SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
DEVER DE INDEMNIZAR
ABUSO DE DIREITO
Sumário


- É legal, legítimo e por norma útil em sede de audiência de julgamento, o recurso por parte das testemunhas, a auxiliares de memória.
- Se na sequência de um acidente de viação apenas o semirreboque acoplado a um trator sofreu danos, a imobilização por reparação do primeiro é suscetível de implicar a imobilização do segundo, se o conjunto de ambos estiver afeto a uma exploração económica unificada, não dispondo a Autora de um outro semirreboque adaptado a fazer ligação com aquele.
- O DL n.º 291/2007, de 21.08 regula o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, estabelecendo o Capítulo III um conjunto de regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro, no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.
- O art. 38º, nº 2, através da remissão para o seu nº 1 e, deste para alínea e) do n.º 1 ou do n.º 5 do artigo 36.º do cit. DL estabelece como dever da seguradora cujo incumprimento é sancionado com o pagamento de juros em dobro: - Comunicar em 30 dias a assunção ou não assunção da responsabilidade e, no caso de assumir a responsabilidade e o dano ser quantificável no todo ou em parte, apresentar (outro não pode ser o sentido da expressão “consubstancia-se”) uma proposta razoável (aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado).
- Não comunicando, ou não comunicando no prazo e na forma prevista, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável, sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal (art. 38º, 2).
- O preceituado no n.º 2 do art. 40.º do DL 291/2007, consagra, uma sanção punitiva destinada a compelir a seguradora a pronunciar-se sobre a responsabilidade do sinistro. O incumprimento do dever de resposta fundamentada constitui a seguradora como devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso. Tendo cada um direito a metade daquela quantia.
- Existe abuso de direito por parte da Autora ao pretender beneficiar de um crédito calculado sobre um período de tempo que estava na sua esfera de disponibilidade aumentar ou reduzir.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Évora:


I

R…, S.A.”, …, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.”, com sede na Avenida da Liberdade, 242, 1250-149 Lisboa, atualmente designada “GENERALI SEGUROS, S.A.” pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia total de 137.735,35, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, nos seguintes termos discriminada:

“A) € 137.735,35 (cento e trinta e sete mil, setecentos e trinta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos):

B) Juros de mora, de 14% ao ano, em dobro da taxa legal como decorre do nº 1 e 3 do artº 43º do DL 291/2007 sobre o montante da condenação até efetivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, juros de mora à taxa comercial, desde a mesma data até efetivo e integral pagamento, a que acresce a obrigação de pagamento de juros à taxa de 5% ao ano desde a data em que a Sentença de Condenação transitar em julgado, os quais acrescem aos juros de mora referenciados nos articulados 49º e 50º da presente PI;

C) O pagamento à Autora das penalizações impostas pelo incumprimento do decreto-lei 291/2007;

D) E a notificação para ainda no âmbito do processo, se assim se entender, comunicar a assunção ou não assunção da sua responsabilidade como fixado na alínea e) do artigo 36º do decreto-lei 241/2007 a fim de parar com a penalização imposta por força do decorrente deste incumprimento €100,00, o qual se requer continue a contar e seja a Ré condenada a pagar até à data da sua assunção de responsabilidade.

Alega a Autora, em síntese, que um veículo de sua propriedade, constituído por trator e semirreboque e destinado a transporte internacional de mercadorias foi interveniente num acidente de viação causado por veículo automóvel ligeiro cuja responsabilidade civil se encontrava, à data, transferida para a Ré.

A Ré, na contestação, admitiu a responsabilidade do seu segurado no acidente mas impugnou parcialmente os danos, invocando ainda a exceção de abuso de direito para desvirtuar parte do pedido.

Houve resposta à exceção.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenou a Ré no pagamento:

a. Da quantia de 2.820,66€ à Autora, a título de danos patrimoniais;

b. De juros de mora sobre a quantia referida em a., à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação da Ré nos presentes autos e vincendos até integral pagamento;

c. Da quantia de 800€ (oitocentos euros) à Autora a título de indemnização por privação de uso;

d. De juros de mora sobre a quantia referida em c., à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a presente decisão e vincendos até integral pagamento;

e. Da sanção a que se reporta o art. 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.07, fixando-a em 3.620,66€, dos quais €1.810,33 deverão ser pagos à Autora e €1.810,33 deverão ser pagos à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões;

f. De juros de mora sobre a quantia referida em e., à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a presente decisão e vincendos até integral pagamento;

No mais, julgou-se a ação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada, e, em consequência, absolveu-se a Ré dos demais pedidos contra si formulados.

E, custas na proporção do decaimento.

Inconformada com tal decisão veio a Autora recorrer de facto e de direito, assim concluindo as suas alegações de recurso:

1. A matéria de facto dada como provada, bem como a matéria de facto dada como não provada, vertida na douta Sentença Recorrida, encontra-se incorretamente julgada.

2. (…)

(…)

21. No que tange aos danos indemnizáveis (capítulo b. da fundamentação de Direito) deverá sempre ser a Ré condenada a indemnizar a Autora no valor de 79,41€, referente ao custo que esta teve com a obtenção de certidão relativa ao Auto elaborado a 10 de julho de 2017, referente ao sinistro em apreço nos presentes Autos e destinada a fazer prova dos factos alegados da Petição Inicial, dano este em que não ocorreria caso a Ré, como lhe competia, tivesse assumido a responsabilidade pela produção do mesmo, verificando-se, face o exposto, a violação do preceituado nos artigos 3º nº1, 5º nº1, 552º nº1 alíneas d) e), 423º nº1 do Código de Processo Civil e artigos 341º, 342º nº1, 362º, 371º e 564º nº1 do Código Civil, por parte do Tribunal Recorrido.

22. Relativamente ao montante de juros devidos pela Ré à Autora (capítulos b.1. e c.1. da Fundamentação de Direito), deverá ser determinado que são devidos pela Ré à Autora juros no dobro da taxa legal aplicável de 7% até efetivo e integral pagamento sobre as quantias devidas a título de danos indemnizáveis e privação de uso, ao contrário do vertido na outa Sentença Recorrida.

23. De acordo com o número 2 do artigo 38º do Decreto-Lei 291/2007, a Ré é devedora de juros no dobro do valor fixado pelo Tribunal Recorrido, e não em singelo, como erradamente mencionado na douta Sentença Recorrida, dado o incumprimento por parte da Ré dos deveres fixados nos artigos 36º e 38º do Decreto-lei 291/2007, como aliás o próprio Tribunal Recorrido o dá como provado no capítulo e. da fundamentação de direito.

24. Os números 2 e 3 do artigo 38º do Decreto-Lei 291/2007 estabelecem sanções à empresa de seguros quanto não cumpra os deveres fixados nos preceitos anteriores, quer quanto à dinâmica de regularização do sinistro, quer quanto ao cumprimento dos prazos aí estabelecidos, ou ainda quanto a proposta indemnizatória seja manifestamente insuficiente, estabelecendo-se o pagamento de juros no dobro da taxa legal prevista na lei, sobre o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal ou aceite voluntariamente pelo lesado, no primeiro casou, ou a mesma taxa de juros sobre o montante oferecido por aquela e o montante fixado pelo tribunal, no segundo. Pretende-se, desta forma, compensar o lesado pela privação do montante indemnizatório a que tem direito.

25. Determinando por si só o tornar-se a Ré devedora para com a Autora de juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicada ao caso sobre o montante da indemnização fixada pelo Tribunal, aplicada a empresas comerciais e atualmente fixados em 7%, logo, desde já solicitando a aplicação de juros de 14% sobre o valor da condenação até efetivo e integral pagamento.

26. A douta Sentença Recorrida viola assim o teor do artigo 38º nº2 do Decreto-lei 291/2007, dos artigos 99º, 2º, 13º §2, 230º e 102º do Código Comercial, 9º nº3 do Código Civil, 7º do Regime Anexo ao Decreto-lei 269/98 e artigos 2º e 30º dos Decretos-Lei 32/2003 e 62/2013.

27. Discorda a Autora, no que tange à privação de uso (capítulo c. da fundamentação de Direito), da condenação da Ré somente à quantia de 800€, correspondente a 8 dias à razão diária de 100€, em virtude de não reconhecer aplicar a tabela de paralisações vigente entre a ANTRAM e APS como critério de equidade.

28. Para fundamentar o custo de paralisação do conjunto circulante especial para transporte de automóveis com as matrículas 29-CL-97/ L-145786, a Autora socorre-se do Acordo celebrado entre a APS e a ANTRAM como critério para a fixação da indemnização no caso sub judice, consubstanciando o juízo de equidade previsto no artigo 566º, nº 3, do Código Civil, consistindo num critério através do qual se pode guiar o Julgador, sendo esta a orientação vertida no âmbito dos processos 779/03.8TBOBR.C1, 1661/07.5TBMTJ.L1-8, 1458/12.0TVLSB.L2-2, 189/16.7T8CDN.C1, 11421/16.7T8LSB.L1-6 e 80/14.1T8ALQ.L1-6.

29. Ora, tendo em consideração que o acordo em causa foi celebrado entre a APS e a ANTRAM, sendo que esta entidade representa grande parte do setor dos Transportes Rodoviários Pesados de Mercadorias, afigura-se razoável que os valores indemnizatórios aí previstos para situações de paralisação de veículos pesados de mercadorias surjam como equitativos, atendendo à similitude de situações e à qualidade e representatividade dos Outorgantes no setor dos transportes em questão, sendo indiferente ao caso que a Autora tenha outorgado ou não o referido acordo ou seja associada ou não da ANTRAM, devendo, por conseguinte, ser fixado pelo Tribunal ad quem a verba requerida pela paralisação no valor de € 257,03/dia para o ano de 2017, conforme melhor se alcança pela atualização do acordo entre a ANTRAM e APS, como decorrer da aplicação da taxa de imobilização diária para veículos de peso bruto entre 26 e 40 toneladas afetos ao serviço internacional.

30. Incorre igualmente o Tribunal Recorrido em erro de julgamento no que toca à consideração de que não se vislumbra como pode a Autora, aqui Recorrente, «arrogar-se no direito de receber uma indemnização pela paralisação de cada um dos veículos sem que ao fazê-lo incorra em abuso de direito, na modalidade de «venire contra factum proprium», pois alega simultaneamente que se trata de um conjunto circulante, sendo a mesma nula, neste trecho específico, por violação do princípio do contraditório e do princípio da proibição das decisões surpresa, nos termos do artigo 3º nº3 do Código de Processo Civil.

31. Ora em momento algum anterior se havia levantado a questão do abuso de direito por a Autora peticionar os danos sofridos pelo seu conjunto circulante, por ser devida indemnização referente à indemnização do veículo trator e do semirreboque, não pode o Tribunal Recorrido vir determinar essa aplicação do normativo presente no artigo 334º do Código Civil somente em sede de Sentença, por configurar uma decisão surpresa, a qual se encontra proibida.

32. É, assim, devida indemnização à Autora, no que à paralisação diz respeito, considerandos ambos os veículos que compõe o conjunto circulante propriedade desta, conforme orientação vertida no âmbito dos processos 14227/19.8T8PRT.P1, 2278/07.TVLSB.L1-1, 11421/16.7T8LSB.L1-6, 2278/07.TVLSB.L1-1, 11421/16.7.T8LSB.L1-6 e 04B312, constituindo trator e semirreboque realidades distintas para efeitos de fixação de indemnização pela paralisação.

33. Por conseguinte, verifica-se que a douta Sentença Recorrida viola o preceituado no artigo 566º nº3 do Código Civil, devendo, para o efeito, ser fixado que os veículos que integram um «conjunto de veículos», in casu, o conjunto circulante propriedade da Autora, composto pelo veículo trator com a matrícula 29-CL-97 e pelo semirreboque com a matrícula L-145786 são, assim, material e juridicamente autónomos, e, por conseguinte, funcionalmente intermutáveis na utilização económico-comercial de cada um dos tipos em combinação com diferentes veículos do outro tipo, possuindo cada um dos elementos do conjunto de veículos uma utilidade económica de exploração comercial própria e autónoma, bem se compreende, à luz do exposto, que a paralisação de qualquer deles deva relevar também autonomamente como fonte de danos, devendo a Ré pagar a indemnização por paralisação referente ao veículo trator e referente ao semirreboque.

34. Logo, a Autora deve ser ressarcida na verba de €257,03 diários pela paralisação do seu equipamento de tração matrícula 29-CL-97 e ainda outra de igual valor pela paralisação do seu reboque matrícula L-145786, reclamando assim pela paralisação do seu conjunto circulante a verba total de €257,03 multiplicada por 2 e este valor multiplicado por 8 num total de €4.112,48, pelo facto de os veículos que integram um conjunto de veículos serem material e juridicamente autónomos e no caso presente atento o facto de o reboque de matrícula L-145786 não poder circular sem o trator de matrícula 29-CL-97e vice-versa.

35. Discorda ainda a aqui Recorrente, no que tange à penalização prevista no artigo 40º nº2 do Decreto-lei 2001/2007, da limitação da sanção ao montante de 3.620,66€, em partes iguais para a Autora e ao IPS, atualmente designado Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, por violação deste mesmo normativo, no que tange à sua interpretação e aplicação.

36. No que tange à data do conhecimento do sinistro, entende a Autora que , nos termos do artigo 34º nº 1 alínea a) e nº3, a condutora do veículo seguro, ao solicitar à assistência em viagem da Ré reboque para o veículo sinistrado, conforme risco coberto na sua apólice de seguro, permitiu que a Ré tivesse conhecimento do sinistro no dia em que o mesmo ocorreu, nada tendo a Ré feito a este respeito.

37. Não colhendo, nem podendo colher o argumento que o pedido de reboque, processado pela empresa de prestação de serviços contratada pela Ré como resultante de acidente de viação, não pode ser considerado conhecimento para efeitos do artigo 36º nº1 do Decreto-Lei 291/2007, por ter sido prestado por um terceiro contrato pela Ré para cumprimento da obrigação prevista no contrato de seguro de onde resulta a transferência da responsabilidade pela circulação do veículo seguro que causou o acidente para a esfera jurídica da Ré, por contrariar frontalmente o teor do artigo 800º nº1 do Código Civil e, mesmo que tal não tivesse sucedido, o que não se concede, o número 3 do artigo 34º do Decreto-Lei 291/2007 refere que a não comunicação nunca impedira a Ré de cumprir os seus deveres de assunção ou não assunção da responsabilidade previstos no artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007.

38. Devendo assim resultar provado que a Ré teve conhecimento do sinistro a 10 de julho de 2017 e, mais tardar até de agosto de 2017, deveria ter comunicado à Autora, nos termos do artigo 36º nº1 alínea e) do Decreto-Lei 291/2007, a sua assunção ou não assunção de responsabilidade.

39. Assim deve considerar-se a Ré devedora, para com a Autora, de uma verba de €100,00 por dia contabilizado a partir do dia 24.08.2017 e que até ao dia em que foi apresentada a presente Petição Inicial ajuízo, dia 30.03.2020, que corresponde a 949 dias, os decorridos entre 24.08.2017 e 30.03.2020, ascende a um montante global de 94.900€ (noventa e quatro mil e novecentos euros) valor a que deve ser a Ré condenada a pagar a Autora, a título de penalizações impostas pelo artigo 40º nº2 do Decreto-lei 291/2007.

40. Mesmo que tal não se entenda, o que se toma por mera hipótese académica, a Ré sempre teria conhecimento da ocorrência do sinistro com o envio do fax enviado a 08 de outubro de 2018, porquanto o mesmo foi rececionado sem falhas pela Ré nessa mesma data, devendo, em alternativa, dever considerar-se a Ré devedora de uma verba de €100,00 por dia contabilizado a partir do dia 22.11.2018 e que até ao dia em que foi apresentada a presente Petição Inicial a juízo, dia 30.03.2020, que corresponde a 494 dias, os decorridos entre 22.11.2018 e 30.03.2020, ascende a um montante global de 49.400€ (quarenta e nove mil e quatrocentos euros), valor a que deve ser a Ré condenada a pagar a Autora, a título de penalizações impostas pelo artigo 40º nº2 do Decreto-lei 291/2007.

41. Salvo melhor opinião, designadamente aquela que será emitida pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal ad quem, a Ré não cumpriu ainda o dever de comunicação de assunção ou não assunção da responsabilidade previsto nos artigos 36º nº1 alínea e), 38º nºs 1 e 2 e 40º nºs 1 e 2, do Decreto-Lei 291/2007

42. Ou seja, é imposto à Ré, enquanto empresa de seguros, um ato de conteúdo positivo que deve obrigatoriamente ser cumprido no prazo máximo definido no decreto-lei 291/2007, designadamente os trinta dias úteis previstos na alínea e) do número 1 do seu artigo 36º, e, tendo em consideração o quadro legal vigente, o conhecimento presumido não corresponde a um ato de conhecimento positivo nos termos dos artigos 36º nº1 alínea e), 38º nºs 1 e 2 e 40º nºs 1 e 2, do Decreto-Lei 291/2007, pelo que não pode ser a Autora, que, com a propositura de uma ação, faz presumir que contra si própria que a Ré não assume a responsabilidade pelo causar do acidente.

43. Destarte, é claro que o legislador pretendeu que a Seguradora, ora Requerida, apresentasse uma proposta, nos termos do número 1 do artigo 38º do Decreto-Lei 291/2007, ou uma resposta fundamentada, nos termos do número 1 do artigo 40º do mesmo normativo, não que se remetesse ao silêncio ou que se considere que o envio de uma Petição Inicial por parte do Terceiro Lesado em momento algum respeita o teor deste conjunto normativo ora elencado, sendo igualmente consabido que o silêncio da Seguradora não possui valor jurídico, nos termos do artigo 218º do Código Civil.

44. Dúvidas não existindo quanto à omissão da emissão de uma proposta apresentada pela Ré ou de sua resposta fundamentada, devendo ser considerado que a Ré ainda não cumpriu o dever imposto pelo artigo 36º nº1 alínea e) do Decreto-Lei, isto é, não formalizou, de forma positiva, o teor da obrigação que sobre si impende, devendo ser condenada no pagamento da penalização imposta pelo artigo 40º nº2 do referido normativo até que tal comunicação seja expedida e do conhecimento da aqui Autora e, como consequência direta, ser condenada na penalização prevista no artigo 40º nº2 do , até que, de forma positiva e inequívoca, venha comunicar junto da Autora a sua assunção, ou não assunção, da responsabilidade na regularização do presente sinistro, para tanto, depositando o valor que entendem ser devido, sob pena de, nada fazendo, se continuarem a vencer as penalizações impostas pelo supra citado normativo.

45. Incorre o Tribunal Recorrido em erro de julgamento na medida em que julga encontrar-se preenchido o preceito contido no artigo 334º do Código Civil, na modalidade de desequilíbrio no exercício jurídico, face ao montante dos danos efetivamente ocorridos na esfera jurídica da Autora, ou seja, que a penalização não pode ultrapassar o valor dos danos, que o Tribunal Recorrido erradamente computa em 3.620,66€.

46. Não lhe assiste razão, em virtude de tal sanção, prevista no número 2 do artigo 40º do Decreto-Lei 291/2007 não se encontrar sequer condicionada à existência, ou não, de quaisquer danos na esfera jurídica da Autora, confundindo-se o conceito de sanção civil com o conceito de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual.

47. Esta é a orientação perfilhada pela jurisprudência maioritária, de que a sanção pecuniária prevista no n.º2 do art. 40º do DL 291/2007, de 21.08, é devida em caso de atraso da seguradora no cumprimento, entre outros, dos deveres fixados no n.1 do art. 38.º do mesmo diploma e a fixação do seu “quantum” não depende da existência de danos que esse atraso possa causar ao tomador do seguro, ao segurado ou ao terceiro lesado no sinistro rodoviário.

48. A violação destes deveres, impostos como proteção à parte mais fraca, no sentido previsto no número 6 do artigo 4º da Diretiva 2000/26/CE Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, implica a obrigação da Ré ao pagamento das penalizações previstas nos números 2 e 3 do artigo 38º do Decreto-lei 291/2007, tendo, inclusive, Estado Português ido mais longe que o prazo de três meses fixados na Diretiva 2000/26/CE, fixando um prazo de 30 (trinta) dias úteis como o prazo considerado razoável para a resolução do sinistro automóvel, onerando, deste modo, as Seguradora, in casu, a aqui Ré.

49. Seguindo o preceituado no número 3 do artigo 9º do Código Civil, que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a aplicação das sanções previstas no Decreto-Lei 291/2007 processa-se de forma automática e independentemente do dano efetivo sofrido pelo lesado, aqui Autora, sempre que a Ré Seguradora viole os deveres de zelo e diligência que sobre si impendem, no tocante à comunicação da assunção, ou não assunção, da responsabilidade no causar do sinistro automóvel.

50. Vindo o Decreto-lei 291/2007 estabelecer prazos para a seguradora comunicar ao tomador do seguro ou ao terceiro lesado se assume ou não a responsabilidade, estabelecendo também sanções civis para a seguradora que não respeite esses prazos, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03 de abril de 2014, processo nº 12585/12.4T2SNT, Relatora Teresa Pardal, disponível em www.dgsi.pt, sanções essas em discussão (previstas nos artigos 38º e 40º do DL 291/2007) que têm manifesta natureza cível, visando reparar, ou complementar a reparação devida ao lesado, como resulta também da redação do artigo 38º nº2, ao referir que estes juros sancionatórios acrescem ao montante da indemnização fixado pelo tribunal.

51. Deste modo, inexiste qualquer Abuso de Direito por parte da Autora, porquanto comportou-se de acordo com a lei, peticionado até um valor inferior ao custo de mercado no que toca aos danos alegados, peticionando a sanção civil prevista no artigo 40º nº2 do Decreto-Lei 291/2007 pelo facto de a Ré ter desrespeitado os prazo imperativos aí previstos, pautou o seu comportamento de forma honesta, no exercício dos seus direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa de quem quer fosse, tanto mais que sempre informou a Ré que iria peticionar a aplicação do normativo acima citado, pautando ainda a sua conduta de acordo com as regras da convivência que as pessoas aceitam comummente, em especial, que todo o sinistro automóvel deverá ser regularizado de forma célere, implicando o pagamento do valor dos danos apurados que foram causados ao terceiro lesado e que o desrespeito pela célere regularização de sinistros e pelo atraso que daí advenha sempre importará o pagamento de uma sanção pecuniária de natureza cível, conforme o prevê o artigo 40º nº2 do Decreto-lei 291/2007, pelo que não se encontra preenchido o requisito de se haver excedido os limites impostos pelos bons costumes, não tendo a Autora agido em Abuso de Direito, respeitando o fim social do direito, sem que exista qualquer dano para a Ré que não aquele que provém da sua falta de celeridade na regularização do presente sinistro, não podendo a violação de um preceito legal ser considerado abuso de Direito, tanto mais que, neste caso, não poderá ser limitado também o direito da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões a receber o montante que lhe advém diretamente da aplicação do mesmo normativo.

52. Concomitantemente, a Autora não vem exigir nenhum montante que terá de restituir de imediato, uma vez que o artigo 40º nº2 do Decreto-Lei 291/2007, como acima escalpelizado, estabelece, a favor do terceiro lesado e da Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões uma sanção de natureza civil, que é aplicada automaticamente a partir do momento em que se verifica o atraso da Empresa de Seguros relativamente aos prazos previstos no artigo 36º do Decreto-lei 291/2007, em momento algum havendo qualquer espécie de contraprestação a ser entregue à Ré e não se verifica qualquer desproporcionalidade entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem, pois, em primeiro lugar, é impróprio falar em sacrifício quando é imposto por lei uma sanção à Empresa de Seguros e, como sanção que é, aplica-se para penalizar a atuação ilícita, ainda que no campo civil, da Seguradora que não cumpriu os deveres que a lei especificamente lhe impõe, a que acresce o facto de não só a Autora ser beneficiária de tal direito, enquanto terceiro lesado, assim como o é a própria Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões, não podendo, face à clara violação dos prazos previstos no artigo 36º do Decreto-lei 291/2007 por parte da Ré, ser considerado que esta entidade pública não age em Abuso de Direito e que a Autora o faz quando ambas têm direito ao pagamento do mesmo valor a título de sanção, por incumprimento das obrigações legais que sobre a Ré impendem.

53. A aplicação desta sanção de natureza cível é automática e não se encontra subordinada à ocorrência de danos, como se infere do teor do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 07 de novembro de 2011, pelo que não excede a Autora qualquer direito que lhe é conferido por lei, por encontrar respaldo quer na Lei, quer na aplicação da mesma, de acordo com a vasta corrente Jurisprudencial sobre a mesma questão, inclusive aquela produzida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

54. Por último, sempre se dirá que incorre em erro de julgamento o Tribunal Recorrido, na medida em que equipara os dias em que ocorre tolerância de ponto a dias não úteis, não o sendo, nem integrando o conceito de feriado.

55. Assim, verifica-se que o Tribunal Recorrido violou o teor dos artigos 33º nºs 2 e 7, 34º nºs 1 e 3, 36º nº1 alíneas a) a e), 38º nºs 1 e 2, 40º nºs 1 e 2 e 46ºdo Decreto-Lei 291/2007, 9º nº3, 218º, 232º, 800º nº1 e 334º do Código Civil e 4º nº6 da Diretiva 2000/26/CE, o princípio do Primado e o artigo 8º nº4 da Constituição da República Portuguesa.

56. Assim deve considerar-se a Ré devedora de uma verba de €100,00 por dia contabilizado a partir do dia 24.08.2017, que se deve considerar o dia em que tomou conhecimento do sinistro, e que até ao dia em que foi apresentada a presente Petição Inicial a juízo, dia 30.03.2020, que corresponde a 949 dias, os decorridos entre 24.08.2017 e 30.03.2020, ascende a um montante global de 94.900€ (noventa e quatro mil e novecentos euros), bem como de igual valor a favor da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.

57. Quantia a que deverão acrescer as penalizações impostas pelo número 2 do artigo 40º do Decreto-Lei 291/2007 até que a Ré, de uma forma positiva, comunique à Autora a assunção ou não assunção na responsabilidade do causar do acidente.

58. Resulta do debate e instrução do processo que a Ré litiga com manifesta má-fé, porquanto esta, ao invés de assumir a responsabilidade na regularização do presente sinistro, tendo todos os dados para o efeito, podendo até fazer o depósito da quantia que entendesse ser devida, nos termos dos artigos 38º nº3 e 43º nº1 do decreto-lei 291/2007, obriga o Tribunal a uma atividade desnecessária para a boa decisão da causa, podendo desde logo assumir a responsabilidade e contestar os valores peticionados, o que não fez, Obrigando o Tribunal a pronunciar-se sobre os pressupostos da obrigação de indemnizar, que a Ré sabia já se encontrarem preenchidos, tendo em linha de conta as diligências por si desenvolvidas, conforme elencado no ponto 24 do articulado 5º das presentes Alegações e tendo em linha de conta o depoimento dos funcionários da Ré, ouvidos no âmbito dos presentes Autos.

59. Confrontada com a presente Petição Inicial, a Ré, tendo plena consciência da existência do relatório do seu Perito Averiguador, contesta a sua responsabilidade na regularização do presente sinistro, sem prejuízo o dever imposto especificamente à Empresa de Seguros pelo artigo 36º nº1 alínea e) do Decreto-Lei 291/2007, Verifica-se, assim, um acréscimo desnecessário da atividade do Tribunal a quo, encontrando-se preenchido o critério previsto nas alíneas a) a c) do número 2 do artigo 542º do Código de Processo Civil, omitindo factos relevantes para a boa decisão da causa, só juntando tal relatório a solicitação da Autora e praticado omissão grave do dever de cooperação, gerando a já referida atividade desnecessária do Tribunal Recorrido, quando a questão sobre a responsabilidade civil e os seus pressupostos, em especial o dever de indemnizar, poderia já se encontrar julgada, devendo ser condenada como litigante de má-fé, nos termos das alíneas a) e b) do número 1 do artigo 543º e nº1 do artigo 542º, ambos do Código de Processo Civil, em multa e indemnização em iguais valores, cujo valor deverá ser calculado de acordo com o prudente arbítrio do julgador ad quem.

A final requer seja dada procedência ao recurso.

Em contra-alegações concluiu a Recorrida Generali Seguros, SA:

1º. – De acordo com o orçamento elaborado pela própria Recorrente, o semirreboque sinistrado sofreu danos no montante de 2.620,00, cuja reparação foi efetuada pela mesma, nas suas oficinas, no próprio mês em que ocorreu o acidente, sem conhecimento nem autorização da Recorrida.

2º. – Apesar dos danos diminutos, que a Recorrente reparou, veio instaurar a presente ação quase 3 anos depois e quando se aproximava o prazo de prescrição, reclamando o pagamento duma indemnização que, nesta data, já ultrapassa 200.000,00 e que continuará a aumentar diariamente, o que constitui uma estratégia que vem sendo adotada pela Recorrente noutras ações, a correr termos contra a Recorrida, para receber uma choruda indemnização.

3º. – Há manifesto abuso de direito, como vem reconhecido na sentença.

4º. – A Recorrente litiga de má fé, ao alterar intencionalmente a verdade dos factos, para assim obter uma indemnização a que sabe não ter direito, como adiante melhor se explicitará. Posto isto,

(…)

16º. – Não tem razão a pretensão da Recorrente no tocante à indemnização pela privação do uso do trator e do semirreboque, porquanto o trator, que não sofreu danos, podia funcionar com outro semirreboque acoplado, só tal não acontecendo por política da empresa Recorrente, como o afirmou a testemunha António … a 21:05 a 21:32 e a testemunha Luis … a 04:55 a 04:42.

17º. – Ainda que se venha a aplicar o acordo vigente entre a APS e a ANTRAM, haveria que tomar em consideração o disposto no nº. 4 do artº. 3º., que nos termos do qual, tratando-se de um veículo articulado, cujos danos impliquem apenas a paralisação do semirreboque (como é o caso), as importâncias a pagar corresponderão a 40% das previstas no anexo 1 que, à data do acidente, era de 257,03, o que significa que a Recorrente tem direito a receber a verba diária de 102,81 /257,03x40% e descontando os sábados, domingos e feriados).

18º. – Não há erro de julgamento quanto à penalização prevista no artº. 40, nº. 2 do Dec. Lei 291/2007 e sua aplicação: A Recorrida apenas tomou conhecimento do acidente em dezembro de 2018, como já foi alegado e consta quer do depoimento das testemunhas quer da documentação junta aos autos, nomeadamente o processo interno de sinistro e o relatório final das averiguações, que a Recorrente não impugnou.

19º. – Tendo sofrido danos de montante inferior a 4.000,00, que é irrisório para a maior empresa a atuar em Portugal na atividade de transporte de veículos e tendo a mesma feito o orçamento dos danos a seu bel prazer e feito a reparação nas suas oficinas em poucos dias, constitui um verdadeiro abuso do direito e uma tentativa de enriquecimento ilícito reclamar o pagamento duma indemnização diária de 100,00 desde 24/08/2017 até que a Recorrida venha a comunicar, “de uma forma positiva” a assunção ou não da responsabilidade de indemnizar.

20º. – A Recorrida não litiga de má fé, pelo que não há que ser condenada, como vem reclamado.

21º. – A Recorrente litiga de má fé, porquanto altera intencionalmente a verdade dos factos, para obter um enriquecimento injustificado.

22º. A Recorrida confessou, no artº. 47 da contestação, que aceitava que o acidente ficou a dever-se à condutora do veículo seguro, que foi embater na traseira esquerda do reboque.

23º. – Apesar desta confissão, a Recorrente insiste em afirmar que a Recorrida ainda não lhe comunicou a assunção ou não da responsabilidade, reclamando uma condenação, mesmo em relação ao futuro e até que seja feita tal comunicação, deduzindo assim um pedido cuja falta de fundamento conhecia e faltando intencionalmente à verdade.

24º. – Deve, por isso, ser condenada como litigante de má fé, em multa e em indemnização a favor da Recorrida, em montante não inferior a 10.000,00, bem como numa taxa sancionatória excecional.

Pelo que, requer seja o recurso julgado improcedente e a Recorrente condenada como litigante de má fé, em multa e numa indemnização a favor da Recorrida de montante não inferior a 10.000,00, bem como numa taxa sancionatória excecional.


II

São os seguintes os factos considerados provados pelo tribunal a quo:

1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto se prende com o transporte rodoviário de mercadorias por estrada, sendo possuidora e legítima proprietária do conjunto circulante especial para transporte de automóveis constituído pelo veículo trator com a matrícula 29-CL-97 e pelo semirreboque com a matrícula L-145786, conjunto afeto ao desenvolvimento do objeto social da Autora.

2. A Autora é titular da licença nº 650376 emitida pelo IMT para o trator matrícula 29-CL-97, a qual a legitima a utilizar o conjunto circulante constituído pelo veículo trator com a matrícula 29-CL-97 e pelo semirreboque com a matrícula L-145786 no transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem.

3. No dia 10 de julho de 2017, pelas 07:20 horas, na Avenida Marechal Craveiro Lopes, em Vendas Novas, I… embateu com a parte frontal do veículo ligeiro de passageiros 56-28-DI, que conduzia, na parte traseira do semirreboque L-145786, o qual se encontrava acoplado ao veículo trator com a matrícula 29-CL-97, ambos estacionados e imobilizados.

4. Em consequência direta de tal embate o veículo semirreboque com a matrícula L-145786 sofreu:

a. Destruição do suporte dos farolins traseiros esquerdos, dos farolins traseiros esquerdos, farolim lateral esquerdo, da tampa da rapam da extensiva, do fecho da tampa, da rampa de subida e descida de veículos da chapa de veículo longo;

b. Empeno do macaco hidráulico da extensiva, do para-choques traseiro, do conjunto de travamento do último carro da plataforma inferior;

c. Estrago na pintura das partes embatidas.

5. Tendo a Autora despendido das seguintes quantias em peças:

a. Macaco da extensiva – € 560,24;

b. Suporte dos farolins traseiros esquerdos - € 16,08;

c. Farolins traseiros esquerdos - € 90,01;

d. Tampa da rampa da extensiva - € 75,61;

e. Fecho da tampa da rampa da extensiva - € 5,22;

f. Farolim lateral esquerdo - € 6,00;

g. Chapa de veículo longo - € 7,50;

h. Farolim de iluminação da chapa de matrícula - € 2,50;

6. E, em “mão de obra” e “material de Pintura”, o valor total €1.857,50.

7. O veículo matrícula L-145786 deu entrada nas instalações oficinais da R…S.A. em 21-07-2017.

8. A peritagem foi levada a cabo pela “RCR – Consultores Técnicos de Sinistros, Lda.”, para o efeito contratada pela Autora mediante o pagamento de €200.

9. Após a peritagem em 21-07-2017, a reparação iniciou-se em 24-07-2017 e para realização da mesma, foi determinado pelo perito um período de cinco dias úteis.

10. A reparação foi concluída em 28-07-2017.

11. Em 10.07.2017, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula 56-28-DI encontrava-se transferida para a Ré, mediante acordo de seguro titulado pela apólice nº 90.02139546.

12. Em 14 de julho de 2017 a Autora enviou por correio normal a “Açoreana, Direção Ramo Automóvel, Av. Barbosa Du Bocage, nº 85, 1050-030 Lisboa”, através da empresa sua representante, a sociedade RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda., uma carta com o seguinte teor:

“N/Ref: 2017-07-10 2113/17 29-CL-97 L-145786 002

Assunto: Acidente ocorrido no dia 10 de Julho de 2017, na Avenida Marechal Craveiro Lopes, localidade de Vendas Novas, envolvendo um veículo vosso segurado com matrícula 56-28- DI e o conjunto circulante com as matrículas 29-CL-97 e L-145786, propriedade da nossa representada, a firma R… SA”.

Ex.mos Senhores,

Escrevemos em nome e em representação da firma R… SA para comunicar a V. Exas. os elementos que chegaram ao nosso conhecimento relativamente ao acidente acima melhor identificado com intuito de vos reclamar os prejuízos sofridos no veículo reboque com a matrícula L-145786 propriedade da vossa representada.

No passado dia 10 Julho 2017, na avenida Marechal Craveiro Lopes, localidade de Vendas Novas, viu-se o conjunto circulante com as matrículas 29-CL-97 traço L-145786 envolvido num acidente com um veículo vosso segurado com a matrícula 56-29-DI.

De acordo com os elementos que instruem o nosso processo, revela-se-nos ser a responsabilidade da ocorrência deste sinistro totalmente imputável ao veículo vosso segurado que por motivos que se desconhecem foi embater na traseira do conjunto circulante da nossa representada que se encontrava estacionado.

Relativamente aos prejuízos causados informamos que lateral e traseira esquerda do reboque matrícula L-145786 e fruto desta a situação torna-se conveniente quantificá-los o quanto antes a fim de os mesmos poderem ser prontamente reparados para que o veículo possa rapidamente continuar a laborar em segurança e cumprir os serviços que lhe estavam destinados.

Face ao exposto conclui-se que dada a natureza dos prejuízos sofridos pela R… SA será do interesse de ambas as partes a resolução rápida da situação.

Neste sentido solicitamos a V. Exas. que se dignem efetuar uma peritagem ao camião porta automóveis da nossa representada, devendo para tal fazer deslocar em perito às instalações da R…SA sitas na Estrada Cais da Vala do Carregado - 2600 Castanheira do Ribatejo informando data e hora das deslocações para os contactos indicados no cabeçalho.

Mais informamos vossas excelências que decorridos que sejam 5 dias úteis sem notícias vossas devidamente comprovadas tomaremos a iniciativa de requisitar imediatamente uma peritagem ao veículo em causa.”11 Os lapsos constam do texto transcrito.

[Em sede de recurso mantém-se como - Não provada a receção de tal carta pela Ré].

13. A Ré não contactou a Autora até o final do dia 20.07.2017 para marcação da peritagem.

14. Nem realizou qualquer peritagem ao veículo da Autora.

15. A representante da Autora, a empresa “RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda.”, decidiu enviar, em 08.10.2018, um fax o nº de fax 21-7995800 com o seguinte teor:

“N/Ref: 2017-07-10 2113/17 29-CL-97 L-145786 002

Assunto: Acidente ocorrido no dia 10 de Julho de 2017, na Avenida Marechal Craveiro Lopes, localidade de Vendas Novas, envolvendo um veículo vosso segurado com matrícula 56-28-DI e o conjunto circulante com as matrículas 29-CL-97 e L-145786, propriedade da nossa representada, a firma R…SA..

Ex.mos Senhores,

Escrevemos, em nome e em representação da R…SA, para solicitar a V. Exas. resposta à nossa reclamação enviada por carta em 14/07/2017. Dado o tempo decorrido, não obtendo qualquer resposta, solicitámos a uma empresa da especialidade uma peritagem ao veículo acidentado que já se encontra reparado. Oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.”

[Em sede de recurso decidiu-se dar como provado quer o envio quer a receção de tal fax pela Ré]

16. Em 12 de dezembro de 2018, a representante da Autora, a empresa “RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários, Lda.”, enviou uma carta registada e com aviso de receção, à Ré, que a recebeu em 13-12-2018, com o seguinte teor:

“Assunto: Acidente ocorrido no dia 10/07/2017 na avenida Marechal Craveiro Lopes, localidade de Vendas Novas, envolvendo o veículo vosso segurado com a matrícula 56-28-DI e o conjunto circulante com as matrículas 29 CL 97 l 14 5786 propriedade da nossa representada a firma R…SA.

Ex.mos Senhores,

Somos pela presente a escrever em nome e em representação da firma R… SA, Vos enviar a reclamação quantificada dos prejuízos sofridos no veículo com a matrícula L-145786 propriedade da nossa representada, decorrentes do acidente acima melhor identificado.

Assim e de acordo com os elementos que instruem o nosso processo, revela-se-nos ser a responsabilidade da ocorrência deste sinistro totalmente imputável ao condutor do veículo vosso segurado que, por motivos que se desconhecem foi embater na traseira do conjunto circulante da nossa representada que se encontrava estacionado.

É exatamente atenta esta factualidade que nos cumpre enviar-Vos a presente reclamação quantificada em nome e em representação da empresa R… SA, no sentido de Vos manter informados acerca do quanto indemnizatório e do modo como o mesmo foi obtido.

Os prejuízos que agora se reclamam (são) só a quantificação objetiva dos danos já invocados nas correspondências que Vos foram enviadas datadas de 14/07/2017 e 8/10/2018 correspondentes a reclamação do sinistro e respetivo reminder que se anexam à presente reclamação como documentos n.º 1 e 2.

Afigura-se-nos então legítimo, - sendo a responsabilidade do acidente supramencionado e exclusivamente imputável ao condutor do veículo vosso segurado solicitar à Vossa companhia o pagamento célere da verba de €4.876,90, cujo valor foi obtido conforme abaixo melhor enumerado e discriminado com referência aos pontos da reclamação enviada em 14-10-2017, anexada como “ibidem” documento n.º 1, na qual eram invocados logo posteriormente ao parágrafo “[ ] Relativamente aos prejuízos a reclamar, importa nesta fase fazer referência aos seguintes[ ]” os referidos pontos aludindo aos prejuízos e danos sem a sua quantificação objetiva.

1. Indemnização correspondente ao custo de resposta de reparação do veículo matrícula e L- 145786 no valor de 2.620,66 (ponto “1” da carta datada de 14-07-2017 endereçada à Vossa companhia)

(…)

2. Indemnização correspondente aos custos de paralisação do veículo de matrícula L-145786 no valor de €2.056,24 (ponto “3” da carta datada de 14-07-2017 endereçada à Vossa companhia)

(…)

3. Indemnização correspondente aos custos decorrentes da necessidade de contratar a empresa RCR para proceder à peritagem do trator acidentado no valor de €200 (ponto “6” da carta datada de 14.07.2017 endereçada à Vossa companhia)

(…)

Sem mais de momento e plenamente convictos da Vossa atenção para com a presente reclamação, ficamos a aguardar a emissão do recibo de indemnização pelo valor de €4.876,90 tão breve quanto possível se subscrevermos atentamente.”

17. A Autora pagou €97,41 para obtenção de quatro certidões da Participação de Acidente de Viação lavrada pelo Destacamento Territorial da GNR de Vendas e respetivo envio eletrónico.

18. O segurado da Ré não lhe participou o acidente.

19. A Ré enviou à Autora, em 31/01/2019 uma carta com o seguinte teor:

“Assunto: comunicação da responsabilidade

Exmo/a. (s) Senhor/a(s)

Reportamo-nos ao acidente em título de cuja regularização nos estamos a ocupar.

Nos termos da Lei do Seguro Obrigatório, a empresa de seguros tem de comunicar a assunção, ou não, da responsabilidade ao lesado e ao tomador de seguro, de modo que as partes envolvidas possam tomar conhecimento do desenrolar do processo.

Neste sentido, dado que, até ao momento, a responsabilidade não foi claramente determinada e que compete a quem invoca um direito apresentar prova adequada que fundamente a sua pretensão vimos, no estrito cumprimento do estabelecido na lei, formalizar a nossa não Assunção da responsabilidade.

Mais informamos que na eventualidade de ter novos elementos de prova estaremos disponíveis para os analisar.

Se pretender obter algum esclarecimento adicional por favor contacte-nos através de um dos meios abaixo indicados.”

[Não se provou a receção].

O tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

A. Nas circunstâncias referidas em 3., o veículo trator com a matrícula 29-CL-97 e pelo semirreboque com a matrícula L-145786 era conduzido por L….

B. A Ré recebeu a carta identificada e transcrita em 12..

C. A Ré recebeu o fax referido em 15..

[Em sede de recurso transitou para os factos provados]

D. Em face da paralisação do veículo da Autora, a mesma teve necessidade de obter um veículo idêntico para dar continuidade aos referidos serviços por forma a permitir-lhe cumprir e honrar os seus compromissos contratuais, o que não foi possível de concretizar em tempo útil.

E. Considerando que a Ré não facultou um veículo de substituição, a Autora viu-se forçada a cancelar todos os serviços para os quais tinha o veículo destinado.

F. A Autora recebe, pelo menos, €566,67 diários, referentes a três contratos de transporte.

G. A Autora recebeu a carta mencionada em 19..


III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artºs. 635º, 3 e 639, 1 e 2 CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.608º in fine), são as seguintes as questões a decidir:

I – Da necessidade de renovação da prova (arguição implícita de nulidade processual).

II - Da impugnação parcial do julgamento de facto.

III- Do erro na aplicação do direito.

IV – Da litigância de má-fé por parte da apelada.

V – Da litigância de má-fé por parte da apelante.

I – Da arguição (implícita) de nulidade do julgamento por violação do direito probatório.

Pretende a apelante que seja ordenada a repetição da audição da testemunha A…C…, prestado no dia 07 de junho de 2021, em virtude de o seu depoimento ter sido condicionado pelo Tribunal Recorrido, em clara violação do disposto nos artigos 516º nº6 e 7 e 461º nº2 do Código de Processo Civil, pois, a testemunha, pretendendo socorrer-se de documentos ou apontamentos de datas ou de factos para responder às perguntas, foi impedida de o fazer pelo Tribunal Recorrido.

Dispõe o nº 6 do art. 516º CPC que:

“- A testemunha, antes de responder às perguntas que lhe sejam feitas, pode consultar o processo, exigir que lhe sejam mostrados determinados documentos que nele existam, ou apresentar documentos destinados a corroborar o seu depoimento; só são recebidos e juntos ao processo os documentos que a parte respetiva não pudesse ter oferecido.”

E o nº 7 que:

É aplicável ao depoimento das testemunhas o disposto no n.º 2 do artigo 461.º.”

Dispondo por sua vez o nº 2 do art. 461º que:

“A parte não pode trazer o depoimento escrito, mas pode socorrer-se de documentos ou apontamentos de datas ou de factos para responder às perguntas.”

De tal normativo resulta ser legalmente legítimo e por regra útil em sede de audiência de julgamento, o recurso por parte das testemunhas a auxiliares de memória.

Ouvido o julgamento, constatamos que a Mmª Juíza impediu, de facto, a testemunha A…C…, consultor na área de sinistros automóveis da empresa RSR de consultar os documentos que trazia consigo, no caso o processo individual alusivo à avaliação dos danos na viatura da Autora, o que além dum legítimo direito da testemunha, constituiria um precioso auxiliar de memória, face ao tempo decorrido e à multiplicidade de casos que lhe passam pelas mãos, como a própria invocou. O mesmo fez a Senhora Juíza relativamente à testemunha D…, apresentada pela Ré, prestado no dia 14 de junho de 2021.

Conduzindo a prova, com todo o respeito, sob um espartilho formal pouco condizente com a sobrevalorização, que o Código de Processo Civil aconselha, do mérito sobre a forma.

Não obstante, não cremos que qualquer das limitações tenha obstado ao esclarecimento pretendido uma vez que as testemunhas puderam consultar outros documentos, estes constantes dos autos, o que, sob os esforços dos mandatários permitiu colmatar o apontado condicionalismo.

Acrescente-se, por fim, que não resulta das atas da audiência qualquer arguição de nulidade, sendo esse o momento próprio da sua arguição (art. 199º, 1 CPC)

Indefere-se, pois, por desnecessário, ao pedido de renovação da prova com repetição do depoimento da testemunha A…C….

II - Da impugnação parcial do julgamento de facto.

Uma vez que a reapreciação da prova pela Relação destina-se a sindicar concretos pontos da matéria de facto que, em função de determinados meios de prova, se revelem incorretamente apreciados, deve a parte especificar e individualizar tal factualidade em sede de alegações, bem como concretizá-la, nas conclusões do recurso (art. 640º CPC)

Tendo a Autora observado tal ónus, passemos a apreciar a impugnação dos factos.

Reagiu a apelante, no âmbito da impugnação da matéria de facto, em dois grupos de questões:

A. Erro de julgamento quanto aos seguintes factos consignados:

- relativamente ao ponto 15 dos factos provados e também aos pontos B e C dos factos não provados, considerando terem os mesmos sido erradamente julgados.

(…)

Pretendendo a apelante que seja dado como provado o envio e a receção pela Ré quer da carta de 14-07-2017, quer do fax de 08-10-2018.

Importa ter presente que, nos termos do art. 342º CC, tem a Autora o ónus da prova quer do envio quer da receção da carta e do fax referidos em 12) e 15) por integrarem factualidade constitutiva do seu direito indemnizatório (a reclamação do ressarcimento dos danos). Tendo a Ré negado a sua receção.

Estamos no domínio da comunicação dum sinistro à seguradora alegadamente responsável, por parte de um terceiro lesado.

A lei não regulou a forma de comunicação deste, mas tão só as comunicações a este, ou seja, as de sentido contrário.

No artº 46 do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto que regula o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, estabeleceu-se no Capítulo sobre a Regularização dos Sinistros, uma exigência de segurança a observar pelas empresas de seguros, no sentido de que “as comunicações ou notificações previstas no presente capítulo consideram-se válidas e plenamente eficazes caso sejam efetuadas por correio registado, transmissão por telecópia, correio eletrónico ou por outro meio do qual fique um registo escrito ou gravado, desde que a empresa de seguros esteja a autorizada a fazê-lo nos termos da lei”,

Ainda que nada se preveja quanto à comunicação por terceiro, a receção da comunicação enviada por este deverá igualmente assentar numa prova inequívoca e exigente.

Relativamente à carta identificada e transcrita em 12, enviada pela A. em 14-07-2017, o tribunal considerou ter sido feita prova apenas do envio, não da receção pela Ré.

Sendo esta uma carta enviada por correio normal, não tendo havido aviso de receção, nem registo, a receção da mesma, uma vez impugnada, haveria de ser demonstrada de forma inequívoca, por exemplo, através de atos praticados pelo destinatário que pressupusessem o conhecimento do seu teor. Ou por alguém em posição isenta que testemunhasse a sua receção. O que, a A.. não logrou conseguir, nomeadamente por recurso à prova testemunhal que, adiante, se reapreciará.

Relativamente ao fax de 08-10-2018, o tribunal considerou apenas provada a decisão de envio. Nem o envio nem a receção resultaram, na opinião da 1ª instância, provados.

Contudo, neste domínio a prova é mais simples. A comunicação feita através de transmissão por telecópia ou fax (diferentes denominações de uma mesma tecnologia na qual é usada uma linha telefónica associada), será válida e eficaz uma vez provado o seu correto envio para o destinatário certo.

A prova do envio dum fax faz-se através do Relatório de Transmissão. Este relatório lista a entidade que recebeu o fax, a hora e data da transmissão, a duração da transmissão, o número de páginas enviadas e se a transmissão foi ou não bem sucedida através da expressão “Ok”. E, provado o envio e em boas condições de transmissão, a prova da receção far-se-á pela correspondência entre o número de fax utilizado e o nº de fax atribuído ao destinatário, ou seja, o destinatário certo. O que é do conhecimento público.

O envio quer da carta quer do fax, foi referido pela testemunha A…C…, consultor na área de sinistros automóveis e que trabalha para a empresa RSR – Regularização de Sinistros Rodoviários. A qual por sua vez presta serviços para a Autora e também para a Ré.

(…)

Uma vez confrontado com o doc. 8 da p.i. confirmou ter sido esse o fax enviado à seguradora, tendo o mesmo o número da Tranquilidade.

(…)

Perguntado sobre se tinha memória de ter confirmado o número de fax, antes de proceder ao envio, respondeu: “Sr. Dr. os números de fax que nós temos das seguradoras são sempre os mesmos, portanto, as seguradoras dão-nos conhecimento dos números de fax e nós normalmente correspondemo-nos através desses números. E este é o número de fax da Tranquilidade”.

O doc. 8 junto com a p.i. suporta um fax enviado em 08.10.2018, para o nº de fax 217995800.

Esse fax contém um Relatório de envio, com data de hora de envio de 08 de outubro de 2018, às 9.32, composto de três páginas e recebido com OK.

Acionando o princípio do inquisitório consagrado na lei processual civil (art. 411º CPC), o tribunal, na posição dum cidadão comum e de forma acessível e pública constata, recorrendo a qualquer software com motor de busca, que o nº de fax em causa pertence à Açoreana Seguros.

Por exemplo, o sítio da internet:

“companhiadeseguros.blogspot.com/2013/01/seguradoras-portugal-o.html”

- imediatamente identifica a Açoreana Seguros: Serviços Centrais e Sede Social Av. Duque d' Ávila, 171, 1069-031 Lisboa, Fax: 213 554021 e Av. Barbosa du Bocage, 85, 1050-030 LISBOA, Fax: 21 7995800.

Nada mais se mostrando necessário. O fax em causa tem a Ré como destinatário. Está provado o correto envio do fax para o destinatário certo, composto o mesmo de 3 páginas, as quais integram o mesmo doc.8.

Perante isso, temos de considerar que a A. fez prova do envio e da receção do fax datado de 08-10-2018. Cabia à Ré, do ponto de vista interno, garantir a organização necessária para assegurar a canalização daquele fax aos serviços competentes. Pelo que, se tal canalização não ocorreu, tal facto só a si é devido.

De resto, o depoimento de da testemunha D…, gestor de sinistros da Ré, prestado no dia 14 de junho de 2021, corrobora essa ideia de “organização” no reencaminhamento interno dos faxes, ao afirmar “ Se enviaram por email vai para o geral”.

O mesmo não poderemos concluir quanto à carta enviada por correio normal (o tribunal deu como provado tão só o envio).

Face à ausência de registo e de aviso de receção, nada se tendo provado de inequivocamente instrumental que pudesse sustentar em segurança essa receção, não pode ser dado como provado o recebimento da carta pela Ré, sendo correto o julgamento do tribunal recorrido, nesta particular questão.

(…)

B. Segunda parte da impugnação: a ampliação do julgamento com factos provados essenciais que terão sido omitidos

(…)

E, que prova foi feita?

O relatório de peritagem realizado pela RCR junto como doc. 7 da petição inicial respeitante ao semirreboque L-145786, assinala a data do acidente (10-07-2017), a data de entrada na oficina e a 1ª vistoria (21-07-2017), o início da reparação (24-07-2017), a 2ª vistoria e o fecho de orçamento (28-07-2017).

Dados que a A. confirma na carta registada enviada à Ré datada de 12-12-2018 (doc.9 da p.i.).

Assim, resulta evidente que na oficina o veículo de matrícula L-145786 esteve imobilizado 8 dias, a que antecedem 10 dias entre a data do acidente e o início da reparação, num total de 18 dias.

Sendo por isso de conceder, desde já, que a paralisação por necessidade de reparação do semirreboque foi de 18 dias.

Não tendo o trator sofrido danos materiais, cuja indemnização de resto não é pedida, pode ou não ser abrangido em tal paralisação?

Questão que nos transporta para uma ponderação simultaneamente, factual e jurídica, partindo do conhecimento da realidade prática da empresa para uma justificação jurídica e económica.

A apelante pretende que ao conjunto trator e reboque se atribua o mesmo tratamento de paralisação.

Importa, assim, questionar se a imobilização por reparação de um dos elementos implicou a imobilização do outro, ou seja, se a imobilização do semirreboque se deve estender ao próprio trator, em razão duma exploração económica unificada e de conjunto, não dispondo a Autora de um outro semirreboque adaptado a fazer ligação com aquele.

E sobre isso o depoimento da testemunha L…, prestado no dia 07 de junho de 2021, mostrou-se relevante e deve ser relevado.

L…, era funcionário da A., o motorista que tinha a seu cargo a utilização daquele conjunto (“este camião é uma parte da minha casa”).

(…)

Este depoimento, sem demonstração de qualquer nota que o desmereça, deve ser relevado no sentido de que, a atividade económica da Autora e as características funcionais das duas viaturas formavam um único conjunto.

Sendo, por isso, de dar como provado que:

20. O semirreboque L-145786 propriedade da Autora, esteve imobilizado, até findar a reparação, durante 18 dias, o que implicou a paralisação do trator com a matrícula 29-CL-97 pelo mesmo período de tempo.”

Pretende ainda a apelante que a Ré teve conhecimento do sinistro no dia em que o mesmo ocorreu (10.07.2017), porquanto, a 10 de julho de 2017, pelas 07:10, a condutora do veículo segurado pela Ré, I…, acionou a assistência em viagem da apólice 90.02139546 subscrita por C… e a Ré confirmou com a Assistência em Viagem do Veículo Seguro um pedido de reboque para o veículo de matrícula 56-28-DI em consequência de sinistro automóvel, segurado pela Ré.

Contudo, a assistência em viagem não se confunde com uma participação ou comunicação de acidente, nem tem por pressuposto necessário a ocorrência dum acidente, em particular dum acidente com outra viatura, bastando-se com uma avaria ou com uma necessidade do próprio veículo seguro.

Ao acionar a assistência em viagem o segurado ou o condutor do veículo seguro pede assistência para si ou para a viatura. São múltiplas as situações cobertas por tal garantia, não sendo, por isso, curial pretender que a Ré teve conhecimento do acidente quando este ocorreu por força do acionamento de tal garantia.

A testemunha F… perito avaliador responsável pelo relatório de avaliação final da Ré, concretizou esta mesma linha de pensamento.

Referiu que quando há um pedido de assistência em viagem fica identificado quem pede. Está no relatório. No caso, terá sido a condutora. É um pedido feito via telefone. A assistência contacta o rebocador e o rebocador vai ao local. O reboque foi ao local às 7.10 da manhã do acidente. Quando é feito um pedido de assistência em viagem, o mesmo é dirigido à Europa Assistance, a Tranquilidade não sabe deste pedido de assistência.

Mostra-se, por isso irrelevante, por não confundível, a prova da acionamento da assistência em viagem para apurar o conhecimento pela Ré do acidente.

Questão diferente tem que ver com a obrigação do segurado ou tomador do seguro de participar o acidente à seguradora até 8 dias a contar da data do acidente, sob pena de responder por perdas e danos (art. 34º, 1 a) DL cit.), mas tal não ocorreu (facto 18).

Improcedendo, assim, nesta questão particular, a impugnação do julgamento de facto.

Finalmente, a apelante pretende o aditamento do seguinte facto:

(…)

Não se vê, contudo, necessidade de autonomizar uma factualidade cuja versão contrária incumbiria à Ré provar e que não está em discussão: a Ré nada comunicou à Autora (nem quanto a averiguações, nem quanto a aceitar ou não responsabilidades, nem quanto a pagamentos ou propostas razoáveis) até à contestação desta ação e, só nesta assume que a responsabilidade do sinistro é do condutor da viatura segurada, logo sua. Mas sem que elabore qualquer proposta indemnizatória. O que terá uma valoração jurídica, como veremos mais adiante.

Improcedendo, nesta parte a impugnação do julgamento de facto.

(…)

III – Do erro na aplicação do direito

a) Antes de mais, importa referir que a alteração parcial da matéria de facto terá implicações na decisão de direito.

Nomeadamente nos itens alusivos aos dano de privação de uso e montante fixado no que tange à penalização prevista no artigo 40º nº2 do Decreto-lei 2001/2007.

O que será apreciado mais adiante seguindo a sistematização desenvolvida nas conclusões de recurso.

b) Pretende a apelante ser dano indemnizável o valor que custeou com vista à obtenção de certidão relativa ao Auto elaborado a 10 de julho de 2017, no caso, 79,41€.

Considerou a 1ª instância, tratar-se de ato voluntário da Autora, em nada necessário à instrução dos autos, pelo que a responsabilidade do respetivo pagamento sobre a mesma recai.

Na verdade a despesa em causa, integra-se no âmbito das custas de parte previstas no artigo 533 do CPC, tendo um momento próprio de reclamação que não se confunde com o momento da sentença.

Assim, a verificarem-se os respetivos pressupostos de legitimidade e exequibilidade poderá tal importância ser reclamada no momento legalmente previsto para o efeito.

Mantém-se assim o decidido quanto à mesma.

c) No que respeita ao montante de juros devidos pela Ré à Autora, pretende a apelante ter direito a juros no dobro da taxa legal aplicável de 7% até efetivo e integral pagamento sobre as quantias devidas a título de danos indemnizáveis e privação de uso, e não em singelo, como mencionado na sentença, invocando para o efeito e a seu favor, o incumprimento por parte da Ré dos deveres fixados nos artigos 36º e 38º do Decreto-lei 291/2007.

Vejamos se tal normativo lhe aproveita.

A 1ª instância considerou que não, com fundamento em que, o art. 38.º do diploma legal supracitado reporta-se às situações em que a seguradora assume a responsabilidade do segurado na produção do sinistro e formula uma proposta, não tendo sido esse o caso dos autos. Carecendo ainda de fundamento legal o peticionando pela Autora relativamente ao pagamento de juros à taxa de 7%, pois estamos perante uma indemnização civil e não perante o cumprimento de qualquer obrigação comercial à qual seja aplicável o Regime Anexo ao Decreto Lei 269/98, de 1 de setembro, artigos 2º e 30º dos Decretos Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro e Decreto-Lei 62/2013, de 10 de Maio, art. 13º do Decreto-Lei 62/2013 de 10 de Maio, artigos 99º e 102º do Código Comercial. E, rejeitando por fim, o pedido de capitalização dos juros (juros no dobro) por não convencionada (art. 560º CC).

Apreciemos.

O DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto regula o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, estabelecendo o Capítulo III um conjunto de regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel (art. 31º).

Prevendo o art. 36.º um conjunto de prazos a observar pela empresa de seguros com vista ao cumprimento dos seus deveres de diligência e prontidão.

Assim,

“1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:

a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;

b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior;

(…)

d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;

e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento eletrónico;

(…)

2 - Se a empresa de seguros não detiver a direção efetiva da reparação, os prazos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior contam-se a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo.

3 - Existe direção efetiva da reparação por parte da empresa de seguros quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado.

4 - Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro.

5 - A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento eletrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas.

(…)”

Estabelecendo o art. 38º (proposta razoável) do mesmo diploma que:

“1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.

2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.

3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.

4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.”

O art. 38º, nº 2, através da remissão para o seu nº 1 e, deste para alínea e) do n.º 1 ou do n.º 5 do artigo 36.º estabelece como dever da seguradora cujo incumprimento é sancionado com o pagamento de juros em dobro: - Comunicar em 30 dias a assunção ou não assunção da responsabilidade e, no caso de assumir a responsabilidade e o dano ser quantificável no todo ou em parte, apresentar (outro não pode ser o sentido da expressão “consubstancia-se”) uma proposta razoável (aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado).

Não comunicando, ou não comunicando no prazo e na forma prevista são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável, sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal (art. 38º, 2).

Pretender que os juros em dobro só são devidos quando a seguradora assume a responsabilidade mas apresenta uma proposta irrazoável (campo de aplicação do nº 3), como parece ser a interpretação da 1ª instância, deixando de fora um incumprimento mais grave, como o é, nada comunicar, seria incentivador da conduta mais censurável, o que a interpretação sistemática e teológica da norma do nº 2 não permite.

Assim, no caso de a seguradora nada dizer, tal significa que não contesta a responsabilidade pelo acidente e, sendo quantificável o dano sofrido, no todo ou em parte, a omissão de pronúncia por parte da seguradora equivale a um incumprimento do seu dever de apresentar uma proposta razoável. O que o art. 38º, 2 sanciona com a obrigação de pagar ao lesado juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso.

Decorre da factualidade que a seguradora não comunicou com a Autora ou com alguém em sua representação. Logo, não contestou a sua responsabilidade nem apresentou qualquer proposta razoável de indemnização. E o dano é quantificável.

Verificam-se os pressupostos de condenação da recorrida na taxa de juros agravada a que se reporta o art. 38, n.º 2, do DL 291/2007, de 21 de agosto.

São por isso devidos juros no dobro sobre o montante da indemnização que vier a ser fixado em definitivo pelo tribunal.

Não constituindo o montante indemnizatório um crédito devido a uma empresa comercial, mas sim a uma proprietária de viatura sinistrada, por coincidência empresa comercial, sendo indiferente para as razões do crédito a sua atividade ou objeto social, não são devidos juros à taxa comercial, mas sim à taxa civil.

Procedendo apenas parcialmente esta questão do recurso.

d) Discorda ainda a apelante quanto à indemnização por privação de uso que não tenha sido aplicada a tabela de paralisações vigente entre a ANTRAM e APS como critério de equidade.

O Tribunal condenou a Ré, por tal dano, na quantia de 800€, correspondente a 8 dias à razão diária de 100€.

Está em causa a avaliação deste dano segundo critérios de equidade, na falta de prova do prejuízo concreto.

Peticionara a Autora o pagamento da quantia total de €4.112,48, a título de paralisação do veículo, correspondendo “€257,03 diários pela paralisação do seu equipamento de tração matrícula 29-CL-97 e ainda outra de igual valor pela paralisação do seu reboque matrícula L-145786, reclamando assim pela paralisação do seu conjunto circulante a verba total de €257,03 multiplicada por 2 e este valor multiplicado por 8 num total de €4.112,48.” (art. 84.º da p.i.).

Ficaram ambas as viaturas impossibilitadas de circular em razão da afetação económica conjunta a que estavam destinadas, como supra se deixou assente.

Como reconhece a sentença, não discordam Autora e Ré na aplicação da tabela de paralisação acordada entre a ANTRAM e a APS para os veículos de transporte internacional de mercadorias, interpretando, apenas de modo diferente a aplicação de tal acordo.

Ora, o recurso a tais tabelas, independentemente da prova de associada da titular da indemnização, facto que a Ré aceitou, representa um recurso legítimo e útil num juízo que se desenvolve na base da equidade. Como ponto de partida.

Como o próprio protocolo sugere[1] “os valores definidos servem de referência facultativa ao mercado, sendo atualizados anualmente, por regra, pela aplicação da taxa de inflação esperada para o ano em curso ao valor que vigorou no ano anterior, corrigido pela taxa de inflação desse ano publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE)”.

Se em sede negocial é reconhecido por ambas as partes um valor como razoável e adequado a compensar um dano, em sede judicial e, no particular domínio do acionamento da equidade, esse valor poderá revelar-se excessivo, se o tribunal dispuser de elementos de ponderação que assim o inculquem, face ao sentido de justiça do caso concreto.

No caso, importa ter presente que o condutor do conjunto circulante da Autora, o motorista L…, referiu que, deixou o carro na oficina e foi de férias 3 semanas. As férias que havia marcado um pouco mais para diante, foram antecipadas e, por norma cada motorista conduz o seu próprio camião. Quando voltou de férias voltou a trabalhar com este veículo. Cada condutor tem um veículo distribuído. Perguntado “Quando estão de férias poderia alguém substituir e usar aquele carro?” Respondeu: “Que eu saiba não”.

Impõe a justiça do caso concreto que se minimize o efeito reparador deste dano, porquanto, a Autora assim o fez, antecipando as férias do seu motorista e fazendo coincidir as mesmas com o tempo de paralisação.

Assim, o montante fixado de 100€ diário mostra-se equitativo na reparação de tal dano.

Invocou a Ré na contestação que nos termos do nº 4 do artº. 3º. do protocolo, “Tratando-se de um veículo articulado, cujos danos impliquem apenas a paralisação do semirreboque, e não do trator, as importâncias a pagar corresponderão a 40% das previstas no Anexo 1”.

Vimos já que os danos não implicaram apenas a paralisação do semirreboque, mas também do trator, pelo que tal redução não é de aplicar.

Tal como não é de aplicar o cálculo em dobro de tal montante. O montante indemnizatório diário que nos serve de base pressupõe um veículo articulado no seu conjunto, logo, aplicado às duas viaturas como sendo uma única. É esse pressuposto que nos serve de referência.

Não pode a Autora pretender que as duas viaturas não são material e juridicamente autónomas para implicar a segunda (trator) no dano da primeira (reboque) e, depois pretender que afinal existe uma autonomia material e jurídica quando se trata de arbitrar um montante indemnizatório por esse dano.

Assim, será o valor diário de €100 o valor a arbitrar pela perda de uso da viatura no seu conjunto (trator e reboque).

Embora as viaturas trator e reboque tenham estado paralisadas em razão do acidente pelo período de 18 dias, a Autora apenas pediu uma indemnização pela privação de uso por 8 dias. É legítimo que consideremos esses 8 dias como dias úteis, porque naquele período maior se contém este. Não há assim necessidade de proceder a qualquer redução desse período de tempo.

Desse modo a A. tem direito a uma indemnização pela perda de uso da viatura de €. 800 = (100 x 8 dias úteis). Coincidente como fixado na 1ª instância.

Improcedendo, tal questão do recurso.

e) Discorda ainda a apelante, do montante fixado no que tange à penalização prevista no artigo 40º nº2 do Decreto-lei 2001/2007, pretendendo que o cálculo de tal valor deve ter em conta que a Ré teve conhecimento do sinistro na data da sua ocorrência por força do acionamento da assistência em viagem por parte do segurado.

Dita o julgamento de facto, anteriormente reapreciado, que esse conhecimento apenas se tornou possível na data do envio do fax de 08-10-2018, e que é da Ré a responsabilidade da sua eventual não efetivação, por razões de organização interna.

Desse modo deverá o cálculo da penalização prevista no art. 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.07 ter em conta essa data inicial.

Tendo o fax sido transmitido e rececionado em 08-10-2018, tinha a Ré obrigação de comunicar com o lesado nos dois dias úteis seguintes para marcar as peritagens (alª a) nº 1, art. 36º), ou seja até 10-10-2019 e, comunicar em 30 dias úteis a contar do prazo anterior, a assunção ou não assunção de responsabilidade (alª e) nº 1, art. 36º), o que nos remete para 22-11-2018 (último dia do prazo).

A resposta fundamentada de não assunção de responsabilidade deveria ter surgido até 22-11-2018.

Dispõe o art. 40.º (resposta fundamentada) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.07:

“1 - A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38.º e 39.º, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos:

a) A responsabilidade tenha sido rejeitada;

b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada;

c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis.

2 - Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.”

Ora, a Ré só se pronunciou sobre o sinistro em sede judicial, na contestação. Violando desse modo o seu dever de “Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento eletrónico”, previsto na alª e) do nº 1 do art. 36º, concretizado no nº 1 do art. 38º e abrangido pelo campo de previsão do art. 40º, todos do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.07.

Logo, o incumprimento do dever de resposta fundamentada constitui a seguradora como devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.

A expressão em partes iguais sugere uma quantia única em divisão igualitária.

Nesse sentido o Ac. TRG de 10-09-2013, P. 2463/12.2TBBRG.G1, in www.dgsi.pt:

“O incumprimento do dever de diligência por parte da seguradora gera o direito previsto no artigo 40 n.º 2 do DL. 291/2007 de 21 de Agosto, que deverá ser exercido por cada um dos seus titulares, lesado e ISP.”

O que não pode é o tribunal a quo condenar a Ré, como o fez, na parte destinada ao Instituto de Seguros de Portugal, não sendo este parte nos autos.

Uma vez que a resposta fundamentada de não assunção de responsabilidade deveria ter surgido até 22-11-2018 e a Ré apenas se pronunciou em 31-03-2020 (data da contestação), não assumindo os danos reclamados na sua totalidade (assumindo apenas a culpa do seu lesado no acidente), o que fez por força do exercício do seu direito processual ao contraditório, impõe-se questionar se será razoável penalizar a Ré na referida sanção compulsória, por tal período de tempo (546 dias), quando esse exercício surge na dependência do seu acionamento judicial pela Autora que demorou 495 dias a ser exercido (31-03-2020).

Decerto que não.

Assim ponderou e bem a 1ª instância:

“No entanto, o exercício de tal direito, nesses exatos termos e atentas as concretas especificidades do caso em apreço, subsume-se, efetivamente, ao conceito de abuso de direito, como veremos de seguida.

Dispõe o artigo 334º, do CC, que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

(…)

O abuso do direito constitui uma válvula de segurança do sistema, destinada a operar em situações-limite de ofensa clamorosa da boa-fé negocial, pelo que só deverá ser convocado à míngua de previsão normativa expressa sobre a conduta em estudo.

O abuso no exercício do direito torna-se chocante porque conduz a uma utilização do direito que não foi querida pelo legislador.”

O que corroboramos.

Existe abuso de direito por parte da Autora ao pretender beneficiar de um crédito calculado sobre um período de tempo que estava na sua esfera de disponibilidade aumentar ou reduzir.

Ao acionar a Ré mais de 16 meses depois de reunir os pressupostos legais para o fazer, podendo tê-lo feito mais cedo, não pode a Autora vir a beneficiar dessa inércia.

Sendo razoável estimar em 30 dias o prazo para a Autora acionar e acrescentar-lhe os 30 dias de prazo da contestação (art. 569, 1 CPC).

Tendo a A. direito a receber da Ré o montante de €6.000 (60 dias x100€) estabelecido no nº 2 do art. 40.º do DL 291/2007 como penalização pela falta de resposta atempada.

Sendo que, em nada procede a sua alegação em sede de recurso de que foi confrontada com uma decisão surpresa, pretendendo daí que lhe não foi dado o direito ao contraditório.

Na contestação a Ré invocou o abuso de direito por parte da Autora. Dizendo nomeadamente:

“14º. – A partir de 28/07/2017 podia instaurar ação contra a Ré. Porém,

15º. – Só a instaurou em 31/03/2020, ou seja, 32 meses (!!!) após o acidente e após a reparação que ela própria efetuou.

16º. – E fê-lo para conseguir receber o máximo possível, numa tentativa de enriquecimento ilegítimo, à custa do património da Ré. Aliás,

17º. – Esta é uma estratégia que a Ré vem seguindo noutros casos de acidentes de viação, sempre com o mesmo intuito: deixar arrastar o assunto durante anos para depois reclamar quantias exorbitantes”

E, no despacho de 01-07-2020 as partes foram convidadas a discutir o abuso de direito: “Convido as partes a discutirem por escrito, querendo, a exceção invocada na contestação.”

Não há, assim, qualquer preterição do direito ao contraditório ou erro de julgamento na apreciação e afirmação do abuso de direito.

Procedendo, apenas em parte tal questão do recurso.

f) Da litigância de má fé por parte da Ré

Pretende a apelante que a Ré litigou de má fé porquanto:

“ ao invés de assumir a responsabilidade na regularização do presente sinistro, tendo todos os dados para o efeito, podendo até fazer o depósito da quantia que entendesse ser devida, nos termos dos artigos 38º nº3 e 43º nº1 do decreto-lei 291/2007, obriga o Tribunal a uma atividade desnecessária para a boa decisão da causa, podendo desde logo assumir a responsabilidade e contestar os valores peticionados, o que não fez, obrigando o Tribunal a pronunciar-se sobre os pressupostos da obrigação de indemnizar, que a Ré sabia já se encontrarem preenchidos, tendo em linha de conta as diligências por si desenvolvidas, conforme elencado no ponto 24 do articulado 5º das presentes Alegações e tendo em linha de conta o depoimento dos funcionários da Ré, ouvidos no âmbito dos presentes Autos.”

Tal comportamento, contudo, não configura litigância de má fé.

A má fé pressupõe uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva (art. 542, 2 CC). O que não se verifica no caso.

Pelo que se julga tal alegação improcedente.

g ) Da litigância de má fé por parte da Autora

Em contra-alegações invocou a apelada a má fé da apelante. Contudo, os fundamentos invocados têm assento na invocação do abuso de direito, tendo o presente acórdão, se pronunciado já quanto ao mesmo.

Numa apreciação oficiosa, não se colhe qualquer outro comportamento que possa ser sancionado por esta via.

Improcede assim tal exceção.

Em suma:

Na sequência da procedência parcial do recurso, a apelante tem direito ao valor da reparação de (i) 2.620,66€ e ao custo com a peritagem de (ii) 200,00€, bem como à indemnização pela privação de uso no valor de (iii) 800,00€ como definido na sentença e, bem assim, à compensação de (iv) 6.000,00€ pela falta de resposta atempada por parte da seguradora, como definido no presente acórdão.

Sobre as quantias de 2.620,66€ e 200,00€ são devidos juros de mora, em dobro, à taxa civil, desde a citação.

Sobre as demais quantias são devidos juros de mora em dobro, à taxa civil, desde o trânsito da presente decisão atualizadora.

Mantém-se válida a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002, nos termos do qual “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566 do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”, in www.dgsi.pt.

IV

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, quer quanto à impugnação da matéria de facto quer quanto à decisão de direito, alterando-se a decisão recorrida no sentido de conferir à Autora ainda o direito à compensação de 6.000,00€ pela falta de resposta atempada por parte da seguradora, bem como juros em dobro, à taxa civil, nos moldes supra determinados.

Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento.


Évora, 10 de fevereiro de 2022

Anabela Luna de Carvalho (relatora)

Maria Adelaide Domingos

José António Penetra Lúcio


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[1] http://www.antral.pt/wp-content/uploads/Acordo-de-Paralisac%CC%A7a%CC%83o-Antral.APS-.pdf