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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Sumário
Para que se verifique essa obrigação indemnizatória, com base no artº 501 do C. Civil, impõe-se a verificação de três requisitos, quais sejam: - a existência de uma relação de comissão, manifesta no caso vertente entre o Município e a entidade empreiteira; que recaia também sobre o próprio comissário a obrigação de indemnizar o que exige que este haja praticado com culpa o facto causador do dano – culpa que no caso vertente se presume nos termos do art. 493º nº 2 do CC; e a prática de um facto danoso no exercício da função confiada – o que também resulta abundantemente demonstrado ante a factualidade apurada.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
B….., L.DA, com sede no lugar de …., freguesia de …., concelho de Vale de Cambra, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, no Tribunal Judicial de Vale de Cambra a que correspondeu o nº n.º 1/03.7TBVLC, contra o MUNICÍPIO DE VALE DE CAMBRA, com sede nos Paços do concelho de Vale de Cambra, e C…., S.A., com sede no lugar de …, freguesia de …, concelho de Oliveira de Azeméis, pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia total de € 248.875,50, sendo € 243.887,52 a título de indemnização por danos patrimoniais e € 4.987,98 a título de compensação por danos não patrimoniais.
Para tanto, alega, aqui em síntese, que:
- É titular do direito à exploração da água do Rio Caima, num determinado troço, bem como proprietária do estabelecimento conhecido por D…., construída para aproveitamento e exploração daquela água, que vem explorando desde Dezembro de 1989 e continuaria a fazê-lo, em condições normais e previsíveis, durante 35 anos.
- Em 26/08/1997, o 1º réu celebrou com a 2ª ré um contrato de empreitada com vista à construção do emissário final de S. Pedro de Castelões, pelo qual competia à 2ª ré executar os trabalhos constantes do projecto.
- Na execução desses trabalhos foram projectadas pedras que causaram danos no telhado da cobertura da D…., em cuja reparação a autora despendeu € 8.978,36, nas paredes da mesma, para cuja reparação é necessária a quantia de € 7.481,97, nas máquinas existentes no seu interior, no que a autora despendeu o montante de € 4.987,98, e no pavimento do edifício, para cuja reparação será necessário pagar uma quantia não inferior a € 7.481,97.
- Por via dos referidos danos a D…. esteve paralisada desde 01/09/1999 até 27/10/1999, deixando de produzir energia eléctrica e, consequentemente, a autora de facturar uma quantia não inferior a € 24.939,89.
- Em consequência das obras, foi alargado o leito do rio e, por via disso, nos dias de maior caudal a central é inundada, paralisando a turbina, causando à autora danos que por ora são difíceis de contabilizar e cuja liquidação relega para execução de sentença.
- Por outro lado, a construção do emissário veio diminuir o caudal normal das águas do rio, pois as águas residuais da cidade de Vale de Cambra deixaram de ser lançadas no rio a montante da central para passarem a sê-lo a jusante da mesma, pelo que a autora deixou de poder produzir a mesma quantidade de energia que, em média, produzia até à data dos factos, vendo diminuir de forma considerável o valor da sua facturação mensal, diminuindo o seu ganho em mais ou menos € 35.000 por ano, pelo que, vigorando o contrato de concessão do Alvará até 2024, é possível desde já liquidar o dano produzido até esta data no valor de € 122.205, relegando para execução de sentença a liquidação dos danos que se vierem a verificar até integral reparação.
- Além disso, em consequência dos referidos trabalhos foi destruído o muro da levada a jusante da central, cuja reposição foi ordenada pela autora, que pagou € 17.457,92.
- Em consequência da referida perda de rentabilidade, a autora deixou de poder cumprir pontualmente com encargos financeiros anteriormente assumidos, fazendo-a incorrer em mora e sujeitá-la ao pagamento de juros e demais penalidades contratuais, tendo tido um prejuízo muito superior a € 2.992,79.
- Além disso, a autora viu abalado o seu bom-nome e credibilidade financeira junto das instituições bancárias com que trabalha, o que lhe causou um dano não patrimonial para cuja compensação reputa necessária a quantia de € 4.987,98.
- Não obstante a referida paralisação da central, a autora teve de continuar a pagar aos seus trabalhadores, o que se traduziu num prejuízo no valor de € 3.530,48.
- Os réus já reconheceram por diversas vezes a sua obrigação de indemnizar a autora, existindo apenas divergência quanto aos montantes indemnizatórios, tendo há cerca de um mês cessado as negociações tendentes à resolução extrajudicial do litígio.
Citado, o Réu Município veio contestar, começando por invocar a excepção da prescrição, em virtude de terem decorrido mais de três anos após a data em que terão ocorrido os invocados danos, e impugnando estes, para além de, a existirem, serem da responsabilidade da 2ª ré, e sustentando que nunca reconheceu a obrigação de os indemnizar. Em conformidade, pede que a excepção da prescrição seja julgada procedente, absolvendo-o da instância, ou, se assim não se entender, que a acção seja julgada improcedente, absolvendo-o do pedido.
Por seu turno, a Ré Sociedade invocou igualmente a excepção da prescrição nos mesmos termos feitos pelo 1º réu e impugnou os danos invocados pela autora, apenas admitindo a existência de alguns deles, causados pela projecção de algumas pedras na cobertura da central e nas máquinas, mas que prontamente reparou. Pugna, assim, pela procedência da excepção da prescrição, devendo ser absolvida do pedido, ou, caso assim não se entenda, que a contestação seja julgada procedente, com as demais consequências.
A autora replicou, pugnando pela improcedência da excepção da prescrição, na medida em que, relativamente à 2ª ré, foi a mesma notificada da intenção da autora de exercer o seu direito indemnizatório no processo de inquérito que correu termos na Delegação da Procuradoria da República do Tribunal de Vale de Cambra, originado por queixa-crime apresentada pela autora, o que interrompeu o prazo de prescrição, inquérito esse que veio a ser arquivado por despacho transitado em julgado em Abril de 2000, sendo, pois, a partir desta data que se inicia a contagem do prazo prescricional para a autora formular o seu pedido em separado.
Além disso, a 2ª ré reconheceu a sua obrigação de indemnizar a autora e de reparar os danos causados, tanto assim que alguns deles, que não os ora reclamados, já reparou, ainda que não na íntegra.
Quanto ao 1º réu, por diversas e repetidas vezes reconheceu a sua obrigação de indemnizar a autora, além de verbalmente, também por escrito em 12/05/2000, 25/05/2000 e 25/09/2000.
Assim, pugna a autora pela improcedência da excepção de prescrição, concluindo como na petição inicial, mais pedindo a condenação dos réus como litigantes de má fé, em multa exemplar e indemnização à autora, por conhecerem a falta de fundamento da oposição que deduzirem, terem alterado a verdade dos factos e omitido outros relevantes para a boa decisão da causa, fazendo do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável.
Foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da excepção da prescrição, seguido da selecção da matéria de facto assente e da elaboração da base instrutória, que não sofreram reclamações.
Procedeu-se, por fim, ao julgamento, após o que o Tribunal decidiu a matéria de facto por despacho que não foi alvo de qualquer reclamação.
Foi proferida sentença que decidiu nos termos seguintes:
“A) - No que concerne aos pedidos indemnizatórios formulados pela autora e relativos aos danos causados no telhado, na estrutura deste, nas paredes e no pavimento da D…., nas máquinas existentes no seu interior, no muro da levada, aos danos derivados da paralisação decorrente das inundações, aos danos derivados do incumprimento dos encargos financeiros da autora, aos danos morais por afectação do seu bom nome e aos prejuízos traduzidos no pagamento de salários que teve de continuar a fazer aos seus trabalhadores durante o período de paralisação da central, julga-se procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelos réus, absolvendo-os dos respectivos pedidos.
B) - Quanto aos pedidos indemnizatórios deduzidos pela autora e relativos aos danos pela perda de rentabilidade económica derivada da alteração do leito do rio e da diminuição do caudal do mesmo, julga-se improcedente a acção, absolvendo os réus dos mesmos.
C) – Mais se julga improcedente o pedido de condenação dos réus como litigantes de má fé.
Inconformada com tal decisão, dela veio interpor recurso de apelação a A., que ofereceu as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
1 – A excepção de prescrição invocada pelas RR. foi incorrectamente julgada pela sentença recorrida;
2 – Porque os factos ilícitos de que emerge o dano e de que resulta para as Rés o dever de indemnizar a A. constituem crime;
3 – A regra geral quanto a prazo prescricional do direito de indemnização por via da responsabilidade extracontratual é a fixada no art. 498º do CC.;
4 – Todavia a lei estabelece uma excepção a este prazo no nº 2 do dito preceito legal que estabelece que o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável;
5 – Os factos ilícitos de que emergem os danos cuja indemnização a A. reclama preenchem o tipo legal de crime previsto e punível nos termos do art. 277º do Código Penal;
6 – Para este tipo legal de crime a lei prevê um prazo de prescrição de 10 anos – art. 118º nº 1 al. b) e c) do CP;
7 – Donde resulta que o prazo de prescrição do direito indemnizatório de tais danos, é de 10 anos e não 3 anos como considerou a sentença recorrida;
8 – No entanto, e ainda que assim se não entendesse, o que só por hipótese de raciocínio se aceita, sempre a prescrição se teria interrompido;
9 – Pois que o reconhecimento do direito indemnizatório, perante o titular do respectivo direito, efectuado por aquele contra quem o direito pode ser exercido, é uma das causas de interrupção da prescrição – art. 325º do CC.;
10 – O reconhecimento pode ser expresso ou tácito – art. 325º n.os 1 e 2 do CC;
11 Se se puder duvidar que o R. Município procedeu ao reconhecimento expresso do direito da A., não se duvida, pois é certo que reconheceu tacitamente esse direito;
12 – Reconhecimento que resulta de factos que inequivocamente o exprimem e demonstram e que como tal têm de ser valorados – art. 325º nº 2 do CC;
13 – Sendo que tais factos são, entre outros os revelados nos documentos juntos a fls. 771 a 785, e atrás evidenciados nos pontos 20 a 32 da exposição;
14 – Quer se conclua pela via do prazo prescricional ser de 10 anos, quer pela via da interrupção de tal prazo por via do reconhecimento, ou ainda, cumulativamente por ambas, sempre a excepção invocada pelas Rés apeladas teria de improceder;
15 – E por via disso ser julgada por provada a acção intentada.
Ambas as apeladas juntaram aos autos as suas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Antes, porém, reunamos a matéria de facto que foi considerada provada:
A autora é titular do direito à exploração, considerada de utilidade pública, da água do rio Caima, no troço delimitado a montante pela secção do rio que passa pelo extremo do regolfo provocado pelo açude em máxima cheia, definida para um período de retorno T = 500 anos e, a jusante, pela secção transversal do rio situada a 10 metros a jusante do extremo do canal de fuga da central, sito na freguesia de Ossela, concelho de Oliveira de Azeméis, para aproveitamento hidroeléctrico, conforme alvará de licença n.° 7/89 concedido pela Direcção Geral dos Recursos Naturais do Ministério do Planeamento e da Administração do Território (doc. 1 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) (A).
Para além disso é proprietária do estabelecimento, vulgarmente designado por D……, construída para aproveitamento e exploração da água anteriormente referida (B).
Assim, e na constância e vigência do dito alvará de concessão de exploração, a autora vem explorando as ditas águas e produzindo energia eléctrica desde Dezembro de 1989 e continuaria a fazê-lo, em condições normais e previsíveis, durante 35 anos contados a partir dessa data (cláusula 6a do doc. 1) (C).
Em 26/08/97 o 1º réu celebrou com a 2ª ré um contrato de empreitada com vista à construção do emissário final de S. Pedro de Castelões, deste concelho e comarca (doc. de fls. 24 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos) (D).
No âmbito deste contrato competia à 2a ré executar os trabalhos constantes do projecto, constituído por peças escritas e desenhadas, programa de concurso, caderno de encargos e mapa de medições, que integram um dossier constituído por 127 folhas todas numeradas e rubricadas pelos representantes dos réus e que fazem parte integrante do referido contrato (cfr. cláusula 1a do doc. de fls. 24 e segs.) (E).
O traçado projectado e definido para o dito emissário coincide, em grande parte do seu percurso, com a margem esquerda do rio Caima, nomeadamente, na zona do percurso onde se situa também o estabelecimento industrial da autora referido na alínea B) dos factos assentes e junto ao mesmo, com o esclarecimento que este estabelecimento se localiza na margem direita do Rio Caima (1º).
Para proceder ao desmonte das rochas, necessário à abertura do traçado do emissário, na zona referida na resposta ao quesito 1°, a 2ª ré recorreu à utilização de explosivos em Junho de l999, com o esclarecimento que tal utilização de explosivos se prolongou até 20/09/1999 (2º).
Como consequência directa e necessária do rebentamento de tais explosivos, inúmeras pedras foram projectadas, atingindo e danificando a propriedade da autora, nomeadamente no telhado da cobertura em chapas de fibrocimento resultaram orifícios vários por terem sido partidas várias destas chapas (3º).
As máquinas e equipamentos que se encontravam no interior da D…. ficaram danificados pela queda das pedras que entrando pelo telhado se projectaram sobre elas (5º).
Tal como resultou danificado o piso que constitui o chão do interior da D…. pela queda das pedras que entrando pelo telhado nele caíram violentamente (6º).
Partindo tijoleira do seu revestimento e chegando a partir a esquina de um degrau das escadas em cimento existentes no interior (7º).
Por via dos danos causados na telhado da D…., esta, nos meses de Setembro e Outubro de 1999, sofreu algumas inundações por causa da chuva que caiu nessa altura (8º).
A queda das referidas chuvas e a consequente inundação da D…. impediu a ligação das máquinas e equipamentos à rede eléctrica (9º).
Foi necessário proceder à limpeza e secagem do interior da D….. e dos componentes daquelas máquinas (10º).
Nos meses de Setembro e Outubro de 1999 a D…. esteve parada aproximadamente dois meses, deixando de produzir energia eléctrica como é o seu objectivo, em parte desse tempo devido à falta de água no rio para fazer funcionar a turbina e noutra parte devido às inundações referidas na resposta ao quesito 8º (11º).
Em alguns pontos do leito do rio e também na sua margem, na zona compreendida entre os dois açudes, um situado a montante e outro a jusante da D…., foram colocadas algumas pedras de maiores dimensões provenientes dos rebentamentos levados a cabo pela 2ª ré (12º).
Nos dias de maior caudal de água, provocado por grandes cheias, a central é inundada (15º).
E consequentemente a turbina da central fica paralisada (16º).
Tal acontece devido às elevadas cotas de água que impedem o seu funcionamento (17º).
Até à construção da referida obra, as águas residuais urbanas da cidade de Vale de Cambra eram lançadas no rio, depois de serem objecto de um tratamento rudimentar numa estação que existia (19º).
Tal lançamento era efectuado a montante da central (20º).
Esta aproveitava tais águas para a sua função de produção de energia (21º).
Depois daquela obra, as referidas águas residuais passaram a ser lançadas no emissário implantado ao longo do rio numa extensão de cerca de 8 km (22º).
Emissário que as conduz até à ETAR intermunicipal conhecida por ETAR do Pereiro, situada já no concelho de Oliveira de Azeméis (23º).
A D….. da autora deixou, assim, de poder aproveitar essas águas residuais urbanas, uma vez que agora são lançadas no rio a jusante da mesma (24º).
A reparação dos danos produzidos na cobertura e referidos na resposta ao quesito 3° consistiu em retirar as chapas partidas, além da colocação de novas chapas de fibrocimento, tendo sido a 2ª ré quem já efectuou esses trabalhos (25º e 27º).
Tornando-se ainda necessário desempenar asnas, madres e retocar a pintura da estrutura metálica (26º).
A realização dos trabalhos referidos nas respostas aos quesitos 25º, 26º e 27º foi orçamentada em € 7.282,45, com IVA a incluir, tendo, todavia, a 2ª ré já efectuado a substituição das chapas de fibrocimento danificadas (29º).
Com vista à reparação dos danos referidos nas respostas aos quesitos 5º e 9º, em 27/09/1999 deslocou-se às instalações da autora, a pedido da 2ª ré, um grupo de técnicos da E…., que concluiu ser necessário proceder à secagem do gerador (35º).
Limpar todo o equipamento de média tensão (36º).
Mudar do óleo do disjuntor (37º).
Verificar a resistência de isolamento do gerador (38º).
Rever a largura do rio a jusante da central para atender às cheias e/ou à descarga da turbina (39º).
Para a execução das operações descritas no relatório junto por cópia a fls. 45 a 46 e que eram de natureza mecânica, a E…. sugeriu à 2ª ré a subcontratação de outra entidade, por estarem fora do seu âmbito de actividade (40º).
Coisa que a 2ª ré não fez (41º).
Em 25/10/1999, a pedido da 2ª ré, a E…. procedeu à reposição em serviço da central D…. da autora (42º).
Conforme foi referido na resposta ao quesito 10°, por via dos danos produzidos na D…. e das obras necessárias à sua reparação a autora viu-se obrigada a ordenar à E.N.-Electricidade do Norte, S.A. que desligasse a corrente de alta tensão à entrada do edifício (45º).
Para segurança de pessoas e bens durante as operações de limpeza, secagem e reparação (46º).
Até à altura em que se verificaram os danos aludidos, a autora produzia energia no valor mensal constante das facturas juntas a fls. 522 e ss. (47º).
Devido ao referido na parte final da resposta ao quesito 11º (inundações provocadas pela entrada de água pela cobertura danificada), a autora deixou de facturar uma quantia não concretamente apurada (48º).
Em alturas de grandes cheias, com o aumento do caudal da água do rio, ocorrem inundações na central (51º).
O que conduz à sua paralisação (52º).
Uma vez que as elevadas cotas de água impedem o funcionamento da turbina (53º).
O que se traduz numa perda de rentabilidade económica na produção de energia (54º).
Em consequência de cheias ocorridas em finais do ano 2000, aluiu uma parte do muro da levada destinada a conduzir as águas que permitem o funcionamento da turbina (59º e 60º).
Cuja reconstrução foi mandada efectuar pela autora (61º).
Obra que foi realizada durante o mês de Dezembro de 2000 (62º).
E cujo preço, no valor de € 17.457,93, acrescida de IVA à taxa legal de 17%, foi pago pelo irmão do legal representante da autora à sociedade que efectuou esses trabalhos, a pedido deste (63º).
Em consequência da paralisação e perda de rentabilidade referidas nas respostas aos quesitos 11° e 48°, a autora deixou de poder cumprir pontualmente com encargos financeiros anteriormente contraídos para acorrer ao investimento e manutenção em funcionamento daquela sua actividade (64º).
O que aconteceu com a dívida contraída perante a CCAM de Vale de Cambra (65º).
Cujo pagamento era efectuado em prestações periódicas de Euros: 31.361,21 (66º).
Que a autora havia assumido na expectativa do decorrer normal do seu negócio (67º).
O que impediu a autora de cumprir atempadamente com esses compromissos financeiros assumidos (69º).
Fazendo a autora incorrer em mora, o que obrigou à reformulação da dívida junto da CCAM (70º).
Em consequência do referidos nas respostas aos quesitos 69º e 70º, a CCAM teve receio que a autora não cumprisse integralmente os compromissos financeiros assumidos, afectando a sua imagem perante essa entidade (72º e 73º).
Não obstante a paralisação da central a que se alude em 11° a autora teve que continuar a pagar aos seus trabalhadores (74º).
Anteriormente à data dos factos em pareço, a autora tinha vários trabalhadores ao seu serviço, os quais trabalhavam na sua exploração pecuária e apenas se deslocavam à D…. quando era necessário efectuar aí algum serviço (76º).
Há cerca de um mês a esta parte (com referência à data da propositura da presente acção) cessaram as negociações tendentes à resolução extrajudicial do litígio objecto da presente acção (81º).
Em consequência da utilização de explosivos por parte da 2ª ré, verificaram-se danos na cobertura da D….., nomeadamente nas placas de fibrocimento nas quais resultaram orifícios vários nos seguintes pontos à vertical: a) turbina; b) gerador assíncrono; c) quadro de comando da turbina; d) quadros de distribuição de 220/380 V; e) quadro geral de comando e protecção da central; f) a cerca de 1/5 m do transformador de 15/0,66 KW 630 KWA (83º).
De acordo com os registos sismográficos efectuados aquando da utilização de explosivos, os abalos era nulos ou de tal forma reduzida que não tinham potencialidade suficiente para produzir rachadelas e fissuras nas paredes (84º).
Pelo menos as rachadelas existentes no exterior da D….., designadamente as que se vêm nas fotografias de fls. 32, relativas às paredes do canal, são anteriores à execução dos trabalhos de empreitada realizados pela 2ª ré (85º).
Os danos verificados nas máquinas situaram-se ao nível da turbina, ou seja ficou amolgada a chapa da turbina (86º).
A 2ª ré, após ter tomado conhecimento dos danos na central D….., deslocou-se ao local, inteirou-se de tais danos e prontificou-se a proceder a algumas reparações (87º).
Com data de 14 de Setembro de 1999, a 2ª ré dispunha de um orçamento para substituição das chapas da cobertura da D….. que estavam danificadas (88º).
De imediato a 2ª ré adjudicou a realização desses trabalhos (89º).
Tendo a reparação ocorrido em inícios de Outubro de 1999 (90º).
Relativamente ao equipamento e máquinas sitas no interior da D….. e para verificar o estado dos mesmos, a 2ª ré solicitou, junto da E…., uma deslocação à D…., o que ocorreu em 27 de Setembro de 1999 (91º).
Tendo a central D….. ficado apta a trabalhar em 25 de Outubro de 1999 (92º).
A construção do emissário foi levada a efeito na margem esquerda do rio Caima, praticamente sempre a uma cota superior à do leito do rio, e previamente licenciada pelas entidades competentes, designadamente a Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais (95º).
Enquanto o estabelecimento industrial da autora, bem como o canal privativo que o abastece se situam na margem direita do referido rio (96º).
O Município de Vale de Cambra, no seguimento da política nacional e internacional respeitante a essa matéria, procedeu ao saneamento da rede de esgotos e águas residuais urbanas, deixando de as lançar no Rio Caima depois do tratamento rudimentar referido na resposta ao quesito 19º, encaminhando-as para a rede de saneamento de que faz parte integrante o referido emissário, que as conduz à estação de tratamento (98º).
As águas pluviais e as das nascentes continuam a encaminhar-se e a desaguar no rio, enquanto os esgotos domésticos são derivados para a rede de saneamento e conduzidos através do emissário até à estação de tratamento (ETAR) (100º).
Os efluentes que lança no emissário resultam da água que fornece aos seus munícipes e também de alguma água que alguns deles retirem de poços e furos particulares (101º).
O 1º réu submeteu o projecto à apreciação da Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais, entidade que também concedeu à autora o alvará referido na alínea A) dos factos assentes, que o aprovou (102º).
A autora tem uma adufa (comporta móvel) no canal de abastecimento à central, que lhe permite controlar o caudal que deseja levar até à mesma, deixando que a restante água siga o seu percurso no rio (103º).
A autora chegou a reclamar junto do 1º réu uma indemnização superior a 100.000 contos (104º).
O 1º réu nunca reconheceu a sua responsabilidade pelos danos alegados na petição inicial e nunca fez qualquer contra-proposta (105º).
APRECIANDO:
1ª QUESTÃO:
Será que face à matéria de facto provada, é possível apreciar a prescrição à luz do art. 498º nº 3 do CC, e daí, como pretende a Apelante concluir que o prazo de prescrição era, in casu, 10 anos?
Sustenta a apelante, em relação a tal questão, que os factos ilícitos praticados pelas Rés motivadores da obrigação de indemnizar constituem o crime previsto e punível nos termos do art. 277º do Código Penal, para o qual a lei penal prevê um prazo prescricional de 10 anos, pelo que é também esse o prazo de prescrição do direito à indemnização peticionado nos presentes autos, face ao disposto no art. 498º nº 3 do CC.
A este respeito, a sentença recorrida, pura e simplesmente não se pronunciou, tendo-se limitado a apreciar a interrupção do prazo prescricional em relação à 2ª Ré através da queixa crime alegadamente apresentada pela A., circunstancialismo que esta não logrou provar, por não ter junto aos autos a respectiva prova documental, tal como para tanto fora advertida.
Apreciemos então a questão:
Nos termos do art. 498º nº 3 do CC, “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.
No caso vertente, tal como registado ficou na sentença recorrida, não ficou provado que a A. tenha procedido criminalmente contra as Rés, não obstante tal ter alegado, caso em que seria de apreciar da eventual interrupção do prazo prescricional, face ao disposto no art. 323º nº 1 do CC.
Haverá, porém que ir mais longe na apreciação da prescrição à luz das normas criminais, ex vi do art. 498º supra transcrito.
A relevância do prazo prescricional mais longo de prescrição do procedimento criminal radica na especial qualidade do ilícito – cujo desvalor jurídico-criminal precisamente justifica em processo cível essa ampliação do prazo, aferida, por razões de coerência do sistema legal, segundo o padrão da lei penal – e não depende, por conseguinte, da medida em que a investigação seja ainda possível no domínio criminal. A ratio do nº 3 do art. 498º, assim configurada, aponta no sentido de que o exercício tempestivo do direito de queixa não constitui pressuposto da aplicação do prazo nele previsto [Ac. STJ de 28 de Março de 1996, in BMJ 455, 507].
É posição unânime da Jurisprudência dos nossos Tribunais que a aplicação do comando do art. 498º nº 3 do CC não está dependente do exercício do direito de queixa ou sua extinção, ou da efectivação da lei penal [Entre muitos, o Ac. RL de 7.12.1995, in BMJ 452, 481; O Ac. RL de 9.02.1995, in CJ 1995, 1º, 122; O Ac. RP de 4.03.1999, in CJ, 2º, 173; O Ac. RE de 17.12.1999, in CJ 199, 5º, 277; o Ac. RP de 2.10.2000, processo nº 0050818, in www.dgsi.pt; o Ac. STJ de 13.05.2003, processo nº 03ª430, in www.dgsi.pt.]
Assim, para que o lesado possa beneficiar do prazo a que alude o art. 498º nº 3 do CC, necessário se torna que ele alegue e prove que o facto ilícito invocado com fundamento da responsabilidade civil integraria tipo legal de crime justificativo daquele alongamento do prazo de prescrição [Neste sentido o Ac. RP de 11.02.1999, processo nº 9930081, e a imensa jurisprudência do STJ em tal aresto referida, in www.dgsi.pt.].
Assim, e sem necessidade de mais considerandos neste âmbito, o que interessa ponderar, para concluir se in casu se compagina prazo prescricional mais longo, à luz do nº 3 do art. 498º do CC, é se, face à matéria de facto apurada, se preencheria tipo legal de crime cujo prazo de prescrição do procedimento criminal tal permitisse, designadamente o tipo legal de crime a que a apelante faz alusão nas suas alegações, o crime de “infracções às regras de construção, danos em instalações, perturbação de serviços” previsto e punível nos termos do art. 277º do Código Penal, cuja redacção, à data dos factos, era a seguinte:
Quem
a)- no âmbito da sua actividade profissional, infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação ou na sua realização;
b)- destruir, danificar ou tornar não utilizável, total ou parcialmente, aparelhagem ou outros meios existentes em local de trabalho e destinado a prevenir acidentes, ou infringindo regras legais, regulamentares ou técnicas, omitir a instalação de tais meios ou aparelhagem;
c)- destruir, danificar ou tornar não utilizável, total ou parcialmente, instalações para aproveitamento, produção, armazenagem, condução ou distribuição de água, óleo, gasolina, calor, electricidade, gaz, ou energia nuclear, ou para protecção contra forças da natureza, ou
d)- impedir ou perturbar a exploração de serviços de comunicação ou de fornecimento ao público de água, luz, energia ou calor, subtraindo ou desviando, destruindo, danificando, ou tornando não utilizável, total ou parcialmente, coisa ou energia que serve tais serviços, e criar deste modo perigo para a vida ou integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado,
é punido com a pena de prisão de 1 a 8 anos;
2. Se o perigo referido no número anterior for causado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.
3. Se a conduta referida no nº 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Da a matéria de facto provada resultou que no desenrolar das obras de construção do emissário final de S. Pedro de Castelões, de que o R. Município era dono da obra e a Ré C….. era empreiteira, sucedeu que, para proceder ao desmonte de rochas, necessário à abertura do traçado do dito emissário, a Ré empreiteira recorreu à utilização de explosivos, vindo a ocorrer, como consequência directa e necessária do rebentamento de tais explosivos, que inúmeras pedras foram projectadas, atingindo e danificando a propriedade da autora, nomeadamente no telhado da cobertura em chapas de fibrocimento resultaram orifícios vários por terem sido partidas várias destas chapas, ficando as máquinas e equipamentos que se encontravam no interior da D…. danificados pela queda das pedras que entrando pelo telhado se projectaram sobre elas, resultando danificado o piso que constitui o chão do interior da D….. pela queda das pedras que entrando pelo telhado nele caíram violentamente, e partida a tijoleira do seu revestimento, sofrendo a D…., nos meses de Setembro e Outubro de 1999, sofreu algumas inundações por causa da chuva que caiu nessa altura, o que impediu a ligação das máquinas e equipamentos à rede eléctrica, vindo a ser necessário proceder à limpeza e secagem do interior da D…. e dos componentes daquelas máquinas, tendo a D…. ficado parada nos meses de Setembro e Outubro de 1999, deixando de produzir energia eléctrica como é o seu objectivo, em parte desse tempo devido à falta de água no rio para fazer funcionar a turbina e noutra parte devido às inundações.
Ora, analisada tal factualidade, poderemos dizer que estão preenchidos os elementos de natureza objectiva constitutivos do tipo legal de crime supra transcrito, com referência ao nº 1 al. c), que se reporta especificamente a instalações de distribuição de água e produção de electricidade, como é o caso das instalações da A., que foi danificada com a conduta da Ré empreiteira, ao serviço o Município demandado.
Contudo, para além da verificação dos elementos fácticos de ordem objectiva, importa que se preencham também os elementos constitutivos de ordem subjectiva, ou seja, é indispensável, para que se possa afirmar preenchido com a conduta das Rés o tipo legal de crime em análise (como aliás qualquer tipo legal de crime), que se verifiquem os elementos constitutivos alusivos à culpa, maxime à negligência.
Nos termos do art. 15º do Código Penal, “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a)- representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b)- não chegar sequer a representar a possibilidade da realização do facto.
Se fosse possível imputar às Rés a sua conduta negligente no caso vertente, sempre diríamos que a mesma seria enquadrável, sob o ponto de vista criminal, ao crime previsto e punível nos termos do art. 277º nº 1 al. c) e nº 3, a que corresponderia a pena de prisão até 3 anos ou multa, o que configuraria um prazo prescricional de 5 anos nos termos do art. 118º nº 1 al. c) do Código Penal.
Só que, não se constatando o elemento subjectivo do crime, que não pode ser presumido, não há crime, pelo que, mesmo a título de negligência não é configurável o aludido tipo legal de crime, nem qualquer outro, a qualquer das Rés, pelo que não pode a A., para lograr vencimento na sua pretensão indemnizatória beneficiar do estatuído no art. 483º nº 3 do CC, com o prazo prescricional de 5 anos previsto para tal tipo de crime.
Decai, pois, a apelante, nas conclusões de recurso alusivas a tal matéria.
2ª QUESTÃO
Num segundo momento, sustenta a apelante que a prescrição foi interrompida por via do reconhecimento do seu direito à indemnização por parte do o R. Município, designadamente através dos documentos juntos a fls. 771 a 785.
Dispõe o art. 325º do CC.:
1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
2. O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.
Apreciemos os documentos em causa:
A A., através de sua mandatária, enviou à Ré o fax de fls. 776, datado de 12 de Maio de 2000, onde diz, no essencial: “no seguimento da nossa conversa de 11/05/00 e tal como combinado sou a enviar-lhe os valores dos prejuízos contabilizados pelo m/ cliente (Sr. F….) desde Abril até Junho… traduzindo-se o prejuízo neste período de tempo em 6.582.054$00. Além deste prejuízo, o meu cliente gastou a quantia de 60.000$00 para fazer o escoramento da fenda, obra que V. Exa aliás tanto elogiou. … Agradeço que V. Exa, com a brevidade que o assunto carece, me transmita a posição dessa Câmara e me informe qual o documento contabilístico de que o m/ cliente se tem de munir para receber o pagamento da quantia ora reclamada.” E com o fax envia documentação anexa, com a contabilidade dos prejuízos ali referidos.
A este fax o Município não deu resposta.
Quem cala consente, costuma dizer o Povo. Terá o Município consentido com tal silêncio? Parece-nos que ainda não.
Porém, perante tal silêncio, a A. volta a insistir com o fax de 24 de Maio, constante de fls. 782.
Tal fax, não sendo incorrecto, mas claramente lacónico e em jeito de exigência, chega quase a ser agressivo, quando, de forma imperativa, diz “queira V. Ex.a no dia de hoje ter a amabilidade de me responder às questões suscitadas no meu fax de 12 do corrente, nomeadamente:
- Está essa Câmara Municipal apta a pagar as quantias reclamadas?
- Em caso afirmativo quando e como?
- Obras, sim ou não. Quando?
Caso até final do dia de hoje não obtenha resposta a tais solicitações, ver-me-ei forçada a intentar os procedimentos judiciais que ao caso competem.
Sem mais, com os meus melhores cumprimentos.”
A tais faxes, considerados no seu conjunto, o Município respondeu através do fax de fls. 783, onde diz: “…a Câmara Municipal está a estudar com o empreiteiro responsável pela obra o pagamento das indemnizações “quantias” reclamadas, mas ainda “indeterminadas” porque dependem das obras a realizar.
As obras da responsabilidade do empreiteiro C…. deverão ser iniciadas logo que possível para defesa do Emissário e resolução do problema da D….. .
O seu início e conclusão são da inteira responsabilidade do empreiteiro, exigindo a Câmara Municipal que sejam eficazes e seguras.
Com os melhores cumprimentos.”
De uma primeira leitura isolada de tal resposta do Município, poderíamos ser levados a concluir que a mesma foi evasiva, ambígua, pouco clara, equívoca, quanto à aceitação da sua responsabilidade pelo pagamento das indemnizações reclamadas.
Contudo, se bem analisarmos, o Município não se furta à responsabilidade que lhe fora imputada, referindo que está a estudar com o empreiteiro as indemnizações reclamadas, limitando a responsabilidade às obras, não também ao pagamento das indemnizações que a A. lhe exigira.
Ora, perante o teor dos faxes da A., principalmente o fax de 24, que tem laivos de imperatividade, rudeza, e até ameaça com a via judicial, quase constituindo um ultimatum, talvez adequados à situação, o Município, se não sentisse qualquer responsabilidade e não reconhecesse o direito da A. a ser indemnizada, teria de manter o silêncio verificado após a recepção do fax de dia 12, ou então responder com idêntica impetuosidade, repudiando fortemente qualquer responsabilidade da sua parte, sustentando que o assunto não lhe dizia respeito, e, como tal considerando a questão um problema que não lhe dizia respeito, aconselhando a A. a dirigir-se a quem de direito, quiçá à empreiteira.
Mas não, o R. Município, perante aquele aspereza manifestada em tal fax, respondeu de forma muito cordata, conformando-se implicitamente com a imputação feita, desde logo dizendo que “o fax de V.Exa de 24 do corrente, mereceu a minha melhor atenção”, e à primeira e segunda perguntas feitas (Está essa Câmara Municipal apta a pagar as quantias reclamadas? - Em caso afirmativo quando e como?) disse que estava estudar o assunto com a empreiteira, a estudar os valores ainda indeterminados porque dependentes de obras a realizar, e à terceira pergunta (Obras, sim ou não. Quando?) respondeu logo que possível, para defesa do emissário e da D…. …que o início e conclusão (não o pagamento das mesmas) são da inteira responsabilidade do empreiteiro, exigindo a Câmara Municipal que sejam eficazes e seguras.
E respondeu imediatamente, logo após (no dia seguinte) a recepção do fax da A., como quem não quer ver cumpridas as ameaças de invectivas judiciais (?).
Assim avaliado o fax do R. Município, não isoladamente mas como resposta aos faxes da A., em especial ao de 24 de Maio, que tem um tom muito especificamente acusatório, não nos ficam dúvidas que aquele tem um tonus inequivocamente confessório, não rejeitando a responsabilidade que lhe é imputada nem enjeitando a sua obrigação de pagar as indemnizações, cujo valor diz ser indeterminado porque depende de obra a realizar.
E assim procedeu, concerteza por saber que tinha “culpas no cartório”, que dessa forma confessou de forma clara e expressiva, reconhecendo que a A. tem o direito a ser indemnizada pelos danos sofridos em consequência dos danos causados pelos explosivos utilizados na obra de que é dono, e que o próprio Município é responsável, ou pelo menos corresponsável, pela reparação da situação.
Dispõe o art. 236º nº 1 que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Ensina Antunes Varela [Em anotação ao art. 236 do CC, in Código Civil Anotado, Vol. I, pag. 222 da 3ª edição] que “a normalidade do declaratário, que a lei tem como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também da diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.
Daí que seja indispensável interpretar a declaração de vontade do Município expressa no dito fax do R. Município, de forma articulada com o teor dos faxes a que aquele respondeu, para não nos ficarem dúvidas do reconhecimento nela implícito.
Antunes Varela [Em anotação ao art. 325º nº 2 do CC, in Código Civil Anotado, Vol. I, pag. 290 da 3ª edição], considera como casos inequívocos de reconhecimento o pagamento de juros, a atribuição de uma garantia, o cumprimento de uma prestação, o pedido de prorrogação do prazo, a descrição da dívida em inventário…
Do mesmo modo, nós consideramos, no caso vertente, que é inequívoco do reconhecimento do direito reclamado pela Ré, o estudo do pagamento das indemnizações reclamadas, e o compromisso de obras tão breves quanto possível, e bem assim a supervisão das obras, manifestado naquele fax de 25 de Maio de 2000.
Assim, concluímos que com tal declaração do Município ficou interrompido o prazo prescricional do direito da A. à indemnização, pelo que, nessa medida, deve improceder a excepção de prescrição invocada por aquele.
É esta a leitura séria e rigorosa que conseguimos fazer de tal missiva, com interpretação frontal e exigente dos factos, sendo certo que a contrária se nos revela de novo injustificável.
3ª QUESTÃO
E aqui entramos, perante toda a factualidade provada, no enquadramento da responsabilidade indemnizatória do R. Município, nos termos do art. 501º do CC que dispõe nos termos seguintes:
“O Estado e demais pessoas colectivas públicas, quando haja danos causados a terceiros pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos termos em que os comitentes respondem pelos danos causados pelos seus comissários”.
Trata-se de responsabilidade em relação aos actos dos órgãos, agentes ou representantes, no exercício de actividades de gestão privada [Almeida e Costa, Obrigações, 8º Edição, pag. 561], constituindo uma forma de responsabilidade objectiva, ou pelo risco, independente de culpa, em que se verifica a prática de facto danoso no exercício das funções confiadas aos agentes ou representantes.
Para que se verifique essa obrigação indemnizatória, impõe-se a verificação de três requisitos, quais sejam: - a existência de uma relação de comissão, manifesta no caso vertente entre o Município e a entidade empreiteira; que recaia também sobre o próprio comissário a obrigação de indemnizar (o que poderá no caso vertente configurar-se no âmbito das relações internas entre o Município e Ré empreiteira, mediante o exercício de direito de regresso daquele sobre esta), o que exige que este haja praticado com culpa o facto causador do dano – culpa que no caso vertente se presume nos termos do art. 493º nº 2 do CC [As obras realizada pela empreiteira Cabral e Filhos, considerando a sua natureza e dimensão, e a natureza dos meios utilizados, desde logo a utilização de explosivos, têm de ser consideradas como constituindo actividade perigosa para os efeitos do art. 493 º nº 2 do Código Civil, nos termos do qual “ quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
A perigosidade não pode ser aferida em abstracto. O que determina a qualificação duma actividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados, como é inequivocamente o caso da utilização de explosivos.
Essa perigosidade só funciona após a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a actividade perigosa, cujo ónus cabe ao lesado.
O art. 493º do CCivil traduz uma situação de presunção legal de culpa, cabendo ao demandado demonstrar que empregou todas as medidas exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos causados.
Estabelece este preceito, assim, uma inversão do ónus da prova, cabendo ao lesante ilidir a sua presunção de culpa, para se eximir á sua responsabilidade.
No caso vertente caberia aos RR. , maxime à Ré empreiteira, demonstrar que desenvolveu todos os esforços para que os danos se não verificassem, designadamente que a deflagração dos explosivos se deu por motivos de todo imponderáveis, e que vigiou as obras de forma rigorosa por forma a que não ocorressem danos de qualquer natureza.
Não tendo ilidido a sua culpa, temo-la inequivocamente demonstrada.]; e a prática de um facto danoso no exercício da função confiada – o que também resulta abundantemente demonstrado ante a factualidade apurada.
Como ensina aquele Professor [Ob. Cit, pag. 553], “nesse caso, o dever de indemnizar resulta de uma conduta perigosa do responsável. Existem, com efeito, certas actividades humanas que envolvem o risco de causar perigos a terceiros, mas que a lei não proíbe em virtude de serem socialmente úteis ou, quando menos, não reprovados pelo consenso geral. Apenas se responsabilizam as pessoas que as exercem perante os danos que venham eventualmente a produzir, embora sem culpa”.
Deverá o R. Município, assim, indemnizar a A. por todos os prejuízos por esta sofridos com a explosão verificada na obra de que aquele era dono, prejuízos esses que ficaram provados nos autos, cujo cômputo não é neste momento possível precisar, impondo-se relegar a sua liquidação para execução de sentença.
DECISÃO
Por todo o exposto, Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar a apelação procedente, revogando a sentença recorrida, julgando improcedente a excepção de prescrição invocada pela Ré Município de Vale de Cambra, e julgar a acção parcialmente procedente contra este, condenando o mesmo a pagar à A. a indemnização correspondente aos prejuízos apurados, cujo cômputo se relega para liquidação em execução de sentença.
Custas pelo apelado Município.
Porto, 09 de Fevereiro de 2006
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão