o cumprimento do plano exonera o devedor da totalidade das dívidas remanescentes;

18 - Em face do título, o BANCO EXEQUENTE, é credor dos Executados acima id. pelo capital em dívida no valor de 418. 937,71 €, acrescido de juros de mora vencidos à taxa moratória legal, desde a data do vencimento da Livrança que ora se executa, até efetivo e integral pagamento;

19 - Sobre o montante de juros, é ainda devido o Imposto de Selo previsto na Tabela Geral do Imposto de Selo, à taxa legal que hoje é de 4%;

20 - A referida Livrança, constitui título executivo bastante, conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 703 do C.P.C sendo certa, líquida e exigível a dívida dela constante;

Nestes termos e nos melhores DO DIREITO, o EXECUTADO, acima id, encontra-se em dívida com o BANCO EXEQUENTE, na quantia de 418. 937,71 €, acrescido de juros desde o vencimento da letra até integral pagamento, bem como ainda o Imposto de Selo previsto na Tabela Geral do Imposto de selo, pelo que se requer a V.Exª se digne admitir a presente execução nos termos e para efeitos do art.º 724 e seguintes do C.P.C.”.

3. A exequente, aqui embargada, apresentou, no processo principal, o original de uma livrança do seguinte teor:

a) O valor de € 414.637,27 euros, referente a “Financiamento Bancário”;

b) ..., como local de emissão, e 2015-02-11, como data de emissão;

c) 20-02-2015, como data de vencimento;

d) AA e BB assinaram como avalistas da sociedade subscritora.

4. Por carta registada com aviso de receção de 14 de março de 2018, a exequente interpelou os dois executados, aqui embargantes, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 218, do CIRE, para procederem, no prazo de 15 (quinze) dias, após a receção da carta, ao pagamento dos valores em dívida (cfr. documentos juntos pela exequente com o requerimento executivo, que não foram impugnados).

5. Mais ficou consignado nessa missiva que “Findo aquele prazo, sem que V. Ex.ªs cumpram com o agora solicitado, e ainda de acordo com a referida disposição legal, a moratória e o perdão previstos no Plano ficarão, definitivamente, sem efeito, constituindo-se V. Ex.ªs na obrigação imediata de liquidar o Crédito ao Banco BIC Português, S.A., pelo seu valor integral.” (cfr. documentos juntos pela exequente com o requerimento executivo, que não foram impugnados).

6. Em 22 de maio de 2015, a exequente intentou ação executiva para pagamento de quantia certa, seguindo a forma ordinária, sob o processo n.º 4658/15…, que correu termos no Juízo de Execução ..., J..., da Comarca ..., contra os dois aqui embargantes (cfr. certidão junta pela exequente em 5-07-2021, neste apenso).

7. Tal execução baseou-se na livrança aqui em causa e aludida no ponto 3.

8. Nessa execução, os executados AA e BB foram citados em 05/10/2015 (cfr. certidão junta pela exequente em 5-07-2021, neste apenso).

9. Em 04-11-2015, os dois executados/embargantes apresentaram-se ao PER, cujo processo correu termos sob o n.º 9182/15.... do Tribunal da Comarca ..., Instância Central, Secção de Comercio J..., tendo a quantia exequenda (reclamada na execução n.º 4658/15....) sido reclamada pela exequente/embargada e, consequentemente, foi reconhecido o seu crédito no montante de 428.053,09€, conforme documentos nºs 4, 5 e 6 (publicação do PER, Reclamação de créditos e lista de créditos, documentos juntos com a contestação, não impugnados).

10. Por sentença proferida em 05.04.2016, transitada em julgado em julgado, foi homologado o respetivo plano de revitalização dos devedores (cfr. consulta ao processo especial de revitalização n.º 9182/15…, do Juízo do Comércio ... J...).

11. Em consequência da homologação do plano de revitalização, foi a ação executiva declarada extinta por decisão de 24.05.2016 (cfr. certidão junta pela exequente em 5-07-2021, neste apenso), que transitou em julgado em 30 de junho de 2016.”

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635 n.º 4 e 639º n.º 1, ex. vi, art. 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em saber se ocorreu a prescrição do título executivo dado em execução.

… …

Quanto à admissibilidade da interposição, no caso, de recurso per saltum para o STJ, resulta do art.678 nº 1 do CPC que “As partes podem requerer, nas conclusões da alegação, que o recurso interposto das decisões referidas no nº 1 do artigo 644.º suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, desde que, cumulativamente:

a) O valor da causa seja superior à alçada da Relação;

b) O valor da sucumbência seja superior a metade da alçada da Relação;

c) As partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito;

d) As partes não impugnem, no recurso da decisão prevista no nº 1 do artigo 644.º, quaisquer decisões interlocutórias”

Esta figura do recurso per saltum, originária da Reforma introduzida pelo Decreto-lei no 329-A/95, de 15 de Outubro, que se manteve na Reforma de 2007 (Decreto-lei no 303/2007, de 24 de Agosto) e, posteriormente, na Lei 41/2013, de 26 de Junho, remete para situações em que no recurso apenas se discutem matérias de direito (e não de facto), permitindo a lei a supressão de um grau de jurisdição, desde que o respetivo valor seja superior à alçada do Tribunal da Relação; a sucumbência superior a metade deste mesmo valor; não abranja decisões interlocutórias, passiveis de nele serem incluídas à luz do disposto no artigo 644 nº 3 do CPC.

Este tipo de recurso encontra-se, pois, reservado para os casos previstos no nº 1 do artigo 644 do CPC e depende de requerimento das partes (bastando uma delas, inclusive do recorrido) tendo a importante vantagem de contornar a impossibilidade de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em virtude da formação de dupla conforme, nos termos do artigo 671 nº 3 do CPC. Isto é, constitui uma via aberta e garantida de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, sem o recorrente correr os riscos associados à confirmação do decidido em segunda instância com fundamentos essencialmente convergentes e sem a ressalva de qualquer voz dissonante (voto de vencido) – cfr. Luís Espírito Santo, in Recursos Cíveis, O sistema Recursório Português. Fundamentos, regime e atividade judiciária. pag. 310.

Explicado o travejamento jurídico em que assenta a interposição do recurso e tendo por certo que, cumpridas as exigências de alçada e sucumbência, a oposição à execução admite recurso de revista para o STJ (art. 854 do CPC), observamos que a exigência das partes nas suas alegações suscitarem apenas questões de direito significa que a matéria fixada em primeira instância não pode estar impugnada, isto é, não pode pretender-se a sua alteração no recurso, o que obviamente não significa que nas alegações não possa referir-se a matéria julgada provada na proposta de subsunção jurídica que se defenda.

A recorrida refere que o presente recurso deverá ser inadmitido porque os recorrentes pretendem que não seja incontroversa e indiscutível a matéria de facto, concretizando esta conclusão na circunstância de “conforme resulta do ponto 10 da matéria de fato dado como provada, o plano de recuperação proposto pelos Recorrentes , foi judicialmente homologado por sentença prolatada a 05.04.2016 e, conforme bem refere a Recorrida no segundo parágrafo da sua carta interpelatória para efeitos do artigo 218º n º 1 alínea a) do CIRE, datada de 14.03.2018, no seguimento do plano, não foram liquidadas quaisquer prestações, encontrando-se atualmente em dívida a quantia de 5.408,35 € referentes às prestações vencidas e não pagas”.

Como antes referimos, abordar a matéria de facto questionando a sua subsunção não significa pretender alterá-la, como não se pretende no recurso em que nenhuma impugnação aos factos julgados provados ou não provados é deduzida e, como assim, também este requisito está satisfeito, sendo admissível o recurso.

… …

Quanto ao mérito do recurso/conhecimento da prescrição, a prova revela que os recorrentes assinaram como avalistas da sociedade subscritora uma livrança com o valor 414.637,27 euros e com data de vencimento 20-02-2015. Tendo a ora recorrida instaurado execução contra os recorrentes em 22 de maio de 2015 com base nesse título, que correu termos no Juízo de Execução ..., J.…, da Comarca ... como processo nº 4658/15…, aqueles foram citados em 05/10/2015.

Acontece que em 04-11-2015, os ora recorrentes aí executados apresentaram-se a Processo Especial de Revitalização que correu termos sob o n.º 9182/15.... do Tribunal da Comarca ..., Instância Central, Secção de ..., tendo a quantia exequenda (na execução n.º 4658/15…) sido reclamada e reconhecido o seu crédito no montante de 428.053,09 €. E por ter sido nesse PER homologado o respetivo plano de revitalização dos credores, o que ocorreu por sentença de 05.04.2016 transitada em julgado em julgado, foi julgada extinta, com esse fundamento e nos termos do art. 17-E nº 1 do CIRE, a execução que havia sido instaurada.

Sendo pacífico que todas as ações contra o aceitante relativas a letras e livranças prescrevem no prazo de três anos a contar da data do seu vencimento nos termos do art. 70 da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (L.U.L.L.), aplicável ex vi do art. 77 do mesmo diploma legal, atendendo à data de vencimento do título de crédito discutido nos autos (20 de fevereiro de 2015), a não existirem causas de suspensão ou interrupção, a prescrição ocorreria em 20 de fevereiro de 2018. Todavia, a citação dos ora recorrentes em 05/10/2015 na execução instaurada contra si pelo credor/exequente interrompeu esse prazo nos termos do art. 323 nº 1 do C. Civil, inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente começando a correr um novo prazo a partir do ato interruptivo, - art. 326 nº 1 CC. E quando a interrupção resulte de citação, o novo prazo prescricional apenas começa a correr quando passar em julgado a decisão que ponha termo ao processo em que ocorreu a citação - art. 327 nº 1 CC.

Em retrospetiva, no decurso da execução interposta e na qual os ora recorrentes enquanto executados foram citados, porque estes se apresentaram a Processo Especial de Revitalização veio aquela (execução) a ser declarada extinta por decisão de 24 de maio de 2016 transitada em julgado em 30 de junho de 2016. Porém, o entendimento segundo o qual este trânsito em julgado determinaria que começasse a correr um novo prazo prescricional (art. 327 nº 1 do CC) sofre uma inflexão uma vez que a homologação do plano de recuperação, dando causa à extinção da execução (nº 1 do art. 17-E do CIRE) não permite que se inicie de imediato novo prazo porque a existência do Plano, nos seus termos e condições, constitui pela sua própria natureza um obstáculo à exigência do crédito que nele foi incorporado e beneficia do regime de condescendência concordatária de cumprimento que (no plano) tenha sido fixado.

Colocada a questão em termos de fixar o momento a partir do qual, existindo Plano de Recuperação homologado por sentença,  começa a correr de novo o prazo de prescrição, uma primeira indicação legal é a do art. 218 nº 1 al. a) do CIRE ao estabelecer que “Salvo disposição expressa no plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito quanto ao crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação acrescida dos juros moratórios não for cumprida no prazo de 15 dias apôs interpelação escrita pelo credor”. Esta disposição legal, respeitante ao plano de insolvência, é aplicável ao PER uma vez que o nº 12 do art. 17-F do CIRE, introduzido pelo DL n.º 79/2017, de 30 de junho, determina que “É aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do art. 218.”, sendo que já na redação dada a esse normativo pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril se diziam aplicáveis ao plano de recuperação, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX - cfr. nº 7 do art. 17-F.

Tendo o art. 218 nº 1 al. a) do CIRE como referência, no âmbito da apreciação  de os recorrentes se terem constituído em incumprimento relativamente aos crédito exequendo da recorrida, incluído no plano de recuperação, é seguro que “o desencadeamento das consequências que a lei liga à falta de pagamento pontual do que é devido está imperativamente condicionado à prévia interpelação do credor para o devedor cumprir, o que terá de suceder após verificada a falha relativamente ao prazo inicialmente previsto; não vale, por isso, um aviso prévio que o credor entenda dirigir ao devedor, lembrando-lhe o próximo vencimento” - Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado,  3.ª edição, pág. 796 -. Por outro lado, o incumprimento do Plano de Recuperação homologado por sentença deve aferir-se analisando a conduta do devedor em face do concreto teor do Plano homologado, rastreando os concretos termos e condições deste.

Nesta perspetiva, se um Plano de Recuperação prevê um período de carência de pagamento e, posteriormente, um pagamento da dívida, v.g. em prestações, temos por seguro que apenas decorrido esse período de carência e só quando o devedor benificiário do Plano não tenha pagado uma das prestações, poderá ser interpelado nos termos do art. 218 nº 1 al. a) do CIRE. Esta norma visa o “incumprimento” do plano, ou seja, tem por finalidade fazer cessar a moratória ou o perdão concedido, que ficam sem efeito quando o devedor beneficiário do plano não cumpra com os pagamentos planeados e continue sem pagar depois de ser interpelado pelo credor para o fazer no prazo de 15 dias. Porém, tal disciplina normativa não implica automaticamente a da prescrição do crédito uma vez que nesta o princípio geral é o de que o prazo só começa a correr quando o direito puder ser exercido, isto é, enquanto o devedor não se encontrar em dívida para com o credor não pode começar a correr o prazo (de prescrição) – vd. Pires de Lima e Antunes Varela CC Anotado, 2ª ed. Vol. I pg. 257.

A consequência para a falta de cumprimento do Plano de Recuperação homologado num PER é a de poder ser requerida a insolvência do devedor “ por parte por de quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados” se se verificar, nomeadamente o “incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º; a falta de cumprimento do Plano de Recuperação, a insolvência” – art. 20 nº 1 al. f) do CIRE. Em acrescento, porque nos termos do art. 91 nº 1 do CIRE a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações (exceto as subordinadas a uma condição suspensiva e que no caso não relevam), estas disposições legais impõem a conclusão de a citação que é feita ao credor de o devedor ter sido declarado insolvente, investe-o no conhecimento de o seu crédito se encontrar vencido e incumprido.

A questão interessante na presente revista é, assim, a de saber se enquanto o credor não interpelar os devedores nos termos do art. 218 nº 1 al. a) do CIRE os efeitos da moratória, perdão e condições de pagamento da dívida determinados no Plano de Recuperação se mantêm indefinidamente e, com eles, por consequência, o estado de interrupção da prescrição. Efetivamente, sabendo-se que o PER determinou a extinção da execução que o credor tinha instaurado contra os devedores (na qual a citação dos executados havia interrompido a prescrição) - nº 1 do art. 17-E do CIRE -  e que o Plano de Recuperação impede aquele de reclamar o crédito por estar sujeito às condições de tal Plano homologado por sentença, não se encontra qualquer fundamento legal para permitir ao credor que, depois de incumprido o Plano pelo devedor e, acrescentamos agora, depois de ser citado com a informação da insolvência da sociedade de que eles foram avalistas (sendo o crédito discutido o do aval)  pudesse manter-se o credor/recorrente numa inércia sem limite de tempo, sem exigir judicialmente o pagamento e sem que pudesse começar a contar-se o prazo da prescrição, por mais anos que ultrapassassem os três fixados legalmente.

Se o devedor não cumprir com o determinado no Plano de Recuperação o prazo da prescrição deve começar a correr a partir da data em que devia ter sido realizado o pagamento (ou a prestação parcelar incumprida) o que baseamos no citado art. 306 nº 1 do CC quando estabelece a regra de o prazo da prescrição começar a correr quando o direito puder ser exercido. Efetivamente, na situação descrita, a impossibilidade de acionar o credor enquanto este beneficia de um Plano de Recuperação tem uma proximidade, não só de conceito, mas de sistema e consequência, com as situações em que os direitos se encontram sujeitos a condição suspensiva em que só se inicia a prescrição depois de verificada a condição, ou seja, quando é possível exercer o direito por ele ser exigível - nº 2 do art. 306 do CC. O equilíbrio equitativo decorrente da boa-fé que autoriza que durante o PER a prescrição do crédito interrompida através da propositura de execução se mantenha inativa - e até que seja extinta a própria execução desde que o Plano de Recuperação tenha sido homologado - não deve ser pervertido com a possibilidade de o (re)início da prescrição poder ficar na livre disposição e vontade do credor, o que aconteceria se a prescrição se reiniciasse apenas quando este entendesse proceder à interpelação nos termos do art. 218 nº 1 al. a) do CIRE. Esta interpelação, entendida como a entendemos no sentido de uma diligência que não interrompe o reinício da prescrição nem afeta a sua contagem, serve para fazer cessar a moratória ou o perdão previsto impondo que o credor interpele por escrito o devedor para cumprir no prazo de 15 dias. Assim, até terminar o prazo de prescrição, reiniciado na data subsequente àquela em que segundo o Plano de Recuperação o devedor deveria pagar e não pagou, para que o credor possa interpor execução para pagamento do seu crédito terá de proceder à interpelação prevista no art. 218 nº 1 al. a) do CIRE, provocando a repristinação dos créditos originais. E para proceder à execução o título executivo a apresentar será o correspondente a tais créditos originais - não a sentença homologatória do plano de recuperação conjugada com a lista de créditos reconhecidos no PER e/ou com interpelação, pois aquele acordo mostra-se extinto e aquela lista, ainda que definitiva, não importa um verdadeiro reconhecimento dos créditos.

 No concreto do caso, no Plano de Recuperação acordado e concretamente quanto aos “Créditos decorrentes de Avais ou Fianças Prestados - Créditos Comuns” estabeleceu-se que “Plano de Regularização: As responsabilidades decorrentes de garantias pessoais prestadas à sociedade A... S. A. - Indústria de Confecções, S.A. encontram-se abrangidas pelo plano de recuperação aprovado no processo especial de revitalização da referida empresa, e por esta serão pagas, desde já assumindo os devedores a liquidação respetiva, em caso de incumprimento do plano por parte da sociedade, nos mesmos termos em que foi aprovado o seu plano de recuperação.”

Daqui decorre que, quanto ao crédito do Banco recorrido, o Plano de Recuperação dos devedores/recorrentes remetia para o Plano de Recuperação da sociedade A... S. A. (avalizada) homologado em 29 de Maio de 2015 no PER que com número 5570/14.... correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - ... – Juiz ..., e no qual, respeitante ao crédito da recorrida, ficou estabelecido que “4- Financiamento Obtidos Créditos Garantidos Plano de Regularização:

- Os juros vencidos desde a reclamação de créditos até à data da sentença de homologação, calculados nas condições em vigor, serão capitalizados naquela data; - Os juros vincendos a partir da data da homologação serão pagos mensalmente à taxa euribor a 6 meses acrescida de um spread de 2.5%, que será atualizado para 3.5% após o término do período de carência, vencendo-se a primeira prestação no último dia útil do mês seguinte ao despacho da sentença de homologação do plano;

- Carência de capital durante vinte e quatro meses iniciando-se a contagem no último dia útil do mês seguinte ao do despacho da sentença de homologação do plano;

- Amortização de 50% do capital em dívida em cento e vinte e seis prestações mensais de capital e juros, sendo os restantes 50% de capital em dívida pagos no mês seguinte numa prestação bullet”.

Da consulta do PER da sociedade avalizada resulta que em consequência do incumprimento do Plano de Recuperação aí homologado foi ela declarada insolvente em 17 de Agosto de 2016 no processo 6001/16.... que correu termos no na Comarca ..., ... – Instância Central - Sec. Comércio - J.… de ..., tendo sido os credores citados editalmente dessa declaração de insolvência, citação edital que se considera realizada no dia da publicação dos anúncios - art. 242 do CP. No entanto, o Banco BIC ora recorrido, na qualidade de um dos cinco maiores credores da insolvente foi citado por carta registada de 18-8-2016 cujo aviso de receção foi assinado em 19-9-2016.

Pelo exposto, tendo sido citado o Banco, ora recorrido, da insolvência da sociedade avalizada e se o Plano de Recuperação dos avalistas/recorrentes determinava expressamente quanto a esse crédito que os devedores (recorrentes) assumiam a liquidação respetiva, em caso de incumprimento do plano por parte da sociedade, só poderá concluir-se que a partir da citação da insolvência em 19 de Agosto de 2016 o credor ora recorrido ficou com conhecimento do incumprimento por parte dos recorrentes da obrigação de pagarem o crédito garantido a qual, a partir dessa data de citação, tornou possível exercer o direito por se ter tornado exigível. A partir de 19 der Agosto de 2016 começou a correr o prazo de prescrição de três anos que havia sido interrompido.

Sendo certo que o Banco recorrido interpelou os devedores ora recorrentes em 14 de Março de 2018 nos termos do art. 218 nº 1 al. a) do CIRE, em coerência com o que antes dissemos, o que interrompe a prescrição “é a citação ou notificação de qualquer ato que exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” - art. 323 nº 1 do CC. Exige-se que o ato interruptivo seja praticado num processo, esclarecendo-se que, nos termos do Ac. 3/98 do STJ de 26-3-1998 se decidiu para efeito de uniformização de jurisprudência que “a notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção de um exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito nos termos do art. 323 nº 1 do C.Civil”.

 Em resumo, não é a interpelação nos termos do art. 218 nº 1 al. a) do CIRE que interrompe ou interrompeu a prescrição (que se iniciou depois da citação do Banco recorrido da declaração de insolvência da sociedade e que provocou a responsabilidade imediata dos recorrentes pagaram o crédito avalizado), mas sim a citação dos recorrentes enquanto executados na execução que veio a ser proposta em 12-01-2021 pelo recorrido.

Verificando-se que, desde a data em que o Banco credor/recorrido ficou em condições de exigir o crédito (em 19 de Agosto de 2016) até à citação dos ora recorrentes na execução que teve início em 12 de janeiro de 2021, decorreram mais de três anos, já estava prescrito o que não impõe sequer a apreciação da aplicação da suspensão prevista na Lei 1-A/2020 de 19.03 ocorrida entre 09 de Março de 2020 e 02 de Junho de 2020, e isto porque à data da entrada em vigor desta lei o prazo prescricional tinha á decorrido.

Nesta conformidade tem provimento o presente recurso devendo os embargos ser julgados procedentes e extinta a execução quanto aos recorrentes.

… …

Síntese conclusiva

- O prazo de interrupção da prescrição de uma livrança (três anos) avalizada pelos executados - art. 70 ex vi do art. 77 da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (L.U.L.L.) - interrompe-se com a citação destes na execução - art. 323 nº 1 do C. Civil, o que inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente começando a correr um novo prazo a partir do ato interruptivo, - art. 326 nº 1 e 327 nº 1 do CC.

Numa execução em que os executados avalistas de uma livrança foram citados, se no decurso dessa ação vier a correr um Processo Especial de Revitalização no qual a aprovação e homologação do plano de recuperação vier a determinar a extinção da execução - art. 17-E nº 1 do CIRE - essa circunstância não permite que se inicie de imediato novo prazo de prescrição porque a existência do Plano, nos seus termos e condições, constitui um obstáculo à exigência do crédito.

- O prazo de prescrição da livrança avalizada começa a decorrer quando o credor tiver conhecimento de que avalistas não cumpriram a prestação homologada no PER.

- A interpelação escrita ao devedor para cumprir no prazo de 15 dias estabelecida no art. 218 nº 1 al. a) do CIRE tem por finalidade dar conhecimento a este da vontade do credor fazer cessar a moratória ou o perdão previsto no Plano de Recuperação e não para que a partir desse momento se inicie o novo prazo prescricional interrompido com a citação dos avalistas na execução extinta (por força do art. 17-E do CIRE).

… …

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que fazem parte deste Tribunal em julgar procedente a revista e, em consequência, revogar a decisão recorrida e julgar procedentes os embargos e extinta a execução quanto aos recorrentes.

Custas pela recorrida


Lisboa, 3 de janeiro de 2022


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva

2º adjunto: Sr.ª Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza