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AÇÃO CONSTITUTIVA
ANULAÇÃO DO CONTRATO
REGISTO DA AÇÃO
SIMULAÇÃO (REQUISITOS)
INTERPOSIÇÃO FICTÍCIA E INTERPOSIÇÃO REAL DE PESSOAS
INEXISTÊNCIA NEGOCIAL
Sumário
I – Cabendo ao autor e ao próprio tribunal promover o registo provisório da ação (cfr. arts. 28.º, n.º 1, 29.º, n.º 5 e 115º, todos do CRComercial, e 8.º-B, n.º 3, al. a), do CRPredial, aplicável subsidariamente), a verdade é que da sua omissão não decorre atualmente qualquer causa legal de suspensão da instância, não tendo por isso aplicação a norma do art. 269.º, n.º 1, al. d), do CPCivil. II – Na generalidade dos casos, as ações constitutivas assumem-se como o instrumento processual adequado ao exercício de direitos potestativos cujos efeitos se produzem ope legis na esfera da contraparte. É o caso da anulação do contrato, em que o demandante pretende obter a destruição retroativa da relação contratual, no exercício do direito potestativo de que é titular. III – Na simulação, à luz do normativo do n.º 1 do art. 240.º do CCivil, a divergência entre a vontade declarada e a vontade real representa o seu elemento mais distintivo. O acordo simulatório é um elemento diferenciador da simulação, no âmbito dos vícios do negócio. Não basta uma das partes manifestar uma intenção que não corresponda à vontade real: exige-se uma sintonia entre todos os contraentes, sem o que haveria reserva mental. O intuito de enganar terceiros basta: não é necessário o querer prejudica-los. Terceiro, no âmbito da simulação, será qualquer pessoa alheia ao conluio ou acordo simulatório, mas não, necessariamente, estranha ao acordo simulado. IV – Também o Estado deverá, em certas situações, ser considerado terceiro para efeitos de aplicação do regime da simulação, nomeadamente quando estamos perante um conluio que visou em primeira linha ludibriar aquele ente público, enquanto interessado na manutenção de uma dada forma de organização coletiva da vivência social, consubstanciada na exigência de um mínimo de cinco sócios para constituição de uma sociedade anónima. V – Tendo presente a afinidade da simulação com outras figuras jurídicas, é certo que ela, na modalidade de interposição fictícia de pessoas, não se confunde com a interposição real de pessoas. Na interposição real, seja ela fiduciária ou assente em mandato sem representação, uma pessoa contrata com outra (apenas) para que esta, depois, transfira para o verdadeiro destinatário da operação aquilo que adquiriu: é vontade das partes percorrer todo este circuito, não havendo divergência entre a vontade manifestada e a vontade real. VI – O negócio jurídico simulado é nulo, por via do preceituado no art. 240.º, n.º 2, do CCivil, o mesmo podendo suceder quando tal negócio se contenha dentro dos limites de uma deliberação social, neste caso, por via do preceituado no art. 56.º, n.º 1, al. d), do CSComerciais. VII – A inexistência é uma figura autónoma, com consequências ainda mais graves do que a nulidade e a anulabilidade, afirmando-se quando nem sequer aparentemente se verifica o «corpus» de certo negócio jurídico (a materialidade correspondente à noção de tal negócio) ou, existindo embora essa aparência, a realidade não corresponde a tal noção, de que é exemplo a omissão insuprível do objeto.
Texto Integral
PROCESSO N.º 23077/17.5T8PRT.P2
[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto - Juiz 5]
Relator: Fernando Vilares Ferreira Adjunta: Maria Eiró Adjunto: João Proença
SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO 1. AA… instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra BB…, alegando, em síntese: - A. e R. são irmãos e são também sócios da firma CC…, S.A., detentora de uma quinta de vinhos no …; - Aquela sociedade, inicialmente por quotas, em 27.12.2001, por escritura pública, viu alterada a sua denominação para DD… e a sua transformação em sociedade anónima; - Simulou-se, por via de um aumento de capital social, a entrada de dois novos sócios (EE… e FF…), por forma a atingir-se o limite legal de cinco, sendo que a Autora detinha uma quota, o Réu detinha outra e os pais da Autora e Réu, então casados, detinham uma outra; - Foi o Réu, que é advogado de profissão, quem sugeriu a transformação da sociedade, mas não se pretendeu nunca a entrada real de novos sócios, sendo que o capital social seria mantido e detido pelos 3 sócios iniciais; - A entrada dos “novos sócios” era simulada e o “novo capital” destinava-se a ser transferido para o pai da Autora e do Réu (entretanto, a mãe de ambos faleceu), pressuposto e condição da referida operação; - O Réu, no entanto, comprou aos “novos sócios” as acções correspondentes ao referido aumento de capital, com o intuito de subtrair património a seus pais e colhendo para si maior participação que a sua irmã e subtraindo ao sócio e pai aquelas ações, obtendo assim a maioria do capital social, contrariando a acordada proporcionalidade entre irmãos.
Concluiu, pedindo a condenação do Réu a: - Reconhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios na transformação da sociedade DD…, S.A., atualmente designada GG…, S.A., já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH…; - Reconhecer a simulação absoluta na compra, por si, de 2.500 ações da sociedade DD…, S.A., atualmente designada GG…, S.A., a EE…, em 27DEZ2002, pelo montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) e que se declare a nulidade de tal negócio; e - Reconhecer a simulação absoluta na compra, por si, de 2.500 ações da sociedade GG…, S.A., a FF…, em 30AGO2017, pelo montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) e que se declare a nulidade de tal negócio.
E ainda a sua condenação, como litigante de má-fé, em indemnização nunca inferior a €3.000 e multa adequada, com comunicação da sentença à Ordem dos Advogados, para os efeitos tidos por convenientes. 2.
O Réu contestou, por exceção e por impugnação, concluindo dever ser absolvido de todos os pedidos. 3.
Foi proferido despacho saneador, que julgou válida e regular a instância, assim como foi fixado o objeto do litígio e foram enunciados os temas de prova. 4.
Encerrada a discussão da causa, foi prolatada sentença que julgou procedente a ação, sem condenação do Réu como litigante de má-fé. 5. Não se conformando com a sentença, o Réu interpôs recurso de apelação, tendo por objeto as seguintes questões: “I – Da inconstitucionalidade por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) da interpretação que julga inadmissível o recurso do despacho de convite que tem por objeto o suprimento do vício insanável de ineptidão da petição inicial (cfr. n.º 7 do art. 590.º do CPCivil); II – Da ilegalidade do despacho interlocutório que, não obstante a total omissão do pedido, convidou a autora a suprir esse vício insanável da ineptidão da petição inicial; III – Da preterição de litisconsórcio necessário passivo; IV – Da nulidade da sentença recorrida por manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão; V – Da proibição de prova testemunhal e por presunção no âmbito da arguição de simulação de negócio; VI – Da falta de verificação dos requisitos da simulação; e VII – Da nulidade do negócio simulado”. 6.
Por acórdão desta Relação, de 18.12.2018, após se delimitar o objeto de recurso em conformidade com as conclusões das alegações, e se negar o conhecimento oficioso de quaisquer outras questões relevantes, foram julgadas improcedentes as mencionadas questões I) e II), mas procedente a III) – preterição de litisconsórcio necessário passivo –, decidindo-se por isso revogar a dita sentença, determinando-se a prolação de despacho pelo Tribunal a quo, no sentido de convidar a Autora a suprir a referida exceção, através da adequada intervenção dos três interessados em falta nos autos. 7.
Os autos desceram à 1.ª instância, tendo então a Autora suscitado a intervenção provocada de EE…, de FF… e de HH…, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 316º do Código de Processo Civil, o que foi deferido, determinando-se a respetiva citação. 8.
Os Intervenientes Principais EE… e FF… vieram aos autos declarar que não ofereciam articulado nem aderiam aos já existentes, referindo ainda a sua já intervenção na audiência de julgamento, na qualidade de testemunhas[1], na qual, sob juramento, confessaram os factos que pessoalmente lhes eram imputados pela Autora e que, por serem do seu conhecimento pessoal, agora na qualidade de interessados processuais, mantinham como confessos para todos os efeitos legais. 9.
Por sua vez, o Interveniente Principal HH… declarou fazer seus, sem quaisquer reservas, os articulados apresentados nos autos pela Autora. 10.
Agendou-se audiência prévia e foi dada oportunidade às partes para renovarem/apresentarem os requerimentos probatórios. 11.
Teve lugar nova audiência de discussão e julgamento, cujo encerramento ocorreu em 08.10.2020. 12.
Em 12.04.2021 o Réu apresentou REQUERIMENTO, nos seguintes termos:
“Tendo em consideração os pedidos formulados na presente acção (designadamente o pedido de que “seja o R condenado a reconhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de 2 novos sócios na transformação da sociedade DD…, S.A. actualmente designada CC…, S.A. já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH…” ), temos de concluir que presente acção está sujeita a registo obrigatório, por força do disposto no artigo 9.º, alínea b), do Código de Registo Comercial (cf. ainda o disposto no artigo 3.º, n.º 1, al. r) e 15.º, n.º 5, do CRC).
NESTES TERMOS, AO ABRIGO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 9.º, AL. B), 3.º, N.º 1, AL. R), E 15.º, N.º 5, DO CÓDIGO DE REGISTO COMERCIAL, E NO ARTIGO 269.º, N.º 1, ALÍNEA D), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, A PRESENTE INSTÂNCIA DEVE SER SUSPENSA ATÉ QUE SE DEMONSTRE EFECTUADO O REGISTO DA PRESENTE AÇÃO”. 13.
Sobre aquele requerimento incidiu DESPACHO de 16.04.2021, nos seguintes termos: [Não se considera que a presente ação se encontra sujeita a registo, por não se subsumir na previsão normativa identificada no requerimento do Réu. Sem prejuízo do que antecede, qualquer das partes, querendo, poderá proceder ao registo por sua livre iniciativa. Em todo o caso e mesmo que assim não fosse, a eventual omissão do registo não é motivo nem constitui fundamento para a suspensão da instância prevista pelo nº 1 do artigo 272º do Código de Processo Civil. Termos em que se indefere o requerido.] 14.
Também em 16.04.2021 foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO: [Em face do exposto, tendo em conta as já indicadas normas jurídicas e os princípios indicados, julgo a presente ação procedente e: 1. Reconhece-se a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios (EE… e FF…) na transformação da sociedade “DD…, S.A.”, atualmente designada “CC…, S.A.”, já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH…; 2. Reconhece-se a simulação absoluta na compra, pelo Réu BB…, de 2.500 ações da sociedade “DD…, S.A.”, atualmente designada “CC…, S.A.”, a EE…, em 27DEZ2002, pelo montante de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), declarando-se a nulidade de tal negócio; e 3. Reconhece-se a simulação absoluta na compra, pelo Réu BB…, de 2.500 ações da sociedade “CC…, S.A.”, a FF…, em 30AGO2017, pelo montante de €2.500 (dois mil e quinhentos euros), declarando-se a nulidade de tal negócio. 4. Decide-se ainda não haver lugar à condenação de qualquer das partes como litigante de má-fé.
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Condena-se o Réu no pagamento de 10 (dez) unidades de conta, a título de taxa sancionatória excecional.
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Custas da ação a cargo do Réu, porque vencido; o Réu deverá ainda suportar as custas do recurso interposto da sentença proferida em 26JUL2018, conforme determinado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18DEZ2018 – vide o artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. Quanto ao incidente da litigância de má-fé, as respetivas custas são a cargo do(s) respetivo(s) Requerente(s), porque ficou(aram) vencido(s).
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Registe e notifique.
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Em face do supra decidido no ponto IV5., a Autora, querendo e porque havia solicitado a comunicação da presente decisão à Ordem dos Advogados, deverá informar da sua vontade. Prazo: 10 dias.
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Na sequência dos pedidos formulados, dê conhecimento da prolação da presente decisão, com menção da falta de trânsito em julgado, aos processos 9263/17… (Juízo de Comércio de … - Juiz …); 6868/18…(Juízo de Comércio de … - Juiz …); e inquérito nº 5639/19… – DIAP (…ª Secção …). 15.
Não se conformando com as decisões interlocutória e final, mencionadas em 10) e 11), o Autor interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, versando matéria de direito, mas também matéria de facto no respeitante à sentença que pôs termo à causa. 16.
Com o requerimento de interposição do recurso, o Apelante apresentou alegações, formulando CONCLUSÕES que, após reformulação, no seguimento de convite feito por este Tribunal, passaram a constar nos seguintes termos: A - ILEGITIMIDADE ACTIVA I. A A. não defende um direito ou interesse próprio; o direito que diz ter sido ofendido é, segundo a sua própria versão, do interveniente HH…, se a acção fosse julgada procedente as acções seriam restituídas ao património do interveniente HH…. II. De acordo com o pedido e a causa de pedir, só o interveniente HH… – que ocupa o lado passivo da relação litigiosa - teria legitimidade activa para a acção, por ser o único que pode dispor do objecto, e nele tem um interesse directo. III. Uma vez que da eventual procedência da acção não advém nenhuma utilidade directa para a A., nem esta se apresenta a exercer nos autos um direito próprio que tenha sido ameaçado ou violado, carece de legitimidade activa – cfr., Ac. STJ de 5.3.81, BMJ, 305.º - 214, e Ac. RP de 5.4.2011, Proc. n.º 530/08.6TBBAO.P1. IV. A hipótese bizarra dos autos espelha uma situação de simulação processual por interposição fictícia de pessoa: conluiados entre si, a A. e o interveniente passivo HH… servem-se do processo para conseguir um fim proibido por lei, pelo que, se mais não houvera, a decisão deve obstar ao objectivo anormal prosseguido por essas partes (art. 612.º do CPC). V. A ilegitimidade, sendo uma questão de conhecimento oficioso, pode ser conhecida pelo tribunal de recurso independentemente de ter sido arguida ou não na 1.ª instância – cfr., por todos, Ac. STJ de 12.12.95, CJ, STJ, ano 3, T3, pág. 156, e, na doutrina, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 310. VI. «A mera afirmação tabelar, genérica, sobre a inexistência de excepções, bem como de que de que “as partes têm personalidade e capacidade judiciária” não constitui apreciação concreta de tais questões, pelo que não constitui formação de caso julgado, de modo que tal circunstância não é impeditiva, de mais adiante no decorrer do processo, vir a ser reconhecida a verificação da excepção.» – cfr., Ac. TRE de 17.12.2015, P. 309/14.6TBABT.E1, www.dgsi.pt. VII. A ilegitimidade activa singular é insanável e determina que o Tribunal se abstenha do mérito da causa e absolva a R. da instância (arts. 576.º, n.º 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC) – cfr., Ac. RC de 21.6.2011, Proc. n.º 1215/10.9TJCBR.C1, em www.dgsi.pt . B - INTERESSE EM AGIR I. O interesse em agir não se confunde com o pressuposto processual da legitimidade “ ad causam” – cfr., Ac. STJ de 8.3.2001, CJ, STJ, ano 9, t.1, pg. 150. II. Como ensina Antunes Varela (ob. cit., pg. 181), o autor pode ser titular da relação material litigada e não ter em face das circunstâncias concretas do processo necessidade de recorrer à acção. Mas tem em comum com a legitimidade o dever ser aferido objectivamente pela posição alegada pelo autor – cfr., Acs. RP de 30.1.2006 e 27.11.2014, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. III. “O interesse processual ou interesse em agir é um pressuposto processual que se destina a assegurar a utilidade da tutela jurisdicional, isto é, que visa evitar que os tribunais sejam chamados a exercer a sua função em situações nas quais não se justifica a concessão de qualquer tutela ou nas quais a eventual concessão dessa tutela não representa qualquer beneficio para o seu requerente” (M. Teixeira de Sousa, “Reflexões sobre a legitimidade das partes”, CDP, n.º 1, pg. 6). IV. Por isso, não basta, portanto, como sublinha Manuel de Andrade, um qualquer interesse vago e remoto (NEPC, 1979, pg. 79); Só há interesse em agir quando o demandante pretende conseguir pela via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece. V. Para que se possa falar de necessidade de tutela judicial, é necessário, pois, que o direito violado seja o do autor na acção; o interesse em agir pressupõe a lesão desse direito (interesse substancial primário) e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração, ou, tanto quando possível, integrar satisfação – cfr., Ac. STJ de 8.3.2001, CJ, STJ, ano 9, t.1, pg. 151. VI. No caso dos autos não existe interesse em agir da A.. O direito que a A. diz ter sido violado não é seu e, por isso mesmo, não carece de tutela judiciária. VII. Na eventualidade de procedência da acção, daí não resultaria nenhuma utilidade directa para a A pois em tal cenário, a propriedade das acções reverteria para o património do interveniente (passivo) HH…, e não para a sua esfera jurídica, o que conduz à absolvição da instância (art. 576.º- 2, e 577.º do CPC). C - FALTA DE REGISTO DA ACÇÃO: RECURSO DO DESPACHO QUE INDEFERIU O REQUERIMENTO DE 12.04.2021, COM A REF. 38515055 (PÁG. 6 DO DESPACHO, DE 16.04.2021, COM A REF. 422941410) I. Por força das disposições conjugadas dos supracitados arts. 3.º, al. r), 9.º, al. b) e 15.º, n.º 5, do CRC, a presente acção está sujeita a registo obrigatório, na justa medida em que tem como fim declarar e fazer reconhecer direitos relativos à transformação da sociedade e ao aumento do capital social. II. Nos termos do n.º 2 do art. 3.º do CRP, aplicável supletivamente ex vi do disposto no art. 115.º do CRC, as acções sujeitas a registo não terão seguimento, após os articulados, sem se comprovar a sua inscrição. III. Trata-se de um caso de suspensão da instância determinada especialmente por lei (art. 269.º, n.º 1, al. d), que deve ocorrer logo após o termo dos articulados (cfr., Ac. RE de 28.6.2000, BMJ, 498.º - 292) e só cessa com o registo da acção (art. 276.º, n.º 1, al. d) do CPC). IV. A proibição legal de prosseguimento da acção após os articulados constitui uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância da Ré (art. 278.º, n.º 1, al. d) do CPC) – cfr., Ac. RE de 1.2.2007, Proc. n.º 108/07-3, em www.dgsi.pt. D – PROIBIÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL E POR PRESUNÇÃO I. Estando assente na sentença que na escritura pública outorgada em 27.12.2001 de aumento de capital da sociedade (cfr. n.º 6 da matéria de facto dada como provada) e de transformação da sociedade por quotas em anónima (cfr. n.º 5 da matéria de facto dada como provada), o aumento do capital social foi subscrito por EE…, no montante de €2.500, e por FF…, em igual montante (cfr. n.º 6 dos factos dados como provados), e dando de barato, a benefício de raciocínio, que o aumento de capital social foi simulado, é incontornável a conclusão de que tendo a convicção do tribunal, para prova da simulação, sido estribada no depoimento da testemunha JJ…, tal violou o disposto no artigo 394.º do CPC. II. Não existindo documento(s) que indicie(m) uma aparência de prova acerca do intuito simulatório está vedado o recurso à prova testemunhal da simulação, por parte dos simuladores (art.º 394º, do CC) [cf. Ac. TRC 15-11-2016 no Processo n.º 394/11.2TBNZR.C1]. III. O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, independentemente da data dessas convenções. O n.º 2 do mesmo artigo 394.º manda aplicar essa proibição de meio de prova ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores. Muito embora tal tenha sido proposto nos trabalhos preparatórios do Código Civil, a letra da redacção final do preceito não autoriza, ainda que por via indirecta, o recurso à prova testemunhal e consequentemente (artigo 351.º CC) à prova por presunção judicial. (cfr. Ac. do STJ de 07-02-2017, no processo 3071/13.6TJVNF.G1.S1 acessível em www.dgsi.pt). IV. Consequentemente, a decisão da matéria de facto deve ser alterada, por ter sido formada com recurso a prova testemunhal e por presunção proibida por lei, considerando-se como não provados todos os factos alegados pela A. com vista à demonstração da alegada simulação do aumento do capital social e dos contratos de compra e venda de acções celebrados entre o Réu, como comprador, e as testemunhas EE… e FF…, como vendedores. V. Essa alteração da matéria de facto está compreendida nos poderes do Tribunal da Relação conferidos pelo art. 662.º, n.º 1 do CPC, por referência aos arts. 394.º e 395.º do Cód. Civil. VI. O que vem a significar que a acção fica não provada e improcedente, dado que a restante matéria de facto não permite concluir pela existência de qualquer simulação. E – CONDENAÇÃO EM QUANTIDADE SUPERIOR OU EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO [3.º-1, 5.º- 1 e 3, 609.º- 1 e 615º -1, Als. d) e e) CPC] I. Sob pena da inobservância do pedido dispositivo a decisão tem de se de conter, quer em substância, quer em quantidade, no âmbito do pedido formulado. II. O primeiro pedido deduzido pela autora quanto à alegada simulação relativa na subscrição do aumento de capital é insuficiente para a modificação da relação jurídica em causa, dado que o pedido de que “Seja o R condenado a reconhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de 2 novos sócios na transformação da sociedade DD…, S.A. (…) já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH…” não abrange os RR FF… e EE…. III. Ao retirar a referência ao Réu BB… constante do pedido (Seja o R condenado a reconhecer) e ao substituir, na sentença, essa referência específica e dirigida a uma única pessoa, por uma declaração genérica e dirigida a todos (Reconhece-se a…), o Tribunal tentou estender os efeitos da decisão a todos os Réus, incluindo, pois ao EE… e a FF…, mas também à generalidade das pessoas, como se introduzisse uma alteração na ordem jurídica, convertendo uma acção de condenação numa acção constitutiva. IV. Não tendo o primeiro pedido deduzido na acção sido deduzido contra EE… e a FF… e não tendo a Autora modificado ou ampliado o pedido deduzido inicialmente, não pode o tribunal alterar o pedido ampliando de modo a converter uma acção de condenação numa acção constitutiva. V. O raciocínio supra referido aplica-se igualmente ao segundo e terceiro pedido e à segunda e terceira decisão do Tribunal. VI. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” adulterou o pedido deduzido pela A. tendo o juiz “a quo” condenado em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. VII. A decisão do Tribunal violou, assim, o disposto no artigo 609.º -1 do CPC o que tem por consequência a nulidade a sentença ( 615.º- 1, al e) CPC). VIII. A nulidade deriva, assim, da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC). (cf. ac. do STJ de 08.02.2018, no Proc. 633/15.0T8VCT.G1.S1, acessível no sítio da DGSI). IX. O princípio dispositivo é uma decorrência da proteção constitucional da propriedade privada, da autonomia privada e da liberdade das partes. X. Desde já se suscita a inconstitucionalidade da interpretação das normas que contemplam o princípio dispositivo – cf. arts. 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, 609.º, n.º 1 e 615º, nº 1, alínea d) e e), todos do CPC-, no sentido de julgar conforme o direito a sua aplicação feita no caso em apreço, por tal interpretação e aplicação das normas jurídicas referidas ser violadora dos direitos constitucionalmente consagrados do processo justo e equitativo (prevista entre outros no art. 20.º, n.º 4 da CRP) e da autonomia privada e da propriedade privada, (cf. artigos 61.º e 62.º da CRP). XI. Termos em que deve ser declarada a nula a sentença. F- OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO (615.º-1, C) I. Em sede de fundamentação considera a decisão sob censura que “as partes agiram e actuaram com vista a permitir o aumento do capital social pelo sócio HH…”, concluindo que “o aumento de participação daquele é válido”. II. Mais adiante, diz-se na sentença recorrida que “a persecução do negócio dissimulado coloca na esfera do sócio HH… e apenas neste a legitimidade para a venda das acções resultantes do aumento do capital social.” III. Porém, em vez de retirar as consequências lógicas da declaração de existência de um negócio dissimulado válido (a subscrição do aumento do capital pelo sócio HH…), o tribunal a quo julgou, contraditoriamente, como nulos, por simulação absoluta, os subsequentes contratos de compra e venda de acções celebrados pelo EE… e FF…, como vendedores, e o EE…, como comprador. IV. Se existe negócio dissimulado, o que apenas se hipostasia a benefício de raciocínio, e o mesmo é válido – os posteriores negócios de transmissão das acções configuram uma venda de coisa alheia (art. 892.º do Cód. Civil), e nunca uma situação de simulação absoluta. V. Nessa ordem de ideias, o que estava em causa seria a falta de legitimidade do EE… e da FF… para vender ao Réu as acções resultantes do aumento do capital social. VI. Por conseguinte, sob pena de insanável contradição lógico-jurídica, não pode considerar-se que num contrato de compra e venda de acções falta legitimidade aos alienantes para vender, e, julgar-se depois que esses negócios de transmissão são nulos por simulação absoluta. VII. A simulação absoluta pressupõe que nenhum negócio foi efectivamente querido pelas partes, ao passo que na venda de coisa alheia há um negócio que corresponde à vontade dos sujeitos, ainda que enferme do vício de falta de legitimidade do alienante. VIII. Verifica-se, pois, uma manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão, o que, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, determina a nulidade da sentença. IX. Sem prejuízo do que antecede, a decisão recorrida encerra outra contradição.
Não pode dizer-se, a um tempo, que o negócio dissimulado é válido e, a outro tempo, julgar-se no sentido da validade da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima. X. A entender-se que o aumento do capital social foi efectivamente subscrito pelo HH…, daí segue-se, como incontornável consequência, que, por acaso da transformação, a sociedade tinha apenas três sócios (o HH…, a A. e o Réu), pelo que, não perfazendo o número mínimo de cinco sócios exigido por lei (art.º 273.º, n.º 1 do CSC), não podia validamente ser transformada em sociedade anónima. XI. Em suma, o juízo sobre a validade da transformação está em manifesta oposição com a consideração da existência de um negócio dissimulado válido, pelo que, também por esta via, se impõe a conclusão no sentido da nulidade da sentença recorrida (cfr., citado art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC). G – ALTERAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO (662.º-1 CPC) I. Tem de ser revertido por este tribunal o julgamento dos factos constantes dos pontos 14., 21., 22 dos factos dados como provados, bem como a matéria de facto constante da parte final do ponto 1 da decisão, na página 49 da sentença, com o seguinte teor: “(…) que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH….” II. Tais factos devem ser dados como NÃO PROVADOS. III. O concreto meio probatório que impõem que tais factos sejam dados como não provados é constituído pelas declarações confessórias do chamado HH… no processo de inquérito 5636/19..., que correu termos no Juízo de Instrução Criminal – Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca …, constante de certidão judicial anexa, de que o recorrente só teve conhecimento em momento posterior ao encerramento da discussão em primeira instância, cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, pelo que tal documento deve ser admitido nos termos das disposições conjugadas dos art. 651.º, n.º 1 e 425.º do CPC. IV. Nos termos do disposto no art. 662.º -1 do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. V. Dispõe o artigo 651.º, n.º 1 do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º (…). Por sua vez, o artigo 425.º do CPC estabelece que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. VI. Há, assim, que demonstrar que o Réu, ora recorrente estava impossibilitado de juntar o documento em questão até ao dia 08.10.2020, data do encerramento da discussão em primeira instância. VII. Para prova de que o documento em causa não poderia ter sido conhecido e junto pelo recorrente antes do encerramento da discussão em primeira instância remete-se para o alegado nas págs. 29 a 32 do capítulo D da alegação de recurso. VIII. Da declaração confessória do HH… proferida em 30.01.2020 e constante a fls. 83 a 85 dos autos do processo de inquérito 5636/19… resulta que o valor respeitante ao aumento de capital de €5.000,00, deliberado pelos sócios e executada pela escritura de 28.12.2001, não foi realizado pelo sócio HH…, mas sim pelo sócio BB…, ora recorrente. IX. A declaração confessória do HH… foi espontânea, as declarações foram assinadas pelo próprio punho do H…, corroboradas pela assinatura do seu advogado que também assinou o auto. Quando o chamado HH… prestou as suas declarações foi avisado de que estava obrigado a responder com verdade, nos termos do artigo 132.º do CPP. X. A confissão caracteriza-se como uma declaração ou reconhecimento – declaração de ciência – e contradistingue-se pelo seu objecto: um facto desfavorável ao declarante – confitente – e favorável à parte contrária. Com a declaração confessória, o confitente contra se pronuntiatio (artº 352 do Código Civil). XI. A confissão é extrajudicial quando é feita por modo diferente da confissão judicial (artº 355 nº 4 do Código Civil). XII. A confissão extrajudicial segue a regra segundo a qual a confissão tem o valor probatório do meio pelo qual é comunicado ou adquirido pelo tribunal. XIII. A confissão extrajudicial comunicada por documento particular genuíno tem a força probatória de um documento particular. XIV. A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos. XV. O ora recorrente requereu a junção aos presentes autos em primeira instância da certidão contendo a declaração confessória do HH… que tendo exercido o contraditório não impugnou a genuinidade do documento, não impugnou a letra ou assinatura do documento particular, nem impugnou a exatidão da reprodução mecânica do documento (cfr. art. 444.º do CPC). XVI. Pelo contrário, no seu requerimento de resposta, o chamado HH… confirma a que o documento é genuíno e que as declarações foram por si produzidas. XVII. Subsidiariamente, mesmo que não se atribua às declarações em causa o valor de prova por confissão, as mesmas devem ser valoradas ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (cf., o Ac. STJ de 16-03-2011, no nº 237/04.3TCGMR.S1). XVIII. Tais declarações implicam a alteração pelo Tribunal “ad quem” dos factos contantes dos pontos 14., 21., 22. e no ponto 1 da decisão constante da pág. 49 da sentença que devem ser dados como não provados. XIX. A que acresce que o Tribunal “a quo” não pode dar como provados na parte decisória da sentença factos que não foram dados como provados no julgamento da matéria de facto, o que também constitui uma desconformidade. H - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO I. O recorrente impugna a decisão da matéria de facto, considerando incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 13., 14., 29. e 34 que devem ser dados como não provados. II. O meio probatório em que o recorrente se funda que impõem uma decisão diversa dos pontos 13., 14., 29. e 34. dos factos assentes é a certidão judicial contendo a petição inicial da acção judicial instaurada em 25.02.2020 pela Autora AA… contra o Réu BB… e a sociedade CC… S.A., que (ainda) corre termos no Juiz … do Juízo de Comércio de …, do Tribunal Judicial da Comarca …, sob os autos do processo 1692/20…, bem como da procuração anexa àquela p.i., conferido poderes à ilustre a advogada que a represente na presente acção, que foi junta aos presentes autos com o requerimento do Réu de 05.03.2020 com a Ref. 35071546. III. O pedido deduzido na petição inicial da acção do Juiz … de Comércio de … visa, entre outras, as declarações de nulidade (e de falsidade) das deliberações o aumento de capital e transformação da sociedade por quotas em anónima constantes da acta 3 da assembleia geral de sócios da GG…, e da escritura pública que executou as referidas deliberações. IV. Na procuração anexa à petição inicial da acção a A. declara que “constitui sua bastante mandatária na pessoa da Advogada Dr. …, (…), a quem, (…), confere os mais amplos poderes gerais em direito permitidos para instaurar ação em processo declarativo comum contra CC…, S.A., com sede na Praça…, n …, …, ….-… Porto, e nipc ………, com vista à declaração de nulidade da acta três da sociedade, do contrato de aumento de capital e transformação da sociedade e demais consequências legais.” V. Nessa acção a A. alega como causa de pedir, além de outros que “a ata três, não espelha qualquer Assembleia Geral realizada no dia 7 de Novembro de 2001”, que “ não recebeu qualquer convocação”, que “não prescindiu de qualquer formalidade, nem naquela data, nem depois”, que “não conhecia a ordem de trabalhos constante da ata três”, que “não ponderou, debateu ou votou em qualquer dos pontos indicados”, que “não assinou a referida ata”, que “nunca teve, antes de finais de 2019, conhecimento do teor daquela ata ou sequer da existência da mesma” (art.s 19.º a 25.º da p.i). VI. Mais alega que “a ata três usada para a transformação da sociedade, é clara e notoriamente falsa”, “nunca tendo a Assembleia Geral sido realizada”, “muito menos (…) convocada (art. 37.º a 40.º da p.i.); VII. “As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente” (cfr. art. 46.º do CPC). VIII. Por seu lado, a confissão constante da procuração, que foi apresentada à parte contrária ou aos seus representantes, tem força probatória plena dado que está assinada pelo punho da própria Autora e autoria do documento é da própria Autora (cf. arts. 374.º-1, 376.º-1 e 358.º-2 do Código Civil). IX. A confissão extrajudicial, di-lo o n.º 2 do art.º 358.º do CC, em documento autêntico ou particular - cuja autoria e genuinidade estejam estabelecidas - considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos, e se for feita à parte contrária tem força probatória plena. X. Daqui decorre que tal prova só cede perante a prova do contrário, consoante prescreve o art.º 347.º, vigorando no entanto as restrições que resultam do art.º 394.º do CC. XI. O recorrente requereu a junção aos autos da certidão da PI do processo bem como a procuração, porém, a Autora não invocou a inverdade dos factos confessados, não os retirou, nem impugnou a genuinidade ou assinatura da procuração. XII. Subsidiariamente, por mera cautela, mas sem conceder, mesmo que não se atribua às declarações em causa o valor de prova por confissão o Tribunal “a quo” deveria ter valorado as mesmas ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova. XIII. Nada obsta a que o Tribunal tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (cf., entre outros, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 16MAR2011, no nº 237/04.3 TCGMR.S1). XIV. O tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado (579.º do CPC). XV. “As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.” (576.º-3 CPC). XVI. Entre as excepções peremptórias “destacam-se os factos que determinam a invalidade do negócio jurídico (a incapacidade, a ilegalidade ou a ilicitude do objeto, a divergência essencial entre a vontade e a declaração, e os vícios relevantes do consentimento), bem como a extinção do direito do autor (como o pagamento, a caducidade, a renúncia, a renovação, a remissão, a resolução, etc.). Quer isto dizer que, na categoria legal das excepções peremptórias, além do caso julgado e da prescrição, cabem todos os factos que, em face da lei substantiva, servem de causa impeditiva, modificativa ou extintiva da pretensão formulada pelo autor.” (cf. ANTUNES VARELA, (…), Manual de Processo Civil, 2.º Edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 304 e 305, sendo o realçado nosso). XVII. “Excepções em sentido geral são os meios de defesa indirecta que podem e devem ser tomados em conta pelo tribunal ex-officio, surtindo efeito mesmo que não sejam invocados pelo Réu, uma vez que os factos que lhes servem de base constem do processo (podem até ter sido mencionados pelo Autor). É o que se dá, v. g., com quase todas as excepções de natureza processual (art. 495.º), com todas as nulidades dos negócios jurídicos e com quase todos os factos extintivos das obrigações e dos outros direitos ou relações jurídicas.” (cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 134, sendo o realçado nosso). XVIII. Segundo Manuel de Andrade, na obra citada, na pág. 137, é “fácil de apontar diversas outras excepções peremptórias (no sentido legal). Como tais devem ser qualificadas todas as restantes causas impeditivas, modificativas ou extintivas que são admitidas na lei substantiva. Assim, por exemplo, as nulidades ou anulabilidades dos negócios jurídicos, o pagamento, (…).” XIX. A alegação de factos novos e o pedido de declaração de nulidade do “aumento de capital de €150.000,00 para €155.000,00 a realizar por entradas em dinheiro até à data da competente escritura pública, pela admissão, no seio da sociedade, de dois novos sócios que subscrevem, cada um, uma quota de €2.500”, bem como o pedido de declaração de nulidade da transformação da sociedade em sociedade anónima, constituem factos extintivos ou impeditivos do pedido de declaração da “simulação relativa no aumento de capital social por entrada de 2 novos sócios na transformação da sociedade DD…, S.A. actualmente designada GG…, S.A. já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH…”. XX. Se não foi deliberado o aumento de capital, por a acta ser (alegadamente) falsa, tal significa, segundo a própria tese da Autora vertida na p.i. da acção do Juiz 6, que o aumento de capital não se realizou, por não ter sido sequer deliberado pelos sócios. XXI. Se a sócia AA… desconhecia que havia entrada de novos sócios na sociedade, como a autora alega na petição da acção do Juiz …, então como é que houve deliberação de aumento de capital decidia por todos os sócios e ainda, como é que os sócios (todos os sócios) acordaram a simulação alegada pela A. nos presentes autos? XXII. A confissão dos factos vertidos na p.i. da acção do Juiz impedem ou extinguem a pretensão formulada pela Autora na presente acção. XXIII. Se não foi deliberado o aumento de capital, como a Autora alega na p.i. do Juiz …, não pode este Tribunal declarar que houve aumento de capital e que este foi realizado pelo sócio HH…. XXIV. Se não se deliberou o aumento de capital, como a Autora alega p.i. do Juiz …, não podia o Tribunal ter declarado que a autora simulou com os restantes sócios o aumento de capital com sócios aparentes. I - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO – ERRO DE APRECIAÇÃO DE PROVA GRAVADA I. O recorrente impugna por considerar incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 14., 21. e 22 e ainda a matéria de facto constante da parte final do ponto 1 da decisão, na página 49 da sentença. II. Tais factos deveriam ter sido ser dados como não provados. III. Os fundamentos da impugnação e os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância são aqueles que constam das páginas 55 e 58 a 75 da motivação do recurso (cfr. Ac. do STJ de 01.10.2015, Relatora Ana Luísa Geraldes). J – A DELIBERAÇÃO DOS SÓCIOS DE UMA SOCIEDADE COMERCIAL É UM NEGÓCIO JURÍDICO; A ESCRITURA É MERO ACTO EXTERNO DE EXECUÇÃO DAS DELIBERAÇÕES SOCIAIS; A SANAÇÃO DOS EVENTUAIS VÍCIOS DA DELIBERAÇÃO DE AUMENTO DE CAPITAL E DE TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE POR NÃO TEREM SIDO IMPUGNADOS PELA AUTORA, NO PRAZO LEGAL, EM ACÇÃO INSTAURADA CONTRA A SOCIEDADE; A ILEGITIMIDADE DA FALTA DA SOCIEDADE I. As deliberações dos sócios de sociedades comerciais são negócios jurídicos, na justa medida de que se trata de actos a que se devem atribuir efeitos de direito – recte: a constituição, modificação ou extinção de relações ou posições jurídicas. II. Sendo um negócio jurídico, são aplicáveis às deliberações dos sócios de sociedades todos e cada um dos valores negativos dos negócios jurídicos (inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia). III. O Código das Sociedades Comerciais, segundo a orientação adoptada pelas legislações mais modernas, admite expressamente a existência de deliberações ineficazes (art. 55.º), nulas (art. 56.º) e anuláveis (art. 58.º). IV. Enquanto negócios jurídicos, são aplicáveis às deliberações sociais as normas respeitantes aos vícios do negócio jurídico. V. Quer a doutrina quer a jurisprudência sustentam a admissibilidade da simulação nas deliberações sociais. VI. A invalidade das deliberações dos sócios está sujeita a um regime específico, distinto do comum regulado nos arts. 285.º a 294.º do Cód. Civil. VII. Uma das principais diferenças a assinalar reside na preocupação de assegurar a certeza jurídica, que levou à fixação do prazo curto de 30 dias para a propositura da acção de anulação (art. 59.º, n.º 2, do CSC). VIII. Ao contrário do regime dos negócios jurídicos no Código Civil, a anulabilidade das deliberações sociais é a regra e a nulidade a excepção. IX. Nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 58.º do CSC são anuláveis as deliberações que violem preceitos da lei, fora das hipóteses previstas no art. 56.º, e ainda as deliberações contrárias ao pacto social. X. Na delimitação do âmbito de aplicação da nulidade e da anulabilidade das deliberações sociais que apresentam vícios de conteúdo o legislador procedeu por exclusão de partes: são nulas apenas as deliberações a que se refere o art. 56.º e anuláveis as demais. XI. O art. 56.º do CSC estabelece um elenco restrito e taxativo dos casos de nulidade das deliberações sociais – no sentido de que o art. 56.º contém um numerus clausus, uma enumeração taxativa das deliberações sociais susceptíveis de serem sancionadas com a nulidade. XII. Se o vício de uma determinada deliberação não corresponder a qualquer uma das facti species do art. 56.º do CSC, não poderá ser aplicada a sanção de nulidade, caindo-se na regra geral da anulabilidade. XIII. Isso mesmo resulta do Preâmbulo do diploma que aprovou o CSC onde se proclama expressamente que neste se admite a nulidade das deliberações dos sócios “em certos casos taxativamente enumerados (art. 56.º)”. XIV. A natureza taxativa do artigo 56.º do CSC implica que não é admissível alargar a sanção de nulidade a outras hipóteses não enumeradas nessa norma com recurso à analogia ou a argumentos de identidade de razão (interpretação extensiva), sem prejuízo, é claro, das disposições que preveem pontualmente a nulidade, de que são exemplo os arts. 27.º, n.º 1, 69.º, n.º 3, 318.º, n.º 2, e 414.º, n.º 5. XV. Com o advento do CSC deixou de ser possível, ao contrário do que acontecia no domínio do direito anterior, recorrer ao regime legal do negócio jurídico para, com base nele, se estabelecer o quadro das nulidades das deliberações dos sócios, por tal ser incompatível com o carácter completo da disciplina das invalidades neste diploma e, em particular, com o sistema de numerus clausus intencionalmente assignado para a nulidade. XVI. As normas cuja violação determina a nulidade são aquelas – e apenas aquelas – que, tutelando interesses e princípios de ordem pública, não podem ser arredados nos estatutos primitivos, e que, portanto, nem à vontade unânime dos sócios é consentido vir mais tarde subverter através de deliberações que estabeleça uma disciplina divergente – cfr., V. G. Lobo Xavier, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, pg. 153. XVII. Sendo assim, serão meramente anuláveis as deliberações que violem normas que estão na disponibilidade dos sócios, entre as quais se encontram as normas dispositivas e ainda as normas do pacto social, porque estão aí em causa matérias cuja regulamentação a lei deixa à autonomia dos sócios. (art. 59.º, n.º 1, CSC). XVIII. A norma de ordem pública cuja violação acarreta a nulidade tem que estar prevista no Código das Sociedades Comerciais. XIX. Na enunciação taxativa que faz dos casos de nulidade, o CSC não prevê nenhuma causa geral de invalidade de deliberação social por vícios de vontade na emissão dos votos; apenas confere aos sócios a faculdade de impugnar as deliberações com fundamento na violação de regras procedimentais destinadas a proporcionar uma correcta formação da vontade dos sócios (cfr., art. 58.º, n.º 1, al. c). XX. A violação dessas regras não determina a invalidade do voto, mas a anulabilidade da deliberação por vícios procedimentais. XXI. O sócio que tenha votado favoravelmente a deliberação ou posteriormente a tenha aprovado expressa ou tacitamente, não poderá vir impugná-la, o que, só por si, afasta a aplicação do regime de direito comum de anulação de declarações negociais com fundamento em vícios da vontade (59.º - CSC). XXII. O CSC não permite a impugnação do voto por vícios da vontade: “assim como se fala de simulação em relação ao contrato e não a cada declaração contratual, também se deve falar de deliberação simulada e não de voto(s) simulado(s)” – cfr., Luís Brito Correia, Direito Comercial, vol. III, Deliberações dos Sócios, 1990, pg. 321. XXIII. O sócio não pode vir pedir a declaração de nulidade do seu voto com fundamento em simulação; o CSC apenas lhe consente que, em algumas situações taxativamente enunciadas, peça a declaração de invalidade (anulabilidade) da deliberação por vícios procedimentais. XXIV. Em face do disposto nos arts. 56.º e 58.º, do CSC, a consequência da deliberação simulada é a anulabilidade, ao contrário do que se sucede no campo do direito social em que a regra é a nulidade (art. 240.º, n.º 2, CC). XXV. “Em regra, o regime simulado é nulo (C. Civil art. 240.º, n.º 2). Todavia, não parece possível incluir a deliberação simulada entre os casos a que o art. 56.º do CSC sancione de nulidade; e o art. 58.º, n.º 1, al. a) do CSC considera anuláveis as deliberações que violem disposições da lei, “quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do art. 56.º”. Em face destes preceitos, parece dever concluir-se que a deliberação simulada é anulável. (Luís Brito Correia in Direito Comercial, vol. III, Deliberação dos Sócios, 1990, pgs. 322 – 323). XXVI. Aliás, as deliberações em que a simulação envolve o intuito de prejudicar (e não só de enganar) podem, em certa medida, ser abrangidos pela alínea b) do n.º 1 do art. 58.º do CSC – o que parece confirmar a conclusão no sentido da mera anulabilidade das deliberações em que a simulação é inocente” (in Direito Comercial, vol. III, Deliberação dos Sócios, 1990, pgs. 322 – 323). XXVII. “Em semelhante ordem de ideias, cremos que, por exemplo, a hipótese frequentemente tratada na doutrina de deliberação simulada estará simplesmente ferida de anulabilidade, visto que não cabe em qualquer dos descritivos constantes do art. 56-1, correspondendo, por conseguinte, a uma deliberação que, nos termos do preceituado no art. 58-1, al. a), infringe a lei sem todavia incorrer na factispecies de nulidade do art. 56 -1” (Pinto Furtado in Deliberação dos Sócios, 1993, pg. 378). XXVIII. Diga-se à sobreposse que, mesmo aqueles que atribuindo ao voto natureza negocial, admitem a sua impugnabilidade por vícios de vontade, fazem-no depender da impugnação da deliberação no prazo legal – cfr., V. G. Lobo Xavier, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, pg. 588 e ss; Ac. STJ de 15.10.57, BMJ, 70.º - 463; e Ac. TRL de 29.6.56, JR, 1956, pg.110. XXIX. Não basta a arguição da invalidade do voto por vício de vontade para destruir a deliberação; é necessário que concomitantemente se peça a anulação da deliberação. Mas, sendo assim, o que está em causa é a impugnação da deliberação com fundamento no vício do voto, e não a invalidação deste. XXX. Subsumindo ao caso dos autos: A existir o vício de simulação, este estaria radicado na deliberação dos sócios que aprovou a transformação da sociedade e o aumento de capital por entradas de novos sócios. A escritura pública de 27.12.2001 de transformação em sociedade anónima e aumento do capital social é um mero acto de execução da deliberação social, que lhe serviu de base. XXXI. Nos termos do n.º 1 do art. 85.º do CSC, a competência para a alteração do contrato de sociedade cabe imperativamente aos sócios; a alteração do contrato tem, pois, de ser deliberada pelos sócios. XXXII. Sendo certo que o regime do art. 85.º do CSC aplica-se a toda e qualquer modificação objectiva dos estatutos – cfr., Raul Ventura, Alterações do Contrato de Sociedade, 1998, pg. 28 e 32 e ss. XXXIII. A alteração deverá ser reduzida a escrito (n.º 3 do art. 85.º), considerando-se tal requisito preenchido com a acta da respectiva deliberação, salvo se esta, a lei ou o contrato de sociedade exigirem outro documento. Nesta ultima hipótese, em que é necessário um outro documento para além da acta, deve qualquer gerente ou administrador praticar os actos necessários à alteração do contrato. XXXIV. Ao tempo da situação ajuizada nos autos, estava em vigor a redacção inicial do art. 85.º do CSC que sujeitava a deliberação de alteração do contrato de sociedade a escritura pública. XXXV. Com a simplificação dos actos sociais operada pela reforma de 2006, deixou de ser necessária a escritura pública para a realização de qualquer acto societário – cfr., Paulo de Tarso Domingues, Código das Sociedades Comerciais em Comentário (coord. de J. M. Coutinho de Abreu), vol. II, 2011, pgs. 23-24. XXXVI. O art. 133.º, n.º 1, do CSC determina que a transformação da sociedade tem de ser deliberada pelos sócios. XXXVII. Nos termos da redacção primitiva do art. 135.º do CSC (entretanto revogado pelo art. 61.º, al. b), do DL 76.º-A/2006, de 29 de Março), a transformação deve ser consignada em escritura pública. XXXVIII. De igual modo, a competência para deliberar uma operação de aumento de capital cabe, por força da lei, aos sócios (art. 87.º, n.º 1, do CSC). XXXIX. A escritura pública constitui uma mera condição externa do desencadear das consequências jurídicas implicadas na deliberação social que lhe serve de fonte e suporte. XL. É a deliberação que regula as relações intra-subjectivas, ou seja, a posição dos sócios e dos órgãos sociais, produzindo, nesse plano interno, plenos efeitos jurídicos; a escritura constitui tão só um acto executivo não negocial – cfr., V. G. Lobo Xavier, Anulação de Deliberações Conexas, pgs. 101-104 e 349. XLI. Donde, in casu, do ponto de vista da eficácia interna (relações entre a sociedade e os sócios), as deliberações de transformação e de aumento do capital social produziram plenamente os efeitos jurídicos a que tendem. O facto de essas deliberações terem de ser completadas com o acto de outorga da escritura público prende-se apenas com a sua eficácia externa. XLII. No caso dos autos, a escritura pública não é um acto de vontade ou negocial, mas tão somente a execução das próprias deliberações, destinando-se apenas a emprestar-lhes eficácia externa. XLIII. A escritura foi celebrada em estrita conformidade com o deliberado pelos sócios, tendo sido outorgada pelo réu com base em mandato expressamente conferido para o efeito: ao subscrevê-la, o réu limitou-se a dar cumprimento e execução às deliberações dos sócios. XLIV. Sendo a escritura pública um mero acto de execução, não negocial das deliberações de transformação e de aumento de capital social, ela não é impugnável “a se”. XLV. A existir algum vício, ele apenas poderá residir na deliberação, pelo que é esta – e apenas esta – que pode ser impugnada. XLVI. Ora, a A. não impugnou as deliberações dos sócios de transformação e de aumento do capital social. Se o tivesse feito, a acção teria necessariamente de ser dirigida contra a sociedade (art. 60.º, n.º 1, CSC), e não foi. XLVII. E, não tendo impugnado, também já não está em tempo de as impugnar. XLVIII. De facto, como se demonstrou supra, a sanção para as deliberações simuladas é a anulabilidade, pelo que têm se impugnadas judicialmente no prazo de 30 dias (art. 59, n.º 2, CSC), que há muito expirou. XLIX. A falta de propositura atempada da acção de anulação conduziu à sanação do vício (se vicio houvesse, que não há), sendo aplicáveis as disposições dos arts. 285.º e ss do CC (art. 2.º do CSC). L. O negócio anulável produz, a título provisório, os seus efeitos e é tratado como válido enquanto não for julgada procedente uma acção de anulação. LI. Se o negócio não for anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade, o vício sana-se e o negócio convalida-se pelo decurso do tempo, consolidando-se os efeitos que se haviam provisoriamente produzido. LII. Em suma, não tendo sido impugnadas no prazo legal, as deliberações sociais de transformação e aumento do capital social, consolidaram-se na ordem jurídica, permanecendo plenamente válidas e eficazes, o que, determina, sem mais, a necessária improcedência do pedido de declaração de simulação relativa. LIII. Pelo exposto, ao “reconhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios (EE… e FF…) na transformação da sociedade “DD…, S.A.”, atualmente designada “CC…, S.A.”, por relação à escritura pública exarada no dia 28.12.2001”, sem em momento algum a Autora ter atacado a deliberação dos sócios subjacente, o tribunal violou o disposto nos artigos 85.º, 87.º, 88.º, 133.º e 135.º do CSC (com a redação anterior à revogação do preceito pelo art. 61.º, al. b), do DL 76.º-A/2006, de 29 de Março), do CSC, pelo que deverá o Réu ser absolvido do pedido. LIV. Caso o Tribunal “ad quem” considere que foi atacada pela Autora, nos presentes autos, a deliberação dos sócios que aprovou a transformação da sociedade e o aumento do capital, com o que se não concorda, mas hipostasiando por dever de patrocínio, mas não concedendo, sempre se dirá, subsidiariamente, por mera cautela, que deverá o Tribunal “ad quem” decretar que em face do disposto nos arts. 56.º e 58.º, do CSC, a consequência da deliberação simulada é a anulabilidade, pelo que há muito caducou o prazo de 30 dias para requerer a sua anulação (cf. art. 59.º, n,º 2 CSC), pelo que deverá o Réu ser absolvido do pedido. Em ambos as hipóteses, os facto a acção não ter sido instaurada conta a sociedade, em violação do disposto no artigo 60.º- 1 do CSC que determina que “tanto a acção de declaração de nulidade como a de anulação são propostas contra a sociedade”, o que deveria conduzir que o Réu fosse absolvido da instância, o que se requer seja declarado subsidiariamente. K – INEXISTE SIMULAÇÃO: DO MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO I. A versão da A. alicerça-se na alegação de que o EE… e a FF… agiram, sempre em nome próprio, no interesse do sócio HH…. II. Tal versão veio a ser dada como provada, ainda que com base em prova testemunhal proibida (cfr. supra), e dela resulta que ao subscreverem o aumento do capital social o EE… e a FF… concluíram o negócio em sem nome, mas por conta e no interesse do sócio HH…. III. Se os elementos de facto tivessem sido validamente adquiridos para o processo (e não foram), a única conclusão que deles de poderia retirar é que a situação tem enquadramento na figura do mandato sem representação. IV. Com efeito, nessa figuração, a subscrição do aumento do capital social (e subsequente transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima), pelo EE… e FF…, constitui, juridicamente qualificada, uma situação de interposição real de pessoas que se reconduz ao mandato sem representação, que está nos antípodas do negócio simulado. V. No mandato sem representação há uma interposição real de pessoas: o interposto actua em nome próprio, mas no interesse e por conta de outrem – cfr., Ac STJ de 22-02-2000, BMJ, n.º 484, pág. 320. VI. “A interposição do mandatário sem representação é lícita, porque é real e verdadeira …”, Ac. STJ de 22-06-2004, CJ, STJ, ano 12, T2, pág. 106. VII. Consequentemente, como assinala o Ac. STJ de 14-02-2002, citado por Abílio Neto em CPC Anotado, 19.ª Ed., 2016, pág., 1091, nota 3, “não há que confundir a figura do mandato sem representação a que se reporta o n.º 1 do art. 1181.º do CC com simulação negocial quanto aos sujeitos”. VIII. No mesmo sentido sustenta Pessoa Jorge que “a ocultação do verdadeiro interessado não é ilícita nem significa simulação” (in Mandato Sem Representação, pág. 100). IX. E, nessa esteira, observa o Ac. STJ de 09-05-2002, relatado pelo Ilustre Conselheiro Araújo de Barros: “ao passo que na interposição fictícia, a pessoa interposta é um sujeito simulado, o interposto é, na interposição real, parte verdadeira no negócio”. X. O que importa reter é que, na espécie, todas as partes quiseram o negócio nos exactos termos em que o mesmo foi outorgado: O aumento do capital social através da entrada de dois novos sócios (o EE… e a FF…) e a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima foram deliberadas por unanimidade; votaram a favor dessas deliberações todos os sócios, a saber: a aqui A., o HH… e o ora Réu; Em execução dessa deliberação o EE… e a FF… declararam subscrever, em nome próprio, o aumento do capital social no montante de €2.500,00 por cada um – cfr., doc. n.º 4 da p.i. e n.º 6 dos factos dados como provados; O aumento do capital social teve por finalidade a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e como pressuposto que as acções subscritas pelo EE… e pela FF… seriam por estes posteriormente transmitidas ao HH… – cfr- n.º 13, 22 e 34.º dos factos dados como provados. XI. Perante os elementos de facto disponíveis no processo (e sem prejuízo da forma ilegal como foram obtidos) é de axiomática evidência que o aumento de capital social, subscrito pelo EE… e pela FF…, e a transformação da sociedade foram efectivamente queridos por todos os sócios; a A. e o HH…, nomeadamente, quiseram a intervenção do EE… e da FF… no negócio jurídico e estes nele quiseram intervir, em nome próprio. XII. Uma vez que todas as partes quiseram o negócio, ele não pode ser havido como simulado – cfr., Manuel de Andrade, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª Reimpressão, pág. 176. XIII. O conceito de simulação vem definido no art. 240.º, n.º 1, do Cód. Civil, onde se lê: “se, por acordo entre declarante e declaratório, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.” À luz da definição legal, os pressupostos da simulação, são, pois, os seguintes: 1.ª – Uma divergência entra a declaração negocial e a vontade real do declarante. Quer dizer, o lado externo da declaração negocial (a exteriorização ou a manifestação da vontade), e o seu lado interno (a vontade real) não coincidem, antes divergem; 2.ª – Um acordo entre declarante e declaratório a este respeito. A existência deste acordo (o chamado “acordo simulatório”) significa que ambos conhecem a divergência, que é, assim, intencional; 3.ª – O intuito de enganar terceiros, que também é intencional. XIV. O elemento característico da simulação é, portanto, o de que os declarantes não têm vontade nenhuma, não querem de todo o negócio que declaram celebrar. XV. Sucede que, em face do acervo factual dado como provado, nenhum dos requisitos da simulação se mostra preenchido. XVI. Desde logo, a A. não alegou (e, a fortiori, não demonstrou, minimamente que seja) que na escritura de aumento de capital social e de transformação da sociedade se exararam declarações negociais divergentes da real vontade dos outorgantes. XVII. Pelo contrário, está provado que não houve divergência entre a vontade real e a vontade declarada: todos os sócios, nomeadamente a A. e o HH… queriam que o EE… e a FF… subscrevessem o aumento do capital social com vista a perfazer número mínimo de sócios exigido por lei, e estes efectivamente declararam fazer, em nome próprio, tal subscrição. XVIII. Não havendo divergência entre a vontade real e a declarada, por maioria de razão não tem cabimento falar-se de “pactum sumulatoris”. XIX. Assim, como inexiste intuito de enganar terceiros; ao invés, o objectivo por todos prosseguido foi, justamente, o de satisfazer a exigência da lei. XX. Para além de não haver simulação, a simulação retratada nos autos se enquadrar na figura do mandato sem representação, cuja licitude não é questionável. XXI. “As normas substantivas que regem o mandato sem representação não conferem ao mandante, de forma potestativa, a possibilidade de aquisição dos direitos em execução do mandato, estatuindo antes a obrigação do mandatário providenciar pela transferência desses mesmos direitos” – cfr., Ac. TRP de 23-06-2015 (Processo 172/14.7TBPVZ.P1), www.dgsi.pt. XXII. Temos assim que a transmissão para o mandante dos direitos adquiridos pela mandatário opera, e só pode operar, através de um acto ulterior, dirigido especificamente ao cumprimento da obrigação de transferir. Citando o AC TRE de 03-06-2004 (CJ, ano 29, T3, pág. 243), “verificado o incumprimento do mandato, o mandante apenas pode pedir a condenação do mandatário no cumprimento do dever omitido de emitir a declaração negocial de transferência para o mandante dos direitos que adquiriu em execução do mandato […]”. XXIII. O instituto da execução específica não é susceptível de aplicação à obrigação de transferência para o mandante dos direitos adquiridos pelo mandatário sem representação em execução do mandato. – cfr., entre outros, Acs. STJ de 26- 09-2010 (P. 476/99.P1.S1), de 22-01-2018 (P. 07A4417) e de 11-05-2000 (CJ, STJ, ano 8, T2, pág. 58). L - INEXISTÊNCIA DE SIMULAÇÃO: FALTA DE ACORDO SIMULATÓRIO I. “Para haver simulação é necessária a existência de um conluio entre os três sujeitos” (C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Ed., pág. 470). II. Resultados factos dados como provados (8.º e 9.º) que nem a Autora AA… nem o chamado HH… fizeram algum acordo com o EE… e a FF…. III. A simulação é uma patologia com uma causa bilateral. “Não basta uma das partes manifestar uma intenção que não corresponda à sua vontade real” – cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro, Da Simulação no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2014, p. 66. IV. As duas declarações negociais aparentemente convergentes devem estar viciadas por um desencontro voluntário entre a vontade real e a vontade declarada. V. Pelo que não se verificam no caso dos autos os requisitos necessários para existir simulação na modalidade de interposição fictícia, o que pressupunha a existência de um conluio entre todos os sujeitos que deliberaram o aumento de capital e a transformação da sociedade, ou seja, os (alegados) sujeitos reais (BB…, AA… e HH…) e os (alegados) interpostos (EE… e FF…). M – NULIDADE DO NEGÓCIO (DITO) DISSIMULADO I. Na simulação relativa há, pois, dois negócios jurídicos: um, que é o objecto imediato da vontade declarada, e outro, que é objecto da vontade real, designado por negócio dissimulado. II. “Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe correspondesse se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado” (art. 241.º, n.º 1 do Cód. Civil). III. O negócio simulado é nulo; mas, o negócio dissimulado é tratado de forma autónoma, tendo o destino jurídico que o regime do seu tipo negocial lhe confere. (cfr., neste sentido, Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil 4.ª Ed., 1995, págs. 605-606, F. Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 1965, pág. 164; IV. É, assim, aplicável ao negócio dissimulado todo o regime legal que lhe diz respeito, incluindo as regras formais. V. A exigência de uma forma para a validade de um negócio jurídico é baseada em razões de ordem pública, nomeadamente, a devida ponderação e reflexão das partes, a certeza quanto ao negócio e, sobretudo, a segurança da prova relativamente à sua existência e conteúdo. Por isso, as correspondentes disposições legais são normas imperativas, e, como tais, subtraídas à vontade e disponibilidade das partes – cfr., Carlos Ferreira de Almeida, Texto e Enunciado do Negócio Jurídico, Vol. II, págs. 665-675 e 678-680; A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3.ª Ed., págs. 565-580. VI. Segundo a decisão recorrida, o negócio dissimulado seria a subscrição do aumento de capital pelo sócio HH…, considerando que “as partes agiram e actuaram com vista a permitir o aumento de capital social pelo sócio HH…”, conclui o Tribunal a quo que o negócio dissimulado é válido, louvando-se, para tanto, no n.º 1 do art. 241.º do Cód. Civil. VII. Porém, em boa hermenêutica, não é de subscrever tal entendimento, porquanto a declaração negocial de subscrição do aumento de capital social pelo sócio HH… não consta da escritura pública para poder ser formalmente válida. VIII. Ao tempo da celebração da escritura pública de aumento de capital social e de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, estava em vigor o art. 88.º do CSC, na redação anterior ao DL n.º 76-A/2006, que estatuía: “Para todos os efeitos internos, o capital considera-se aumentado e as participações consideram-se constituídas a partir da celebração da escritura pública.” IX. À luz da transcrita norma, que é a aplicável, “a formalidade da escritura púbica constituía o momento decisivo em que se considerava encerrado o processo de aumento” – cfr., M. Ângela Coelho, “Aumento do Capital”, Problemas do Direito das Sociedades, IEDET, 2002, pág. 246; Vd., t.b., Osório de Castro, Valores Mobiliários: Conceito e Espécies, 2.ª Ed., 1998, pág. 213. X. Tal como na simulação absoluta, também no caso da simulação relativa o negócio fictício ou simulado é nulo. XI. Quanto ao negócio dissimulado, como vimos supra, ele será objecto do tratamento jurídico que lhe caberia se tivesse sido concluído sem dissimulação; poderá, pois, ser válido ou inválido, consoante as consequências que teriam lugar se tivesse sido abertamente concluído. É o que decorre do preceituado no art. 241.º do Cód. Civil, máxime do seu n.º 2 segundo o qual se o negócio dissimulado for de natureza formal só é válido de tiver sido observada a forma exigida por lei. XII. Significa isto que o facto de o negócio “simulado” ter sido celebrado de acordo com a forma exigida por lei (no caso, escritura pública), idêntica à exigida por lei para o “dissimulado”, não é bastante para que possa afirmar-se a validade formal deste último; é ainda necessário que os elementos essenciais do negócio jurídico formal dissimulado devam constar do texto do negócio simulado. XIII. Ou seja, o formalismo indispensável à validade do acto dissimulado não respeita apenas ao documento que o deve titular, mas também à sua própria natureza e estrutura substancial – Cfr., Mário de Brito, Código Civil Anotado, Vol. I, págs. 286 e 287, C.A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1.ª ed. pág. 363, e Castro Mendes, Teoria Geral, Vol. III, 1979, pág. 351, Ac. TRE de 03-03-1994, CJ, Ano 19, T2, Pág. 247 e ss, e AC. TRL de 07-10-1993, CJ ano 18, T4, págs. 141 e ss. XIV. Ora, tal não sucede no caso dos autos, pois na escritura pública de 27.12.2001 não consta a declaração negocial do sócio HH… no sentido de subscrever o aumento do capital social. XV. Ou seja, o acto “dissimulado” (que, no dizer da A., seria a subscrição do aumento do capital pelo HH…) não se encontra vazado no documento (escritura pública) em que se exarou o acto “simulado” (bem em nenhum outro junto aos autos). XVI. É certo que o formalismo exigido para o aumento de capital foi observado, mas o que a escritura documenta é o acto (dito) ostensivo, que não o ato (alegadamente) real. XVII. Citando I. Galvão Teles, “os elementos específicos do acto real, que o definam ou caracterizam, não aparecem traduzidos no seu conjunto como cumpriria, no documento lavrado” (in Manual dos Contratos em Geral, pág. 166). XVIII. Consequentemente, é de concluir que ainda que se entenda que a subscrição do aumento de capital declarada pelo EE… e pela FF… encobre uma efectiva subscrição pelo HH…, o certo é que sempre esse negócio dissimulado seria nulo por falta de forma (arts. 241.º, n.º 2 e 220.º do Cód. Civil) XIX. Ao referido acresce uma outra razão para a invalidade do negócio dissimulado: pois o aumento de capital por subscrição de capital pelo sócio HH…, com transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima é nulo por violação do número de mínimo de sócios exigido para as sociedades anónimas. XX. Vigora entre nós o princípio da tipicidade das sociedades comerciais (art. 1, n.º 3 CSC). XXI. O princípio da tipicidade constitui uma restrição ao princípio da autonomia privada fundada na vontade do legislador de tutelar a segurança jurídica e os interesses de terceiros que contratam com a sociedade, especialmente naquelas sociedades em que os sócios não respondem pessoal e ilimitadamente pelas dívidas da sociedade, (…) como são a sociedade por quotas e a sociedade anónima (cfr., Pedro Maia, Tipos de Sociedades Comerciais, Estudos de Direito das Sociedades, IDET; 4.ª Ed., Pág. 7, págs. 9 e 10). XXII. Na caracterização geral dos vários tipos legais de sociedades podemos definir a sociedade anónima como aquela em que os sócios: (i) a mais de não responderem pelas dívidas da sociedade, só respondem pelas suas próprias entradas e já não pelas obrigações assumidas pelos seus consócios – no que este tipo de sociedades se afasta das sociedades por quotas (art. 271.º CSC), em que cada accionista tem a sua responsabilidade, digamos assim, duplamente limitada: externamente, porque não responde, perante os credores da sociedade, pelas dívidas desta; internamente, porque não responde, perante a sociedade, por nenhuma dívida além da sua própria obrigação de entrada; (ii) que exige “um mínimo de cinco sócios para a sua constituição (art. 273.º, n.º 1)” , excepto em casos que não se verificam no caso sub judice (cfr. 273.º, 2 e 488,º. 1 do CSC). XXIII. É, assim, de concluir que ainda que se entenda que a subscrição do aumento de capital declarada pelo EE… e pela FF… encobre uma efectiva subscrição pelo HH…, o certo é que sempre esse negócio dissimulado seria nulo por violação das disposições imperativas que impõem, in casu, um mínimo de cinco sócios para constituir uma sociedade anónima (cfr., art. 241.º, n.º 2 do Cód. Civil e arts. 1.º, n.º 2 e 3, 7.º, n.º 2 e 273.º, n.º 1, todos do CSC). N – NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
A douta sentença em crise viola as seguintes normas jurídicas: a) Quanto à ilegitimidade activa e à simulação processual: art 30.º e 612.º do CPC. b) A falta de interesse em agir determina a absolvição da instância (cfr., arts. 576.º, n.º 2, e 577.º do CPC), sendo essas as normas violadas pelo tribunal “a quo”. c) No que respeita à falta de registo de acção as normas jurídicas violadas são as dos artigos arts. 3.º, al. r), 9.º, al. b) e 15.º, n.º 5, do CRC, e ainda n.º 2 do art. 3.º do CRP, aplicável supletivamente ex vi do disposto no art. 115.º do CRC e art. 269.º, n.º 1, al. d) do CPC, bem como as dos arts. 276.º, n.º 1, al. d) do CPC, 275.º, n.º 1, do CPC e 278.º, n.º 1, al. d) do CPC), pois a proibição legal de prosseguimento da acção após os articulados constitui uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância da Ré– cfr., Ac. RE de 1.2.2007, Proc. n.º 108/07-3, em www.dgsi.pt. d) No que respeita à proibição de prova testemunhal e por presunção, a sentença recorrida violou, ostensivamente, o disposto no Art. 394.º e 514.º do CPC, devendo a matéria de facto ser alterada considerando-se como não provados todos os factos alegados pela A. com vista à demonstração da alegada simulação do aumento do capital social e dos contratos de compra e venda de acções celebrados entre o Réu, como comprador, e os RR EE… e FF…, como vendedores, o que está compreendido nos poderes do Tribunal da Relação conferidos pelo art. 662.º, n.º 1 do CPC, por referência aos arts. 394.º e 395.º do Cód. Civil. e) No que respeita à nulidade da sentença pelo facto do tribunal “a quo” condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, é violado o princípio dispositivo, vertidos nas normas jurídicas vertidas nos artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, 609.º, n.º 1 e 615º, nº 1, alínea d) e e), todos do CPC, suscitando-se desde já a que a interpretação das citadas normas em violação princípio dispositivo, constitui uma violação da proteção constitucional da do processo justo e equitativo (prevista, entre outros, no art. 20.º, n.º 4 da CRP) e da autonomia privada e da propriedade privada (previstos nos arts. 61.º e 62.º da CRP). f) No que respeita à nulidade da sentença, decorrente da manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão, são violadas as disposições conjugadas dos artigos 240.º e 892.º do Cód. Civil e dos artigos 240.º do Cód. Civil e 273.º n.º 1 do CSC. g) Ao “reconhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios (EE… e FF…) na transformação da sociedade “DD…, S.A.”, atualmente designada “GG…, S.A.”, por relação à escritura pública exarada no dia 28.12.2001”, sem em momento algum a A. ter atacado a deliberação dos sócios subjacente, o tribunal violou o disposto nos artigos 85.º, 87.º, 88.º, 133.º e 135.º do CSC (com a redação anterior à revogação do preceito pelo art. 61.º, al. b), do DL 76.º-A/2006, de 29 de Março), do CSC. h) Caso o Tribunal “ad quem” considere que foi atacada pela A., nos presentes autos, a deliberação dos sócios que aprovou a transformação da sociedade e o aumento do capital, deve este Tribunal decretar – ex vi do arts. 56.º e 58.º do CSC, segundo a qual a consequência da deliberação simulada é a anulabilidade – que caducou o prazo de 30 dias para requerer a sua anulação (cf. art. 59.º, n,º2 CSC). Caducidade que opera por força de norma legal (art. 298.º CC) e que é do conhecimento oficioso (art. 333.º-1 do CC). Em ambas as hipóteses, o facto a acção não ter sido instaurada conta a sociedade, em violação do disposto no artigo 60.º-1 do CSC (que determina que “tanto a acção de declaração de nulidade como a de anulação são propostas contra a sociedade”), sendo essas as normas jurídicas violadas pela douta sentença em crise. i) No que respeita à falta de verificação dos requisitos da simulação, estando antes em presença de um caso de mandato sem representação, o Tribunal a quo violou as normas jurídicas vertidas nos artigos 240.º (porque não se trata de um caso de simulação relativa), 1180.º, 1181.º, n.º 1 e 285.º, todos do Cód. Civil (dado o caso sub judice configurar um caso de mandato sem representação), e 827.º a 830.º do Código Civil, por não ser susceptível de execução específica. j) No que respeita à falta de acordo simulatório entre todos os intervenientes, atenta a falta o requisito do acordo simulatório entre todos os sujeitos, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art. 240.º do Código Civil. k) Por respeito à matéria da nulidade do negócio (dito) dissimulado, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 241.º, n.º 1 e 2 do Cód. Civil, art. 88.º do CSC, na redação anterior ao DL n.º 76-A/2006, 220.º do Cód. Civil e ainda o princípio da tipicidade das sociedades comerciais vertido arts. 1.º, n.º 2 e 3, 7.º, n.º 2 e 273.º, n.º 1, todos do CSC].
Terminou, pedindo a procedência do recurso e, em consequência, a sua absolvição “da instância e dos pedidos”. 17.
A Apelada não contra-alegou. II. FUNDAMENTAÇÃO A) DO CONHECIMENTO DO RECURSO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERIU REQUERIMENTO DE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA ATÉ COMPROVAÇÃO DA INSCRIÇÃO DO REGISTO DA AÇÃO.
Lembramos que a Autora, com a presente ação, pretende a condenação do Réu a: - Reconhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios na transformação da sociedade DD…, S.A., atualmente designada CC…, S.A., já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH…; - Reconhecer a simulação absoluta na compra, por si, de 2.500 ações da sociedade DD…, S.A., atualmente designada CC…, S.A., a EE…, em 27DEZ2002, pelo montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) e que se declare a nulidade de tal negócio; e - Reconhecer a simulação absoluta na compra, por si, de 2.500 ações da sociedade CC…, S.A., a FF…, em 30AGO2017, pelo montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) e que se declare a nulidade de tal negócio.
Sustenta o Recorrente que, por força das disposições conjugadas dos arts. 3.º, al. r), 9.º, al. b) e 15.º, n.º 5, todos do Código do Registo Comercial (CRComercial), a presente ação está sujeita a registo obrigatório, na justa medida em que tem como fim declarar e fazer reconhecer direitos relativos à transformação da sociedade e ao aumento do capital social.
Vejamos.
Nos termos do art. 3.º, n.º 1, al. r), do CRComercial, dentre os diversos factos relativos às sociedades comerciais, estão sujeitos a registo a “transformação e dissolução das sociedades, bem como o aumento (…) do capital social e qualquer outra alteração ao contrato de sociedade”.
Por sua vez, o art. 9.º, al. b), do mesmo diploma legal, sujeita a registo “as ações que tenham como fim, principal ou acessório, declarar, fazer reconhecer, constituir, modificar ou extinguir qualquer dos direitos referidos nos artigos 3.º a 8.º”, registo que é “obrigatório”, por imposição do n.º 5 do art. 15.º do mesmo Código.
Ora, considerando a concreta pretensão deduzida pela Autora, dúvidas não temos de que a ação se encontra sujeita a registo, pelo que assiste razão ao Recorrente nessa parte.
Porém, importa saber se da tal premissa decorre sem mais o deferimento da pretensão do Recorrente, consubstanciada na suspensão da instância até comprovação da inscrição do referido registo.
Neste particular conviria que o Apelante tivesse presente que a norma que invocou, correspondente à previsão do n.º 2 do art. 3.º do CRPredial, alegadamente aplicável por via do disposto no art. 115.º do CRComercial, foi revogada pelo art. 1.º do DL n.º 116/2008, de 4 de julho.
Desde então, deixou de existir qualquer comando legal, fazendo depender o seguimento das ações sujeitas a registo, após os articulados, da comprovação da respetiva inscrição.
Cabendo à Autora e ao próprio Tribunal promover o registo provisório da presente ação (cfr. arts. 28.º, n.º 1, 29.º, n.º 5 e 115º, todos do CRComercial, e 8.º-B, n.º 3, al. a), do CRPredial, aplicável subsidariamente), a verdade é que da sua omissão, como se verifica neste caso, não decorre qualquer causa legal de suspensão da instância, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 269.º, n.º 1, al. d), do CPCivil.
Termos em que, sem necessidade de mais considerações, concluímos pela improcedência do recurso, nesta parte, e consequentemente, pela manutenção da decisão que indeferiu a requerida suspensão da instância até comprovação da inscrição do registo da ação. B) DO CONHECIMENTO DO RECURSO DA SENTENÇA FINAL 1. DA QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DE JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM FASE DE RECURSO
Com as alegações de recurso, o Apelante juntou um documento, correspondente a certidão judicial, datada de 24.11.2020, respeitante aos autos de instrução criminal, com o n.º 5636/19…, pendentes no Juízo de Instrução Criminal …, Juiz …, a qual integra auto de inquirição de HH…, com data de 31.01.2020, despacho do Ministério Público que determinou o arquivamento dos autos em fase de inquérito, datado de 09.06.2020, e auto de constituição do aqui Recorrente como arguido, com data de 03.11.2020.
Sustentou o Recorrente só ter tido conhecimento dos atos praticados no referido processo criminal, nomeadamente do dito auto de declarações, após ter sido constituído arguido no dia 03.11.2020, pelo que a junção, na presente fase processual, encontra justificação nos termos das disposições conjugadas dos arts. 651.º, n.º 1, 1.ª parte, e 425.º, ambos do CPCivil.
Chamada a pronunciar-se, a Recorrida pugnou pela inadmissibilidade da junção do documento, invocando, em síntese, que a pretensão da Recorrente foi objeto de apreciação na 1.ª instância, antes da prolação da sentença recorrida, tendo sido indeferida por despacho transitado em julgado, para além de que não estamos perante um “documento” nem sequer uma “ocorrência posterior”.
Apreciemos.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPCivil, a apresentação de documentos como meio de prova, em fase de recurso, conjuntamente com as alegações, é admissível sempre que a mesma não tenha sido possível até ao encerramento da discussão da causa em 1.ª instância.
No caso questiona-se a admissibilidade de um documento em sede de instância de recurso, pelo que a decisão proferida em 1.ª instância, após o encerramento da discussão da causa sobre o mesmo documento, ainda que de indeferimento e transitada em julgado, nenhuma relevância tem, cabendo a este Tribunal a competência para apreciar e decidir a questão (art. 652.º, n.º 1, al. e), do CPCivil).
Considerando a noção de documento plasmada no art. 362.º do Código Civil (CCivil) – “qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto” –, dúvidas não pode haver de que o Recorrente pretende efetivamente a junção aos autos de um documento escrito, com o qual visa fazer prova de factos relevantes para a decisão da causa, atribuindo-lhe até valor confessório.
Por último, considerando o teor do conjunto dos elementos que integram o documento em questão – certidão judicial –, mormente no que respeita à data da prática dos atos que neles são relevantes, somos levados a concluir que o Recorrente logrou demonstrar de modo suficiente não lhe ter sido possível praticar o ato ainda em 1.ª instância, em momento anterior ao encerramento da discussão.
Pelo exposto, admitimos nesta instância de recurso, como meio de prova, o documento apresentado pelo Recorrente conjuntamente com as alegações, sendo certo que o respetivo valor probatório só em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto será objeto de consideração. 2. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Partindo das conclusões das alegações do Recorrente, pese embora a manifesta prolixidade em que persistem, e sem prejuízo do que possa ser objeto de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil)), são as seguintes as questões estruturais submetidas à nossa apreciação:
a) Exceções dilatórias de ilegitimidade ativa e falta de interesse em agir;
b) Nulidade da sentença decorrente de excesso de pronúncia e de oposição entre os fundamentos e a decisão;
c) Alteração da decisão da matéria de facto, com fundamento em proibição de prova testemunhal e por presunção, e ainda em erro de julgamento;
d) Verificação dos pressupostos da simulação negocial e efeitos nos negócios jurídicos em discussão; e
e) Sanação de eventuais vícios da deliberação de aumento de capital e de transformação da sociedade por não terem sido alegados pela Autora, no prazo legal, em ação instaurada contra a sociedade. 3. DA APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES 3.1. Exceções dilatórias de ilegitimidade ativa e de falta de interesse em agir
Pela primeira vez ao longo da história deste processo, já relativamente longa, deve reconhecer-se, o Réu BB…, Recorrente, em sede de alegações deste recurso, invoca em sua defesa as exceções dilatórias de ilegitimidade ativa e falta de interesse em agir da Autora.
É certo que estamos perante questões de conhecimento oficioso pelo Tribunal (art. 578.º do CPCivil).
Porém, importa não esquecer que tendo a 1.ª instância, num primeiro momento, em sede de despacho saneador, afirmado a validade e regularidade da instância, ou seja, em condições de prosseguir para conhecimento de mérito, acabou por julgar de mérito numa primeira sentença, sendo que o recurso de apelação que sobre aquela incidiu não teve por objeto qualquer das exceções dilatórias agora em questão neste segundo recurso de apelação, desde logo porque não foram então invocadas pelo Recorrente e não foram consideradas pela Relação como necessitadas de conhecimento oficioso.
Em tais circunstâncias, tendo este Tribunal da Relação decidido como decidiu o primeiro recurso de apelação interposto pelo Réu, conhecendo apenas, quanto a exceções dilatórias, a preterição de litisconsórcio necessário passivo, impõe-se considerar estabilizada a instância desde então, no respeitante aos sujeitos processuais, tendo ficado precludido o direito de invocação pelo Réu de outras exceções dilatórias atinentes a tais pressupostos processuais, por razões pré-existentes à decisão do primeiro recurso de apelação.
Não se impõe, pois, em rigor, o conhecimento das invocadas exceções dilatórias de ilegitimidade ativa e falta de interesse em agir da Autora.
Ainda assim, não custa esclarecer o Recorrente que a legitimidade da Autora e o seu interesse em agir por via da presente ação, aferidos pelo pedido e causa de pedir, tal como configurados na petição inicial (art. 30.º do CPCivil), afiguram-se-nos bem presentes, desde logo por via da qualidade de sócia da Ré na sociedade “CC…, S. A.”, e como tal diretamente interessada em ver declarada a nulidade de negócios jurídicos que, na sua perspetiva, contendem não só com a estrutura e organização da sociedade, mas também contrariam a alegada acordada proporcionalidade de participação no capital social da sociedade, entre Autora e Réu. Improcede, pois, nesta parte, o recurso. 3.2. Nulidade da sentença decorrente de excesso de pronúncia e de oposição entre os fundamentos e a decisão
Nos termos do art. 615.º, 1, do CPCivil, a sentença enferma de vício de nulidade nos casos em que, para além do mais: “c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão”; e “e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Estamos perante nulidades da decisão ou de julgamento (por contraposição a nulidades processuais), que sendo de natureza meramente formal nunca poderão determinar, por si só – ao invés do que parece acreditar o Recorrente – a absolvição do Réu do pedido. 3.2.1.
A condenação ultra petitum, pressuposta na al. e) do cit. art. 615.º, n.º 1, redunda na violação da norma do n.º 1 do art. 609.º do CPCivil: “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pediu”.
Neste âmbito importa ter presente que, sem prejuízo de situações específicas, justificadoras da atenuação da regra, “as partes, através do pedido (art. 3.º, n.º 1), circunscrevem o thema decidendum, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa. Trata-se de uma esfera em que domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede da sustentação fáctica da pretensão. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de ação em causa) em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”[2].
O pedido representa uma forma de tutela jurisdicional para um direito subjetivo ou interesse legalmente protegido, projetando o efeito jurídico que se pretende obter com a ação (art. 581.º, n.º 3, do CPCivil).
Consoante o fim prosseguido, as ações declarativas “podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas”. As primeiras visam “obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto”; com as segundas pretende-se “exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito”; as últimas têm por escopo “autorizar uma mudança na ordem jurídica existente” (art. 10.º, nºs 2 e 3, do CPCivil).
Não obstante tal classificação legal tripartida, a verdade é que na prática, como é reconhecido pelos processualistas, “muito raramente a classificação surge com toda esta pureza, pois que, ao menos de modo implícito, as ações de condenação impõem sempre a prévia apreciação do direito e são, também por isso, ações de simples apreciação. Uma decisão a proferir numa ação constitutiva, destinada a provocar uma mudança na ordem jurídica existente, implicará sempre o reconhecimento da existência do direito potestativo invocado”[3].
Na generalidade dos casos, as ações constitutivas assumem-se como o instrumento processual adequado ao exercício de direitos potestativos cujos efeitos se produzem ope legis na esfera da contraparte. É o caso da anulação do contrato, em que o demandante pretende obter a destruição retroativa da relação contratual, no exercício do direito potestativo de que é titular[4].
Com a presente ação o que a Autora pretende é, essencialmente, obter a declaração judicial de nulidade de negócios jurídicos, decorrente do reconhecimento do vício de simulação que imputa aos mesmos.
E assim configurada, a ação é, à luz da dita classificação, essencialmente constitutiva, na medida em que visa introduzir uma modificação numa relação jurídica que tem por sujeitos os demandados.
No entender do Recorrente, em face da expressão do pedido da Autora – “seja o Réu condenado a reconhecer” –, a expressão empregue no dispositivo da sentença – “reconhece-se” – consubstancia “uma alteração no pedido, de forma a ampliá-lo quer quanto aos seus destinatários, que passam, pois a ser todos, incluindo o EE… e a FF…, quer quanto ao seu âmbito e conteúdo, de uma ação de mera condenação para um ensejo de uma ação constitutiva”, conduzindo à violação do preceituado no art. 609.º, n.º 1, do CPCivil, e por essa via à nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. e), do mesmo Código.
Não podemos acolher semelhante entendimento.
Em primeiro lugar, como deixámos já afirmado, a presente ação, moldada pelo pedido e respetiva causa de pedir assume claramente natureza constitutiva, na medida em que a Autora visa essencialmente obter declaração judicial de nulidade de um negócio jurídico decorrente do reconhecimento da existência de vício de simulação.
A isso não obsta a circunstância de a Autora, na formulação do pedido, ter usado o termo “condenação”, conceito jurídico notoriamente inapropriado no contexto em que foi inserido, e como tal não vinculativo para o tribunal no processo de interpretação e qualificação jurídica do pedido a da natureza da própria ação (cf. art. 5.º, n.º 3, do CPCivil).
Por outro lado, importa ter presente que a ação foi originariamente instaurada apenas contra o Réu / Recorrente BB…, e daí que na formulação do pedido, a referência a sujeitos passivos se tenha limitado àquele, ainda que sem absoluta necessidade, pelo que deixámos dito a propósito da caracterização da natureza constitutiva da ação.
Em consequência da decisão desta Relação, no primeiro recurso de apelação, o elenco dos sujeitos passivos desta ação foi ampliado, suprindo-se assim a ilegitimidade processual passiva, em consonância com o defendido pelo agora também recorrente, passando a figurar também como demandados EE…, FF… e HH….
Sendo assim, nenhuma inquietação ou perplexidade pode causar que a decisão prolatada pela 1.ª instância produza efeitos na esfera jurídica de todos os ditos demandados, e não apenas do demandado inicial, em consequência de uma modificação superveniente da instância quanto aos respetivos sujeitos processuais.
Não vemos, pois, razões válidas para afirmar a violação do princípio do dispositivo pela sentença recorrida, impondo-se-nos concluir pela inexistência do invocado vício de nulidade por excesso de pronúncia. 3.2.2.
Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, o mesmo é dizer quando a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. “Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente”[5].
Do confronto do dispositivo da sentença impugnada, mais precisamente do conteúdo dos respetivos pontos 1), 2) e 3), com a fundamentação jurídica que o precede, não vislumbramos a mais pequena contradição.
Com efeito, a solução jurídica que a sentença deixou afirmada no respetivo dispositivo, reproduz sem mais o que já havia deixado explanado em sede de fundamentação, pelo que não ocorre de modo algum o invocado vício formal previsto no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPCivil.
Se a fundamentação jurídica, considerada por si mesma, será ou não merecedora de censura, por não observar o direito aplicável, é questão que contende já com o acerto do julgamento, logo de natureza substancial, e por isso fora do alcance do citado normativo. Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença recorrida com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão. 3.3. OS FACTOS 3.3.1. Factos julgados provados pela 1.ª instância
O Tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos: 1. A Autora AA… e o Réu BB… são irmãos e filhos de HH… e II… (artigo 1.º da petição inicial). 2. São também sócios da firma “CC…, S.A.” [doravante “CC…”, para evitar esforço ocular], sociedade anónima com sede na rua…, nº …, …, Porto e detentora de uma quinta de vinhos no … (artigo 2.º da petição inicial). 3. A “CC…” era inicialmente denominada “…, Lda.”, sociedade por quotas constituída em 17AGO2000, com um capital social de € 150.000 e composta por três quotas:
i) HH… e II… (os pais da Autora e do Réu, ainda no estado de casados): € 50.000;
ii) AA… (Autora): € 50.000; e
iii) II… (Réu): € 50.000 (artigo 3º da petição inicial). 4. Constituição essa sujeita a registo com base numa certidão exarada pelo Réu, advogado de profissão (artigo 4.º da petição inicial). 5. A referida sociedade, por escritura pública de 27DEZ2001, foi transformada em sociedade anónima e viu a sua denominação ser alterada para “DD…, S.A.” [doravante “DD…”, para evitar esforço ocular] (resposta conjunta aos artigos 5.º e 8.º da petição inicial). 6. Teve lugar um aumento do capital social subscrito por EE…, no montante de €2.500, e por FF…, em igual montante (artigo 7.º da petição inicial). 7. O valor subscrito por EE… e por FF… jamais deu entrada na sociedade por intermédio destes, nem os mesmos alguma vez quiserem deter ou participar na “X 5” (artigo 9.º da petição inicial). 8. EE… e FF… são pessoas do trato e confiança do Réu, a quem este pediu o favor de “entrarem” na sociedade para perfazer o número mínimo exigido por lei (artigo 12.º da petição inicial). 9. Nem a Autora nem os pais conheciam aquelas pessoas, nem com elas voltaram a travar tal contacto, apenas o Réu as conhecia e com elas prosseguiu os contactos (artigo 13.º da petição inicial). 10. Nem EE… nem FF… alguma vez tiveram qualquer intenção de subscrever capital social na “DD…” e dele serem detentores (artigo 14.º da petição inicial). 11. EE… e FF… jamais liberaram a quota, pois não houve qualquer disposição do seu património para entrada no da “DD…” (artigo 15.º da petição inicial). 12. Não compareceram em qualquer assembleia geral nem participaram em qualquer deliberação da sociedade (artigo 16.º da petição inicial). 13. A decisão sobre a transformação da sociedade de quotas em anónima foi dos sócios originais, por sugestão do Réu, sendo o aumento de capital apenas o veículo, nos termos da lei, para a concretização daquela, sem que daí resultasse a entrada real de novos sócios (artigo 17.º da petição inicial). 14. O capital social deveria ser mantido e detido pelos três sócios iniciais, sendo acrescido ao capital do sócio HH… o aumento de 5.000 ações (artigo 18.º da petição inicial). 15. Isto porque a “DD…”, inicialmente “…, Lda.” foi constituída para que a família … prosseguisse um negócio de oportunidade, relacionado com a compra de uma unidade fabril (artigo 19.º da petição inicial). 16. Tal negócio veio a ser concretizado e a sociedade manteve-se (artigo 20.º da petição inicial). 17. E quando em 12ABR2002 o sócio HH… concluiu as negociações em curso e celebrou contrato de promessa relativo a alguns prédios rústicos ligados à produção de vinho no …, o destino do negócio seria a sociedade detida em comum com os filhos e apenas com estes (artigo 21.º da petição inicial). 18. Em 24JUL2002 o sócio HH… e a esposa cedem a sua posição na promessa de compra dos prédios da “CC…” à sociedade, já então, “DD…”, sendo esta quem celebraria o negócio prometido (resposta conjunta aos artigos 22.º e 23.º da petição inicial). 19. A “DD…” passa a adotar o nome de “CC…, S.A.”, sendo levada a registo em 26FEV2003 a alteração do pacto social (artigo 24.º da petição inicial). 20. Provado apenas que nesta mesma deliberação, a Autora assume o cargo de Administradora Única da sociedade anónima “DD…” (artigo 25.º da petição inicial). 21. Esta sociedade sempre se pretendeu limitada, no que ao número de sócios concerne, pois trata-se de uma empresa familiar, para gestão e investimento de negócios da família, sempre feitos com recurso ao património dos ascendentes da Autora e do Réu (artigo 27.º da petição inicial). 22. E, por essa razão, o Réu afiançou a seu pai que a entrada dos novos sócios seria “anulada” pela compra por este das ações subscritas por aqueles (artigo 28.º da petição inicial). 23. E a situação assim deveria permanecer até os progenitores da Autora e do Réu decidirem a doação do seu património aos filhos (artigo 31.º da petição inicial). 24. O que sucedeu a 31DEZ2015, em …, quando Autora e Réu celebraram com seus pais contrato de doação de bens móveis e direitos, tendo HH… e II… doado em partes iguais à Autora e ao Réu, por conta da quota disponível, os bens móveis e os direitos melhor descritos na relação de bens que o primeiro apresentou no âmbito do processo de inventário com o nº 2031/08..., que correu termos na então secção de Família e Menores da Comarca de … (resposta conjunta aos artigos 32º e 33º da petição inicial). 25. Autora e Réu declararam aceitar a doação nos termos descritos (artigo 34.º da petição inicial). 26. Do acervo doado faziam parte:
Verba 1: Direito de crédito / Suprimento – CC… / €448.918,11;
Verba 2: Direito de crédito / Suprimento – CC… / € 306.144,65;
Verba 3: Direito de crédito / Suprimento – CC… / €12.400;
Verba 4: Direito de crédito / Adiantamento – IMT / €26.237,63;
Verba 5: Ações 30% do capital social da CC… (artigo 35.º da petição inicial). 27. Sempre com a vontade de honrar a Autora e o Réu com proporcionalidade no património recebido dos seus ascendentes (artigo 36.º da petição inicial). 28. Condição que o Réu, como advogado da família, sempre afiançou estar assegurada (artigo 37.º da petição inicial). 29. O Réu sabia que a entrada dos novos sócios era simulada, destinando-se o novo capital a ser transferido para o seu pai (artigo 39º da petição inicial). 30. O Réu, em 27DEZ2002, celebrou com EE…, através de documento particular, contrato de compra e venda de ações, no valor total da subscrição, ou seja, 2.500 ações (artigo 40.º da petição inicial). 31. Colhendo para si maior participação que a sua irmã e subtraindo ao sócio HH… 2.500 ações (artigo 44º da petição inicial). 32. Facto que pretendia consolidar com a celebração da doação do património dos seus pais aos filhos, transmissão que também preparou como advogado da família (artigo 45.º da petição inicial). 33. Na constituição da “CC…” cada sócio era detentor de uma quota de 33,3%, quota essa que ficou diluída artificialmente para 32,2581% com a entrada de dois novos sócios na constituição da sociedade anónima (artigo 47.º da petição inicial). 34. Quando as partes e o sócio HH… acordaram na conversão da sociedade por quotas em anónima, com a entrada dos novos sócios, foi no pressuposto e condição que daquelas manobras resultasse a detenção do capital social acrescido para o sócio HH…, ou seja, este somaria, em ato contínuo ao aumento, os seus 32,2581% e duas quotas de 1,613%, o que lhe valeria uma participação de 35,4841% (artigo 48.º da petição inicial). 35. O Réu convenceu os familiares que seria melhor formalizarem, em 2015, uma outra “compra de ações” resultantes do aumento de capital, na qual o Réu adquiria a subscrição ao sócio EE… e a Autora adquiria a subscrição à sócia FF…, razão pela qual enviou à Autora, que o recebeu, um e-mail, em 20JAN2015, com o seguinte teor: “[Olá AA…, 1. Tens que te colocar a ti como compradora 2. Deves ter que verificar se esse BI da FF… e demais dados ainda estão actualizados. 3. Tens que acrescentar na seguinte Cláusula, na parte final, o que aqui vai assinalado a “negrito”: A Primeira Outorgante vende ao segundo outorgante e este compra livre de quaisquer ónus ou encargos 2.496 acções da sociedade “DD…, S.A”, pelo preço global de €2.496,00 (Dois mil quatrocentos e noventa e seis euros), que a Segunda Outorgante já recebeu. Beijo BB…], sendo o anexo composto por contrato de compra e venda de 2.496 ações (resposta conjunta aos artigos 49.º, 50.º e 51.º da petição inicial). 36. Tal como consta na mesma troca de correspondência, a Autora aguardava as minutas para proceder ao envio daquelas para a “KK… para a D. FF… assinar” (artigo 52.º da petição inicial). 37. Confiando que o irmão (Réu), advogado da família e mentor da constituição e transformação da sociedade, tendo ele próprio selecionado os dois sócios adicionais da sua confiança para a transformação da sociedade e indicando a Técnica Oficial de Contas para assegurar a circulação de papéis, mantivesse o espírito e vontade de todos os intervenientes (artigo 53.º da petição inicial). 38. O Réu, com o acima descrito, pretendia deter a maioria do capital social de uma sociedade detentora de uma quinta no … (artigo 56.º da petição inicial). 39. A “CC…”, em termos documentais, após todos estes negócios e a doação de 31DEZ2015, passou a ser detida por:
- AA… (Autora), com 47,258% do capital social;
- BB… (Réu), com 48,871% do capital social;
- FF…, com 1,613% do capital social;
- HH… e esposa, com 2,258% do capital social; (artigo 57º da petição inicial). 40. Por força da vontade das partes, a “CC…” seria detida por:
- AA… (Autora), com 48,871% do capital social;
- BB… (Réu), com 48,871% do capital social;
- HH… e esposa, com 2,258% do capital social; (artigo 58º da petição inicial). 41. Daí o espanto da Autora, quando se depara com as investidas do Réu contra si e contra a sociedade, alegando ser titular de 51,60% do capital social da “CC…” (artigo 59.º da petição inicial). 42. Comportando-se como tal não só nas Assembleias Gerais da sociedade – onde, em 8SET2017, se deliberou a destituição da Autora, enquanto administradora única da “CC…”, com fundamento em justa causa, e a instauração de uma ação de responsabilidade civil contra a mesma – como em ações judiciais – intentou em 15SET2017 uma ação no Juízo de Comércio de …, registada com o nº 7339/17…, onde requereu a fixação de prazo certo para a “CC…” liquidar ao Réu, aí requerente, o crédito de suprimentos recebidos em doação, no valor de € 428.470,67 (artigo 60.º da petição inicial). 43. Arrogando-se titular de tal número de ações por força de:
- ações detidas por conversão da sociedade por quotas em sociedade anónima em 27DEZ2001 - 32,258%;
- ações que lhe advieram por força da doação de seus pais;
- ações que comprou a EE… em 27DEZ2012 - 1,613%; e
- ações que comprou a FF…, em 30AGO2017, através de documento particular (artigo 61.º da petição inicial). 44. O Réu identifica-se como Advogado e foi durante décadas advogado da família e da Autora (artigo 62.º da petição inicial). 45. Implementou na Autora, sua irmã, e nos pais a segurança de ser mantida a proporcionalidade entre os irmãos (artigo 65.º da petição inicial). 46. A Autora e o Réu figuram como partes em, aproximadamente, uma dezena de ações judiciais propostas nos Juízos Centrais e Juízos Locais Cíveis do …, nos Juízos de Comércio de … e no Juízo Central Cível de … (facto por nós aditado ao abrigo do disposto no artigo 607º, nºs 4 e 5 do Código de Processo Civil e com base nos documentos apresentados pelo Réu com os requerimentos de 19SET2019, 15OUT2019, 19NOV2019, 20FEV2020, 5MAR2020 e 9JUL2020). 3.3.2. Factos julgados não provados pela 1.ª instância.
O Tribunal de 1.ª instância considerou não provados [todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais)]. 3.3.3. Apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto 3.3.3.1.
O Apelante pretende que este Tribunal reaprecie a decisão da matéria de facto em relação a um conjunto de factos julgados provados,com fundamento, a um passo, em alegada violação pelo Tribunal a quo da disposição do artigo 394.º do CCivil, ao fundar-se em prova testemunhal proibida, mas também por alegado erro de julgamento, tendo por base certos meios de prova que indica.
Segundo dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”[6].
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, o princípio da oralidade e da imediação.
Com efeito, há que ter presente que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1.ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados. 3.3.3.2.
A prova é “a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”[7], tendo “por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CCivil)– a demonstração da correspondência entre o facto alegado e o facto ocorrido.
Sendo desejável, em prol da realização máxima da ideia de justiça, que a verdade processual corresponda à realidade material dos acontecimentos (verdade ontológica), certo e sabido é que nem sempre é possível alcançar semelhante patamar ideal de criação da convicção do juiz no processo de formação do seu juízo probatório.
Daí que a jurisprudência que temos por mais representativa acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”[8].
Movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira[9].
Para LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”[10].
Os meios de prova, enquanto “modos por que se revelam os factos que servem de fonte das relações jurídicas”[11], encontram no Código Civil os seguintes tipos: a confissão (arts. 352.º a 361.º); a prova documental (arts. 362.º a 387.º); a prova pericial (arts. 388.º e 389.º); a prova por inspeção (arts. 390.º e 391.º); e a prova testemunhal (arts. 392.º a 396.º). O art. 466.º do CPCivil acrescenta a “prova por declarações de parte”.
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
O cit. normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.
Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do CCivil e arts. 495.º a 526.º do CPCivil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do CPCivi, exceto na parte em que constituam confissão; a prova por inspeção (art. 391.º do CCivil e arts. 490.º a 494.º do C.PCivil); a prova pericial (art. 389.º do CCivil e arts. 467.º a 489.º do CPCivil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do CCivil.
Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do CCivil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do CPCivil).
O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”[12].
A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do CCivil).
Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do CCivil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do CCivil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do CCivil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CCivil).
Por último, a prova bastante carateriza-se por bastar a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do CCivil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto[13]. 3.3.3.3. Da invocada violação de proibição de prova testemunhal
Defende o Recorrente que “dando de barato, a benefício de raciocínio, que o aumento de capital social foi simulado, é incontornável a conclusão de que tendo a convicção do tribunal, para prova da simulação, sido estribada no depoimento da testemunha JJ…, tal violou o disposto no art. 394.º do CCivil. (…) Consequentemente, a decisão da matéria de facto deve ser alterada, por ter sido formada com recurso a prova testemunhal e por presunção proibida por lei, considerando-se como não provados todos os factos alegados pela A. com vista à demonstração da alegada simulação do aumento do capital social e dos contratos de compra e venda de ações celebrados entre o Réu, como comprador, e as testemunhas EE… e FF…, como vendedores. (…) O que vem a significar que a ação fica não provada e improcedente, dado que a restante matéria de facto não permite concluir pela existência de qualquer simulação“.
Vejamos.
Dispõe assim o art. 394.º do CCivil: “1 – É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores. 2 – A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores”.
Em anotação a este artigo, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[14] explicam que o mesmo se aplica “apenas às convenções contrárias aos documentos na parte em que estes não têm força probatória plena e às convenções adicionais, ou acessórias, como lhes chama o artigo 221.º”, uma vez que “a inadmissibilidade da prova testemunhal contra o conteúdo de documentos autênticos, na parte em que estes têm força probatória plena, resulta dos artigos 371.º e 372.º”.
Dão ainda conta os citados Professores que [não obstante a formulação irrestrita dos nºs 1 e 2, Vaz Serra propugna a admissibilidade da prova testemunhal em determinadas situações excepcionais: quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; e ainda em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova (vide Rev. De Leg. e de Jur., ano 107.º, págs. 311 e segs.)].
Relativamente à interpretação que o nosso STJ tem conferido ao normativo em apreço, podemos ver no Ac. de 7.2.2017[15] o entendimento que temos por mais representativo atualmente, acompanhado de exaustiva descrição da respetiva evolução histórica, e com o qual concordamos, sintetizado assim no respetivo Sumário: [(…) 6 - O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, independentemente da data dessas convenções. 7 - O n.º 2 do mesmo artigo 394.º manda aplicar essa proibição de meio de prova ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores. 8 - Muito embora tal tenha sido proposto nos trabalhos preparatórios do Código Civil, a letra da redacção final do preceito não autoriza, ainda que por via indirecta, o recurso à prova testemunhal e consequentemente (artigo 351.º CC) à prova por presunção judicial. 9 - Porém, a doutrina e a jurisprudência, inspiradas nos argumentos do Autor da 1.ª proposta (por sua vez seguindo os coevos Códigos Civis Italiano e Francês) e receando a rigidez do preceito, admitem que se utilize prova testemunhal desde que, a montante, surja um “princípio” (ou “começo”) de prova que crie uma convicção que as testemunhas podem sedimentar. 10 - Essa tese pode aceitar-se com três condições: o princípio de prova consistir num documento, com força e credibilidade; o documento não ser usado como facto – base de presunção judicial; reconhecer-se que se trata de uma laboração da doutrina e da jurisprudência oportunamente arredada do “jure constituto” e, em consequência, a ser tida em consonância com os artigos 9.º e 10.º do Código Civil. 11 - A prova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de “fumus bonni juris” (…)].
No que respeita à simulação, a proibição de prova por testemunhas e por presunção, como decorre literalmente do cit. preceito legal, só ocorre quando em benefício dos próprios simuladores, não se aplicando, por isso a terceiros.
No caso em apreço, importa ter em conta, neste particular, quatro negócios jurídicos distintos, que a Autora rotula de nulos com fundamento em simulação.
Em primeiro lugar, o negócio jurídico, formalizado por escritura pública de 27 de dezembro de 2001, consubstanciado em aumento do capital social mediante admissão de dois novos sócios.
Depois, o negócio jurídico, igualmente objeto de formalização por via da mesma escritura pública de transformação da sociedade por quotas “…, Lda.” em sociedade anónima com a denominação de “DD…, S. A.”.
Subsequentemente, o contrato de compra e venda de ações, celebrado entre o Réu/Recorrente e o Interveniente Principal EE…, em 27.12.2002, por documento particular.
Por último, o contrato de compra e venda de ações, celebrado entre o Réu/Recorrente e a Interveniente Principal FF…, em 30.08.2017, por documento particular.
Relativamente aos dois primeiros negócios, embora a Autora não tenha intervindo na correspondente escritura pública, a verdade é que, na sua própria tese, tal documento apenas se destinou a formalizar o acordo de vontades alcançado a montante entre todos os sócios da sociedade em causa, entre os quais a própria Autora, pelo que esta deve considerar-se parte nos negócios, e não terceira, para efeitos de aplicação da norma do art. 394.º do CCivil, não podendo, por isso, enquanto simuladora, à partida, socorrer-se de prova testemunhal para provar a invocada simulação.
Já quanto aos restantes dois negócios jurídicos referidos, traduzidos na compra e venda de ações sociais, a Autora nenhuma intervenção assumiu na celebração dos mesmos, daí a sua qualidade de terceira, razão por que não se encontra abrangida pelas limitações de meios de prova da cit. disposição legal.
Saber se em função da desconsideração do depoimento da testemunha JJ…, nos termos que aqui acolhemos, se impõe a alteração da decisão da matéria de facto nos termos pretendidos pelo Recorrente, é questão que obterá resposta no ponto que segue, na perspetiva da ocorrência de eventual erro de julgamento por parte da 1.ª instância.
Com efeito, apenas e na medida em que o Recorrente tenha impugnado especificadamente factos tidos em conta na decisão recorrida, poderá ou não, por referência a qualquer um deles, assumir relevância o dito depoimento da testemunha JJ…. 3.3.3.4. Do invocado erro de julgamento 3.3.3.4.1.
Defende o Apelante que foi incorretamente julgada a matéria de facto vertida no elenco dos factos provados sob os pontos 14) – “O capital social deveria ser mantido e detido pelos três sócios iniciais, sendo acrescido ao capital do sócio HH… o aumento de 5.000 ações” –, 21) – “Esta sociedade sempre se pretendeu limitada, no que ao número de sócios concerne, pois trata-se de uma empresa familiar, para gestão e investimento de negócios da família, sempre feitos com recurso ao património dos ascendentes da Autora e do Réu” –, e 22) – “E, por essa razão, o Réu afiançou a seu pai que a entrada dos novos sócios seria “anulada” pela compra por este das ações subscritas por aqueles”, impondo-se antes que tais factos sejam julgados não provados.
Sem prejuízo da questão respeitante à limitação, como meio de prova, do depoimento da testemunha JJ… poder ou não contender com esta matéria de facto, o Apelante elege como meio probatório adequado a sustentar a sua pretensão, as declarações prestadas pelo aqui interveniente principal HH… no processo de inquérito 5636/19…, que correu termos no Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca …, as quais se encontram incorporadas no documento junto com as alegações deste recurso, admitido por nós nos termos supra.
E acrescenta, no que concerne ao ponto 14) do elenco dos factos provados, enquanto meio de prova no sentido da sua pretensão, documento correspondente a “certidão judicial junta aos presentes autos sob requerimento de 05.03.2020, com a Ref. 35071546, contendo a petição inicial da ação judicial instaurada em 25.02.2020 pela Autora AA… contra o Réu BB… e a sociedade CC…, S.A., que (ainda) corre termos no Juiz … do Juízo de Comércio de …, do Tribunal Judicial da Comarca …, sob os autos do processo 1692/20…, bem como da procuração anexa àquela p. i., conferido poderes à ilustre advogada que a represente na presente ação”.
Para decidir a matéria de facto em questão, o Tribunal de que vem o recurso fundamentou assim:
[Quanto ao ponto 14), o Tribunal, aqui, teve em conta o depoimento de parte prestado pelo Réu, no segmento atinente à “entrada” dos novos sócios e à “restituição” que deveria ocorrer posteriormente, nos termos já supra expostos.
Mas também teve em consideração o depoimento da testemunha JJ…, que explicou em audiência, num relato sólido e consistente, qual o concreto propósito de HH… – por um lado, não queria beneficiar nenhum dos filhos, razão pela qual o património seria dividido em dois e transferido para os filhos, na proporção de metade para cada um; por outro e em concretização desse desiderato, as ações do EE… e da FF… iriam depois passar para a Autora e Réu. Esta testemunha referiu que HH…, que é o seu sogro, pretendia as ações em seu nome, objetivo que este último reiterou por diversas vezes e em vários contextos, sendo o Réu, por se tratar do advogado da família e por deter, nessas vestes, a confiança total da família, a pessoa que deveria tratar disso. Adicionalmente, guardava memória de ter visto HH…, dada a inércia do Réu, a insistir junto da revisora oficial de contas da sociedade, a Dra. KK…, logo após a assembleia geral de 2010, para que esta lhe concretizasse a passagem das ações do EE… e da FF…. E, por fim, o teor dos documentos que acompanham a petição inicial sob o nº 11, que serviram de pano de fundo à análise dos dois depoimentos acabados de mencionar.
(…)
Para o ponto 21) e para os pontos 22) e 23), o Tribunal considerou o depoimento da testemunha JJ…, conjugado com o depoimento de parte do Réu e com o teor dos documentos apresentados com a petição inicial sob os nºs 10 e 11, ainda que este último com menos impacto probatório.]
E, porque tal fundamentação remete em parte para também para o depoimento do Réu, agora Recorrente, a propósito da matéria do ponto 7) dos factos julgados provados – “O valor subscrito por EE… e por FF… jamais deu entrada na sociedade por intermédio destes, nem os mesmos alguma vez quiseram deter ou participar na “DD…” –, deixou-se consignado na respetiva motivação da decisão recorrida:
[Quanto ao ponto 7), o depoimento de parte do Réu potenciou a prova desta factualidade. Desde logo, porque reconheceu em audiência que os convidou apenas para cumprimento da obrigação legal então prevista para constituir uma sociedade anónima, que exigia um número mínimo de 5 sócios, ou seja e no caso concreto o próprio Réu, a Autora, o pai de ambos e EE… e FF…. Acrescentou ainda que estes dois últimos se comprometeram a seguir as suas (do Réu) instruções, ou seja, que se vincularam a, ato contínuo, lhe transmitir os títulos de participação ao portador, até porque o verdadeiro possuidor dos mesmos era o Réu. Disse ainda que lhes explicou, momentos antes da escritura pública, o que iam assinar. E referiu que EE… e FF… nada pagaram para efeitos de subscrição/aumento de capital. O Réu, mais à frente no seu depoimento, reiterou que entraram apenas para permitir a transferência da sociedade em sociedade anónima. Disse por fim que também chegou a subscrever capital social em duas sociedades, a pedido do referido EE…tos, com a obrigação de posteriormente lhe transmitir as ações].
Ora, afigura-se-nos manifesto que os meios de prova indicados pelo Recorrente não justificam de modo algum que se conclua pela não prova da questionada matéria de facto.
Nos termos do art. 421.º, n.º 1, do CPCivil, “os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo“ de que “a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo”, nos termos do art. 355.º, n.º 3, do Código Civil (CCivil).
Por um lado, importa ter presente que HH…, no seguimento da sua provocada intervenção principal nesta ação, veio declarar fazer seus, sem quaisquer reservas, os articulados apresentados nos autos pela Autora, o que vale por dizer ter o mesmo declarado nesta ação o que corresponde exatamente ao conteúdo da factualidade em questão.
Por outro, a declaração proferida pelo aqui interveniente principal HH… no dito processo de inquérito criminal, aí denunciante, no segmento “Questionado, refere que julga que a quota do novo sócio seria de 1,5% mas não sabe precisar, sendo que segundo julga recordar-se quem terá avançado com o dinheiro associado a esta quota terá sido o seu filho BB…, denunciado nos autos”, para além de não poder considerar-se “inequívoca” enquanto confissão extrajudicial (cf. arts. 355.º, nºs 1 e 4 e 357.º, n.º 1, ambos do CCivil, não representa conteúdo significativo bastante para contradizer qualquer dos factos em análise (pontos 14), 20) e 21) do elenco dos factos julgados provados). Em tais circunstâncias, nem mesmo avaliada à luz do princípio da liberdade de apreciação da prova, a dita declaração assume qualquer relevância, no contexto dos demais meios de prova produzidos, a ponto de justificar decisão diversa da que foi assumida pela 1.ª instância.
Do mesmo passo, o conteúdo da petição inicial da ação judicial instaurada em 25.02.2020 pela Autora AA… contra o Réu BB… e a sociedade CC…, S.A., assim como o conteúdo da procuração forense anexa, que integram a certidão judicial junta aos presentes autos sob requerimento de 05.03.2020, para além de não assumirem significado confessório com valor bastante para contrariar o sentido da factualidade que vimos apreciando, também não é merecedor de qualquer relevância à luz do princípio da livre apreciação da prova.
Tal conclusão, no respeitante ao valor probatório do documento sob análise, vale também por referência à factualidade descrita no elenco dos factos julgados provados sob os pontos 13) – “A decisão sobre a transformação da sociedade de quotas em anónima foi dos sócios originais, por sugestão do Réu, sendo o aumento de capital apenas o veículo, nos termos da lei, para a concretização daquela, sem que daí resultasse a entrada real de novos sócios” –, 29) – “O Réu sabia que a entrada dos novos sócios era simulada, destinando-se o novo capital a ser transferido para o pai” –, e 34) – “Quando as partes e o sócio HH… acordaram na conversão da sociedade por quotas em anónima, com a entrada de novos sócios, foi no pressuposto e condição que daquelas manobras resultasse a detenção do capital social acrescido para o sócio HH…, ou seja, este somaria, em ato contínuo ao aumento, os seus 32,2581% e duas quotas de 1,613%, o que lhe valeria uma participação de 35,4841%”.
Vejamos agora se e em que termos poderá a pretensão do Apelante proceder por via da pretendida desconsideração do depoimento da testemunha JJ…, à luz da regra de proibição de prova testemunhal em matéria de simulação, nos termos a que já nos referimos.
Antes de mais, importa dizer que nos parece que o núcleo essencial da materialidade subjacente à “simulação” dos negócios formalizados por escritura pública de 27 de dezembro de 2001 (aumento do capital social por entrada de novos sócios e transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima), mostra-se vertido sob os pontos 7) a 13) do elenco dos factos provados, factos esses que se mostram desde logo em consonância com o depoimento do próprio Réu, aqui Recorrente, BB…, como de deixou bem evidenciado na decisão sob recurso.
Não obstante, também nos parece evidente que outra factualidade foi considerada relevante pelo Tribunal a quo, conexionada com os ditos negócios jurídicos de aumento de capital social e transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima. Referimo-nos desde logo à matéria inserta nos pontos 14), 21), 22), 29) e 34) do elenco dos factos provados, expressamente impugnada pelo Apelante, com base na qual o tribunal de que vem o recurso parece ter sustentado uma situação de simulação relativa e, aparentemente, compatível com a validade de negócio dissimulado.
Já vimos em que termos fundamentou a 1.ª instância a decisão sobre os ditos pontos 14), 21) e 22).
Passamos a transcrever também o que consta na sentença acerca da motivação dos pontos 29) e 34):
[A propósito do ponto 29) dos factos provados: o depoimento de parte do Réu, para a primeira parte desta factualidade, conjugado com o que ficou demonstrado no ponto 24), com o contexto fornecido quer pelo documento nº 12 apresentado com a petição inicial, pelo documento nº 1 apresentado com a contestação e com o depoimento da testemunha JJ…, tendo ainda presente a restante factualidade provada, permitem retirar esta ilação.
(…)
No que toca ao ponto 34): já acima abordamos o relato do Réu, no segmento atinente ao conteúdo do acordo que fez com EE… e FF…, em especial no que diz respeito ao comportamento posterior destes, no sentido de lhe restituírem os títulos de participação, após celebração da escritura. Crê-se que, aqui, o Réu apresentou uma versão dos factos mais favorável à posição processual que ocupa, atribuindo uma coloração mais leve a factos que lhe eram desfavoráveis. No entanto, foi produzida prova concludente e que aponta em sentido diverso, como se vê nos pontos 14) e 29) dos factos provados, destacando-se o depoimento prestado pela testemunha JJ…, nos termos já expostos, ou seja, sabe que HH… pretendia (est)as ações em seu nome, objetivo que reiterou em público por diversas vezes e em vários contextos, cabendo ao Réu, por se tratar do advogado da família e por deter, nessas vestes, a confiança total da família, a incumbência de assegurar esse resultado; a testemunha referiu ainda que presenciou HH…, perante a inércia do Réu, a insistir junto da revisora oficial de contas da sociedade, a Dra. KK…, logo após a assembleia geral de 2010, para que esta lhe concretizasse a passagem das ações do EE… e da FF…. A testemunha JJ… acrescentou ainda que HH…, posteriormente, iria transmitiria aos filhos o seu património, em partes iguais, o que encontra respaldo na doação que já acima fizemos referência].
Vejamos, escutada integralmente a gravação áudio do depoimento de parte do Réu e do depoimento da testemunha JJ….
Relativamente ao depoimento do Réu, é inegável que o mesmo não pode fundamentar nada do que consta dos pontos 22) e 34), sendo que quanto ao mais apenas se mostra compatível com os seguintes segmentos fácticos: quanto ao ponto 14) - “O capital social deveria ser mantido e detido pelos três sócios iniciais”; quanto ao ponto 21) - “Esta sociedade sempre se pretendeu limitada, no que ao número de sócios concerne”; e quanto ao ponto 29) – “O Réu sabia que a entrada dos novos sócios era simulada”.
Quanto ao mais que integra os ditos pontos do elenco dos factos provados, apenas com base no depoimento prestado pela testemunha JJ…, apreciado e valorado na sua plenitude, é possível formular juízo probatório positivo.
Porém, por tudo quanto deixámos exposto supra, tal depoimento testemunhal não pode ser considerado para o efeito, por constituir meio de prova proibido neste contexto.
E sendo assim, teremos de concluir pela não prova da factualidade em questão, o que vale por dizer pela parcial procedência do recurso em matéria de facto.
Em resultado desta decisão, impõe-se, por razões que contendem com a lógica e com o intuito de evitar contradições, eliminar do elenco dos factos julgados provados:
a) no ponto 31), o segmento: “e subtraindo ao sócio HH… 2.500 ações”;
b) o ponto 40); e
c) o ponto 45). 3.3.3.4.2.
Ainda em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, sustenta o Recorrente que deve ser considerado como não provada [a matéria de facto constante da parte final do ponto 1 da decisão, na página 49 da sentença, com o seguinte teor: “(…) já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH…”].
Considerando que estamos manifestamente perante matéria que encerra um juízo jurídico conclusivo, e ainda para mais inserida no dispositivo da sentença, é evidente que não pode considerar-se estarmos perante um facto relevante para a boa decisão da causa, pelo que carece de impugnação enquanto tal.
Saber se se justifica ou não que a dita expressão conclusiva permaneça no dispositivo da sentença recorrida será objeto de resposta no capítulo seguinte, dedicado ao conhecimento das questões de direito. 4. FIXAÇÃO DOS FACTOS JULGADOS PROVADOS
Em resultado da modificação da decisão da 1.ª instância, operada por via deste recurso, apresenta-se assim a descrição dos factos julgados provados: 4.1 – A Autora AA… e o Réu BB… são irmãos e filhos de HH… e II… (artigo 1.º da petição inicial). 4.2 – São também sócios da firma “CC…, S.A.” [doravante “CC…”, para evitar esforço ocular], sociedade anónima com sede na rua…, nº …, …, Porto e detentora de uma quinta de vinhos no … (artigo 2.º da petição inicial). 4.3 – A “CC…” era inicialmente denominada “…, Lda.”, sociedade por quotas constituída em 17AGO2000, com um capital social de €150.000 e composta por três quotas:
i) HH… e II… (os pais da Autora e do Réu, ainda no estado de casados): €50.000;
ii) AA… (Autora): €50.000; e
iii) II… (Réu): € 50.000 (artigo 3º da petição inicial). 4.4 – Constituição essa sujeita a registo com base numa certidão exarada pelo Réu, advogado de profissão (artigo 4.º da petição inicial). 4.5 – A referida sociedade, por escritura pública de 27DEZ2001, foi transformada em sociedade anónima e viu a sua denominação ser alterada para “DD…, S.A.” [doravante “DD…”, para evitar esforço ocular] (resposta conjunta aos artigos 5.º e 8.º da petição inicial). 4.6 – No âmbito da mesma escritura foi previamente convencionado um aumento do capital social, subscrito por EE…, no montante de €2.500, e por FF…, em igual montante (artigo 7.º da petição inicial). 4.7 – O valor subscrito por EE… e por FF… jamais deu entrada na sociedade por intermédio destes, nem os mesmos alguma vez quiserem deter ou participar na “DD…” (artigo 9.º da petição inicial). 4.8 – EE… e FF… são pessoas do trato e confiança do Réu, a quem este pediu o favor de “entrarem” na sociedade para perfazer o número mínimo exigido por lei (artigo 12.º da petição inicial). 4.9 – Nem a Autora nem os pais conheciam aquelas pessoas, nem com elas voltaram a travar tal contacto, apenas o Réu as conhecia e com elas prosseguiu os contactos (artigo 13.º da petição inicial). 4.10 – Nem EE… nem FF… alguma vez tiveram qualquer intenção de subscrever capital social na “X 5” e dele serem detentores (artigo 14.º da petição inicial). 4.11 – EE… e FF… jamais liberaram a quota, pois não houve qualquer disposição do seu património para entrada no da “X 5” (artigo 15.º da petição inicial). 4.12 – Não compareceram em qualquer assembleia geral nem participaram em qualquer deliberação da sociedade (artigo 16.º da petição inicial). 4.13 – A decisão sobre a transformação da sociedade de quotas em anónima foi dos sócios originais, por sugestão do Réu, sendo o aumento de capital apenas o veículo, nos termos da lei, para a concretização daquela, sem que daí resultasse a entrada real de novos sócios (artigo 17.º da petição inicial). 4.14 – O capital social deveria ser mantido e detido pelos três sócios iniciais (artigo 18.º da petição inicial). 4.15 – Isto porque a “DD…”, inicialmente “…, Lda.” foi constituída para que a família … prosseguisse um negócio de oportunidade, relacionado com a compra de uma unidade fabril (artigo 19.º da petição inicial). 4.16 – Tal negócio veio a ser concretizado e a sociedade manteve-se (artigo 20.º da petição inicial). 4.17 – E quando em 12ABR2002 o sócio HH… concluiu as negociações em curso e celebrou contrato de promessa relativo a alguns prédios rústicos ligados à produção de vinho no …, o destino do negócio seria a sociedade detida em comum com os filhos e apenas com estes (artigo 21.º da petição inicial). 4.18 – Em 24JUL2002 o sócio HH… e a esposa cedem a sua posição na promessa de compra dos prédios da “CC…” à sociedade, já então, “DD…”, sendo esta quem celebraria o negócio prometido (resposta conjunta aos artigos 22.º e 23.º da petição inicial). 4.19 – A “DD…” passa a adotar o nome de “CC…, S.A.”, sendo levada a registo em 26FEV2003 a alteração do pacto social (artigo 24.º da petição inicial). 4.20 – Provado apenas que nesta mesma deliberação, a Autora assume o cargo de Administradora Única da sociedade anónima “DD…” (artigo 25.º da petição inicial). 4.21 – Esta sociedade sempre se pretendeu limitada, no que ao número de sócios concerne (artigo 27.º da petição inicial). 4.22 – (eliminado). 4.23 – (eliminado). 4.24 – A 31DEZ2015, em …, Autora e Réu celebraram com seus pais contrato de doação de bens móveis e direitos, tendo HH… e II… doado em partes iguais à Autora e ao Réu, por conta da quota disponível, os bens móveis e os direitos melhor descritos na relação de bens que o primeiro apresentou no âmbito do processo de inventário com o nº 2031/08…, que correu termos na então secção de Família e Menores da Comarca de … (resposta conjunta aos artigos 32º e 33º da petição inicial). 4.25 – Autora e Réu declararam aceitar a doação nos termos descritos (artigo 34.º da petição inicial). 4.26. Do acervo doado faziam parte:
Verba 1: Direito de crédito / Suprimento – CC… / €448.918,11;
Verba 2: Direito de crédito / Suprimento – CC… / €306.144,65;
Verba 3: Direito de crédito / Suprimento – CC… / €12.400;
Verba 4: Direito de crédito / Adiantamento – IMT / €26.237,63;
Verba 5: Ações 30% do capital social da CC… (artigo 35.º da petição inicial). 4.27 – Com a vontade de honrar a Autora e o Réu com proporcionalidade no património recebido dos seus ascendentes (artigo 36.º da petição inicial). 4.28 – Condição que o Réu, como advogado da família, sempre afiançou estar assegurada (artigo 37.º da petição inicial). 4.29 – O Réu sabia que a entrada dos novos sócios era simulada (artigo 39º da petição inicial). 4.30 – O Réu, em 27DEZ2002, celebrou com EE…, através de documento particular, contrato de compra e venda de ações, no valor total da subscrição, ou seja, 2.500 ações (artigo 40.º da petição inicial). 4.31 – Colhendo para si maior participação que a sua irmã (artigo 44º da petição inicial). 4.32 – Facto que pretendia consolidar com a celebração da doação do património dos seus pais aos filhos, transmissão que também preparou como advogado da família (artigo 45.º da petição inicial). 4.33 – Na constituição da “CC…” cada sócio era detentor de uma quota de 33,3%, quota essa que ficou diluída artificialmente para 32,2581% com a entrada de dois novos sócios na constituição da sociedade anónima (artigo 47.º da petição inicial). 4.34 –(eliminado). 4.35 – O Réu convenceu os familiares que seria melhor formalizarem, em 2015, uma outra “compra de ações” resultantes do aumento de capital, na qual o Réu adquiria a subscrição ao sócio EE… e a Autora adquiria a subscrição à sócia FF…, razão pela qual enviou à Autora, que o recebeu, um e-mail, em 20JAN2015, com o seguinte teor: “[Olá AA…, 1. Tens que te colocar a ti como compradora 2. Deves ter que verificar se esse BI da FF… e demais dados ainda estão actualizados. 3. Tens que acrescentar na seguinte Cláusula, na parte final, o que aqui vai assinalado a “negrito”: A Primeira Outorgante vende ao segundo outorgante e este compra livre de quaisquer ónus ou encargos 2.496 acções da sociedade “DD…, S.A”, pelo preço global de €2.496,00€ (Dois mil quatrocentos e noventa e seis euros), que a Segunda Outorgante já recebeu. Beijo BB…], sendo o anexo composto por contrato de compra e venda de 2.496 ações (resposta conjunta aos artigos 49.º, 50.º e 51.º da petição inicial). 4.36 – Tal como consta na mesma troca de correspondência, a Autora aguardava as minutas para proceder ao envio daquelas para a “KK… para a D. FF… assinar” (artigo 52.º da petição inicial). 4.37 – Confiando que o irmão (Réu), advogado da família e mentor da constituição e transformação da sociedade, tendo ele próprio selecionado os dois sócios adicionais da sua confiança para a transformação da sociedade e indicando a Técnica Oficial de Contas para assegurar a circulação de papéis, mantivesse o espírito e vontade de todos os intervenientes (artigo 53.º da petição inicial). 4.38 – O Réu, com o acima descrito, pretendia deter a maioria do capital social de uma sociedade detentora de uma quinta no … (artigo 56.º da petição inicial). 4.39 – A “CC…”, em termos documentais, após todos estes negócios e a doação de 31DEZ2015, passou a ser detida por:
- AA… (Autora), com 47,258% do capital social;
- BB… (Réu), com 48,871% do capital social;
- FF…, com 1,613% do capital social;
- HH… e esposa, com 2,258% do capital social; (artigo 57º da petição inicial). 4.40 –(eliminado). 4.41 – A Autora deparou-se com as investidas do Réu contra si e contra a sociedade, alegando ser titular de 51,60% do capital social da “CC…” (artigo 59.º da petição inicial). 4.42 – Comportando-se como tal não só nas Assembleias Gerais da sociedade – onde, em 8SET2017, se deliberou a destituição da Autora, enquanto administradora única da “CC…”, com fundamento em justa causa, e a instauração de uma ação de responsabilidade civil contra a mesma – como em ações judiciais – intentou em 15SET2017 uma ação no Juízo de Comércio de …, registada com o nº 7339/17…, onde requereu a fixação de prazo certo para a “CC…” liquidar ao Réu, aí requerente, o crédito de suprimentos recebidos em doação, no valor de € 428.470,67 (artigo 60.º da petição inicial). 4.43 – Arrogando-se titular de tal número de ações por força de:
- ações detidas por conversão da sociedade por quotas em sociedade anónima em 27DEZ2001 - 32,258%;
- ações que lhe advieram por força da doação de seus pais;
- ações que comprou a EE… em 27DEZ2012 - 1,613%; e
- ações que comprou a FF…, em 30AGO2017, através de documento particular (artigo 61.º da petição inicial). 4.44 – O Réu identifica-se como Advogado e foi durante décadas advogado da família e da Autora (artigo 62.º da petição inicial). 4.45 –(eliminado). 4.46 – A Autora e o Réu figuram como partes em, aproximadamente, uma dezena de ações judiciais propostas nos Juízos Centrais e Juízos Locais Cíveis do …, nos Juízos de Comércio de … e no Juízo Central Cível de … (facto por nós aditado ao abrigo do disposto no artigo 607º, nºs 4 e 5 do Código de Processo Civil e com base nos documentos apresentados pelo Réu com os requerimentos de 19SET2019, 15OUT2019, 19NOV2019, 20FEV2020, 5MAR2020 e 9JUL2020). 5. OSFACTOS E O DIREITO 5.1. Da verificação dos pressupostos da simulação negocial e efeitos nos negócios jurídicos em discussão 5.1.1.
Diz-se que o negócio jurídico é simulado quando “por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante” (art. 240.º, n.º 1, do CCivil)[16].
Da simulação absoluta, consagrada na cit. disposição legal, distingue-se a simulação relativa, com previsão no n.º 1 do art. 241.º, nos seguintes termos: “Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”.
São assim três os requisitos que a lei exige para que haja simulação: divergência entre a vontade real e a vontade declarada; intuito de enganar terceiros; e acordo simulatório[17].
“A divergência entre a vontade declarada e a vontade real representa o elemento mais distintivo da simulação (…). O acordo simulatório é um elemento diferenciador da simulação, no âmbito dos vícios do negócio. Não basta uma das partes manifestar uma intenção que não corresponda à vontade real: exige-se uma sintonia entre todos os contraentes, sem o que haveria reserva mental (…). O intuito de enganar terceiros basta: não é necessário o querer prejudica-los (…) Terceiro, no âmbito da simulação, será qualquer pessoa alheia ao conluio ou acordo simulatório, mas não, necessariamente, estranha ao acordo simulado. Também o Estado é considerado terceiro para efeitos de aplicação do regime da simulação (…)”[18].
Todos os referidos pressupostos encontram claramente expressão na factualidade julgada provada, com referência ao negócio jurídico de aumento de capital da sociedade “…, Lda.”, realizado em dinheiro pelos novos sócios admitidos, EE… e FF…, cuja formalização final operou por via da celebração da escritura pública de 27 de dezembro de 2021 (cf. pontos 4.6) a 4.14), 4.21) e 4.29) do elenco dos fatos julgados provados).
A divergência entre a vontade real e a vontade declarada emerge desde logo da circunstância de nenhum dos intervenientes ter efetivamente querido a alteração da estrutura da sociedade comercial em causa, no respeitante ao número dos respetivos sócios, com a introdução de mais dois sócios, e aumento do respetivo capital de 5.000,00€, mediante subscrição em partes iguais pelos dois novos sócios.
E quando falamos de intervenientes no acordo simulatório falamos não só dos intervenientes diretos na dita escritura pública, mas também de quem foi interveniente a montante, ou seja, os demais sócios originários da sociedade, a Autora AA… e o Chamado HH… (cf. ponto 4.13) da factualidade julgada provada).
A vontade declarada teve como propósito imediato a criação, artificialmente, de condições formais necessárias à transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, consubstanciadas na existência do número mínimo de cinco sócios (cf. art. 273.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSComercias).
Estamos assim perante um conluio que visou em primeira linha ludibriar o Estado, enquanto interessado na manutenção de uma dada forma de organização coletiva da vivência social. Trata-se, a nosso ver, de um engano de terceiro relevante para efeitos de preenchimento dos pressupostos da simulação.
Tendo presente a afinidade da simulação com outras figuras jurídicas, é bem verdade que ela, na modalidade de interposição fictícia de pessoas, não se confunde com a interposição real de pessoas. “Na interposição real, seja ela fiduciária ou assente em mandato sem representação, uma pessoa contrata com outra (apenas) para que esta, depois, transfira para o verdadeiro destinatário da operação aquilo que adquiriu: é vontade das partes percorrer todo este circuito, não havendo divergência entre a vontade manifestada e a vontade real”[19].
Mas não é de interposição real de pessoas que se trata no caso que nos ocupa, à luz da factualidade que julgamos provada. Trata-se antes de interposição fictícia, nos termos que deixámos evidenciados.
Porque simulado, o negócio jurídico de que vimos falando é nulo, por via do preceituado no art. 240.º, n.º 2, do CCivil.
O vício de nulidade impunha-se ainda que o negócio em questão se reduzisse, como parece defender o Recorrente, ao conteúdo da deliberação social prévia à formalização por escritura pública, por aquela sempre assumir conteúdo ofensivo a preceito legal imperativo fora do CSC, por via do preceituado no art. 56.º, n.º 1, al. d), do CSComerciais[20].
Nunca se trataria, pois, ao invés do entendimento vertido pelo Apelante sob o capítulo J) das suas conclusões de recurso, de uma “deliberação simulada anulável” mas antes de uma deliberação simulada nula.
Porém, a nosso ver, o negócio jurídico em questão, ferido por conluio simulatório, não se confina, tanto na sua materialidade como nos seus efeitos jurídicos, à deliberação social prévia à formalização por escritura pública, e desde logo porque na primeira não foram intervenientes todos os sujeitos conluiados, nomeadamente os pseudo-sócios EE… e FF….
Como é sabido, a nulidade opera ipso jure e tem efeito retroativo, obrigando à restituição das prestações efetuadas como se o negócio não tivesse sido realizado (cfr. arts. 286.º e 289.º do CCivil). 5.1.2.
Vejamos agora as consequências para os restantes negócios jurídicos em causa decorrentes da afirmação da nulidade, por simulação, do negócio jurídico de aumento de capital social com base em admissão de novos sócios.
Conforme deixámos aflorado, uma sociedade anónima, salvo casos excecionais, “não pode ser constituída por um número de sócios inferior a cinco” (art. 273.º, n.º 1, do CSComerciais).
No caso, fruto da nulidade do dito negócio jurídico de admissão de novos sócios, a sociedade em questão manteve-se inalterada quanto à sua composição originária em termos de sócios e respetivo capital, ou seja, com apenas três sócios.
E sendo assim, a deliberação dos sócios no sentido de transformação da sociedade por quotas – e respetiva expressão por via da escritura pública de 27 de dezembro –, embora não possa merecer a qualificação de negócio jurídico simulado, desde logo por não ocorrer divergência entre a vontade real e a vontade declarada, é também ela nula, por violação da norma imperativa do cit. art. 273.º, n.º 1, e por via das disposições conjugadas dos arts. 282.º, nºs 1 e 3, e 56.º, n.º 1, al. d), do mesmo Código.
Já quanto aos restantes negócios jurídicos em equação, mais do que a pretendida nulidade, do que se trata é de verdadeira inexistência.
Com efeito, a inexistência é uma figura autónoma, com consequências ainda mais graves do que a nulidade e anulabilidade, afirmando-se “quando nem sequer aparentemente se verifica o «corpus» de certo negócio jurídico (a materialidade correspondente à noção de tal negócio) ou, existindo embora essa aparência, a realidade não corresponde a tal noção”[21]. Nas palavras de FERREIRA DE ALMEIDA, “tendo como referência o direito português vigente (…), o ato jurídico, o negócio jurídico e o contrato são inexistentes num conjunto não homogéneo de situações, que se podem reconduzir”, para além do mais, “se o negócio unilateral ou o contrato sofrem de insuficiência estrutural extrema”, de que é exemplo, “a omissão insuprível do objeto (salvo em contratos familiares)”[22].
Ora, volvendo ao caso que nos ocupa, decorrente da afirmada nulidade do negócio jurídico de aumento de capital social com base em admissão de novos sócios, os contratos de compra e venda de ações celebrados entre o Réu/Recorrente BB… e os Intervenientes Principais EE… e FF…, em 27.12.2002 e 30.08.2017, respetivamente, devem ter-se por inexistentes, justamente por falta de objeto, correspondente às ditas ações. 5.2. Da invocada sanação de eventuais vícios da deliberação de aumento de capital e de transformação da sociedade por não terem sido alegados pela autora, no prazo legal, em ação instaurada contra a sociedade
Defende o Apelante que a existir o vício de simulação, este estaria radicado na deliberação dos sócios que aprovou a transformação da sociedade, pelo que não tendo a Autora impugnado, em ação própria, a dita deliberação, o eventual vício, correspondente à anulabilidade, deve ter-se por sanado.
Não obstante podermos estar perante o que é comum designar-se de “questão nova”, no sentido de que não foi invocada em 1.ª instância nem foi objeto de apreciação pela decisão recorrida, e nessa medida não poder em rigor ser sequer objeto de apreciação neste recurso, a verdade é que a nossa resposta, no sentido de rejeição de tal entendimento, resulta já evidenciada por tudo quanto deixámos exposto no ponto que antecede.
Com efeito, ao deixarmos afirmada a simulação e consequente nulidade do negócio jurídico de aumento de capital social por via da entrada de novos sócios, afastando expressamente a possibilidade de prevalência do vício de anulabilidade com referência à deliberação social que precedeu a formalização por via da escritura pública, nos precisos termos em que o fizemos, rejeitamos necessariamente o argumentário contido no capítulo J) das conclusões das alegações do recurso, sendo certo que questões atinentes a pressupostos processuais, como seja a legitimidade processual passiva, há muito que foram definitivamente ultrapassadas neste processo, mais precisamente desde a decisão do primeiro recurso de apelação, como de resto já tivemos oportunidade de referir, pelo que de nenhuma valia se apresenta a referência serôdia e de todo o modo inapropriada, em face das especificidades do caso, à falta de demanda da própria sociedade. 5.3. Síntese conclusiva
Por tudo quanto deixámos exposto, não pode o recurso, em matéria de direito, proceder nos termos preconizados pelo Apelante, a não ser na parte em que a sentença recorrida qualificou como sendo “relativa a simulação no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios, já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio HH…”.
Com efeito, em razão da modificação da decisão da matéria de facto, ficou por demonstrar que o aumento e subscrição do capital social tenha sido realizado pelo sócio HH…, subsistindo apenas a simulação absoluta do dito negócio e, por consequência, a respetiva nulidade.
Assim, embora a pretensão essencial do Apelante, consubstanciada na sua absolvição da instância ou dos pedidos, não possa ser acolhida nesta instância de recurso, justifica-se, em ordem a ajustar a decisão à qualificação jurídica que atribuímos à factualidade julgada provada, a alteração do conteúdo do dispositivo da sentença, no sentido que deixaremos exarado no capítulo final deste acórdão (DECISÃO), alteração que de modo algum contende com o princípio do pedido, por não extravasar o núcleo essencial da pretensão da Autora. 6.
Na medida em que deu causa às custas deste recurso, o Apelante é responsável pelo respetivo pagamento (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º do RCProcessuais). IV. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decidimos: A)
Julgar improcedente o recurso interposto da decisão interlocutória e, consequentemente, manter o indeferimento da requerida suspensão da instância até comprovação da inscrição do registo da ação. B)
Julgar parcialmente procedente, em matéria de facto, o recurso interposto da sentença final, com a consequente modificação da decisão da matéria de facto nos termos que deixámos consignados no lugar próprio deste acórdão. C)
Julgar parcialmente procedente, em matéria de direito, o recurso interposto da sentença final e, nessa medida, alterar a redação do dispositivo daquela, passando o mesmo a conformar-se com o seguinte:
1. Declaramos nulo, por simulação, o negócio jurídico de aumento do capital da sociedade “…, Lda.” e da admissão, como sócios, dos aqui Intervenientes Principais EE… e FF…, objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001;
2. Declaramos nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas “…, Lda.” em sociedade por quotas e com a denominação “DD…, S. A.”, objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001;
3. Declaramos inexistente o negócio jurídico correspondente ao contrato de compra e venda de ações, celebrado entre o Réu e o Interveniente Principal EE…, em 27.12.2002, por documento particular; e
4. Declaramos inexistente o negócio jurídico correspondente ao contrato de compra e venda de ações, celebrado entre o Réu e a Interveniente Principal FF…, em 30.08.2017, por documento particular. D)
Condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso.
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Tribunal da Relação do Porto, 11 de janeiro de 2022
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
João Proença ____________ [1] Referiam-se à anterior audiência de julgamento, realizada em 6 de junho de 2018, que culminou com a sentença proferida a 26 de julho de 2018, ulteriormente revogada por esta RP. [2] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, 2020, p. 754. [3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2020, p. 42. [4] Cf. ANTUNES VARELA / J. MIGUEL BEZERRA / SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 19. [5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES e outros, ob. cit., p. 763. [6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Coimbra, 2020, p. 332. [7] Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195. [8] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por HENRIQUES GASPAR no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt. [9] Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf. [10] Ob. cit. [11] Cf. TOMÉ GOMES, Um olhar sobre a prova em demanda da verdade no Processo Civil, in Revista do Centro de Estudos Judiciários, n.º 3, 2005, p. 152. [12] Cf. CASTRO MENDES, Do conceito de prova em processo civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413. [13] Cf. PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293. [14] Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 343. [15] Relatado por SEBASTIÃO PÓVOAS no processo 3071/13.6TJVNF.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt. [16] São deste Código todas as disposições legais doravante citadas sem menção em contrário. [17] Cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 227. [18] A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, Almedina, 2020, pp. 713/714. [19] Idem, p. 712. [20] Cf. JORGE M. COUTINHO DE ABREU (Coord.) e outros, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, IDET, Almedina, 2010, p. 664). [21] Cf. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, Coimbra Editora, 1992, p. 608. [22] Invalidade, inexistência e ineficácia, in Católica Law Review, Vol. I, n.º 2, maio 2017.