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CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
CARTÃO DE CRÉDITO
REDUÇÃO A ESCRITO
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
Sumário
I - Do estatuído nos arts. 6º, n.º 1, e 7º, n.ºs 1, 4 e 5 do D.L. n.º 359/91, de 21/9, na redação original, a redução a escrito do contrato de crédito ao consumo assinado por ambos os contraentes, constitui uma formalidade “ad probationem”. A sua falta determina a nulidade do contrato; mas constitui uma “invalidade mista”, que não é de conhecimento oficioso. II - A admissão na contestação, por acordo do beneficiário do crédito (ré), da celebração do contrato que consta de documento escrito mas apenas assinado pela instituição de crédito, determina a prova da celebração do contrato.
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTOR: B…, S.A., pessoa coletiva n.º ………, com sede na Avenida …, n.º .., Lisboa; e
- RÉ: C..., contribuinte n.º ………, residente na Rua …, …., Matosinhos
pede a autora a condenação da ré no pagamento da quantia € 15.848,93, acrescida dos respetivos juros calculados à taxa legal aplicável até integral pagamento.
Alegou para o efeito e em síntese, que no exercício da atividade creditícia da Autora B…, S.A., em 25 de setembro de 1998 foi contratada a abertura de uma conta à ordem e emitido o respetivo cartão de crédito VISA, conta essa a que foi atribuído o n.º ……….., da qual a Ré C… é titular.
De acordo com o que ficou expressamente consignado nas condições gerais, a Ré obrigou-se a manter a conta à ordem devidamente provisionada, mas a Ré efetuou diversas transações com o supra referido cartão, nomeadamente a aquisição de bens e serviços vários e ainda o levantamento de dinheiro em cash, tendo as respetivas quantias sido liquidadas pela Autora B…, S.A., sem que a conta à ordem tivesse sido devidamente aprovisionada.
Em resultado da utilização do referido cartão de crédito, a conta à ordem n.º ……….. apresentou em 22 de janeiro de 2016 um saldo negativo de € 15.848,93 (quinze mil, oitocentos e quarentas e oito euros e noventa e três cêntimos), conforme consta do extrato de movimentos da mesma conta.
Mais alegou que à data de 6 de junho de 2019, a Ré encontrava-se em divida relativamente à aqui Autora, em virtude da utilização do referido cartão de crédito, das seguintes quantias:
-Capital € 15.212,94;
-Juros desde 04/09/2015 € 475,48;
-Outros débitos € 160,51;
O total em divida ascendia a € 15.848,93.
A partir de 06 de junho de 2019, exclusive, a divida passou a agravar-se diariamente, correspondente a juros calculados à taxa legal dos descobertos em conta à ordem – taxa comercial.
Mais alegou, para a hipótese de não ser acolhido tal fundamento, a ré sempre será responsável perante a Autora, a título de enriquecimento sem causa, pois enriqueceu com os movimentos efetuados a débito com a utilização do referido cartão de crédito, uma vez que não procedeu ao pagamento do saldo devedor na conta-cartão e, se a respetiva conta não foi provisionada, tal dinheiro não lhe pertence, tendo ocorrido um empobrecimento da Autora B…, S.A., já que foi quem suportou os diversos movimentos efetuados pela ré.
Não recaía sobre a Autora B…, S.A. qualquer obrigação de despender as quantias em causa, sem que a Ré, enquanto titular, não provisionasse a conta de depósitos à ordem de forma a proceder-se ao respetivo débito, estando, deste modo, a Autora impossibilitada de receber a quantia em divida por outra via que não a presente ação.
Por fim, alegou que a ré foi devidamente interpelada por cartas datadas de 7 de setembro de 2016 e de 21 de junho de 2017, não tendo procedido ao pagamento dos valores em dívida, nem tão pouco apresentado uma proposta de pagamento.
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Citada a ré contestou, defendendo-se por impugnação.
Alegou, em síntese, que impugna o vertido na petição inicial em todo o seu articulado, bem como impugna ainda os documentos ora juntos com a petição inicial da Autora pois que dos mesmos não lhe é possível descortinar o efeito jurídico pretendido pela mesma, pois da análise dos referidos documentos, constata-se que os mesmos são meros extratos resumidos e uma demostração de nota de débito que apenas é um documento interno da Autora que serve de base para o cálculo de juros da dívida em causa.
Mais alegou não ser possível à Ré descortinar toda e cada uma das movimentações feitas com o cartão em apreço, respetiva descrição, data de cada operação que originou a alegada dívida e respetivo montante. Dos documentos ora juntos pela Ré, apenas se consegue vislumbrar que há uma dívida de cerca de € 15.848,93 cujo último pagamento foi alegadamente feito em 7 de dezembro de 2015 e nada mais.
Concluiu que para que a Ré se possa defender quer por impugnação quer por exceção, nos termos do art 571.º e seguintes do CPC, é primordial a disponibilização pela Autora dos extratos detalhados do cartão VISA conta n.º ……….. desde a data do primeiro movimento até à última utilização do mesmo.
Aleou, ainda, que referir-se que simplesmente a 21 de agosto de 2015 havia já um capital em dívida de € 15.432,51 não é bastante para determinar a data das sucessivas utilizações do cartão e, em consequência, a data da constituição da dívida. Tal data apenas é relevante para a Autora por forma a que internamente desencadeie o processo de cobrança coerciva e contagem de juros.
Alegou desconhecer o montante peticionado de € 160,51 relativamente a “outros débitos” pelo que expressamente impugna o seu pagamento por indevido.
Termina o articulado por considerar que se deve notificar a autora para vir aperfeiçoar a respetiva petição inicial nos termos do art. 590º, nº4 do CPC pois ao não discriminar as supra referidas movimentações violou o disposto no art. 552.º, n.º 1 al. d) do CPC que impõe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e as exceções, sendo pois na petição inicial que devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
Requereu a notificação da Autora para vir juntar aos autos os extratos detalhados da alegada dívida nos quais conste a respetiva descrição, data de cada operação que originou a alegada dívida e respetivo montante e assim aperfeiçoar a respetiva petição inicial nos termos do art.590.º, n.º 4.
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A autora notificada da contestação veio requerer a junção do extrato da conta cartão com o lançamento de todos os movimentos efetuados a débito e a crédito e que justificam o montante peticionado.
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Proferiu-se despacho convite ao aperfeiçoamento da petição, que tinha por objeto os seguintes aspetos: indicação das condições de pagamento (incluindo o prazo) das transações efetuadas com o cartão, eventual taxa remuneratória ou moratória acordada entre as partes, data de inicio para contagem dos juros, natureza das despesas enunciadas como “outros débitos”, a relevância da data de 6 de junho de 2019 (art. 9º e 10º da petição inicial) para a distinção entre juros até então e juros legais desde aí.
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A Autora veio apresentar nova petição onde em complemento do já alegado, referiu ainda que de acordo com o documento n.º 3 da p.i., a última taxa de juros aplicada foi de 23,5357739%, a qual foi apurada de acordo com o estipulado contratualmente e supra referido. A quantia de € 160,51 referente a “outros débitos” respeita ao imposto de selo igualmente previsto contratualmente e calculados sobre os juros moratórios existentes. A data de 6 de junho de 2019 corresponde à data do cálculo da dívida.
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Na resposta ao aperfeiçoamento, a ré impugnou todo o articulado da Autora e ainda, alegou que a autora não especifica a data dos alegados créditos e a respetiva data de vencimento, limitando-se apenas a juntar os extratos.
Por fim, invoca a prescrição dos créditos peticionados a título de capital e juros, nos termos do art. 310.º do Código Civil.
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A Autora veio responder à exceção, alegando não se aplicar o prazo previsto no art. 310º CC, quanto ao capital em divida e não ter decorrido o prazo de cinco anos quanto aos juros reclamados.
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Proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedente a invocada exceção de prescrição. Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final com observância das formalidades legais, na qual foi suscita a possibilidade de verificação da exceção dilatória inominada de preterição de sujeição da ré a Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), tendo a autora exercido o contraditório a este respeito, sustentando ter implementado e extinto tal procedimento relativamente àquela.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Por todo o exposto, julga-se a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve a ré C… do pedido.
Custas da ação a cargo da autora”.
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A Autora veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença que absolveu a Ré do pedido.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- reapreciação da decisão de facto;
- o reembolso do saldo negativo no montante de € 15.848,93 que resulta da utilização do cartão de crédito associado à conta à ordem nº ………...
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2.Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados no tribunal da primeira instância: a) Factos provados
Inexiste factualidade provada com relevância para a decisão da causa.
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b) Factos não provados
a) No exercício da atividade creditícia da autora, foi contratada pela ré a emissão de um cartão de crédito VISA, com o n.º de conta ………...
b) O referido cartão de crédito conferiu à ré, sua titular, a faculdade de realizar várias operações, como a aquisição de bens e serviços vários e o adiantamento de dinheiro, bem assim como beneficiar de um conjunto de serviços associados – cfr. cláusula 24.ª das condições específicas do contrato.
c) De acordo com a cláusula 29.ª, as quantias devidas pelo titular, resultantes das operações de aquisição de bens e serviços ou de adiantamento de dinheiro, que sejam liquidadas pela autora, são lançadas na conta-cartão, a partir da qual será mensalmente emitido um extracto, discriminando as operações e os valores em dívida.
d) Ficou ainda contratualmente acordado que o saldo devedor dessa conta-cartão seria pago no 20.º dia posterior à emissão do extracto através de débito automático – cfr.cláusula 30.ª.
e) Por sua vez, na cláusula 30.1 ficou a constar que a ré deveria provisionar a conta de depósitos à ordem de modo a permitir que a autora, naquela data, procedesse ao competente débito dos montantes utilizados pela mesma.
f) Na cláusula 31.ª consta que, sobre as quantias utilizadas pelo titular em virtude das operações realizadas, são devidos juros à taxa que conste do tarifário em vigor na data de emissão do extrato, divulgado pela autora nos termos da lei, acrescendo-lhe o imposto selo.
g) De acordo com o que ficou expressamente consignado nas condições gerais, a ré obrigou-se a manter a conta à ordem devidamente provisionada a fim de ser debitados quantias por si utlizadas com o cartão de crédito.
h) A ré efetuou com o cartão de crédito diversas operações, tendo as respetivas quantias sido liquidadas pela autora, sem que a conta à ordem tivesse sido devidamente aprovisionada.
i) Em resultado da utilização do cartão de crédito pela ré, a conta indicada em 1 apresentou em 22 de Janeiro de 2016 um saldo negativo de € 15.848,93, encontrando-se em dívida € 15.212,94 a título de capital, € 475,48 a título de juros desde 04-09-2015 e € 160,51 a título de imposto de selo.
j) A ré foi interpelada por cartas datadas de 7 de Setembro de 2016 e de 21 de Junho de 2017 juntas como docs. 4 e 5 com a petição inicial.
k) A autora enviou à ré em 20 de Outubro 2015 a carta junta como doc. 1 com o requerimento de 09-11-2020.
l) A autora remeteu à ré em 30 de Setembro de 2016 a comunicação junta como doc. 2 com o requerimento de 09-11-2020.
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A restante matéria constante dos articulados, não vertida nos factos provados ou não provados, é meramente conclusiva, irrelevante, de simples impugnação ou de direito.
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3. O direito - Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 30, suscita o apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, quando à matéria de facto julgada não provada.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso - fundamentação – com indicação dos meios de prova a reapreciar e quando envolve a reapreciação de prova gravada, indicar por transcrição as passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, indicando os concretos factos e prova a reapreciar, bem como, a decisão que sugere.
Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[3].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[4].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[5].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[6].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[7].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[8].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[9].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova - testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pela apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Procedeu-se à audição da prova através do sistema Citius e analisados os depoimento prestados, bem como, os documentos juntos aos autos, justifica-se alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre todos os factos alegados na petição, os quais se julgaram não provados.
Sugere a apelante que se julguem provados os factos impugnados, admitindo quanto à alínea a), que se julgue provado que a proposta não se mostra assinada pela apelada-ré. Sustenta a alteração da decisão nos documentos juntos aos autos, extratos da conta-cartão e depoimento da testemunha D… em confronto com a posição assumida pela ré nos articulados.
Passando à reapreciação da prova. - Alíneas a) a g) dos factos não provados -
Julgaram-se não provados os seguintes factos:
a) No exercício da atividade creditícia da autora, foi contratada pela ré a emissão de um cartão de crédito VISA, com o n.º de conta ………...
b) O referido cartão de crédito conferiu à ré, sua titular, a faculdade de realizar várias operações, como a aquisição de bens e serviços vários e o adiantamento de dinheiro, bem assim como beneficiar de um conjunto de serviços associados – cfr. cláusula 24.ª das condições específicas do contrato.
c) De acordo com a cláusula 29.ª, as quantias devidas pelo titular, resultantes das operações de aquisição de bens e serviços ou de adiantamento de dinheiro, que sejam liquidadas pela autora, são lançadas na conta-cartão, a partir da qual será mensalmente emitido um extracto, discriminando as operações e os valores em dívida.
d) Ficou ainda contratualmente acordado que o saldo devedor dessa conta-cartão seria pago no 20.º dia posterior à emissão do extrato através de débito automático – cfr.cláusula 30.ª.
e) Por sua vez, na cláusula 30.1 ficou a constar que a ré deveria provisionar a conta de depósitos à ordem de modo a permitir que a autora, naquela data, procedesse ao competente débito dos montantes utilizados pela mesma.
f) Na cláusula 31.ª consta que, sobre as quantias utilizadas pelo titular em virtude das operações realizadas, são devidos juros à taxa que conste do tarifário em vigor na data de emissão do extrato, divulgado pela autora nos termos da lei, acrescendo-lhe o imposto selo.
g) De acordo com o que ficou expressamente consignado nas condições gerais, a ré obrigou-se a manter a conta à ordem devidamente provisionada a fim de ser debitados quantias por si utlizadas com o cartão de crédito.
A matéria em causa corresponde aos art. 2º a 8º da petição-aperfeiçoada.
Na sentença fundamentou-se a decisão nos seguintes termos:
“ Relativamente aos factos não provados a) a g), os mesmos decorreram da circunstância de a proposta de adesão (tal como a ficha informativa) junta pela autora com doc. 1 com a petição inicial não se encontrar assinada pela ré, estando em branco na zona destinada à assinatura do proponente, e, visto estar em causa o teor das declarações/cláusulas contratuais, da regra de direito probatório material constante do art. 364.º, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual «Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior». Ora, a autora alegou que foi contratada pela ré a emissão de um cartão de crédito em 25-09-1998 de acordo com as condições gerais e específicas constantes do doc. 1 junto com a petição inicial.
O contrato de crédito ao consumo, naquela data, era regulado pelo Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, e definido no seu art. 2º, n.º 1, als. a), b) e c), como o contrato por meio do qual um credor (pessoa singular ou coletiva no exercício da sua atividade comercial ou profissional) concede ou promete conceder a um consumidor (pessoa singular que atua com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional) um crédito sob a forma, entre o mais, de utilização de cartão de crédito.
Relativamente à qualidade de consumidor, «tem que ser perante o contrato de utilização de cartão de crédito que a qualidade de consumidor há de ser aferida, pelo que, se não resultar claramente desse contrato que o cliente atua com vista ao uso do cartão apenas na sua atividade comercial ou profissional, terá de se entender que contrata como consumidor» (HIGINA ORVALHO CASTELO, Crédito ao consumo – Diversidade de tipos contratuais, 2014, p.12; no mesmo sentido, Ac. do TRL de 06-12-2017, proc. n.º 56086/14.6YIPRT.L1-2, www.dgsi.pt). É o que sucede dos autos perante a proposta de adesão junta pela autora que nada esclarece nesse conspecto, acrescendo que dos movimentos constantes dos extractos de fls. 39-133 resulta a utilização do cartão pela ré, pessoa singular, no âmbito de gastos pessoais, nomeadamente, supermercado.
O contrato de crédito ao consumo «deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes» (art. 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), sendo que a inobservância dessa exigência acarretava a nulidade do contrato (art. 7.º, n.º 1), presumindo-se a mesma imputável ao credor e só podendo ser invocada pelo consumidor (art. 7.º, n.º 4), o qual, não o fazendo, poderia provar a existência do contrato por qualquer meio (art. 7.º, n.º 5).
Trata-se, em nossa opinião, de uma formalidade ad substantiam, posto que é a própria lei que fulmina com a consequência da nulidade a inobservância da forma escrita, ou seja, subordina a validade do negócio a essa forma, conforme dispõe o art. 220.º do Código Civil (assim, Acs. do STJ de 24-01-2012, proc. n.º 1379/09.4TBGRD-A.C1.S1, do TRL de 24-04-2007, proc. n.º10379/2006-1, de 31-05-2011, proc. n.º 133567/09.1YIPRT.L1-7, e de 05-05-2020, proc. n.º 22537/18.5T8LSB.L1-7, e do TRP de 04-11-2013, proc. n.º 750/12.9TBVFR-A.P1, e de 19-05-2020, proc. n.º 1107/10.1TBESP-A.P1, todos em www.dgsi.pt). Não estamos, por conseguinte, diante de uma mera formalidade ad probationem (como defendido nos Acs. do TRL de 17-01-2012, proc. n.º 1833/10.5TJLSB.L1-1, de 19-10-2017, proc. n.º 74963/15.5YIPRT.L1-2, e de 06-12-2017, proc. n.º 56086/14.6YIPRT.L1-2, www.dgsi.pt), quer por não «resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração» (art. 364º, n.º 2, do Código Civil), quer porque resulta precisamente o contrário (é que a «inobservância da formalidade ad probationem não gera a nulidade do contrato, mas este só pode provar-se mediante emissão de nova declaração que consubstancie confissão expressa» – PIRES DE SOUSA, Direito Probatório Material, Almedina, 2020, p. 121), não se tratando apenas de uma limitação da respetiva prova, mas de requisito essencial do negócio, orientado para a tutela do consumidor.
O que sucede é que a nulidade em causa é uma nulidade atípica, porquanto apenas invocável pelo consumidor, não sendo de conhecimento oficioso nos termos do art. 286.º do Código Civil (para além da jurisprudência já indicada, cf. JORGE MORAIS DE CARVALHO, Manuel de Direito do Consumo, 6ª ed., Almedina, 2019, p. 420).
A ré não invocou tal nulidade e também não efetuou a prova da existência do contrato, duas únicas hipóteses em que seria permitida a sua demonstração por qualquer meio (quanto à primeira, para fazer operar os efeitos da invalidade – cf. PIRES DE SOUSA, ob. cit., pp. 117-118, e Ac. do STJ de 16-05-2019, proc. n.º 2966/16.0T8PTM.E1.S2, www.dgsi.pt), sendo certo que a consequência da preterição da forma legal em sede de direito probatório é independente da (invocação da) respetiva consequência substantiva da invalidade negocial (cf. Ac. do TRC de 11-11-2014, proc. n.º 1479/12.3TBCBR.C2, e Acs. do TRL de 17-01-2012, proc. n.º 1833/10.5TJLSB.L1-1, e de 06-12-2017, proc. n.º 56086/14.6YIPRT.L1-2, www.dgsi.pt)”.
Está em causa apreciar se em 25 de setembro de 1998 no exercício da atividade creditícia da autora B…, SA foi celebrado um contrato de abertura de uma conta à ordem, à qual foi atribuído o nº ……….. da qual a ré C… é titular e emitido o respetivo cartão de crédito Visa ( art. 2º da petição-aperfeiçoada) – alínea a).
Os restantes factos, enunciados sob as alíneas b) a g), reportam-se ao clausulado no contrato, quanto às obrigações assumidas.
Conforme resulta da fundamentação da decisão de facto, o contrato em causa foi qualificado como contrato de crédito ao consumo, na modalidade de atribuição de cartão de crédito, com aplicação do regime jurídico previsto no DL 359/91 de 21 de setembro.
Tal qualificação jurídica e seus fundamentos não mereceram oposição por parte da apelante-autora e no contexto dos factos em análise entendemos que não merece censura, sendo por isso à luz de tal regime que se vai proceder à reapreciação da prova e dos factos impugnados.
Conforme decorre do regime previsto no art. 6º/1 do citado diploma - DL 359/91 de 21 de setembro -, os contratos de crédito ao consumo estão sujeitos a forma escrita e têm que ser assinados pelos contraentes, sendo ainda obrigatória a entrega de uma cópia do contrato ao consumidor no momento da respetiva assinatura.
Na sentença considerou-se que a forma exigida para a celebração do contrato reveste a natureza de formalidade “ad substantiam” e por isso, se concluiu que não constando de documento escrito, não estava feita a prova da válida celebração do contrato conta-cartão.
A questão do relevo probatório do documento que formaliza a celebração do contrato de atribuição de cartão de crédito em sede de contrato de crédito ao consumo, não tem obtido na jurisprudência uma interpretação uniforme e unânime.
Segundo um segmento da jurisprudência considera-se que a forma prevista para o contrato tem a natureza de formalidade “ad substantiam”, sendo disso exemplos entre outros os Ac. Rel. Porto 19 de maio de 2020, Proc. 1107/10.1TBESP-A.P1 e Ac. Rel. Porto 10 de novembro de 2020, Proc. 135513/16.7YIPRT.P2, ambos acessíveis em www.dgsi.pt
Numa outra vertente, considera-se que a forma apenas releva para a prova das declarações, constituindo uma formalidade “ad probationem”. Neste sentido, entre outros, os Ac. Rel. Lisboa 17 de janeiro de 2012, Proc. n.º 1833/10.5TJLSB.L1-1, Ac. Rel. Lisboa de 19 de outubro de 2017, Proc. n.º 74963/15.5YIPRT.L1-2, e Ac. Rel. Lisboa de 06 de dezembro de 2017, Proc. n.º 56086/14.6YIPRT.L1-2, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Seguimos este segundo entendimento pelos motivos que se passam a expor.
No regime das obrigações vigora o princípio da liberdade da forma, como decorre do art. 219º CC. Este princípio é reforçado nas relações comerciais.
Contudo, por efeito da lei ou por convenção, pode o negócio estar sujeito a uma determinada forma.
A forma legal em regra é constitutiva do negócio, constituindo uma formalidade “ad substantiam”. Nestas circunstâncias a prova do negócio não pode ser feita por outro meio quando é imposto documento autêntico, autenticado ou particular. A falta de forma torna o negócio nulo, exceto se for outra a sanção prevista na lei, como se prevê no art. 220º CC.
Nas situações em que a lei exige determinada forma apenas para facilitar a prova do ato estamos perante uma formalidade “ad probationem”. Tais formalidades são impostas, e não de modo absoluto, apenas para a prova do negócio. Sem elas o negócio não é propriamente nulo, só que a sua prova será mais custosa de obter. São, portanto, formalidades cuja falta pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir. Pode ser suprida por confissão ( art. 364º/2 CC)[10].
Nos termos do art. 6º/1 D. L. n.º 359/91 de 21 de setembro o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplarão consumidor no momento da respetiva assinatura.
Prescreve o art. 7º, nºs. 1, 4 e 5 do mesmo diploma, que: “1 – O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no n.º 1 […] do artigo anterior. […] 4 – A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor. 5 – O consumidor pode provar a existência do contrato por qualquer meio, desde que não tenha invocado a nulidade”.
Neste normativo estabelece-se uma presunção de imputabilidade ao credor da inobservância da forma escrita ou faltar as respetivas assinaturas dos contraentes e que a inobservância da forma legal constitui uma invalidade atípica, pois que apenas o consumidor (e não terceiros ou oficiosamente conhecida pelo tribunal) pode arguir a nulidade do contrato.
Como salienta FERNANDO GRAVATO DE MORAIS pretende-se, deste modo, tutelar o beneficiário do crédito, que “se encontra numa situação de especial debilidade, acolhe-se o modelo restrito de arguição de nulidade”. O que está em causa é “a proteção desse conjunto de sujeitos. Por isso se impedem todos os outros de a invocar”[11].
A exigência legal da forma escrita, com assinatura do contrato pelos contraentes, não visa, assim, proteger os interesses gerais da contratação, mas tão só os interesses do consumidor.
Este poderá ainda, desde que não tenha invocado a nulidade, provar a existência do contrato por qualquer meio (n.º 5 do art. 7º) e não apenas por confissão (art. 364º, n.º 2, do CC).
Por seu turno, o financiador pode ilidir a presunção tantum iuris estabelecida no art. 7º, n.º 4 do D.L. 359/91 e se o conseguir o consumidor perde o direito de invocar a nulidade do contrato.
Deste normativo resulta que, para efeitos de ilidir essa presunção, o financiador, à semelhança do consumidor, também poderá provar, um contrato meramente verbal, ainda que só possa ser feita por confissão, nos termos do art. 364º, n.º 2, do C.C.
Contudo, poderá ainda alegar e provar factos dos quais decorra que a arguição de nulidade do contrato por parte do beneficiário do crédito é abusiva, configurando um venire contra factum proprium (exemplo: o pagamento das prestações do mútuo durante um longo período seguido de arguição da nulidade).
Sendo assim, o vício da inobservância da forma escrita com assinatura pelos dois contraentes é suprível, pelo que a formalidade em causa tem a natureza “ad probationem” (art. 364º, n.º 2, do CC).
Tratando-se de uma formalidade “ad probationem” não vigora a regra do art. 574º/2 , 2ª parte do CPC, pelo que a falta de contestação por parte do beneficiário do crédito (ré no caso concreto) acarreta a admissão por acordo dos factos alegados na petição.
Observa-se a este respeito no Ac. Rel. Lisboa 17 de janeiro de 2012, Proc. 1833/10.5TJLSB.L1-1 (acessível em www.dgsi.pt): “[é] que, nos termos do Dec. Lei n.º 359/91, de duas uma: ou o réu invoca a nulidade do contrato ou aceita o mesmo. Se aceita, consideram-se confessados os factos atinentes ao mesmo invocados pelo autor”.
Retomando o caso concreto, quanto a apurar se foi celebrado entre autora e ré um contrato de abertura de conta à ordem com atribuição de cartão Visa, é de referir, desde logo, que consta dos autos o documento que formaliza a proposta de adesão, o qual apenas contém as assinaturas dos funcionários da instituição bancária.
Na data em causa - 25 de setembro de 1998 – não se exigia a assinatura do cliente na formalização dos contratos.
De acordo com a Instrução do Banco de Portugal nº 48/96 de 17 de junho de 1996 (acessível em https://www.bportugal.pt/instrucao/4896) na abertura de conta de depósito em nome de pessoas singulares, previa-se apenas a elaboração de uma ficha com vários elementos de identificação do cliente.
Em matéria de cartão de crédito regia o Aviso do Banco de Portugal n.º 4/95. Este aviso foi emitido com invocação do disposto na alínea a) do art.º 4.º do Dec.-Lei n.º 166/95, de 15.7. Este diploma continha o regime jurídico da emissão dos cartões de crédito (foi revogado pelo Dec.-Lei n.º 157/2014, de 24.10) e na referida alínea a) do art.º 4.º estipulava-se que competia ao Banco de Portugal “definir, por aviso, as condições especiais a que ficam sujeitas as sociedades previstas no artigo 2.º, bem como a emissão e a utilização dos cartões de crédito”.
No ponto 2.º do referido Aviso estabelecia-se que “as relações entre os emitentes e os titulares de cartões de crédito devem ser reguladas por contrato escrito (a seguir designado por contrato)”.
Nada se determinava sobre a assinatura.
Igual preceito foi inserido no Aviso que se sucedeu àquele, com a mesma legislação habilitante, o Aviso n.º 11/2001 (ponto 3.º do Aviso).
Contudo, por aplicação do regime legal vigente à data, pois os Avisos do Banco de Portugal constituem instruções internas não oponíveis aos particulares, por não terem a força de lei, cumpre considerar o regime dos contratos de crédito ao consumo, previsto pelo DL 359/91, de 21 de setembro em vigor à data dos factos.
Este diploma legal regulava os contratos de crédito ao consumidor, concedido, nomeadamente, sob a forma de utilização de cartões de crédito (cfr. al. a) do n.º 1 do art.º 2.º), como já se referiu, o qual determinava que o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respetiva assinatura (n.º 1 do art.º 6.º).
Para comprovar estes factos a autora juntou:
- um documento com a denominação “proposta de adesão cartão de crédito visa particulares” que contém os elementos de identificação da ré, identificando a ré como titular, o número de uma conta e que apenas contém a assinatura dos funcionários da autora, bem como a data;
- uma ficha informativa com os elementos de identificação da ré, dados profissionais e informações do património, figurando a ré como titular, indicação da natureza do cartão “B1…” e um número de conta, mas que não se mostra assinada pela ré e contém uma rubrica, no canto inferior direito da página, idêntica à que consta dos outros documentos.
A apelada-ré impugnou de forma genérica toda a matéria da petição e documentos e não tomou posição definida sobre a celebração do referido contrato, insurgindo-se apenas contra o facto de não estarem demonstradas as operações de utilização do contrato que geraram o saldo negativo. É a própria ré que sugere a junção dos extratos bancários, para desta forma poder tomar posição sobre os valores peticionados.
Depois da junção pela autora do extrato, com o lançamento de todas as operações no período de agosto de 2010 a dezembro de 2015 até cancelamento do cartão, a ré, mais uma vez declarou impugnar todos os factos da petição e limitou-se a alegar que não constava a data de vencimento.
Não tomou posição sobre os factos alegados na petição a respeito do saldo, o uso do cartão e o próprio contrato celebrado em 1998. Acresce que suscitou a prescrição do crédito de capital e juros, o que pressupõe a admissão da fonte ou causa da obrigação, no caso, a celebração do contrato e a atribuição do cartão de crédito.
Verifica-se a redução a escrito do contrato, o qual apenas não contém a assinatura do beneficiário, a ré na ação. Contudo, tal circunstância não foi posta em causa pela ré, que aceitou a celebração do contrato nos moldes indicados pela autora.
Desta forma, por aplicação do regime previsto no art. 574º/1 CPC, conjugado com o art. 346º/2 CC consideram-se admitidos por acordo os factos alegados pela autora, sob os art.2º a 8º da petição-aperfeiçoada. Altera-se a decisão de facto sob as alíneas a) a g), que passam a constar dos factos provados.
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Passando à análise dos factos julgados não provados sob as alíneas h) e i)
Julgaram-se não provados:
h) A ré efetuou com o cartão de crédito diversas operações, tendo as respetivas quantias sido liquidadas pela autora, sem que a conta à ordem tivesse sido devidamente aprovisionada.
i) Em resultado da utilização do cartão de crédito pela ré, a conta indicada em 1 apresentou em 22 de Janeiro de 2016 um saldo negativo de € 15.848,93, encontrando-se em dívida € 15.212,94 a título de capital, € 475,48 a título de juros desde 04-09-2015 e € 160,51 a título de imposto de selo.
A matéria em causa corresponde ao alegado pela autora nos art. 9º a 11º da petição aperfeiçoada.
Na fundamentação da decisão ponderou-se como se passa a transcrever:
“Quanto aos factos h) e i), a sua prova (parcial) poderia fundar-se na conjugação dos extratos detalhados de fls. 39 a 133, do extrato de fls. 15-16 e da nota de débito de fls. 17-18, com o depoimento da testemunha D…, a qual, pese embora o vínculo profissional com a autora, prestou declarações de forma linear, escorreita, objetiva e minuciosa, em consonância com a referida prova documental.
E diz-se parcial na medida em que apenas estariam comprovadas as operações realizadas pela ré com o cartão no único período relativamente ao qual a autora juntou os extratos demonstrativos dos correspondentes movimentos (período de Agosto de 2010 e Janeiro 2016) e, por isso, também apenas se apuraria um saldo negativo de capital de € 7.203,86, decorrente da subtração ao saldo negativo de capital de € 15.212,94 verificado em Janeiro de 2016 (fls. 17-18 e 133) do montante de € 8.009,08 correspondente ao saldo em dívida anterior constante do extrato de Agosto de 2010 (fls. 39), pois que, tendo presente a utilização de cartão de crédito, o saldo negativo há-de resultar das concretas operações de crédito realizadas (com aquisição de bens ou serviços e levantamentos em dinheiro) e não pagas, e sem esta prova não se pode concluir que em Agosto de 2010 existia um saldo em dívida anterior de € 8.009,08 decorrente daquela utilização.
Ora, nos termos do art. 217.º, n.º 1, do Código Civil, a «declaração negocial pode ser (…) tácita: (…) quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam».
Donde, a efetiva utilização pela ré do cartão de crédito com a realização das respetivas transações constituiria comportamento concludente no sentido de ter ocorrido a celebração do contrato, concluindo-se necessária e, consequentemente, pela existência de uma declaração negocial tácita (aceitação) daquela e, portanto, pela perfeição contratual face à existência de duas declarações negociais convergentes.
Simplesmente, conforme supra explicitado, o contrato de utilização de cartão de crédito estava sujeito à forma escrita e o «carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz» (art. 217.º, n.º 2, do Código Civil), o que, no caso, se não verifica, não tendo o comportamento da ré de utilização do cartão de crédito revisto qualquer forma escrita, por não assentar em qualquer documento por si assinado.
Neste sentido, também aqui cumpre convocar o disposto no art. 364.º, n.º 1, do Código Civil e, especificamente quanto à prova testemunhal, no art. 393.º, n.º 1, do Código Civil, exigindo-se para prova da declaração negocial tácita da ré documento particular por si assinado ou documento particular autenticado ou documento autêntico, não tendo tal prova sido feita.
Em suma, nenhuma da prova documental e testemunhal produzida tem a força probatória bastante para permitir a prova dos factos em causa”.
Está em causa nos art. 9º a 11º da petição aperfeiçoada apreciar da materialidade inerente ao uso de um cartão de crédito, independentemente da apreciação do concreto contrato celebrado. A prova de tal matéria não sofre qualquer restrição nos meios de prova, por não estar em causa a interpretação de termos ou condições contratuais, nem a validade e eficácia das mesmas.
As restrições probatórias do citado art. 364º CC têm apenas que ver com a validade substancial do negócio, pelo que a impossibilidade de recurso ao uso de outra prova documental ou à prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, releva apenas e tão só para efeitos de prova da celebração válida do contrato, ou seja, para não permitir que se façam valer os efeitos do contrato como se fosse válido.
Mas já não releva para impedir a prova efetiva e real do negócio nulo por falta de forma, e, através daqueles meios probatórios, fazer prova da sua existência e correspondente materialidade e, por essa via, alcançar os efeitos decorrentes, não do negócio, mas da respetiva nulidade ou da obrigação de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa, como sucede no caso dos autos.
Nada impede o recurso a documento de menor força probatória, à confissão, a prova testemunhal ou até mesmo a presunções judiciais para a demonstração da obrigação de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa, no pressuposto de não se provar a validade do negócio.
Contudo, no caso concreto como se demonstrou, considera-se validamente celebrado o contrato e por isso, trata-se de apreciar se a ré fez uso do cartão e em que termos.
Neste aspeto o depoimento da testemunha D… indicada pela autora revelou-se determinante no apuramento dos factos, pois o seu depoimento permitiu apreciar e interpretar os concretos documentos juntos pela autora com a petição e ainda, os extratos de conta juntos com o requerimento de 08 de janeiro de 2020 (ref. Citius 24727315, página 166 do processo eletrónico).
A testemunha funcionária da autora, não revelou ter conhecimento das circunstâncias em que foi celebrado o contrato e apenas revelou ter conhecimento da questão em litígio, quando em abril de 2019 teve contacto com o dossier remetido à seção de contencioso, onde exerce funções. Referiu que recebeu tal “dossier” e diligenciou por apurar se a ré procedeu ao pagamento voluntário da divida e depois de analisar e confirmar a situação de incumprimento entregou o processo ao advogado respetivo.
A testemunha revelou ter conhecimento, através da análise da documentação que lhe foi facultada, que a autora concedeu à ré um cartão através do qual a ré efetuava movimentos a débito e crédito, que tinha um plafond - € 13.000,00 -, e outros serviços associados ao cartão, como linhas de crédito; linha de pagamento ordenados, associada ao cartão e linha de crédito com pagamentos fracionados. “Manteve durante anos este cartão”, referiu.
A testemunha esclareceu que o extrato era emitido no dia 20 de cada mês e enviado ao cliente. A taxa do juro remuneratório situava-se nos 23,53% e resultava do convencionado com o cliente.
Disse, ainda, que ao longo dos anos verificaram-se situações pontuais de incumprimento, mais notórias a partir de janeiro de 2011, até que, por fim, em 2016 deixou de cumprir, ascendendo o montante em divida a valores elevados.
A partir desta data, referiu, o cartão foi anulado, retiradas as linhas de crédito e cancelados os pagamentos fracionados.
A testemunha foi confrontada com os documentos juntos com a petição e o extrato de conta.
Quanto ao facto da proposta de adesão ao cartão não estar assinada e questionada sobre existia algum motivo respondeu: “não”.
Esclareceu que o número de conta indicado na proposta de adesão correspondia à conta onde seriam debitados os valores em divida.
Confrontada com o extrato, junto como documento nº2, confirmou o cancelamento das linhas de crédito concedidas através do cartão.
Referiu, ainda, quando confrontada com o documento nº 3 junto com a petição, desconhecer o motivo pelo qual se indica como data para celebração do contrato o dia 10 de abril de 2006, mas referiu que se justificaria pelo facto de ter ocorrido substituição do cartão.
Analisados os extratos confirma que na primeira página se faz constar um valor em divida no montante de € 8.009,08 e depois explica como sucessivamente o cartão foi utilizado, com levantamentos de somas de dinheiro, pagamentos do montante em divida e do valor fracionado, juros até completar o montante total em divida, com capital, juros remuneratórios e impostos.
Do confronto do depoimento da testemunha com os documentos juntos aos autos resulta demonstrado que a autora concedeu um cartão de crédito à ré e que a ré fez uso de tal cartão, tendo a autora suportado o pagamento de tais despesas que na data em que o cartão foi anulado ascendiam a um saldo negativo no montante de €15.848,93, encontrando-se em dívida € 15.212,94 a título de capital, € 475,48 a título de juros desde 04-09-2015 e € 160,51 a título de imposto de selo.
É certo que não estão demonstrados os movimentos que geraram o débito de € 8.009,08 em agosto de 2010. Apenas se apurou o valor em débito naquela data, que corresponde aos adiantamento realizados pela autora, dentro da relação estabelecida.
De igual forma, decorre do depoimento da testemunha em confronto com o documento nº 2, junto com a petição – extrato de conta nº …/2016 -, que o uso do cartão pela ré se inseria no âmbito de uma relação comercial mais ampla, que permitiu à ré usar de diferentes linhas de crédito, ainda que associadas ao cartão. Essa mesma relação é espelhada na carta que o advogado dirige à ré, junto como documento nº4.
Analisado o extrato nº…/2016 – documento nº 2 – constata-se que os movimentos realizados com o cartão deviam ser debitados numa conta, a qual coincide com o número de conta que consta do documento designado como proposta de adesão ao cartão.
Resta referir que a ré confrontada com os extratos juntos pela autora limitou-se a alegar na contestação: “a autora não especifica a data dos alegados créditos e a respetiva data de vencimento, limitando-se apenas a juntar os extratos”.
Não colocou em causa os movimentos e valores lançados no extrato da conta cartão. De acordo com os termos do contrato, a ré poderia usar o crédito concedido até ao limite do “plafond”, não estando convencionado uma data de vencimento. Perante tal alegação não impugnou a ré os movimentos gerados e o crédito concedido pela autora desde a data da celebração do contrato.
Acresce ao exposto, que resulta do depoimento da testemunha que a análise da questão suscitada nestes autos, foi objeto de um prévio tratamento interno na instituição bancária, a chamada fase negocial, que a testemunha não acompanhou, mas resulta do seu conhecimento que só a inviabilização de acordo em tal fase e a falta de pagamento voluntário, determina a remessa do processo para o contencioso, com vista ao seu tratamento por advogado. Verifica-se que é desencadeado todo um procedimento interno na instituição de crédito, despoletado por uma situação de incumprimento, revelador da efetiva existência da relação comercial estabelecida entre as partes.
Resta referir que sobre esta matéria não foi produzida outra prova que infirmasse, por um lado, o conhecimento que a testemunha revelou dos factos e ainda, a veracidade dos documentos juntos pela autora.
Conclui-se do exposto que se justifica alterar a decisão no sentido de julgar provada a matéria das alíneas h) e i) dos factos não provados (art. 9º a 11 da petição-aperfeiçoada”:
- A ré efetuou com o cartão de crédito diversas operações, tendo as respetivas quantias sido liquidadas pela autora, sem que a conta à ordem tivesse sido devidamente aprovisionada na data dos respetivos débitos.
- Em resultado da utilização do cartão de crédito pela ré, a conta indicada em 1 apresentou em 22 de Janeiro de 2016 um saldo negativo de € 15.848,93, encontrando-se em dívida € 15.212,94 a título de capital, € 475,48 a título de juros desde 04-09-2015 e € 160,51 a título de imposto de selo.
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Resta a matéria das alíneas j), k) e l) dos factos julgados não provados.
Julgaram-se não provados os seguintes factos:
j) A ré foi interpelada por cartas datadas de 7 de Setembro de 2016 e de 21 de Junho de 2017 juntas como docs. 4 e 5 com a petição inicial.
k) A autora enviou à ré em 20 de Outubro 2015 a carta junta como doc. 1 com o requerimento de 09-11-2020.
l) A autora remeteu à ré em 30 de Setembro de 2016 a comunicação junta como doc. 2 com o requerimento de 09-11-2020.
A matéria em causa corresponde aos art. 25º e 26º da petição aperfeiçoada e requerimento junto aos autos em 09 de novembro de 2020 (ref. Citius 27287221, pag. 105 do processo eletrónico).
Em sede de fundamentação da decisão, considerou-se:
“A falta de convicção positiva sobre os factos j) a l) resulta de nenhuma das missivas juntas pela autora se encontrar acompanhada de qualquer evidência probatória dos seus envios, de modo que, por si sós, não demonstram que os mesmos tenham ocorrido”.
Mais uma vez é de referir que na contestação a ré não impugna tal matéria, pois não alegou que não recebeu tal correspondência. Impugna os documentos, mas não afirma que não os recebeu, o que equivale a admitir por acordo a sua receção (art. 574º/1 CPC).
A testemunha inquirida sobre tal matéria referiu que a carta remetida pelo advogado – doc. nº 4 – não mereceu qualquer resposta, nem a ré efetuou o pagamento.
As cartas em causa não foram expedidas para a morada indicada no contrato. Contudo, cumpre ter presente que o contrato foi celebrado em 1998 e as cartas expedidas em 2016. Por outro lado, tudo indica que a morada para onde foram expedidas corresponde ao endereço da ré, porque foi nesse endereço que foi citada para os termos da ação.
Apesar de não constar dos autos o registo de envio da correspondência, afigura-se-nos normal o envio de um extrato a dar notícia da cessação do contrato, quando mensalmente se expediam extratos dos movimentos com o cartão, como o referiu a testemunha.
Em relação à correspondência junta com o requerimento 09 de novembro de 2020 (ref. Citius 27287221, pag. 105 do processo eletrónico) é de referir, acompanhando os argumentos da apelante, que a ré-apelada notificada do requerimento e documentos juntos não se pronunciou sobre os mesmos.
Tal atitude associada ao facto da correspondência ser dirigida para a mesma morada da anterior correspondência apenas permite concluir que foi remetida e recebida pela ré.
Considera-se, porém que deve ser eliminada a expressão “a ré foi interpelada” porque contém em si um juízo de direito, que não tem expressão no teor das concretas cartas. Estando em causa saber quando e em que circunstâncias a autora exigiu junto da ré o pagamento da quantia em divida, será a partir de concretos factos que se deve concluir se ocorreu a interpelação da ré antes da citação para a ação.
Desta forma, conclui-se que tais factos devem passar a constar do enunciado dos factos provados, nos seguintes termos:
- A autora remeteu à ré as cartas datadas de 7 de Setembro de 2016 e de 21 de Junho de 2017 juntas como docs. 4 e 5 com a petição inicial.
- A autora enviou à ré em 20 de Outubro 2015 a carta junta como doc. 1 com o requerimento de 09-11-2020.
- A autora remeteu à ré em 30 de Setembro de 2016 a comunicação junta como doc. 2 com o requerimento de 09-11-2020.
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Perante o exposto procedem as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 30, e nessa conformidade, eliminam-se os factos julgados não provados e altera-se a decisão de facto passando a constar do enunciado dos factos provados os seguintes factos: - No exercício da atividade creditícia da autora, foi contratada pela ré a emissão de um cartão de crédito VISA, com o n.º de conta ………...
- O referido cartão de crédito conferiu à ré, sua titular, a faculdade de realizar várias operações, como a aquisição de bens e serviços vários e o adiantamento de dinheiro, bem assim como beneficiar de um conjunto de serviços associados – cfr. cláusula 24.ª das condições específicas do contrato.
- De acordo com a cláusula 29.ª, as quantias devidas pelo titular, resultantes das operações de aquisição de bens e serviços ou de adiantamento de dinheiro, que sejam liquidadas pela autora, são lançadas na conta-cartão, a partir da qual será mensalmente emitido um extracto, discriminando as operações e os valores em dívida.
- Ficou ainda contratualmente acordado que o saldo devedor dessa conta-cartão seria pago no 20.º dia posterior à emissão do extracto através de débito automático – cfr.cláusula 30.ª.
- Por sua vez, na cláusula 30.1 ficou a constar que a ré deveria provisionar a conta de depósitos à ordem de modo a permitir que a autora, naquela data, procedesse ao competente débito dos montantes utilizados pela mesma.
- Na cláusula 31.ª consta que, sobre as quantias utilizadas pelo titular em virtude das operações realizadas, são devidos juros à taxa que conste do tarifário em vigor na data de emissão do extrato, divulgado pela autora nos termos da lei, acrescendo-lhe o imposto selo.
- De acordo com o que ficou expressamente consignado nas condições gerais, a ré obrigou-se a manter a conta à ordem devidamente provisionada a fim de ser debitados quantias por si utlizadas com o cartão de crédito.
- A ré efetuou com o cartão de crédito diversas operações, tendo as respetivas quantias sido liquidadas pela autora, sem que a conta à ordem tivesse sido devidamente aprovisionada.
- Em resultado da utilização do cartão de crédito pela ré, a conta indicada em 1 apresentou em 22 de Janeiro de 2016 um saldo negativo de € 15.848,93, encontrando-se em dívida € 15.212,94 a título de capital, € 475,48 a título de juros desde 04-09-2015 e € 160,51 a título de imposto de selo.
- A Autora remeteu à ré as cartas datadas de 7 de Setembro de 2016 e de 21 de Junho de 2017 juntas como docs. 4 e 5 com a petição inicial.
- A autora enviou à ré em 20 de Outubro 2015 a carta junta como doc. 1 com o requerimento de 09-11-2020.
- A autora remeteu à ré em 30 de Setembro de 2016 a comunicação junta como doc. 2 com o requerimento de 09-11-2020.
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- Da responsabilidade da ré -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 31 a 61, insurge-se a apelante contra a solução de direito, no pressuposto da alteração da decisão de facto, o que veio a verificar-se.
Defende a apelante que provando-se os factos alegados pela autora, a ré é responsável pelo pagamento do saldo negativo apurado pela utilização do cartão, por não ter demonstrado o pagamento de tal quantia. Considera, ainda, que a não se entender assim, sempre será a ré responsável com fundamento no enriquecimento sem causa.
A presente ação insere-se no âmbito das ações de responsabilidade contratual, por incumprimento do contrato visando a apelada obter o reembolso das quantias que adiantou no âmbito do contrato celebrado com a ré.
Dispõe o art.406º CC que os contratos devem ser pontualmente cumpridos.
O incumprimento do contrato importa a responsabilização do faltoso – art. 798º e art. 799º CC.
Apurou-se que:
- O referido cartão de crédito conferiu à ré, sua titular, a faculdade de realizar várias operações, como a aquisição de bens e serviços vários e o adiantamento de dinheiro, bem assim, como beneficiar de um conjunto de serviços associados – cfr. cláusula 24.ª das condições específicas do contrato.
- De acordo com a cláusula 29.ª, as quantias devidas pelo titular, resultantes das operações de aquisição de bens e serviços ou de adiantamento de dinheiro, que sejam liquidadas pela autora, são lançadas na conta-cartão, a partir da qual será mensalmente emitido um extracto, discriminando as operações e os valores em dívida.
- Ficou ainda contratualmente acordado que o saldo devedor dessa conta-cartão seria pago no 20.º dia posterior à emissão do extrato através de débito automático – cfr. cláusula 30.ª.
- Por sua vez, na cláusula 30.1 ficou a constar que a ré deveria provisionar a conta de depósitos à ordem de modo a permitir que a autora, naquela data, procedesse ao competente débito dos montantes utilizados pela mesma.
- Na cláusula 31.ª consta que, sobre as quantias utilizadas pelo titular em virtude das operações realizadas, são devidos juros à taxa que conste do tarifário em vigor na data de emissão do extrato, divulgado pela autora nos termos da lei, acrescendo-lhe o imposto selo.
- De acordo com o que ficou expressamente consignado nas condições gerais, a ré obrigou-se a manter a conta à ordem devidamente provisionada a fim de ser debitados quantias por si utlizadas com o cartão de crédito.
- A ré efetuou com o cartão de crédito diversas operações, tendo as respetivas quantias sido liquidadas pela autora, sem que a conta à ordem tivesse sido devidamente aprovisionada.
- Em resultado da utilização do cartão de crédito pela ré, a conta indicada em 1 apresentou em 22 de Janeiro de 2016 um saldo negativo de € 15.848,93, encontrando-se em dívida € 15.212,94 a título de capital, € 475,48 a título de juros desde 04-09-2015 e € 160,51 a título de imposto de selo.
Perante os factos provados, conclui-se que entre autora e ré foi celebrado um contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito.
A autora assumiu as suas obrigações no contrato, mas a ré não cuidou de provisionar a conta, como se obrigou, gerando um saldo negativo.
O incumprimento é imputável à ré, que não demonstrou ter procedido ao pagamento dos valores em divida, nem ilidiu a presunção de culpa (art. 799º CC).
Desta forma, assiste à autora atento os termos do convencionado entre as partes, o direito a receber a quantia que adiantou a título de capital, os juros convencionados a título de juros remuneratórios e ainda, as quantias liquidadas e devidas como impostos.
A autora peticiona ainda o pagamento de juros de mora.
O juro representa o rendimento de um crédito pecuniário, que se determina em função do montante deste, do tempo durante o qual se fica privado do capital e da taxa de remuneração.
A obrigação de juros tem natureza acessória, pois estes não nascem, nem se vencem, sem a existência de um crédito principal de que aquela depende.
Contudo, constituída a obrigação, esta adquire autonomia em relação ao crédito principal, conforme decorre do art. 561º CC.
Os juros moratórios são devidos a título de reparação, pelo incumprimento tempestivo de uma obrigação pecuniária (art. 806º CC).
Os juros moratórios são devidos desde a mora do devedor, mais propriamente, desde a data em que ocorre com culpa do devedor, o não cumprimento da divida em causa, até à data do pagamento desta.
Nas obrigações ilíquidas, emergentes de responsabilidade contratual, conforme decorre do art. 805º/3, 1ª parte CC, só há mora a partir do momento em que a divida se liquida, ou seja, se determina ou apura o seu quantitativo, a não ser que a não liquidez seja devida a culpa do devedor.
No caso concreto, a obrigação principal respeita ao reembolso das quantias adiantadas pela autora.
Peticiona a autora juros de mora a contar da data da interpelação que ocorreu com o envio das cartas juntas como doc. nº 4 e doc. nº5.
Contudo, para além de não ter sido estabelecido um prazo para o cumprimento, as referidas missivas também não o estabeleceram. A carta com data de 07 de setembro de 2016 estabelece um prazo de 15 dias para pagamento de um valor superior ao que se peticiona na presente ação, o qual corresponde a um débito global envolvendo outros créditos em divida, sendo ainda um prazo para negociação da divida. A carta com data de 21 de junho de 2017 apenas dá conhecimento do propósito de instaurar a ação no tribunal.
Não se provando que ficou convencionado um prazo para o pagamento da divida, apenas com a citação para os termos da ação ocorreu a interpelação, como se prevê no art. 805º/1 CC.
O reembolso da quantia peticionada reveste a natureza de obrigação pecuniária e nestas obrigações, o juro corresponde ao valor da indemnização (art. 806º CC).
Os juros são devidos a contar da data da constituição em mora do devedor (art. 804º CC), que no caso corresponde à data da citação.
Os juros vencem-se à taxa dos juros de mora das empresas comerciais e até integral pagamento – art. 102º, §3º do C.Com., Portaria 597/2005, de 19/07.
Procedem, também nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 30 a 48, ficando prejudicado a apreciação das restantes conclusões, atento o caráter subsidiário das questões colocadas sob os pontos 49 a 61.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e nessa conformidade:
- julgar procedente a reapreciação da decisão de facto e eliminar os factos julgados não provados e julgar provados os seguintes factos:
> No exercício da atividade creditícia da autora, foi contratada pela ré a emissão de um cartão de crédito VISA, com o n.º de conta ………...
> O referido cartão de crédito conferiu à ré, sua titular, a faculdade de realizar várias operações, como a aquisição de bens e serviços vários e o adiantamento de dinheiro, bem assim como beneficiar de um conjunto de serviços associados – cfr. cláusula 24.ª das condições específicas do contrato.
> De acordo com a cláusula 29.ª, as quantias devidas pelo titular, resultantes das operações de aquisição de bens e serviços ou de adiantamento de dinheiro, que sejam liquidadas pela autora, são lançadas na conta-cartão, a partir da qual será mensalmente emitido um extracto, discriminando as operações e os valores em dívida.
> Ficou ainda contratualmente acordado que o saldo devedor dessa conta-cartão seria pago no 20.º dia posterior à emissão do extracto através de débito automático – cfr.cláusula 30.ª.
> Por sua vez, na cláusula 30.1 ficou a constar que a ré deveria provisionar a conta de depósitos à ordem de modo a permitir que a autora, naquela data, procedesse ao competente débito dos montantes utilizados pela mesma.
> Na cláusula 31.ª consta que, sobre as quantias utilizadas pelo titular em virtude das operações realizadas, são devidos juros à taxa que conste do tarifário em vigor na data de emissão do extrato, divulgado pela autora nos termos da lei, acrescendo-lhe o imposto selo.
> De acordo com o que ficou expressamente consignado nas condições gerais, a ré obrigou-se a manter a conta à ordem devidamente provisionada a fim de ser debitados quantias por si utlizadas com o cartão de crédito.
> A ré efetuou com o cartão de crédito diversas operações, tendo as respetivas quantias sido liquidadas pela autora, sem que a conta à ordem tivesse sido devidamente aprovisionada.
> Em resultado da utilização do cartão de crédito pela ré, a conta indicada em 1 apresentou em 22 de Janeiro de 2016 um saldo negativo de € 15.848,93, encontrando-se em dívida € 15.212,94 a título de capital, € 475,48 a título de juros desde 04-09-2015 e € 160,51 a título de imposto de selo.
>A Autora remeteu à ré as por cartas datadas de 7 de Setembro de 2016 e de 21 de Junho de 2017 juntas como docs. 4 e 5 com a petição inicial.
> A autora enviou à ré em 20 de Outubro 2015 a carta junta como doc. 1 com o requerimento de 09-11-2020.
> A autora remeteu à ré em 30 de Setembro de 2016 a comunicação junta como doc. 2 com o requerimento de 09-11-2020.
- revogar a sentença e julgar parcialmente procedente por provada a ação e condenar a ré C… a pagar à autora B… a quantia de € 15.848,93, acrescido de juro de mora sobre o capital em divida no montante de € 15.212,94, desde a citação até integral pagamento à taxa devida para as empresas comerciais.
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Porto, 15 de dezembro de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
__________________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126. [3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225. [4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272. [5] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569. [6] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt. [7] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt. [8] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt [9] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt). [10] Cfr. ANA PRATA, Coord. CÓDIGO CIVIL Anotado, vol.I, 2ª ed, revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2019, pag.305; HEINRICH EWALD HÖRSTER A PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS Teoria Geral do Direito Civil, 9ª Reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, novembro de 2014, pag.439-446; CARLOS ALBERTO MOTA PINTO Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, Limitada, 1976, pag. 344-346 [11] FERNANDO GRAVATO DE MORAIS CONTRATOS DE CRÉDITO AO CONSUMO, Almedina, Coimbra, março de 2007, pag.127-130.