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SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE
EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO
Na presente execução (1) sumária (Ag.Execução), que Caixa ..., S.A. instaurou contra X, Sociedade Unipessoal, Lda e M. C., depois de terem sido penhorados vários imóveis onerados com penhoras anteriores registadas a favor da Fazenda Nacional, foi, por decisão de 22-04-2021 da Srª Agente de Execução, sustada a execução ao abrigo do artigo 686º do Código Civil e dos artigos 752º e 794º do C.P.C.
Notificado dessa decisão, veio em 5-05-2021 o exequente Caixa ..., S.A. reclamar, o que fez nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. No âmbito dos presentes autos foram penhorados os imóveis onerados com três hipotecas registadas a favor da CAIXA ... para garantia dos financiamentos dados à execução (v.g. art. 752.º do CPC), a saber:
- a fração autónoma designada pela letra “V” descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º .../Póvoa de Varzim - “V” – cfr. certidão predial que ora se junta aos autos como doc. n.º 1;
- o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ... – cfr. certidão predial que ora se junta aos autos como doc. n.º 2.
Sucede que, 2. Conforme consta das certidões prediais ora juntas, os imóveis em apreço acham-se onerados com penhoras anteriores registadas a favor da Fazenda Nacional. 3. Assim, foram os presentes autos sustados quanto a esses imóveis onerados com hipoteca em benefício da CAIXA .... 4. Não pode, no entanto, a CAIXA ... concordar com esta decisão da Agente de Execução.
É que, 5. As penhoras registadas com anterioridade à penhora registada à ordem dos presentes autos remontam ao ano de 2014, ou seja, há mais de 7 (sete) anos. 6. E, até à presente data, não foi, ainda (!), designada data para a diligência de venda no processo de execução fiscal à ordem do qual se acham registadas as penhoras anteriores, 7. Tendo a aqui Exequente obtido a informação que o competente Serviço de Finanças não tem intenção de efectuar a marcação da venda dos bens imóveis – cfr. e-mail que ora se junta aos autos como doc. n.º 3 (2).
Consequentemente, 8. A CAIXA ... vê-se totalmente impedida de ver satisfeito o seu crédito, atenta a absoluta ineficiência do Serviço de Finanças que, gozando de penhora sobre os imóveis melhor identificados supra, 9. mantém os processos “adormecidos”, não promovendo os seus respectivos termos, designadamente porque impedida, atenta a lei da protecção da casa de mora de família – Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio. 10. Sendo certo que, ao invés do que sucede no processo civil, ao credor reclamante em processo de execução fiscal não cabe qualquer mecanismo processual que lhe permita impulsionar os autos, promovendo, de alguma forma, a venda do bem onerado com garantias reais. 11. É entendimento da CAIXA ..., porém, que independentemente da existência de penhoras com registo de anterioridade e, pelo facto de tais penhoras serem da Fazenda Nacional, poderão os presentes autos seguir os seus normais termos. 12. Alicerça-se tal posição na combinação do presente regime procedimental fiscal com a interpretação que no âmbito do anterior regime era já efectuada.
Senão vejamos: 13. O art. 300.º, n.º 1 do Código de Processo Tributário (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril foi considerado inconstitucional pelo Ac. n.° 451/95 de 3 de Agosto (declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral). 14. Tal artigo, com a epigrafe “impenhorabilidade de bens em execução fiscal” preceituava que:
“1 - Penhorados quaisquer bens pelas repartições de finanças, não poderão os mesmos bens ser apreendidos, penhorados ou requisitados por qualquer tribunal, salvo se, em processo especial de recuperação da empresa e de protecção dos credores, o administrador judicial requerer o levantamento da penhora e assegurar a sua substituição por uma das garantias previstas no nº 1 do artigo 282º, de forma que fiquem assegurados os interesses do exequente. 2 - Salvo o disposto no artigo 264º, podem ser penhorados pelas repartições de finanças os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada.” 15. Pese embora a declaração de inconstitucionalidade, não se referia no Acórdão vindo de aludir, porém, qual seria a tramitação a efectuar relativamente a tais situações. 16. Nos termos do disposto no art. 794.º do CPC obrigava a lei adjectiva – como ainda o obriga - a que fosse sustada a execução da penhora mais recente a fim de o exequente reclamar o seu crédito na execução da penhora mais antiga. 17. No entanto, se a penhora mais antiga fosse a da execução fiscal, o exequente estava impossibilitado de reclamar o seu crédito, pois tal era-lhe vedado pelo CPT. 18. Daí que se tenha entendido que a referida declaração de inconstitucionalidade obrigava a fazer letra morta da disposição do art. 794.º do CPC sob pena de impedir o credor de ver satisfeito o seu crédito, opção adoptada pela generalidade dos tribunais. 19. O novo CPPT, no seu art. 218.º, manteve apenas a norma que constava do n.º 2 do antigo art. 300.º, ou seja, que “podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”. 20. Não existindo hoje o correspondente ao n.º 1 do art. 300.º do anterior CPT, têm os tribunais aplicado o art. 794.º do CPC, sem mais. 21. No entanto, analisando o referido CPPT, verificamos que, em termos práticos (pese embora hoje não se preveja a impenhorabilidade dos bens que já estejam penhorados no âmbito das execuções fiscais), o direito patrimonial do credor exequente em execução não fiscal vê-se praticamente anulado. 22. Na verdade, não obstante naquele código se preveja a citação de credores com garantia real, o certo é que, se a execução fiscal se mantiver parada durante anos, como sucede in casu, mantém o Estado a sua garantia (pelo menos até ao limite da validade do registo da penhora) sem que o credor possa, de algum modo, impulsionar o andamento daquela mesma execução. 23. Deste modo, como forma de compatibilizar as situações que as duas leis adjectivas - CPC e CPTT - não previram, entendemos que deve continuar a fazer-se letra morta do art. 794.º do CPC quando estão em causa penhoras anteriores da Fazenda Nacional.
Ademais, 24. A disposição normativa constante do art. 794.º do CPC visa impedir a sobreposição de direitos sobre os mesmos bens, criando assim uma regra de prioridade temporal cujo objectivo é o de ordenar em um só processo (o da primeira penhora) a tramitação dos aptos tendentes à venda executiva e subsequente distribuição do produto dessa venda. 25. Pretende o legislador, assim, impedir que o mesmo bem possa ser alienado duas ou mais vezes em dois ou mais processos distintos, ou que o direito de um primeiro exequente (o que mais cedo logrou obter penhora) possa ser postergado apenas porque outro credor posterior viu o seu processo correr em tribunal ou juízo de tramitação mais célere (ou por menor pendência ou por maior eficácia dos seus serviços) ou adstrito a solicitador de execução mais diligente. 26. Tem o normativo em apreço igualmente a função de garantir ao primeiro credor penhorante a manutenção da garantia proveniente da penhora e a respectiva execução no seu processo, uma vez que essa qualidade de credor com penhora efectuada não lhe atribui qualquer especial protecção em sede de citação de credores, designadamente para os efeitos previstos no art. 786.º do CPC. 27. No entanto, a protecção conferida ao credor com primeira penhora é, nos termos da lei processual civil, controlável pelos credores com penhora subsequente e que ao processo primeiro tenham vindo reclamar créditos por força do disposto no aludido art. 794.º. 28. Com efeito, estando a instância suspensa por inércia do exequente em promover os seus termos, pode o credor reclamante requerer o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito. 29. Existe, assim, uma tutela do credor reclamante por força do preceituado no art. 794.º do CPC que lhe garante a execução do seu crédito em tempo útil, não ficando, por isso, totalmente refém da promoção do processo por parte do exequente. 30. Aliás, jurisprudência há no sentido de que a sustação da execução nos termos do art. 794.º do CPC só deverá ocorrer se a execução da primeira penhora estiver em movimento, não fazendo sentido que se admita a reclamação de um crédito numa execução parada por inércia do exequente (neste sentido, Ac RP, de 30.05.89, BMJ 398º-581; Ac RP, de 21.07.83, BMJ 329º-620; Ac STJ, de 12.12.72, BMJ 222º-360). 31. A razão de ser deste entendimento jurisprudencial prende-se com a circunstância de a protecção do credor reclamante no domínio da legislação processual civil não ocorrer na execução fiscal. 32. Resulta daqui que encontrando-se o credor reclamante na absoluta dependência da iniciativa do Serviço de Finanças territorialmente competente, nenhum ato processual poderá praticar que lhe permita tomar a direcção do processo, impulsionando-o. 33. Por este motivo, não promovendo (ou não querendo promover) o serviço de finanças local o andamento dos autos de execução fiscal, o credor reclamante com execução própria instaurada e penhora registada posteriormente poderá ficar indefinidamente à espera de uma iniciativa processual que não consegue controlar e que poderá nunca vir a ocorrer. 34. Tal situação é particularmente danosa para o credor reclamante que, tal como sucede no caso dos autos, goza de hipoteca sobre o bem penhorado, tendo por isso a legítima expectativa de vir a ser graduado em primeiro lugar pelo produto da venda do bem onerado. 35. Não foi com certeza esta situação de impasse processual que o legislador visou alcançar. 36. Se o legislador, na ânsia de dotar a administração fiscal de mecanismos legais céleres e eficazes expressamente previu a não sustação do processo de execução fiscal em caso de penhora de bem já apreendido (por penhora anterior) por qualquer outro tribunal (art. 218.º, n.º 3 CPPT). 37. Se esse mesmo legislador faz depender as diligências tendentes à venda dos bens penhorados em processo civil executivo da citação prévia da Fazenda Nacional para reclamar créditos (art. 786.º, n.º 2 do CPC), 38. Então nada obstará ao prosseguimento do processo executivo sustado por penhora anterior da Fazenda Nacional, quando o processo fiscal da penhora mais antiga estiver parado por inércia do Serviço de Finanças, como é comprovadamente o caso dos autos. 39. Como atrás referido, o prosseguimento dos presentes autos nenhum prejuízo comportará para a administração fiscal, dado que o passo processual imediatamente seguinte será o da citação da Fazenda para reclamar os seus créditos. 40. Assim, temos que, mantendo-se a sustação da penhora registada à ordem destes autos, não logrará a CAIXA ... ver satisfeito o seu crédito exequendo e hipotecário, 41. Dado não lhe ser possível promover os autos de execução fiscal, que a Fazenda mantém em estado de absoluta suspensão. 42. Levantando-se a sustação e prosseguindo os autos, será a Fazenda citada para reclamar os seus créditos, os quais serão então graduados no lugar que lhes compete, não advindo, por isso, qualquer prejuízo para o Estado, prosseguindo-se os fins da execução civil (e, concomitantemente, da execução fiscal) – a cobrança do crédito exequendo e créditos reclamados. 43. Tal entendimento já se encontra perfilhado em recente jurisprudência, a saber, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.09.2017 e de 24.10.2017 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.01.2019, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Por outro lado, 44. Cumpre, ainda, realçar que, de acordo com as certidões prediais já juntas como docs. n.º 1 e 2, as penhoras de terceiro, que antes se encontravam registadas também com prioridade sobre as penhoras à ordem dos presentes autos, foram já canceladas. 45. Nesta conformidade, e atento tudo quanto foi exposto, requer-se V.ª Ex.ª se digne revogar a decisão de sustação proferida pela Sra. Agente de Execução e ordenar o prosseguimento dos presentes autos, notificando-se a Agente de Execução em funções para proceder às citações constantes do art. 786.º do CPC.
Ouvidos os executados, opondo-se ao requerido, a executada M. C. pronunciou-se nos seguintes termos:
M. C., executada nos autos, notificada do requerimento apresentado pela exequente que, no essencial, pretende o prosseguimento destes autos, com vista à venda dos imoveis que se encontram penhorados, e sobre os quais existe penhora anterior, vem dizer o seguinte: 1- O requerido pela exequente assenta num pressuposto, que a mesma dá como certo, embora tal não se mostre evidenciado nos autos. De facto, 2- A exequente invoca a inercia da A.T. (cfr. item 37º do requerimento a que se responde), e o “estado de absoluta suspensão” do processo de execução fiscal para sustentar o respetivo pedido. Acontece que, 3- Do que é do conhecimento da executada, tal juízo conclusivo encontra-se errado nos seus pressupostos, porquanto o dito processo executivo encontra-se a aguardar decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal. Ou seja, 4- É tal processo que obsta ao prosseguimento daquela instância executiva, pelo que tal dívida tributária não é certa, e muito menos o seu respetivo valor.
Pelo exposto, entende-se que o pedido da exequente não deverá merecer provimento.
Na sequência da abertura de conclusão em 22-06-2021, foi nessa mesma data proferido o seguinte despacho:
O banco exequente veio requerer o prosseguimento dos autos, com a respetiva venda do bem penhorado nos autos com um fundamento de que a sua sustação, em virtude de penhora fiscal anterior, impede-o de satisfazer o seu crédito.
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Regularmente notificada, a executada M. C. opôs-se ao requerido.
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Cumpre decidir:
Nos termos do disposto no artigo 794.º, do C.P.C., (n.º 1) “pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga. (n.º 2) se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante. (n.º 3) na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição”.
Por sua vez, a Lei Geral Tributária, refere, no seu artigo 244.º, n.º 2, que “não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”.
Sobre esta questão em concreto pronunciou-se o V.T.R.C., no douto Ac. datado de 24-10-2017, no âmbito do processo n.º 249/13.6TBEPS-A, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3c2b0380ea621a9b802581c400343d2d?OpenDocument., nos seguintes termos: “a presente lei protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Assim, foi introduzida a impossibilidade, após a entrada em vigor da referida Lei - aplicável a todos os processos de execução fiscal pendentes -, de nos processos de execução fiscal, serem vendidos mediante impulso da Autoridade Tributária os imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar. Esta impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que à partida não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito. No caso em apreço a execução movida pelo Exequente foi sustada para este ir reclamar o seu crédito ao processo de execução fiscal em virtude de penhora anterior à sua sobre o mesmo bem. A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das acções executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado. A solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2 que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo. A interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução. Quanto a estes credores escreveu Anselmo de Castro, posição que adoptamos como a correcta: E nela necessariamente hão-de dispor dos direitos que lhes caberia na sua própria execução, designadamente o de promover o andamento dos termos do processo, quando necessário, o de serem pagos pelo seu crédito na extinção da execução por pagamento voluntário e o de prosseguir com a execução em caso de desistência do exequente, estejam ou não graduados os créditos, etc., até porque, de contrário, a razão de economia processual impeditiva do exercício dos seus direitos na própria execução se frustraria. A execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior. Assim, entendemos, na interpretação que fazemos do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, pelo que concluímos que a decisão recorrida ao não admitir o prosseguimento desta execução não viola qualquer preceito constitucional”.
E pronunciou-se o mesmo o V.T.R.C., no douto Ac. datado de 26-09-2017, no âmbito do processo n.º 1420/16.4T8VIS-B, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/7507768f427955a9802581bf00336e11?OpenDocument, nos seguintes termos: “a Lei n.º 13/2016, de 23.5, alterou o CPPT e a Lei Geral Tributária (aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17.12), protegendo a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 1º). Tais alterações aplicaram-se imediatamente em todos os processos de execução fiscal pendentes à data da sua entrada em vigor - dia seguinte ao da sua publicação (art.ºs 5º e 6º). Pesem embora as diferenças dos “projectos de lei” dos três partidos que formavam a maioria parlamentar, foi intenção do legislador impedir as famílias de ficarem sem casa por causa de dívidas ao fisco. A disciplina do art.º 794º do CPC não se inspira em razões de economia processual, visto que não se manda atender ao estado em que se encontram os processos; susta-se o processo em que a penhora se efectuou em segundo lugar, ainda que a execução respectiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquele em que precedeu a penhora. O que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou venda dos ´mesmos bens`; a liquidação tem de ser única e, em princípio, há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar. O exequente irá deduzir os seus direitos no processo em que os bens tiverem sido penhorados em primeiro lugar. Tem de ir à execução que fica a correr (a execução com penhora anterior) reclamar o seu crédito para conseguir que seja aí reconhecido, graduado e pago – a reclamação não tem apenas por fim desembaraçar de encargos os bens a vender ou a adjudicar; destina-se essencialmente a evitar a pendência de duas execuções simultâneas sobre os mesmos bens, pois é óbvia a inconveniência de um regime que permita a tramitação em paralelo de mais do que uma execução sobre os mesmos bens, já que dificulta o atendimento ponderado e simultâneo dos direitos dos diversos credores. Por definição, uma execução está pendente enquanto não findar, ou seja, aquela que foi proposta e se mantém como tal, sem estar extinta. A ratio legis da norma do art.º 794º, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual, ou seja, não é suficiente a mera pluralidade de execuções, exigindo-se ainda que estejam em movimento, seguindo o curso processual normal, o que não acontece, por exemplo, quando a execução mais antiga, onde o crédito deveria ser reclamado se encontra parada por inércia do exequente. Poderá ainda ocorrer a suspensão ditada por imperativos legais, retirando temporariamente (nos termos legais) a dinâmica processual à execução fiscal pendente [v. g., as situações decorrentes do regime legal de pagamento da dívida em prestações (art.º 806º) - quando a execução fiscal se encontre suspensa por causa de nela ter sido firmado, entre exequente e executado, um plano de pagamento em prestações da quantia exequenda - ou, no passado recente, da aplicação do denominado “Plano Mateus“/DL n.º 124/96, de 10.8], mas o crédito que é objecto da execução sustada conservará toda a protecção resultante da penhora, que será efectivada na execução fiscal se aí o bem penhorado for vendido ou quando, cessado o pagamento das prestações em execução fiscal, recomeçar a tramitação da execução sustada; se assim não suceder, poder-se-á justificar o levantamento do despacho de sustação. A sustação prevista no art.º 794º, n.º 1 é aplicável quando a penhora sobre o mesmo bem ocorre numa execução comum e numa execução fiscal, sendo esta a mais antiga, como aqui se verifica. In casu, aplicar-se-á o regime previsto no n.º 2 do art.º 244º do CPPT, estando, assim, impedida a realização da venda de imóvel penhorado nas execuções (fiscal e cível), porventura o único ou o mais significativo dos executados. Nas apontadas circunstâncias, impedida a venda executiva, frustra-se o funcionamento do sistema concursal previsto na lei processual civil e na lei processual tributária - fica assim seriamente comprometido, na sua consistência prática, o direito patrimonial do credor exequente em execução não fiscal, sendo que sempre o crédito da recorrente só poderia ser satisfeito com o produto da venda do bem, pois, como se refere na alegação de recurso, a presente execução está sustada quanto ao imóvel e na execução fiscal há um impedimento legal à realização da venda, do bem hipotecado e penhorado, mantendo-se a penhora do Fisco apenas como mera garantia do crédito fiscal, sem quaisquer outras consequências processuais [sublinhado nosso], pois a venda não se irá realizar. Ademais, não estamos perante uma simples sustação da execução comum que importe para o respectivo credor um atraso na cobrança coerciva do seu crédito, quando esta tiver que fazer-se na execução fiscal, por ter que aguardar que, aí, se vendam os bens penhorados para, então, reclamar o seu crédito - a via judiciária continuaria aberta para esse fim, embora sujeita a demora; nestas circunstâncias, a suspensão da execução comum não traz prejuízo ao, nela, exequente já que o seu direito de ser pago pelo produto da venda do bem (imóvel) penhorado está garantido, apenas faltando saber se ocorre nessa execução ou na fiscal, e quando; mas certo de que, ou numa ou noutra, haverá (sempre) de vir a ter lugar. E se é de admitir que, contrariamente a uma lata aplicação do art.º 794º, n.º 1, seria melhor direito um regime processual que, ao invés de impor a sustação da execução comum no caso de, na execução fiscal, terem sido penhorados, com anterioridade, os mesmos bens que o foram naquela, permitisse que as execuções prosseguissem ambas os respectivos trâmites, ficando a Fazenda Nacional com o ónus de ir reclamar os seus créditos à execução comum, se quisesse prevenir a hipótese de a venda dos bens duplamente penhorados se fazer primeiro nesta última - solução que não seria a única compatível com a Lei Fundamental, pois também a da sustação da execução comum (na sequência da penhora anterior em execução fiscal) cumprirá os desígnios constitucionais, se temporalmente limitada e em equilibrada ponderação dos interesses contrapostos, por não haver aí diminuição da garantia do credor à satisfação do seu crédito nem esta se tornar desproporcionalmente mais difícil ou onerosa -, no caso em análise, pelas razões já aduzidas, aquela aventada possibilidade transmutar-se-á em necessidade, constituindo, em obediência à ratio legis e numa interpretação coerente e racional (que atenda aos elementos racional, sistemático e histórico), mas também restritiva (sob pena de se ultrapassar o fim visado pelo legislador, cingido às execuções fiscais), a forma razoável de reparar/afastar a discrepância, a contradição e a inadequação inerentes a uma acrítica e imediata aplicação (conjugada) dos art.ºs 794º, n.º 1 do CPC e 244º, n.º 2 do CPPT, sabendo-se que “é a interpretação a via mais apropriada para adequar às circunstâncias do caso concreto os juízos valorativos consagrados na lei”, que a interpretação “é, afinal, a via mais adequada à ´realização do direito`”. Por conseguinte, tudo levando a crer que não ocorrerá inércia do exequente (Fazenda Nacional) na tramitação da dita execução fiscal mas, apenas, no apurado circunstancialismo, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, afigura-se que, inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (o credor reclamante, neste caso credor hipotecário, não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução em apreço para que o Tribunal a quo averigue do estado da execução fiscal e, mantendo-se a impossibilidade de aí efectuar a venda, providencie pela actuação conducente à sua realização no processo executivo cível, conforme vem preconizado pela aqui exequente. Entendimento contrário, cremos, postergaria os mais elementares princípios do processo executivo, mormente os indicados em II. 3. e 5, supra, e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62º, n.º 1 da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.º 18 da CRP). Daí que importe revogar o despacho que indeferiu o prosseguimento dos presentes autos e o levantamento da sustação da execução [a que se reporta a decisão do AE mencionada em II. 1. g), supra, com vista à venda, na sua totalidade, do imóvel penhorado (art.º 743º, n.º 2), com a devida citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos, de modo a que também os direitos desta sejam devidamente acautelados, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação [desconhece-se a natureza do crédito fiscal].”
Esta questão já foi apreciada e por mim decidida no âmbito do processo n.º 6635/16.2T8GMR- J1 da secção de execução de Guimarães.
No âmbito deste processo executivo, que correu seus termos nesse J1, foi por mim decidido, em síntese, que “a Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, que alterou o Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, e a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, apenas tem aplicação nos processos de execução fiscal. Aliás, a vingar a tese de que tal regime também se aplica às execuções comuns, o artigo 757.º, do C.P.C., já tinha sido revogado na parte em que faz referência expressa ao domicílio do executado, o que não aconteceu. É compreensível, que o Estado, dada a sua função social, não queira proceder à venda coerciva de um domicílio. Mas tal desiderato do Estado Social não pode ser um entrave à satisfação dos créditos dos seus cidadãos ou empresas, sob pena de se criar indiretamente um obstáculo legal que se traduz numa clara e incompreensível negação de justiça aos (demais) credores. É certo que a penhora efetuada pela ATA goza de preferência sobre as demais, porquanto foi a primeira a ser efetuada. Acontece que, pelos motivos já supra expostos e informados pela ATA, essa penhora está “suspensa” por decisão do Estado e tal pressuposto não pode ser um obstáculo à satisfação das legítimas aspirações do exequente e demais credores nos presentes autos. Note-se que alguns daqueles que recorrem a este tipo de ação executiva são credores hipotecários e o imóvel é o primeiro e, maior parte das vezes, o único garante da satisfação do seu crédito. Dito isto, a vingar a tese de que a venda do imóvel fica paralisada em face da prioridade da penhora efetuada a favor da ATA, corresponderia a uma manifesta e injustificada impossibilidade desse(s) credor(es) obter(em) a satisfação do seu crédito com a venda do imóvel penhorado nos autos de execução comum. Neste contexto, apenas nos apraz ordenar o prosseguimento dos presentes autos com a venda do imóvel penhorado nos presentes autos, porquanto o mesmo, atento o regime legal supra exposto, nunca será vendido no âmbito do processo de execução fiscal, apesar deste beneficiar da prioridade da penhora sobre o mesmo imóvel.”
Após recurso do despacho supra identificado, o V.T.R. de Guimarães decidiu doutamente revogar esta decisão da primeira instância e sustentar, à luz do decidido pelo V.T.R.G. no douto acórdão datado de 24-10-2017, no âmbito do processo n.º 249/13.6TBEPS-A, que a sustação da execução, à luz dos fundamentos legais e jurisprudências supra evidenciados, teria de se manter, impedindo, portanto, a venda do imóvel no âmbito da execução comum.
Ora, no caso, sopesando os doutos argumentos explicitados nos doutos acórdãos supra identificados que apresentam duas soluções distintas para esta mesma questão e em desabono de uma minha posição já anteriormente assumida, não posso deixar de sufragar a posição mais formal porquanto é aquela que mais segurança jurídica garante aos utentes da justiça.
Com efeito, considerando que a execução do bem penhorado no âmbito dos presentes autos está sustada ao abrigo de uma lei que não é superior nem inferior ao regime estabelecido pela Lei Geral Tributária, apenas se impõe concluir que todos os credores têm de respeitar a sustação da execução comum quanto ao imóvel, sem prejuízo de impulsionar os autos de execução fiscal e aí debater se efetivamente o imóvel é ou não o domicílio do executado/devedor ou, eventualmente, promover a venda do imóvel nesse processo de execução fiscal com o fundamento de que não está vinculado ao regime da Lei Geral Tributária.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
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VNF., ds
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Inconformado com o supra aludido despacho de 22-06-2021, veio o exequente Caixa ..., S.A. interpor recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
1. A CAIXA ... instaurou a presente acção executiva a 07 de Setembro de 2017 contra a sociedade “X – Sociedade Unipessoal, Lda.”, P. J. e M. C., para cobrança coerciva da quantia total de € 15.817,55 (quinze mil oitocentos e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos). 2. No âmbito dos presentes autos foram penhorados os imóveis onerados com hipoteca registadas a favor da CAIXA ... para garantia do financiamento dado à execução (v.g. art. 752.º do CPC), a saber, a fração autónoma designada pela letra “V” descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º .../Póvoa de Varzim - “V” e o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º .... 3. Em virtude da existência de penhoras anteriores registadas a favor da Fazenda Nacional, a Sra. Agente de Execução, por decisão proferida a 20 de Agosto de 2020, sustou, estes autos, quanto a esse imóvel onerado com hipotecas em benefício da CAIXA .... 4. Até à presente data, não foi ainda designada data para as diligências de venda nos processos de execução à ordem dos quais se acham registadas as penhoras anteriores, nem, tão pouco, foi a CAIXA ... citada para reclamar o seu crédito hipotecário. 5. Segundo o Serviço competente, a Fazenda Nacional não tem intenção de promover a marcação da venda dos imóveis. 6. Nesse pressuposto, a Recorrente requereu o levantamento da sustação da penhora sobre o imóvel e o prosseguimento do presente processo para a venda, pretensão que foi indeferida pelo Tribunal a quo. 7. Tal decisão, quanto a nós, não faz correcta aplicação e interpretação do direito, designadamente do disposto no art. 794.º do CPC. 8. A paralisação do processo onde foi registada a primeira penhora e a paralisação destes autos por sustação da penhora, ofende, claramente, os interesses e direitos da Recorrente em ver satisfeito o seu crédito através da garantia real. 9. Verificando-se a inércia, legítima ou não, do serviço de finanças local em promover o andamento dos autos de execução fiscal, o credor reclamante com execução própria instaurada e penhora registada posteriormente poderá ficar indefinidamente à espera de uma iniciativa processual que não consegue controlar e que poderá nunca vir a ocorrer. 10. Encontrando-se o credor reclamante na absoluta dependência da iniciativa do Serviço de Finanças territorialmente competente, nenhum acto processual poderá praticar que lhe permita tomar a direcção do processo, impulsionando-o. 11. Não foi com certeza esta situação de impasse processual que o legislador visou alcançar. 12. Nestes casos, a protecção conferida ao credor com primeira penhora é, nos termos da lei processual civil, controlável pelos credores com penhora subsequente e que ao processo primeiro tenham vindo reclamar créditos por força do disposto no aludido art. 794.º 13. Com efeito, estando a instância suspensa por inércia do exequente em promover os seus termos, pode o credor reclamante requerer o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito. 14. Se o legislador, na ânsia de dotar a administração fiscal de mecanismos legais céleres e eficazes expressamente previu a não sustação do processo de execução fiscal em caso de penhora de bem já apreendido (por penhora anterior) por qualquer outro tribunal (art. 218.º, n.º 3 CPPT), 15. bem como, a citação prévia da Fazenda Nacional à venda dos bens penhorados em processo civil executivo (art. 786.º, n.º 2 do CPC), 16. então, nada obstará ao prosseguimento do processo executivo sustado por penhoras anteriores da Fazenda Nacional, pois o prosseguimento dos presentes autos nenhum prejuízo comportará para a Fazenda Nacional, dado que o passo processual imediatamente seguinte será o da sua citação para reclamar os seus créditos. 17. Já o mesmo não sucede para a Recorrente, mantendo-se a sustação da penhora registada à ordem destes autos, não logrará a CAIXA ... ver satisfeito o seu crédito exequendo e hipotecário, uma vez que se vê impedida de promover os autos de execução fiscal. 18. É que, mesmo reclamando o seu crédito, se a execução fiscal se mantiver parada ou suspensa o Estado mantém a sua garantia, sem que o credor (que até tem hipoteca) possa, de algum modo, impulsionar o andamento daquela mesma execução. 19. Por outro lado, levantando-se a sustação e prosseguindo os autos, será a Fazenda Nacional citada para reclamar os seus créditos, os quais serão então graduados no lugar que lhes compete, não advindo, por isso, qualquer prejuízo para o Estado, prosseguindo-se os fins da execução civil (e, concomitantemente, da execução fiscal) – a cobrança do crédito exequendo e créditos reclamados. 20. Mantendo-se a situação dos autos imutável - com as execuções fiscais numa situação de suspensão quanto aos imóveis em causa, não sendo ordenada a venda dos imóveis sobre os quais a Recorrente tem hipoteca – vê-se a Recorrente impedida de obter a cobrança coerciva do seu crédito, o que significa, na prática, uma clara denegação de Justiça, insustentável num Estado de Direito. 21. A CAIXA ... usufrui de um direito hipotecário – direito real de garantia – constituído sobre os imóveis em causa, direito esse que, assim, criou na esfera jurídica da credora a certeza de que o seu crédito havia de ser reembolsado, ou através do pagamento voluntário pelo devedor, ou coercivamente, mediante a venda em execução dos imóveis dados em garantia. 22. Estando os referidos autos de execução fiscal suspensos, como comprovadamente estão, não se verifica, neste caso concreto, o circunstancialismo do art. 794.º, n.º 1 do CPC - pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem. 23. No caso de a execução à ordem da qual foi registada a primeira penhora ficar “parada” por qualquer razão, deve a “segunda” execução prosseguir. 24. A não ser assim, estariam definitivamente afectados e violados os princípios da confiança e segurança jurídicas, plasmados no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa. 25. A não se admitir o prosseguimento da execução nestes casos, em que há um impedimento legal à venda dos imóveis nas execuções fiscais, são postos em crise os princípios constitucionais da proporcionalidade de e da garantia do direito à propriedade privada, previstos nos art. 18.º, n.º 2 e 62.º, n.º 1 da Constituição, isto na medida em que a Recorrente fica sujeita a uma intolerável compressão do exercício dos seus direitos, nomeadamente do seu direito à satisfação do seu crédito, indelevelmente ligado ao direito à propriedade privada, sendo que, por outro lado, sempre ficaria sujeito às vicissitudes próprias da suspensão da execução fiscal, determinada pelo impedimento legal à venda do imóvel, sem que, quanto a essas, tenha a possibilidade de, por via dos competentes mecanismos legais, promover ou requerer o prosseguimento. 26. A decisão recorrida, ao considerar que deve manter-se a sustação da penhora e que a Recorrente deverá diligenciar pela venda dos imóveis hipotecados no processo da primeira penhora, ou seja, processos de execução fiscal suspensos em virtude da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, perfilha-se, assim, como decisão violadora do art. 794.º, n.º 1 do CPC, bem como, dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da garantia do direito à propriedade privada, previstos nos arts. 18.º, n.º 2 e 62.º, n.º 1 da Constituição, devendo, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra que ordene a prossecução dos presentes autos quanto aos bens imóveis sub iudice, notificando-se a Agente de Execução em funções para proceder às citações constantes do art. 786.º do CPC.
TERMOS EM QUE,
revogando a sentença recorrida farão V. Exs.ª JUSTIÇA!
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra alegações.
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Assim, as questões a decidir consistem em aferir se o despacho supra descrito deve ser revogado e substituído por outro, nos termos pedidos pelo recorrente.
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Entende o recorrente não ter sido acertado o despacho recorrido.
Como perfeitamente resulta da decisão recorrida, a questão a decidir já foi objecto de pronúncia pelos tribunais superiores portugueses, tendo sido encontradas duas soluções distintas.
É certo que as decisões que acolheram a solução ora sufragada pelo recorrente, aludiam a situações em que a penhora incidira sobre imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, aonde a Autoridade Tributária/Fazenda Nacional estava impedida, mediante o seu impulso, de vender tais imóveis em processos de execução fiscal e o exequente cujos autos foram sustados ficaria, em virtude daquele impedimento, manietado, por ausência de qualquer mecanismo processual que lhe permitisse impulsionar os autos, promovendo, de alguma forma, a venda do bem onerado com garantias reais. Ora, ainda que existam aqui similitudes, na medida em que a sustação da execução ocorreu depois de terem sido penhorados vários imóveis onerados com penhoras anteriores registadas a favor da Fazenda Nacional e do recorrente ter alegado que o competente Serviço de Finanças não tem intenção de efectuar a marcação da venda dos bens imóveis, tal não foi demonstrado como assertivamente referiu a executada M. C. quando se opôs à reclamação do exequente e que esteve na origem da decisão recorrida – o que resulta dos autos é que “Tendo o exequente questionado relativamente ao imóvel penhorado o Sr. Chefe do Serviço de Finanças sobre o estado dos autos de execução fiscal, nomeadamente se há previsão para a venda, foi informado em resposta não haver previsibilidade para a marcação da venda do imóvel e que os processos executivos encontram-se activos e seguem os tramites legais. Já anteriormente havia sido informado sobre a questão do estado dos autos de execução fiscal que se mantém o interesse sobre a penhora do bem imóvel” -, nem a recorrente invocou/demonstrou que a penhora incidira sobre imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar. Logo, não ocorrendo aqui qualquer impedimento por parte da Autoridade Tributária/Fazenda Nacional para impulsionar a venda dos imóveis no pendente processo de execução fiscal onde ocorrera primeiramente a penhora dos imóveis aqui em causa, nem tendo ela perdido o interesse sobre as penhoras ou estando os autos adormecidos por falta de impulso da sua parte já que os processos executivos se encontram activos e seguem os tramites legais, não se mostra justificado, porque não demonstrado, invocar que a execução fiscal mantém parados durante anos os autos, cuja instância está suspensa por inércia do exequente em promover os seus termos, vendo-se a CAIXA ... totalmente impedida de ver satisfeito o seu crédito, atenta a absoluta ineficiência do Serviço de Finanças que, gozando de penhora sobre os imóveis melhor identificados supra, mantém os processos “adormecidos”, não promovendo os seus respectivos termos, designadamente porque impedida, atenta a lei da protecção da casa de mora de família – Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio. Ou seja, porque não se verifica tal premissa - impedimento ou desinteresse da Autoridade Tributária/Fazenda Nacional para impulsionar a venda dos imóveis no pendente processo de execução fiscal onde ocorrera primeiramente a penhora dos imóveis aqui em causa -, não é possível concluir que nessa hipotética mas inexistente situação pode o credor reclamante requerer o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito. Isto sem prejuízo de se reconhecer autoridade à jurisprudência invocada pelo recorrente no sentido de que a sustação da execução nos termos do art. 794.º do CPC só deverá ocorrer se a execução da primeira penhora estiver em movimento, não fazendo sentido que se admita a reclamação de um crédito numa execução parada por inércia do exequente (neste sentido, Ac RP, de 30.05.89, BMJ 398º-581; Ac RP, de 21.07.83, BMJ 329º-620; Ac STJ, de 12.12.72, BMJ 222º-360). O que não se pode é acusar de inércia a exequente Autoridade Tributária/Fazenda Nacional, se estamos perante situações em que podem estar em causa os conhecidos atrasos dos Tribunais Administrativos e Fiscais onde pende a aludida execução ou, visando contornar esses atrasos, criar excepções à lei, admitindo-se que a execução cível prossiga, mantendo-se a penhora anterior registada (atenta a sua prevalência sobre as posteriores: cfr. arts. 822º do CC e 794º/1 do CPC, que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior).
Todavia, não obstante não resultar ocorrerem aqui os aludidos aspectos, sempre diremos acompanhar a solução propugnada pela decisão recorrida e que sufragara a do Acórdão da Relação de Coimbra de 24-10-2017, prolatado no Processo nº 249/13.6TBSPS-A.C1 e acessível in www.dgsi.pt.
De efeito, mecanismos existem que obstam a que o exequente cujos autos foram sustados fique manietado, em virtude do impedimento do exequente no processo onde ocorreu a penhora onerada com registo anterior, em o impulsionar. Ou seja, saber se o credor cuja execução foi sustada e posteriormente extinta em consequência de essa sustação ter sido integral, por existência de penhora anterior em execução fiscal, onde o bem não pode ser vendido atento o disposto no art. 244º do CPTT, pode renovar o prosseguimento da sua execução para venda do bem.
É que, como passamos a transcrever, a fim de evitar repetições, e bem se menciona no referido Acórdão de 24-10-2017, e que responde a todas as questões colocadas no presente recurso, a «impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que à partida não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito.
No caso em apreço a execução movida pelo Exequente foi sustada para este ir reclamar o seu crédito ao processo de execução fiscal em virtude de penhora anterior à sua sobre o mesmo bem.
A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das acções executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.
A solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2 que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.
A interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução (3).
Quanto a estes credores escreveu Anselmo de Castro, posição que adoptamos como a correcta (4): E nela necessariamente hão-de dispor dos direitos que lhes caberia na sua própria execução, designadamente o de promover o andamento dos termos do processo, quando necessário, o de serem pagos pelo seu crédito na extinção da execução por pagamento voluntário e o de prosseguir com a execução em caso de desistência do exequente, estejam ou não graduados os créditos, etc., até porque, de contrário, a razão de economia processual impeditiva do exercício dos seus direitos na própria execução se frustrari (5).
A execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior (6).
Assim, entendemos, na interpretação que fazemos do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, pelo que concluímos que a decisão recorrida ao não admitir o prosseguimento desta execução não viola qualquer preceito constitucional.».
Nesta conformidade, sem necessidade de mais considerações, improcede o recurso.
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4 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)
Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.
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5 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 13-01-2022
(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)
1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.N.Famalicão - Juízo Execução - Juiz 3.
2. Tendo o exequente questionado relativamente ao imóvel penhorado o Sr. Chefe do Serviço de Finanças sobre o estado dos autos de execução fiscal, nomeadamente se há previsão para a venda, foi informado em resposta não haver previsibilidade para a marcação da venda do imóvel e que os processos executivos encontram-se activos e seguem os tramites legais. Já anteriormente havia sido informado sobre a questão do estado dos autos de execução fiscal que se mantém o interesse sobre a penhora do bem imóvel.
3. Neste sentido, defendendo também a inoponibilidade do preceito em análise no caso de concurso de credores na execução fiscal, o artigo de J H Delgado Carvalho, com a colaboração de Miguel Teixeira de Sousa, As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores publicado no Blog do IPPC em 11.7.2016.
4. A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, ed. 1977, pág. 173, Coimbra Editora.
5. No mesmo sentido Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo, 1ª ed., pág. 869-870, Coimbra Editora.
6. Em sentido contrário o acórdão deste tribunal de 26.9.2017 relatado por Fonte Ramos e acessível em www.dgsi.pt.