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PROCESSO ESPECIAL DE FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
Sumário
I – Na ação com processo especial de fixação judicial de prazo, com previsão nos artigos 1026.º e 1027.º, ambos do Código de Processo Civil, o pedido consiste na fixação do prazo certo e a causa de pedir na inexistência do mesmo em obrigações que assumam as características enunciadas no artigo 777.º, nºs 2 e 3, do CCivil, inexistindo acordo entre devedor e credor quanto ao momento do vencimento da obrigação. II – Enquanto processo de jurisdição voluntária, arredada do seu âmbito está naturalmente a indagação sobre questões de natureza contenciosa e de fundo, como, por exemplo, a existência, validade, eficácia, incumprimento ou a extinção da relação jurídica invocada. III – A necessidade de se proceder, ao abrigo do cit. art. 777.º, à fixação judicial de prazo para o cumprimento de contrato-promessa ocorre, quer no caso em que o contrato não contém a menção de qualquer prazo para outorga do contrato prometido, quer naqueles em que contém tal indicação, mas por referência a um ou mais eventos futuros, enquanto obrigações secundárias ou acessórias daquela obrigação principal, cuja data de ocorrência é incerta. IV – É o que sucede quando as partes convencionam: “A escritura definitiva de compra e venda realizar-se-á após estar concluído o processo de destaque do prédio prometido, sendo que para o efeito os promitentes-vendedores comunicarão tal facto à promitente-vendedora, através de carta registada com aviso de receção, na qual comunicarão também o local, o dia e a hora previstas para a escritura pública, sendo a mesma realizada nos 15 (quinze) dias posteriores ao recebimento da referida carta, após o deferimento do pedido de destaque formulado pelos promitentes-vendedores”.
Texto Integral
PROCESSO N.º 1281/19.1T8VCD.P1
[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila do Conde - Juiz 2]
Relator: Fernando Vilares Ferreira Adjunta: Maria Eiró Adjunto: João Proença
SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I. 1. B…, LDA. intentou a presente ação com processo especial para fixação judicial de prazo contra C… e mulher, D…. Alegou, em síntese: - Em 11 de Setembro de 2006, as partes celebraram um “contrato promessa de compra e venda”, através do qual os requeridos prometeram vender à requerente uma parcela de terreno com a área de 7.347 m2, a destacar do prédio denominado “E…”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde; - Os requeridos assumiram a obrigação de proceder “de imediato” ao destaque da área prometida vender e de suportar os seus custos, e ainda de, após deferimento do referido destaque, marcarem a escritura publica de compra e venda e avisarem de tal facto a requerente; - A requerente, por diversas vezes, solicitou aos requeridos a marcação da escritura pública de compra e venda, e propôs duas ações judiciais, para apreciação de eventual incumprimento do contrato por parte dos requeridos; - Requerente e requeridos não acordaram quanto ao prazo para a marcação da escritura, entendendo a primeira como razoável e bastante o prazo de noventa dias para os requeridos procederem à marcação da escritura, fazendo previamente o destaque, notificando a requerente do dia, cartório e hora para o efeito.
Concluiu, pedindo a condenação dos Requeridos a proceder à marcação da escritura de compra e venda do prédio em causa, fixando-se o prazo de noventa dias para o efeito. 2.
Os Requeridos contestaram, por exceção e por impugnação, invocando, em síntese: - O destaque do terreno objeto do contrato-promessa de compra e venda esteve a cargo dos Requeridos, apenas e tão só na medida em que estes seriam responsáveis por assinarem a documentação necessária ao seu normal andamento, atendendo à circunstância de que são os proprietários do mesmo; - Todas as demais diligências inerentes ao destaque, designadamente a realização das peças necessárias e a identificação do fim a que se destina o destaque, dependem exclusivamente da Requerente, pois somente esta sabe o que é que vai fazer com o prédio a ser destacado; - Os Requeridos nunca se recusaram a assinar o que quer que fosse, pois tinham e sempre tiveram interesse na realização do negócio prometido e, assim alienar a parcela destacada a auferir o remanescente do preço; - O processo camarário caducou, em inícios do ano de 2009, por motivo não imputável aos Requeridos; - Por duas vezes, a Requerente declarou judicialmente já não ter qualquer interesse na manutenção ou celebração do contrato prometido, já que declarou expressamente ter pedido de forma definitiva o interesse na concretização do negócio; - A perda do interesse do credor, assim declarada, traduz um incumprimento definitivo do contrato determinando por isso a sua extinção; - A Requerente deve ser condenação como litigante de má fé, uma vez que litiga como se a obrigação de destaque depende exclusivamente dos requeridos, quando bem sabe que tal não é verdade.
Concluíram pugnando pela improcedência do pedido. 3.
Foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO: [Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a presente acção, absolvendo os Requeridos do peticionado. Absolvo a requerente do pedido de condenação como litigante de má fé. Custas a cargo da requerente (art. 527.º, nº1 e nº 2, do CPC).] 4.
Inconformado, o Requerente interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, versando matéria de direito.
Com o requerimento de interposição do recurso, o Recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES: I - Em 11 de Setembro de 2006, as partes celebraram um “contrato promessa de compra e venda”, através do qual os requeridos prometeram vender à Requerente uma parcela de terreno com a área de 7.347 m2, a destacar do prédio denominado “E…”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde. II – Por esse contrato promessa os promitentes vendedores prometeram vender à promitente compradora uma parcela de 7.347,00 m2. III – Para que tal negócio se tornasse possível, ficaram os promitentes vendedores obrigados a destacar de imediato a indicada área de terreno do referido “E…”. IV – O contrato promessa não previu qualquer prazo para que os promitentes vendedores realizassem o referido destaque, tendo apenas previsto prazo para que, uma vez realizado o destaque, fosse agendada e realizada a escritura pública definitiva. V – Entendeu o Tribunal a quo que o prazo está estabelecido na cláusula 5ª do contrato promessa. VI - Ora, a cláusula 5ª do contrato promessa nada mais estabelece do que uma sequência lógica para a realização da escritura pública ao dizer que só se realizará após concretização do destaque de parcela e estabelece um prazo para o agendamento da referida escritura. VII – Sucede que, uma coisa é a calendarização da escritura pública, outra é a fixação de um prazo para que os promitentes vendedores efectuassem o destaque da parcela, pois tal destaque é que tornaria possível a realização do negócio com a marcação da escritura. VIII – O prazo que foi omitido no contrato promessa foi o prazo para que os promitentes vendedores realizassem o destaque de parcela e era esse prazo que deveria ser fixado (para destaque de parcela e posterior realização de escritura pública). IX – Quando a recorrente (promitente compradora) indicou na sua P.I. que fosse fixado um prazo de 90 dias, não se referia apenas ao prazo para agendamento da escritura definitiva de compra e venda (pois esse prazo já está estabelecido na cláusula 5ª do contrato promessa), mas sim ao prazo para realizar o destaque e subsequente agendamento da escritura pública. X - O Tribunal a quo tinha o dever de fixar um prazo para tal, tanto mais que ouviu testemunhas idóneas e conhecedoras da tramitação inerente aos processos de destaque. XI - Por outro lado, a douta decisão recorrida considerou que a procedência da acção especial de jurisdição voluntária para fixação judicial de prazo encontra-se, exclusivamente, dependente da circunstância de o requerente justificar o pedido de fixação de prazo. XII – Considerou ainda que a requerente justificou a pretensão por si formulada na circunstância de haver celebrado com os requeridos contrato promessa de compra e venda e justificou, também, a pretensão formulada mediante a alegação de que não se mostra, ainda, celebrada a escritura de compra e venda e a inexistência de prazo certo para o efeito. XIII – Por outro lado, o Tribunal a quo conheceu e levou também em consideração a sentença proferida no processo nº 162/17.8TBVCD do Juiz 3 do Juízo Central da Póvoa de Varzim, que julgou improcedente a acção com fundamento na falta de fixação do prazo para cumprimento. XIV – Tendo em conta tudo isto, não compreende a recorrente como pôde a sentença ter-se abstido de fixar prazo, concluindo pela improcedência da acção por considerar que a cláusula 5ª do contrato promessa já continha um prazo. XV – A recorrente entende que quando falamos de prazo, falamos de prazo para cumprimento de todas as obrigações contratuais e não apenas de parte delas. XVI – Devemos ainda distinguir as obrigações que têm em vista tornar possível o objecto do contrato das obrigações meramente instrumentais, destinadas a formalizar e concluir o negócio. XVII – Ora, a obrigação que visa tornar possível o objecto do contrato é a obrigação contida na cláusula 2ª do contrato promessa (os promitentes compradores obrigaram-se junto da entidade competente a realizar o destaque de parcela); já a obrigação que visa a formalização e conclusão do negócio é a que está prevista na cláusula 5ª do contrato promessa, a qual apenas e só é exigível após o cumprimento da obrigação anterior. XVIII – Da análise do contrato promessa resulta inequivocamente que nenhum prazo foi fixado para que os promitentes vendedores dessem cumprimento à obrigação que resulta da cláusula 2ª do contrato promessa. XIX – E impunha-se que o Tribunal a quo fixasse tal prazo, uma vez que o contrato promessa foi omisso quanto a ele. XX – Ao não o fazer, com o argumento de que tal prazo já está previsto na cláusula 5ª do contrato promessa, está o Tribunal a quo, salvo o devido respeito por opinião contrária, a impedir que a Recorrente, por intermédio do processo especial de fixação judicial de prazo, obtenha o preenchimento de uma cláusula do contrato que não previu o prazo de vencimento da obrigação. XXI – A sentença recorrida violou, pelo menos, as normas legais contidas nos artigos 401º, nº 2 e 777º, nº 2, ambas do Código Civil. XXII – Face ao teor das cláusulas 2º e 5ª do contrato promessa, de onde resulta inequivocamente que não foi previsto qualquer prazo limite para os promitentes vendedores realizarem o destaque de parcela a vender; face, outrossim, à circunstância de haver uma decisão judicial anterior ao pedido de fixação judicial de prazo, que considerou haver falta de fixação do prazo para cumprimento, de onde resulta o não vencimento da obrigação e, portanto, a não entrada em mora por parte dos promitentes vendedores, deveria o Tribunal a quo, ter considerado que o prazo fixado na cláusula 5ª do contrato promessa é inapropriado para se dizer ter sido fixado prazo no contrato e, em consequência, deveria ter fixado um prazo que tivesse em conta o tempo necessário para o destaque e consequentemente marcação da escritura. 5.
Contra-alegaram os Recorridos, pugnando pela improcedência do recurso, com base nas seguintes CONCLUSÕES: 1.ª – O recorrente não pode, nas suas alegações de recurso, alterar pedido formulado, sendo que esse mesmo pedido é o que delimita o poder jurisdicional dos tribunais. 2.ª – No seu pedido, o recorrente reivindicou a marcação da escritura pública no prazo de 90 dias. 3.ª – Por conseguinte, não existe qualquer omissão por parte do Tribunal a quo na sua decisão. 4.ª – O contrato de promessa assinado pelas partes continha uma condição suspensiva, sendo que apenas após a sua concretização é que será possível a fixação do prazo para a realização da escritura. 5.ª – O processo de destaque, inerente à condição, caducou, inviabilizando assim o pressuposto necessário para a marcação da escritura. 6.ª – O recorrente para poder exigir o cumprimento da obrigação, terá que ter por verificada a condição de que a mesma depende, ou seja, para que possa solicitar a fixação judicial do prazo da escritura, terá de ter por verificado o destaque. 7.ª – O Tribunal a quo não violou as normas legais contidas no nº2 do artigo 777º e do n.º 2 do 401º, ambos do Código Civil. 8.ª – O n.º 2 do artigo 777º não se aplica ao caso em questão, não existindo qualquer violação, já que o mesmo depende do requisito de as partes não determinarem qualquer prazo. No caso em apreço, as partes acordaram um prazo para a realização da escritura, firmando por escrito esse mesmo acordo. 9.ª – A decisão proferida, assim, não merece qualquer apelo ou agravo, pelo que deverá ser mantida na íntegra. II. OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, a questão a decidir no presente recurso resume-se a saber se se mostram verificados os pressupostos de que depende a pretendida fixação judicial de prazo. III. FUNDAMENTAÇÃO 1. OS FACTOS 1.1. Factos provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos: 1. Por escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, outorgado em 11-09-2006, os Requeridos, na qualidade de primeiros outorgantes, e a Requerente, na qualidade de segunda outorgante, declararam celebrar entre si o mencionado contrato, tendo por objeto “(…) a área de 7.347.00 m2, melhor identificados no levantamento topográfico que fica anexo ao presente contrato e que dele faz parte integrante, a destacar do prédio acima descrito, destaque esse a requerer na Câmara Municipal …, e que correrá por conta dos requeridos” (cláusula 2.º). 2. O prédio descrito no escrito referido em 1) e do qual seria a destacar a área de 7.347.00 m2 é o prédio rústico denominado “E…”, com a área de 31.000 (trinta e um mil) m2, sito no …, da Freguesia …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00242 de …, e inscrito na matriz rústica respetiva sob o artigo 270. 3. O preço estipulado para a compra daquela parcela com 7.347 m2, foi de 82.455,00 € (oitenta e dois mil quatrocentos e cinquenta e dois euros). 4. A Requerente entregou aos Requeridos, na data da celebração do identificado contrato promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 24.736,50 € (vinte e quatro mil setecentos e trinta e seis euros e cinquenta cêntimos). 5. A restante quantia em divida será paga no ato da outorga da escritura pública de compra e venda. 6. Do escrito mencionado em 1) consta, ainda, na cláusula 5.ª que: “A escritura definitiva de compra e venda realizar-se-á após estar concluído o processo de destaque do prédio prometido, sendo que para o efeito os primeiros outorgantes comunicarão tal facto à segunda outorgante, através de carta registada com aviso de receção, na qual comunicarão também o local, o dia e a hora previstas para a escritura pública, sendo a mesma realizada nos 15 (quinze) dias posteriores ao recebimento da carta pela segunda outorgante, mas sempre após o deferimento do pedido de destaque que irá ser de imediato realizado pelos promitentes vendedores”. 7. A Requerente propôs contra os Requeridos uma ação comum, a qual correu termos do 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º 1546/10.8TBVCD, na qual pediu que os segundos fossem condenados a pagar-lhe a quantia de €49.473,00, mais juros de mora, correspondente ao dobro da quantia entregue a título de sinal no contrato de promessa, invocando o incumprimento do mesmo pelos aqui Requeridos, por não terem procedido ao destaque da parcela nem à marcação da escritura, concluindo que os Requeridos haviam incumprido definitivamente o contratado. 8. No processo referido em 7) foi proferida sentença, em 28-06-2013, a julgar improcedente a ação e a absolver os requeridos do pedido, entre o mais, com o fundamento de “(…) não tendo a Autora/credor instado os RR./devedores para cumprirem; não se estando perante nenhuma das situações previstas pelo n.º 2 do citado art. 805º em que se considera existir mora do devedor independentemente de interpelação e nada permitindo concluir que a prestação – quer o inicial destaque quer a posterior compra e venda – já não seja possível, inexiste fundamento para concluir que os RR. se encontram em mora quanto ao cumprimento das obrigações a que ficaram adstritos no contrato de promessa em apreço. 9. A Requerente propôs contra os Requeridos uma ação de processo comum, a qual correu termos no Juiz 3 do Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim sob o n.º 162/17.8T8PVZ, na qual pediu a resolução contratual do contrato de promessa e a restituição em dobro da quantia entregue, invocando que os Requeridos nunca levaram a efeito o destaque, não marcaram a escritura de compra e venda, na qual a Requerente perdeu interesse por falta de interessados em comprar e por os preços de mercado terem baixado. 10. A ação referida em 9) foi julgada improcedente por sentença proferida em 24-09-2018, sem prejuízo do artigo 621.º do CPC, 2.ª parte, e com o fundamento na falta de fixação do prazo para cumprimento. 11. O processo camarário de destaque do prédio prometido caducou em inícios do ano de 2009. 1.2. Factos não provados
Dos factos tidos como relevantes para a decisão, o Tribunal de que vem o recurso julgou não provados os seguintes: A) A Requerente, por diversas vezes, solicitou aos Requeridos a marcação da escritura publica de compra e venda, tanto mais que se dedicava e dedica à revenda de imóveis e pretendia revender o prédio objeto da prometida compra e venda. B) O destaque do terreno objeto do contrato-promessa de compra e venda esteve a cargo dos Requeridos apenas e tão só na medida em que estes seriam responsáveis por assinarem a documentação necessária ao seu normal andamento. C) Todas as demais diligências inerentes ao destaque, designadamente, a realização das peças necessárias e a identificação do fim a que se destina o destaque, dependem exclusivamente da Requerente. D) A Requerente, inclusivamente, decidiu contratar um técnico para a auxiliar nesse sentido, tendo para o efeito contratado F…, aparentemente primo do legal representante da Requerente. E) Os Requeridos nunca se recusaram a assinar o que quer que fosse, pois tinham e sempre tiveram interesse na realização do negócio prometido e, assim alienar a parcela destacada a auferir o remanescente do preço. F) A caducidade referida em 11) foi por motivo não imputável aos Requeridos. G) Não era responsabilidade dos Requeridos zelar pelo andamento do processo de destaque, mas sim responsabilidade da Requerente, que deu instruções ao referido F… para terminar com o projeto de destaque, junto da Câmara Municipal. H) Caso pretendesse, a Requerente poderia, a qualquer momento, pedir a reabertura do processo, já que os requeridos sempre estiveram disponíveis para assinar as peças processuais. I) A requerente mudou de ideias por várias vezes relativamente ao imóvel, já que em 21/02/2008 instruiu e apresentou um pedido de destaque na Câmara Municipal …, almejando o destaque, com o fito de construir uma habitação, e posteriormente, em 20/12/2006 instruiu e apresentou um pedido de destaque na Câmara Municipal …, almejando o destaque, desta feita com o fito de construir um armazém. J) A Requerente bem sabe que o cumprimento da obrigação do destaque, não pode ser realizado pelos requeridos, pois somente a Requerente é que sabe qual é a utilização que quer dar à parcela. 2. OS FACTOS E O DIREITO 2.1.
O presente processo de fixação judicial de prazo, enquanto processo de jurisdição voluntária, mostra-se regulado, em primeira linha, pelas disposições gerais dos arts. 986.º a 988.º e pelas normas específicas dos arts. 1026.º e 1027.º, todos do CPCivil.
Como é sabido, os processos de jurisdição voluntária contrapõem-se aos processos de natureza contenciosa, sendo assinalado pela doutrina que naqueles se discute um interesse juridicamente tutelado cuja regulação o juiz efetuará nos termos mais convenientes. Sem embargo dos aspetos submetidos a critérios de legalidade estrita, o tribunal pode guiar-se nas suas resoluções por critérios de conveniência e de oportunidade (art. 987.º do CPCivil)[1].
“Nos processos de jurisdição voluntária, a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro gestor de negócios – negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado através do poder judicial”[2].
A norma do n.º 2 do art. 986.º do CPCivil prescreve a prevalência do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo, preconizando a flexibilidade da tramitação processual, sendo lícito ao juiz realizar atos ou formalidades não especificamente previstos e omitir aqueles que se revelem destituídos de interesse para o exame ou decisão da causa[3]. 2.2.
Nos termos do art. 1026.º do CPCivil, “quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indica o prazo que repute adequado”.
A fixação de prazo enquanto incumbência do tribunal encontra desde logo previsão no art. 772.º, n.º 2, do CCivil: “Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinam, quer por força dos usos, e as partes não acordaram na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal”.
Trata-se de um processo que tem por escopo “o preenchimento de uma cláusula acessória omissa, indispensável para exigir o cumprimento da prestação e, por isso, determinar o início da mora. O requerente tem apenas de justificar o pedido da fixação e não já de fazer prova dos seus fundamentos. Não se destina a verificar a existência, validade e eficácia da relação jurídica invocada: apenas se a mesma foi suficientemente apresentada e necessita que o tribunal lhe fixe um prazo (RG 30-11-17, 318/17); o requerente também não tem de fazer a demonstração da exigibilidade da obrigação (RL 29-1-04, CJ, t. I, p. 91). (…) neste processo apenas se julga da adequação do prazo ao direito ou dever, supondo a existência deste (cf. Rui Pinto, CPC anot., vol. II, p. 886). (…) O pedido formulado é o da fixação do prazo e a causa de pedir a inexistência do mesmo em obrigações que assumam as características enunciadas no art. 777.º, nºs 2 e 3, do CC, inexistindo acordo entre devedor e credor quanto ao momento do vencimento da obrigação”[4]. 2.3.
No caso que reclama a nossa atenção, o Tribunal a quo, após constar que no contrato-promessa de compra e venda sub judice foi estabelecido pelas partes, sob a cláusula 5.ª, “que a escritura de compra e venda será realizada nos 15 dias posteriores ao recebimento da carta dos primeiros outorgantes a comunicar a conclusão do processo de destaque do prédio prometido”, concluiu no sentido de que “existe um prazo determinado pelas partes para a celebração do contrato definitivo, sujeito a uma dada condição que impede a imediata exigibilidade da prestação”; e existindo “uma condição suspensiva que determina que a exigibilidade da obrigação só ocorre a partir de um dado momento”, então “não existe nenhuma lacuna ou omissão no contrato promessa que implique a necessidade de fixar um prazo”.
A Apelante afronta tal entendimento, sustentando, em síntese, que a cláusula 5.ª do contrato-promessa em questão “nada mais estabelece do que uma sequência lógica para a realização da escritura pública ao dizer que só se realizará após concretização do destaque de parcela e estabelece um prazo para o agendamento da escritura”, impondo-se a fixação de prazo que abarcará necessariamente a concretização do dito destaque, tanto mais que “o Tribunal a quo conheceu e levou também em consideração a sentença proferida no processo nº 162/17.8TBVCD do Juiz 3 do Juízo Central da Póvoa de Varzim, que julgou improcedente a ação com fundamento na falta de fixação do prazo para cumprimento”.
Ponderando os argumentos em confronto, e considerando a factualidade relevante apurada, julgamos que a solução do problema jurídico trazido a estes autos não pode deixar de passar pela fixação judicial de um prazo.
Com efeito, se dúvidas houvesse quanto à necessidade de fixação de prazo, enquanto meio indispensável para, no âmbito do contrato-promessa em questão, a Requerente (promitente-compradora) poder exigir o cumprimento da prestação por parte dos Requeridos (promitentes-vendedores) e, assim, determinar o início da mora, as decisões judiciais mencionadas sob os pontos 7) a 10) do elenco dos factos provados encarregaram-se de as deixar bem esclarecidas.
A decisão recorrida, embora não o refira expressamente, parece ter perfilhado o entendimento jurisprudencial assumido no acórdão da RC de 01.03.2016[5], assim sintetizado no respetivo sumário: [Se as partes anuíram que “a escritura de permuta seria outorgada no prazo de 60 dias após o projecto de arquitectura estar aprovado, e admitindo até a requerida celebrá-la no prazo máximo de um ano”, - não estamos face uma obrigação sem prazo, antes, e quando muito, perante uma situação “mista ou intermédia”, sujeita a uma condição que veda ou impede a imediata exigibilidade da prestação, pelo que o art. 777.º nº 2 do CC não tem aplicação].
Salvo o devido respeito, não é a solução que, a nosso ver, melhor se coaduna com a boa aplicação do direito ao caso dos autos.
A situação em apreço é análoga, para o que aqui releva, à que foi merecedora de análise no âmbito do acórdão desta Relação de 30.01.2014[6], onde se deixou afirmado, com inteira propriedade: “O artigo 777.º do Código Civil e os seus vários números aplicam-se em todas as situações, repete-se, em que as partes não estipularam um prazo e não existe norma legal que imponha um prazo específico para a situação, como sucede com o contrato-promessa cujo regime jurídico não possui uma norma com esse conteúdo. Estamos perante a falta de estipulação pelas partes quando não resulta do consenso estabelecido por estas em que dia ou até que dia exacto do calendário o cumprimento deve ter lugar. E isso sucede não apenas quando as partes omitem qualquer estipulação sobre o prazo do cumprimento, como também quando as referências que lhe fazem são insuficientes para conduzir a um prazo certo, o qual continua assim carecido de determinação e, portanto, a demandar a aplicação desta norma. Acontece isso quando as partes indexam a exigibilidade da obrigação a um evento futuro mas sem data certa. É o caso dos autos em que as partes fixaram um prazo (60 dias a contar de algo) mas associaram-no a um evento futuro e incerto (licenciamento da fracção e fase de execução do empreendimento) que se prende com prestações acessórias do promitente-vendedor, em resultado do que a estipulação contratual no seu todo não permite definir uma data exacta para o cumprimento, tornando necessária a sua fixação ulterior. (…) Num contrato… só o conjunto de todas as obrigações, principais, secundárias e acessórias permitirá cumprir o plano contratual e alcançar a composição de interesses que as partes tiveram presentes na negociação e em vista com a celebração do contrato”.
Ora, no caso que nos ocupa é notório que nenhum prazo certo (e só o prazo que é certo se pode ter como relevante para o efeito) as partes convencionaram para outorga do contrato prometido.
O que resultou acordado foi o que consta da cláusula 5.ª do contrato-promessa: “A escritura definitiva de compra e venda realizar-se-á após estar concluído o processo de destaque do prédio prometido, sendo que para o efeito os primeiros outorgantes comunicarão tal facto à segunda outorgante, através de carta registada com aviso de receção, na qual comunicarão também o local, o dia e a hora previstas para a escritura pública, sendo a mesma realizada nos 15 (quinze) dias posteriores ao recebimento da carta pela segunda outorgante, mas sempre após o deferimento do pedido de destaque que irá ser de imediato realizado pelos promitentes vendedores”.
Ou seja, a marcação da outorga da escritura do contrato prometido ficou a cargo dos promitentes compradores, para data não concretizada, mas sempre subsequente à realização de um evento futuro e com data incerta – “conclusão do processo de destaque do prédio prometido” –, também da responsabilidade daqueles, e dentro dos 15 dias após o recebimento da carta pela promitente-compradora, comunicando a conclusão do dito processo de destaque, carta essa a remeter pelos promitentes vendedores também em data incerta.
Enfim, um rosário de incertezas no que respeita ao prazo para cumprimento da obrigação principal de outorga do contrato prometido por parte dos aqui Recorridos. 2.4.
Em sede de contra-alegações defenderam os Apelados que o pedido deduzido pelo Apelante na 1.ª instância não contemplava qualquer prazo para a conclusão do destaque, mas sim um pedido para a fixação judicial de prazo para a marcação da escritura pública, pelo que não podia o Tribunal a quo, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia, pronunciar-se sobre um pedido que não foi efetuado pelas partes.
Não pensamos assim.
Com efeito, pelo que deixámos dito, facilmente se percebe que, considerando os termos do que foi estipulado pelos contraentes no contrato-promessa, a obrigação principal de outorga do contrato prometido integra outras obrigações acessórias ou secundárias, entre as quais a obrigação de concluir o processo de destaque da parcela prometida. E sendo assim, o prazo para cumprimento da obrigação principal abarca naturalmente o prazo para cumprimento das obrigações secundárias.
E por outro lado, importa não perder de vista que nos movemos no domínio da jurisdição voluntária, onde o juiz não se encontra vinculado a princípios de legalidade estrita, incluindo no que toca ao princípio do pedido, como sucede na jurisdição contenciosa. 2.5.
Concluindo nós pela necessidade de fixação de prazo neste caso, importa então proceder à quantificação do mesmo.
A Requerente pediu a fixação do prazo de 90 dias.
Por sua vez, em sede de resposta, os Requeridos reputaram como adequado prazo não inferior a um ano.
Assim considerando as diligências probatórias realizadas na 1.ª instância, com relevância para os depoimentos das testemunhas G… e F…, que admitiram como necessário, para concluir um novo processo de destaque, “um prazo de quatro meses a um ano” e “um prazo de 4 ou 5 meses”, respetivamente, e visto o preceituado no art. 1027.º, n.º 2, do CPCivil, consideramos razoável fixar em 180 (cento e oitenta) dias o prazo para outorga da escritura do contrato prometido, a contar da notificação do presente acórdão aos Requeridos/Recorridos, prazo em que se inscreve também, necessariamente, a conclusão do processo de destaque do prédio objeto do contrato-promessa em causa, assim como todas as demais obrigações secundárias e acessórias face à obrigação principal de outorga do contrato prometido. 2.6.
O vencimento dos Recorridos dita a sua responsabilidade pelo pagamento das custas devidas neste recurso e em 1.ª instância (cfr. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPCivil, e 1.º do RCP). IV. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgamos procedente o recursoe, em consequência, decidimos:
a) Revogar a decisão recorrida;
b) Fixar em 180 (cento e oitenta) dias o prazo para outorga da escritura do contrato prometido, a contar da notificação do presente acórdão aos Requeridos/Recorridos, prazo que abrange a conclusão do processo de destaque do prédio objeto do contrato-promessa em causa e todas as demais obrigações secundárias e acessórias face à obrigação principal de outorga do contrato prometido; e
c) Condenar os Apelados/Requeridos no pagamento das custas da ação e deste recurso.
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Porto, 28 de outubro de 2021
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
João Proença
____________ [1] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 434; [2] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 70. [3] Cf. Ac. da RP de 14.06.2010, relatado por GUERRA BANHA no processo 148/09.6TBPFR.P1, acessível em www.dgsi.pt. [4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES e outros, Ob. cit., p. 469. [5] Relatado por CARLOS MOREIRA no processo 1056/14.4TJCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt. [6] Relatado por ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA no processo 5/14.4YIPRT, acessível em www.dgsi.pt.