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EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
ACÇÃO CAMBIÁRIA
AVALISTA
Sumário
I – A suspensão da execução sem prestação de caução, está orientada para que se ponderem interesses conflituantes – o interesse do executado/embargante em evitar o ataque ao seu património em processo executivo que não cumpre requisitos legalmente exigidos (exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda – art. 713º do CPC) e o interesse do exequente/embargado em não ver paralisada a execução em consequência de uma gratuita e não consistentemente sustentada arguição da inexigibilidade e/ou iliquidez da obrigação exequenda. II - Justificar-se-á, pois, suspender a execução (trazendo justo equilíbrio à relação de interesses opostos e conflituantes), ao abrigo da alínea c), do n.º 1 do art. 733.º do CPC, quando os elementos carreados aos autos (conjugando os que constem do processo executivo com os carreados aos embargos) permitam concluir (num juízo forçosamente sumário e não definitivo – prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final), pela consistência da argumentação, ou seja, quando os elementos existentes nos autos imponham concluir estar abalada (pelo menos consistentemente questionada) a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda. III – Não se verificando esses elementos, não deve a execução ser suspensa sem se prestar caução.
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
Na oposição à execução, mediante embargos, deduzida pelos executados A. F. e L. F., vieram os mesmos requerer a suspensão da execução, referindo, em suma, que foi impugnada a exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda [art.º733.º,n.º1,al.c)doCPC], pretensão à qual se opôs a exequente.
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Foi, então, proferida decisão, nos seguintes termos e fundamentos:
-“Determina o art.º 733, n.º 1, al. c) do CPC que «orecebimentodosembargossósuspendeo prosseguimentodaexecuçãosetiversidoimpugnada,noâmbitodaoposiçãodeduzida,aexigibilidadeoua liquidaçãodaobrigaçãoexequendaeojuizconsiderar,ouvidooembargado,quesejustificaasuspensãosem prestaçãodecaução».
Resulta deste normativo que, em regra, o recebimento de embargos não suspende a execução, o que se compreende, na medida em que se torna necessário garantir o pagamento da dívida exequenda mediante a penhora dos bens do executado, o que «visapôroexequentea cobertodosriscosdademoranoseguimentodoprocesso,objetivoqueseadequaàfunçãodagarantiageral dasobrigaçõesquealeicivil(artigos623.ºess.doCód.Civil)lhe assinala»[cfr.acórdãodoSupremo TribunaldeJustiçade11deJunhode2006(processon.º1767/02)].
Ora, a provisão do art.º 733.º, n.º 1, al. c) do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda e justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
Relativamente ao primeiro pressuposto da previsão normativa, que tem natureza puramente factual e que depende apenas da confirmação que o executado deu à oposição à execução, temos que, efetivamente, os embargantes impugnaram a exigibilidade da obrigação.
No entanto, por si só, isto não basta para obter a suspensão da execução, pois, caso contrário, a lei não exige – como requer - que o juiz entenda que, para além desse requisito, que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução.
Será então de exigir que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva ou do empreendimento de manobras delapidatórias por parte do executado [acórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbrade05deMaiode2021(processon.º505/13.3TBMMV-B.C1)]
Assim, o critério da justificação depende estritamente da interação entre os fundamentos e finalidades da ação executiva e a realidade factual apresentada pelo embargante/executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efetividade que norteia o processo executivo (obtero cumprimentododireito), o que naturalmente decorre de se prescindir da caução [acórdãodo TribunaldaRelaçãodoPortode02deJulhode2015(processon.º602/14.8TBSTS-B.P1)].
Com efeito, como bem se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Novembro de 2018 (processon.º35664/15.1T8LSB-C.C1),«quandonosembargosoexecutado impugnaaexigibilidadeoualiquidaçãodaobrigaçãoexequendaaconclusãodequesejustificaasuspensão semprestaçãodecauçãohá-deexigirqueoembargantesuporteessaalegaçãonumaversãofactualconsistente, verosímil,conformeàsregrasdaexperiênciadocomportamentohumanoeapresentelogomeiosdeprovacom fortevalorprobatórioqueseantevejadifícildesuperaremsededeaudiênciadejulgamento».
Não se trata de determinar se a obrigação exequenda é ou não inexigível ou ilíquida, mas antes de considerar se, perante os termos em que foram questionados aqueles pressupostos, se justifica que se suspenda o decurso da execução.
No caso, impõe-se constatar que, apesar dos embargantes questionarem a exigibilidade (aobrigaçãodiz-seexigívelquandoestivervencidaoudependerdemerainterpelaçãododevedor;a exigibilidadeéoreconhecimentodequeaobrigaçãoseencontravencida) da obrigação exequenda, no entanto, não alegaram absolutamente nenhum facto sobre as possíveis consequências da continuação da execução, o eventual prejuízo que essa continuação acarretará, o relevo ou dimensão desse prejuízo ou a sua irreparabilidade. É certo que o executado impugna a existência da obrigação exequenda/título executivo, porém, a discussão sobre a existência da obrigação delineada nos embargos de executado está bem longe de possuir características que permitam antever o sucesso dos embargos ou tornar essa possibilidade mais provável que o seu insucesso.
Com efeito, no cotejo entre o título executivo e anexos, bem assim, do requerimento executivo, e a impugnação deduzida pelos embargantes, não vemos alegados e demonstrados (aindaquedeformaindiciária) quaisquer factos ou circunstâncias que justifiquem a suspensão da ação executiva sem a prestação de caução.
Na verdade, o título executivo é uma livrança preenchida de forma aparente com o respetivo pacto de preenchimento, apresentando-se a obrigação que dele exteriormente decorre, na aparência, válida, para efeitos de fundar uma execução, sendo que os termos da impugnação dessa prestação, quanto à sua exigibilidade, não são de forma a trazer elementos relevantes para afastar a regra da exigência de prestação de caução para que possa ser suspensa a execução. Ou seja, a impugnação não é de tal modo evidente nem reveladora de algo manifesto e importante que admita um juízo de justificação nos termos do artigo 733.º, n.º1, alínea c) do CPC.
Destarte, e estando em causa a situação da alínea c) do n.º1 do artigo 733.º do Cód. Proc. Civil, não se divisa que exista fundamento para afastar a regra de que a dedução dos embargos de executado não impede o prosseguimento do curso da execução, pelo que se indefere o pedido de suspensão da execução”.
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II-Objecto do recurso
Não se conformando com a decisão proferida, vieram os executados/embargantes interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
A. A decisão que não admitiu a suspensão da execução enferma de nulidade por falta de fundamentação.
B. Tal decisão viola também o disposto na alínea c) do número 1 do artigo 733º do Código de Processo Civil que, ao contrário do que foi decidido, impunha e impõe que neste caso, tendo isso mesmo sido requerido com a propositura dos embargos, a respetiva admissão tivesse como consequência a suspensão da execução sem a prestação de caução;
C. A decisão recorrida pura e simplesmente não considerou o alegado quanto ao momento do vencimento da obrigação - “a obrigação diz-se exigível quando estiver vencida ou depender de mera interpelação do devedor”;
D. E ao período de tempo decorrido entre esse momento e a data que foi aposta no título;
E. Se tal ponderação tivesse sido efectuada – como devia – teria, por certo, sido ordenada a suspensão da execução.
F. A decisão recorrida violou, ainda, o disposto no artº 91º do CIRE que impõe que a data de vencimento das obrigações da insolvente (devedora principal) coincida com a da declaração de insolvência - norma legal imperativa.
G. É a data de declaração de insolvência – 19 de janeiro de 2017 – a data de vencimento do título cambiário,
H. Não tendo a Exequente exercido o seu direito cambiário até 18 de janeiro de 2020 prescreveu o seu direito, nos termos do artº 70º da LULL.
I. Inserir uma data no título que constitua um obstáculo à invocação da prescrição no período de três anos após a declaração de insolvência, equivale com toda a clareza a uma violação do pacto de preenchimento, a um preenchimento abusivo da livrança.
J. Existe má-fé para efeitos do artº 10º da LULL quando a portadora Exequente/ recorrida sabe – como não podia deixar de saber – que a obrigação subjacente à livrança se venceu e apõe no título uma data que impede a invocação da prescrição pelos avalistas, embargantes e agora recorrentes.
K. Os documentos juntos aos autos e o direito aplicável aos títulos de crédito e ao processo de insolvência permitem ao Juiz a quo, desde já, concluir o contrário do que fez na decisão em crise – permitem concluir que “os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo”, a determinar a suspensão imediata da execução, sem prestação de caução.
L. O Tribunal deveria, em face dos documentos juntos aos autos, nomeadamente da prova da data da declaração de insolvência da devedora principal, declarar extinta, por prescrição, a obrigação exequenda, e, em consequência, extinguir a execução (dando total procedência aos embargos).
M. Assim não tendo entendido, deveria ter acautelado a posição em que se encontram os embargantes/recorrentes e suspender a execução, sem prestação de caução,
N. A decisão recorrida violou, assim, as normas citadas - da alínea c) do número 1 do artº733ºdo CPC, 91ºdo CIREe 10º, 43º, 44º, 70ºe77ºdaLULL, prejudicando injustamente e desnecessariamente a posição dos ora recorrentes.
Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre se é de suspender a execução, sem prestação de caução.
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Fundamentação de facto
Factos a ter em conta
A materialidade supra referenciada no ponto I, do relatório elaborado, a que acrescem os seguintes factos alegados pelos embargantes em sede de embargos:
- A sociedade J. N. & Filhos, Ldª., subscritora da livrança dada à execução, e que os executados L. F., C. F. e A. F. avalizaram, foi declarada insolvente em 18 de Janeiro de 2017, por sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2, nos autos que correm seus termos com o nº 348/17.5T8VNF; (cfr. Documento nº 1)
- Em 25 de Outubro de 2012, a Exequente/Embargada prestou uma garantia autónoma, à primeira solicitação, a favor do Banco ..., SA., até ao montante máximo de € 250.000,00, assegurando àquela o reembolso quanto a 50% do capital mutuado em cada momento do tempo (documento nº 2);
- Naquela data, foram assinadas e entregues duas livranças “em branco” uma a cada uma das identificadas instituições bancárias;
- O Banco ..., S.A. solicitou o pagamento de € 50.000,00, correspondente a 50% do capital alegadamente em dívida pela sociedade insolvente J. N. & Filhos, Ldª,
- Quantia que a Exequente/Embargada pagou, conforme informação prestada à sociedade insolvente, em 27 de Fevereiro de 2017 (cfr. Documentos nºs 3 e 4).
- Os Executados/Embargantes, representados pelos seus mandatários encetaram de imediato diligências tendentes ao esclarecimento do valor em dívida e à manifestação, de imediato, na resolução do pagamento da dívida com celebração de acordo de pagamento, (cfr. Documentos nºs 5, 6, 7 e 8);
- Tendo sido proposto o pagamento de 2/3 do valor reclamado (que seria efectuado pelos aqui Executados/Embargantes), isto é, € 33.419,88, em duas prestações, sendo a primeira em 30 de Março de 2018, no montante de € 16.000,00 e a segunda em 30 de Julho daquele mesmo ano, no montante de € 17.419,88; (cfr. Documento nº 10).
- Em 13 de Março de 2020, a Exequente/Embargada contactou os Executados/Embargantes, informando que procederam à emissão da livrança nessa mesma Data (cfr. Documentos nº 12 e 13);
- Os Executados/Embargantes mostraram-se, mais uma vez, disponíveis, para voltar a negociar o pagamento, sugerindo, em 22 de Outubro findo, manter a proposta de pagamento de 2/3 de €50.129,81, em prestações trimestrais de 4.000,00 €.
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Fundamentação jurídica
Como decorre do disposto no art. 733.º, do Cód. Proc. Civil, o recebimento da petição de embargos, por si só, não suspende a marcha da execução.
Contudo, essa regra comporta três excepções em conformidade com o que se dispõe no seu n.º 1, no caso do embargante prestar caução (alínea a); quando a execução se funde em documento particular, se o embargante tiver impugnado a genuinidade da assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova (alínea b); se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considere, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestar caução (alínea c).
Enquanto a primeira de tais causas especiais de suspensão da execução decorre do regime-regra da prestação de caução, de funcionamento automático, as duas últimas dependem da ponderação do juiz.
A suspensão da execução como efeito do recebimento (e pendência) dos embargos de executado é, pois, excepcional – na verdade, foi afastado o ‘regime decorrente do anterior artigo 818º, nº 2, que previa o efeito suspensivo automático da execução nos casos em que a citação do executado era efectuada apenas depois da realização da penhora’.
Essa opção legal foi ‘justificada pela existência excessiva de situações em que, mesmo com base em título executivo de reduzida (ou nenhuma) segurança, se permitia a agressão do património do executado para cobrança de valores significativos’, pois no actual regime, ‘iniciando-se a execução com a penhora imediata apenas nos casos em que o título oferece maiores garantias de fiabilidade ou de valor mais reduzido’, não se justifica a atribuição de efeito suspensivo automático ao recebimento dos embargos (cfr. neste sentido Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª edição (2017), p. 255.).
O que se compreende, na medida em que se torna necessário garantir o pagamento da dívida exequenda mediante a penhora dos bens do executado, que “visa pôr o exequente a coberto dos riscos da demora no seguimento do processo, objectivo que se adequa à função da garantia geral das obrigações (art.º 623.º e ss. do Cod. Civil).
Como Refere Manuel de Andrade, in ‘A Acção Executiva’, AAFDL Editora, 2018, p. 412 (em nota) pode o ‘executado sofrer uma execução injusta’, vendo o seu património objecto de diligências executivas, mas a lei entendeu ‘pouco provável a hipótese de ser fundada a oposição, e, portanto, mais de recear o injusto sacrifício do credor em obter pronta satisfação’.
Reportando-se os recorrentes ao fundamento previsto na alínea c), do n.º 1, do art. 733.º do CPC, importa ter em conta que a exigibilidade da prestação verifica-se ‘quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 77º, nº 1 do CC, de simples interpelação ao devedor’; pelo contrário, não será exigível a prestação quando, ‘não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação’, como acontece nas obrigações de prazo certo ainda não decorrido/esgotado, nas situações de prazo incerto e a fixar pelo tribunal (art. 777º, nº 2 do CC), nos casos em que a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, ainda não verificada (arts. 270.º do CC e 715º, nº 1 do CPC) ou, ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação (art. 428º do CC) – cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, pp. 100/101.
Já a liquidez da obrigação respeita à determinação ou apuramento quantitativo da prestação – necessitando (em vista da execução, pois que esta depende da certeza, exigibilidade e liquidez da prestação – art. 713º do CPC) a obrigação ilíquida de ser liquidada, seja em incidente de liquidação no âmbito da acção declarativa (art. 704º, nº 6 do CPC), seja no âmbito da própria execução (art. 716º do CPC) – cfr. José Lebre de Freitas, obra citada, pp. 102 a 104.
Assim, no que concerne à impugnação da liquidação, esta só poderá justificar a suspensão da execução nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do art. 716º do CPC, fora dos casos em que apenas depende de simples cálculo aritmético – a previsão da alínea c) do nº 1 do art. 733 do CPC incide sobre a verificação de excepção dilatória do processo executivo, como é o caso da inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda – cfr- Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, obra citada, p. 257.
A liquidez é, assim, identificada como a especificação concreta do montante da prestação que se reclama, traduzido num pedido; a certeza da obrigação relaciona-se somente com a própria prestação ou com o seu objecto (e não com o seu quantitativo por este se reportar à liquidez) dizendo-se certa a obrigação cujo objecto se encontra determinado; e a exigibilidade é o reconhecimento de que a obrigação se encontra vencida.
O preceito em análise está orientado para que se ponderem interesses conflituantes – o interesse do executado/embargante em evitar o ataque ao seu património em processo executivo que não cumpre requisitos legalmente exigidos (exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda – art. 713º do CPC) e o interesse do exequente/embargado em não ver paralisada a execução em consequência de uma gratuita e não consistentemente sustentada arguição da inexigibilidade e/ou iliquidez da obrigação exequenda – Cfr. Carlos Lopes do Rego, Comentários do Código de Processo Civil, Almedina, p. 543 (nota III ao art. 818).
Como referido no citado acórdão, justificar-se-á, pois, suspender a execução (trazendo justo equilíbrio à relação de interesses opostos e conflituantes), ao abrigo da alínea c) do nº 1 do art. 733º do CPC, quando os elementos carreados aos autos (conjugando os que constem do processo executivo com os carreados aos embargos) permitam concluir (num juízo forçosamente sumário e não definitivo – prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final), pela consistência da argumentação – dito doutro modo, que os elementos existentes nos autos imponham concluir estar abalada (pelo menos consistentemente questionada) a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda.
Dito isto, importa ter presente que a acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art.º 2.º, 10.º, n.ºs 1, 4 e 5 do CPC).
O título executivo é, em termos substanciais, um instrumento legal de demonstração da existência do direito exequendo e a sua exequibilidade resulta da relativa certeza ou da suficiência da probabilidade da existência da obrigação nele consubstanciada – Cfr. CASTRO MENDES, Lições de Processo Civil, pp. 69 e70 e MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares, pp. 60.
Nas palavras de ANSELMO DE CASTRO, in ‘A acção executiva singular, comum e especial’, 3.ª ed., pp. 14, “d[D]efine-se título executivo como o instrumento que é condição necessária e suficiente da acção executiva”.
O legislador condicionou, assim, a exequibilidade do direito à prestação à verificação de dois pressupostos:
a) a existência de título executivo com as características formais legalmente exigíveis (exequibilidade extrínseca);
b) a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação (exequibilidade intrínseca).
Nesta conformidade o título executivo é condição necessária e suficiente da acção. Sabendo-se que toda a execução tem por base um título que limita o fim e o alcance da execução (n.º 5 do art.º 10.º do CPC).
Ora, a título de causa de pedir e da sua demonstração, a recorrida expressou no requerimento executivo ser dona e legítima portadora de uma livrança, que os executados/embargantes avalizaram.
Sendo, assim, o título executivo, a livrança, está-se perante um título de crédito à ordem, de que decorre a promessa pura e simples de pagar determinada quantia, na data e lugar do pagamento, à ordem de quem deve ser paga, por quem a passa e apõe a sua assinatura (artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).
Do seu regime ressalta, no confronto entre as relações jurídicas cambiárias e as relações jurídicas subjacentes, além do mais, os princípios da incorporação e da abstracção. O princípio da incorporação traduz-se na unidade entre a relação jurídica cambiária e a relação jurídica subjacente, e o princípio da abstracção significa que a primeira vale independentemente da causa que lhe deu origem (artigos 1º, nº 2, 14, 16º, 17º, 20º, 21º, 38º, 39º, 1ª e 3ª parte, 40º, 3ª parte, 50º, 51º e 77º da LULL).
No caso vertente, estando-se no domínio das chamadas relações imediatas, porque estabelecidas entre os sujeitos cambiários, isto é, sem intermediação de outros intervenientes cambiários, tudo se passa, em princípio, como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, passando a relevar o conteúdo da convenção extra-cartular, em relação à qual a primeira funcionou como dação em função do cumprimento.
Como tal, o título executivo assume a particularidade de demonstração legal bastante do direito a uma prestação, o que dispensa, na acção executiva, a indagação prévia sobre a existência ou subsistência do direito substantivo a que se reporta.
In casu, atento o requerimento inicial da acção executiva, dele deriva que a exequente quis lançar mão da acção cambiária invocando como causa de pedir a obrigação cartular, procurando, desse modo, exigir o cumprimento da obrigação formal representada pela livrança que, como é sabido, assume natureza de meio de pagamento e de instrumento de crédito, destinada, precisamente, a facilitar a sua circulação.
Por outro lado, os embargantes não contestam ter aposto a sua assinatura no verso da livrança dada à execução, dando o seu aval à subscritora, expressando a sua intenção de se obrigar cambiariamente, fazendo presumir no signatário a vontade de fazer seu o texto que no documento vier a ser escrito e, bem assim, que o texto representa a sua vontade confessória (art. 378.º do Cód. Civil).
Acresce que, a autorização para a livrança em branco ser completada pode ser expressa ou mesmo ser conferida tacitamente, sendo de presumir que exista.
Tal presunção beneficia o apresentante do documento ou aquele a quem a confissão ou escrito aproveita, cabendo à parte contrária, ou contra quem o documento é oferecido, provar que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário. Por isso se vem pacificamente entendendo que, nessas circunstâncias, o valor probatório da livrança terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, mostrando este que esse título cambiário não se acha preenchido em conformidade com o ajustado entre o respectivo portador e o seu subscritor, ou seja, a eficácia dessa excepção peremptória depende de se trazerem ao processo factos que demonstrem o abuso do preenchimento, o que, também, no presente caso, não se logrou demonstrar.
Por outro lado, a lei cambiária não impõe ao portador que, antes de accionar, dê informação ao avalista acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que ele avalista autorizou.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 6.10.2015 - Proc. 990/12.0TBLSA-A.C1 – in www.dgsi.pt, relatado pelo Desembargador Henrique Antunes,“a[A] lei cambiária não impõe, como condição de exigibilidade da obrigação de garantia do avalista de letra emitida em branco, a prévia interpelação deste.”.
A este respeito, importa ter em conta que “a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade provier de um vício de forma – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.2.2013 – Proc. 597/11.0TBSSB-A.L1.S1-, in www.dgsi.pt, de que foi Relator Azevedo Ramos.
O avalista vincula-se em termos de solidariedade perante o respectivo portador, passando a ser um devedor cambiário, sujeito de uma obrigação cambiária autónoma, embora dependente no plano formal da do avalizado (artigos 47.º, primeira parte, e 77.º, da LULL). A obrigação do avalista é materialmente autónoma em relação à do avalizado, embora dela dependente no plano formal(…). Só imperfeitamente a obrigação do avalista é acessória da do avalizado, ou seja, não o é perfeitamente como ocorre com o fiador em relação ao afiançado (Ac. do STJ, de 23.01.86, BMJ, 353, pág. 482), não podendo, por isso, os avalistas desobrigar-se com base em excepções fundadas na relação subjacente (Ac. do TRG – 05/12/2013-proc. n.º 2088/12.2TBFAF-BG1, disponível em www.dgsi.pt).
O avalista não poderá opôr ao credor, quer a alteração de prazo de pagamento do crédito avalizado, quer a alteração dos próprios valores em divida que tenham ocorrido no âmbito de plano de recuperação judicial, para passar a estar obrigado em moldes diferentes no cumprimento do crédito avalizado, já que a moratória ou a redução da divida concedida ao avalizado não beneficia o garantidor dessa mesma obrigação (Cfr., J. Oliveira Ascensão, Direito Comercial vol III, Títulos de crédito, Cit, p.165-175).
Acresce que a falta de interpelação do avalista do incumprimento do devedor principal não conduz à inexigibilidade do título cambiário dado à execução, apenas relevando para efeitos de determinação do momento a partir do qual se inicia a contagem dos juros (neste sentido, vide Acórdãos do STJ: de 18-06-2002 - Revista n.º 1842/02 - 6.ª Secção (Relator Azevedo Ramos); de 30-04-2019 - Revista n.º 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1 – 6.ª Secção (Relator José Rainho); de 28-09-2017 - Revista n.º 779/14.2TBEVR-B.E1.S1 - 2.ª Secção (Relator Tomé Gomes (Relator); de 19-06-2018 - Revista n.º 1418/14.7TBPVZ-A.P1.S1 - 1.ª Secção (Relator Roque Nogueira) – in Sumários).
Já quanto ao preenchimento abusivo da livrança, diz-nos o artigo 10º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças, cuja previsão é aplicável às livranças por força do disposto no artigo 77º, 2º parágrafo, que “s[S]e uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
Ora, embora não estando obviamente em causa apreciar o mérito dos embargos mas, exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução, decorre dos princípios expostos e do que é alegado pelos embargantes/recorrentes, que não se verificam, perante os termos em que foram questionados os pressupostos de falta de exigibilidade ou iliquidez da obrigação, que justifique a suspensão do decurso da execução.
Não se divisa, pois, que exista fundamento para afastar a regra de que a dedução dos embargos de executado não impede o prosseguimento do curso da execução, não se justificando, de facto, deferir o pedido de suspensão da execução, pelo que tendo sido essa a decisão recorrida, o recurso deve ser julgado improcedente.
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III-Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, mantendo, em consequência, a decisão proferida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
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Guimarães, 24.2.2022
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)
Maria dos Anjos S. Melo Nogueira Desembargador José Carlos Dias Cravo Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida