I - Incluem-se no conceito de pessoa interposta (constante do art. 397.º, n.º 2, do CSC), além dos casos referidos no art. 579.º, n.º 2 do CC, todos os casos em que, embora o administrador não seja parte no negócio com a sociedade, ele tem um interesse, ainda que indireto, quanto aos resultados do mesmo, isto é, todos os casos em que a parte no negócio com a sociedade é um sujeito sobre o qual o administrador tem influência.
II - É o que sucede quando o administrador (único) celebra um contrato (de cedência definitiva de programa informático e direitos de propriedade intelectual) com uma outra sociedade, acabada de constituir e de que é também gerente, sendo esta outra sociedade representada pelo seu irmão, que por 2 meses “emprestou” o seu nome à gerência e à estrutura societária, após o que o referido administrador passou a deter a totalidade do capital social desta outra sociedade e a ser o seu único gerente.
III - Sendo tal administrador único – e não podendo haver deliberação do Conselho de Administração – nem por isso deixa de ter aplicação do art. 397.º, n.º 2, do CSC, passando, para que o negócio não seja nulo, a ser exigível, além do parecer favorável do órgão fiscalizador, deliberação dos sócios autorizando o negócio.
IV - Para um dano – seja dano emergente ou lucro cessante – ser indemnizável, tem o mesmo que ser certo (embora a certeza de que se fala não seja matemática ou absoluta, mas apenas relativa) e não meramente eventual, razão pela qual não pode ser proferida uma condenação, em incidente de liquidação, em que explicitamente se diz que a condenação é proferida para o caso do valor duma faturação a apurar ser superior ao montante de certas despesas/gastos também a apurar: só se pode condenar/relegar para incidente de liquidação quando a incerteza é apenas sobre o montante do dano e não quando é ainda a própria existência do dano que permanece incerta.
Proc. n.º 3282/14.7T8SNT.L1
ACORDAM OS JUÍZES NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I - Relatório
AA, com residência em …, BB, com residência em …, Wikiwave, SGPS, Ldª e Quinta do Paço de Lourosa, Unipessoal Ldª, ambas com sede em Lisboa, instauram ação declarativa, com processo comum, contra CC e Paysimplex -Payment Solutions, Unipessoal Ldª, com residência e sede em Queijas e, simultaneamente, requereram o chamamento à causa (nos termos do art. 77.º/4 do CSC) da IBST -Internet Bussiness Solutions & Technologies, SA, com sede em Évora, pedindo que os RR. sejam solidariamente condenados:
“a pagar aos autores do montante global de € 88.532,20, acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento”;
“a pagar à sociedade IBST o montante que a 2.ª R. Paysimplex faturou com o programa/produto “paySimplex”, desde a data em que foi criado até ao trânsito em julgado da presente ação, acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento;”
“a pagar à IBST um montante que se vier a apurar referente ao valor de mercado do negócio paySimplex, acrescido de juros de mora desde a sentença até efetivo e integral pagamento.”
Alegaram, em resumo:
Em 20/01/2011, os 5 AA. e o 1.º R. constituíram a sociedade IBST, com o capital de € 50.000,00 (integralmente realizado), tendo por objeto social a “concetualização, desenvolvimento, implementação, edição, programação e comercialização de software, consultoria informática e portais web”, tendo então sido designado e mantendo-se sempre como administrador único o 1.º R..
IBST que foi criada tendo em vista o desenvolvimento do programa informático denominado “bizSimplex” e posteriormente, em 08/06/2011, para o desenvolvimento do programa “paySimplex”, razão pela qual, para fazer face aos trabalhos de desenvolvimento e aperfeiçoamento de tais programas, os AA prestaram, entre julho de 2011 e junho de 2012, suprimentos à IBST no valor global de € 88.532,20.
Entretanto, quando os programas desenvolvidos pela IBST já estariam em fase de conclusão, o 1º R. constituiu a 2.ª R. Paysimplex -Payment Solutions, Unipessoal Ldª (então designada Paytech-Mobile Paument Technologies, Lda.) – tendo como objeto social “atividades de programação informática, de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas, portais web outras atividades relacionadas com tecnologias de informação e informática com vista ao desenvolvimento de software direcionado ao desenvolvimento e implementação de novo meios e soluções de pagamento” e o 1.º R. como único sócio e gerente – e, após contratar funcionários que se encontravam ao serviço da IBST, “passou a comercializar o programa “paySimplex", produto desenvolvido pela IBST, na nova sociedade que criou”[1], tendo celebrado contratos com entidades como a EMEL, Câmara Municipal …, …, prejudicando a IBST “na mesma medida em que a 2.ª R. faturou serviços”, o que levou a que a “IBST ficasse sem qualquer valor de mercado”, “sem bens próprios”, “sem receitas”, “sem meios para liquidar aos AA. os empréstimos que fizeram à IBST”[2], pelo que “os AA., como causa direta e necessária da conduta do 1.º R., têm já um prejuízo no montante global equivalente aos suprimentos que efetuaram à IBST, no montante global de € 88.532,20”[3]; “e a IBST tem um prejuízo equivalente ao valor de mercado do programa “paySimplex, a avaliar no decurso dos autos, bem como o montante que a 2.ª R. faturou desde a data em que foi criada, o qual apenas com o desenrolar do processo poderá ser apurado[4]”.
Com o que, segundo os AA., o 1.º R. violou os seus deveres de administrador da IBST, razão por que vêm intentar contra ele a ação de responsabilidade prevista no art. 77.º do CSC (pedindo o chamamento da IBST nos termos do art. 77.º/4 do CS), assim como as ações de responsabilidade previstas nos art. 78.º/1 e 79.º do CSC; demandando também a 2.ª R., por esta ser responsável, nos termos do art. 6.º/5 do CSC, pelos prejuízos causados pelo 1.º R..
Os RR. apresentaram contestações em que, em síntese, alegaram:
Foi o 1.º R. que idealizou a IBST, constituída apenas para a criação e exploração comercial do programa ‘bizSimplex’, projeto que apresentou aos AA. e que estes encararam como uma boa possibilidade de investimento, tendo ficado acordado que, na concretização de tal projeto/IBST, o 1.º R. contribuiria com a sua experiência profissional, know how e trabalho, “assumindo os AA. a totalidade dos encargos financeiros necessários à constituição da IBST e ao desenvolvimento de todos os seus projetos”.
Só numa segunda fase surgiu o projeto ‘paySimplex’, criado com o objetivo de vir a ser vendido pela IBST; projeto que, em virtude dos AA. não realizarem as contribuições financeiras assumidas para o desenvolvimento da IBST, nunca teve as condições de gestão necessárias para poder ser impulsionado, razão por que foi – sem estar finalizado, nem em condições de poder ser utilizado e comercializado nem, por isso, de gerar a faturação invocada pelos AA. – em 08/11/2012, pelo preço de € 150.000.00, cedido pela IBST à então PayTech, sociedade em que o 1.º R., na data da cedência, tinha uma posição minoritária de 5%.
Programa paySimplex que, não obstante o desenvolvimento (e custos no montante de € 72.791,91) tido na 2.ª R., continua por finalizar, razão pela qual a sua venda à 2.ª R. não constituiu prejuízo para a IBST, nem impossibilidade de os AA. recuperarem os valores investidos, na medida em que a IBST continua a ser detentora do projeto bizSimplex, que não é valorizado por inércia exclusivamente imputável aos AA..
E concluíram pela total improcedência da ação.
Admitida a intervenção principal provocada da IBST, SA., esta apresentou articulado em que declarou fazer seus os articulados apresentados pelos RR., pugnando pela improcedência da ação.
Foi realizada a audiência prévia, proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.
Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que julgou a ação totalmente improcedente.
Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, o qual, por acórdão da Relação de Lisboa de 27/10/2020, foi julgado parcialmente procedente, tendo-se:
“(…)
Declara[do] a nulidade do acordo de cedência descrito sob o ponto 23 da fundamentação de facto e, consequentemente, condenado os recorridos na restituição/entrega, à sociedade interveniente IBST, do software informático dele objeto, restrito ao programa base do paySimplex, correspondente a plataforma ‘agnóstica’ de transações, com possibilidade de agregar vários motores on-line de processamento de pagamentos (portanto, sem os aplicativos móveis), a cumprir através da entrega/disponibilização do código-chave e de todas as licenças, registos, certificados e demais dados e elementos descritos no documento referido no ponto 23 dos factos assentes.
Condenado os recorridos no pagamento, à sociedade interveniente IBST, de indemnização a liquidar em execução de sentença a título de lucros cessantes no montante correspondente à diferença, se positiva, entre a totalidade dos valores faturados pela recorrida Paysimplex, Ldª aos clientes do ‘paySimplex’ desde a sua constituição até ao trânsito em julgado da presente decisão, e a totalidade dos valores que esta despendeu para, desde o início da sua atividade, proceder à comercialização/exploração do software em questão até ao referido termo final.
No demais, julgado improcedente o recurso interposto pelos recorrentes, com consequente manutenção da decisão de absolvição dos recorridos do pedido de indemnização por aqueles deduzido em seu benefício pessoal, ainda que com fundamentos distintos dos considerados pela sentença recorrida. (…)”
Inconformados, agora, os RR., interpõem o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que, invertendo o decidido, repristine o decidido em 1.ª Instância, julgando a ação totalmente improcedente.
Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(…)
1. O d. Acórdão ora recorrido vem revogar a sentença proferida em 1 .ª instância, pela qual se julgaram improcedentes os pedidos deduzidos pelos AA. e ora Recorridos, mediante (…)
2. Segundo o entendimento sufragado no d. Acórdão ora recorrido , o acordo de cedência descrito sob o ponto 23 da respetiva fundamentação de facto enferma da nulidade prevista no n.º 2 do art. 397.º do CSC , por considerar admissível a aplicação extensiva desta norma aos negócios celebrados entre a sociedade e terceiros representados pelo mesmo administrador; entendimento esse que, com a ressalva do devido respeito por melhor entendimento , não pode merecer acolhimento, por extravasar largamente o âmbito da previsão da norma do n.º 2 do art. 397.º do CSC .
3. Ou seja, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do art. 397.º do CSC, apenas se encontram feridos de nulidade os contratos celebrados: (a) entre a sociedade e os seus administradores, diretamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração; e (b) com sociedades que estejam em relação de domínio ou de grupo com aquela de que o contraente é administrador.
4. O n.º 3 do art. 397.º do CSC constitui um a norma de extensão do âmbito de previsão da norma do n.º 2 daquele mesmo preceito legal, pelo que, tendo o legislador, no n.º 3 do art. 397.º do CSC , expressamente previsto as situações às quais é extensível o regime geral do n.º 2 do mesmo preceito legal, afigura-se, com a ressalva do devido respeito por melhor entendimento , não ser defensável que tenha o legislador pretendido a extensão da consequência prevista no n.º2 do art. 397.º do CSC a outras situações que não as previstas no n.º 3 daquele m esmo preceito legal.
5. Por conseguinte, e conforme resulta dos factos elencados nos n.ºs 14 e 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido, o contrato de cedência do programa “PaySimplex” não foi celebrado entre o R . CC e a interveniente IBST, S.A., mas antes entre esta e a sociedade então designada com o "PAYTECH, LDA”. Sendo que, conforme decorre do facto elencado com o n.º 14 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido, na data da cedência do programa “PaySimplex” à sociedade então designada com o “PAYTECH, LDA.”, era esta mesma sociedade composta por mais que um sócio , apenas detendo o R. CC uma participação correspondente a 5% do capital social
6. Por outro lado, conforme decorre do n.º 27 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido, após a aquisição do programa “PaySimplex” pela sociedade então designada com o “PAYTECH, LDA.' (a qual, posteriormente , veio a ser transformada na 2.ª R .), passou aquele programa a ser explorado comercialmente por esta última sociedade comercial , e não pelo R. CC, cumprindo, ainda, ter presente que não foi considerado provado, na fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido, que a sociedade então designada como “PAYTECH, LDA.” (e, posteriormente, a 2.ª R .) tivesse qualquer relação de grupo ou qualquer parceria comercial com a interveniente IBST, S .A..
7. Assim , na definição do universo dos negócios que enfermam de nulidade ex vi das disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do art. 397.º do CSC , cumpre ter presente o critério interpretativo vertido no n.º 2 do art. 9.º do CC , pelo que, contrariamente àquele que é o entendimento sufragado no d. Acórdão recorrido, não tem , na letra do n.º 2 do art. 397.º do CSC , um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, um entendimento segundo o qual a previsão desta norma enquadre os contratos celebrados entre duas sociedades comerciais autónomas e distintas entre si, com o é o caso do contrato de cedência descrito no n.º 23 da fundamentação do d. Acórdão recorrido.
8. Assim com o não tem na letra do n.º 3 do art. 397.º do CSC, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, um entendimento segundo o qual a previsão desta norma enquadre os contratos celebrados entre duas sociedades comerciais que não tenham entre si qualquer relação de grupo, como manifestamente sucede com o contrato de cedência descrito no n.º 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido.
9. Por outro lado, mesmo que se considerasse que o contrato de cedência descrito no n.º 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido integraria a figura do negócio consigo mesmo prevista no n.º 1 do art. 261.º do CC, daí decorreria a anulabilidade de tal negócio, a qual , sob pena de convalidação, deve ser arguida nos termos e dentro do prazo previstos no n.º 1 do art. 287.º do CC. Pelo que, não tendo os ora Recorridos arguido qualquer espécie de anulabilidade no ano subsequente à data da conclusão e do cumprimento do contrato de cedência descrito no n.º 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido, sempre estaria convalidada qualquer anulabilidade de que tivesse enfermado aquele mesmo negócio.
10. Mesmo que se verificasse qualquer causa de nulidade do contrato de cedência referido no n.º 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido (o que, in casu, não sucede, conforme já demonstrado supra!), e uma vez que os AA. e ora Recorridos apenas peticionaram a condenação dos RR. e ora Recorrentes na realização de prestações pecuniárias, a declaração de nulidade do contrato de cedência referido no n.º 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido e a consequente condenação na restituição do programa “PaySimplex” à interveniente IB S T, S .A. claramente extravasam o âmbito da pretensão formulada pelos AA., constituindo um pronunciamento sobre questão não suscitada pelas p artes e uma condenação em objeto diverso do pedido.
Em face do que,
11. A decisão de declaração de nulidade do contrato de cedência referido no n.º 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido e a consequente condenação dos RR . n a restituição do programa “PaySimplex” à interveniente IBST, S.A. claramente enfermam de violação das normas dos n.ºs 2 e 3 do art. 379.º do CSC, já que, segundo aquela que é a sua correta interpretação e aplicação, o âmbito de previsão daquelas m esmas normas não abrange o contrato de cedência descrito no n.º 23 .º da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido.
12. Assim como enferma a decisão de violação das normas do n.º 1 do art. 609.º e das alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, já que, de acordo com aquela que é a correta interpretação e aplicação daquelas normas, não podia o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ter condenado os RR. e ora Recorrentes em objeto diverso do peticionado, julgando procedente um pedido que não foi deduzido pelos AA., pelo que enferma de nulidade a decisão de declaração de nulidade do contrato de cedência referido no n.º 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido e a consequente condenação dos RR. na restituição do programa “PaySimplex” à interveniente IBST, SA..
13. Para que o contrato de cedência referido no n.º 23 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido tivesse causado qualquer prejuízo à interveniente IBST, necessário seria que os custos totais do desenvolvimento e da comercialização do programa "PaySimplex" fossem inferiores ao valor das receitas efetivamente recebidas pela 2.ª R. com a exploração comercial daquele mesmo programa, pressuposto aquele que, manifestamente, não resulta demonstrado à luz dos factos considerados provados na fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido.
14. Com efeito, considerou-se provado, nos n.ºs 23 e 24 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido, que, na data em que ocorreu a cedência a “PaySimplex” à sociedade então designada com o PAYTECH, Lda., aquele programa «não estava finalizado porque, existindo já, e pelo menos, como plataforma ‘agnóstica’ de transações (plataforma com possibilidade de agregar vários motores on-line de processamento de pagamentos), estava em falta, pelo menos e para lhe conferir alguma funcionalidade, o desenvolvimento das ‘Apps’ móveis para permitir o pagamento por via móvel através de smartphones e telemóveis standard».
15. Ou seja, na data em que o programa “PaySimplex” foi cedido à sociedade então designada com o PAYTECH, Lda., não se encontrava ainda funcional, carecendo ainda de alguns desenvolvimentos para poder ser explorado comercialmente; sendo que, conforme se considerou provado no n.º 27 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido, «O programa paySimplex gerou faturação para a 2ª R., até Dezembro de 2014, no valor de pelo menos € 27.209,93», valor este que respeita à faturação emitida pela 2.ª R. a clientes relativamente à utilização do programa "PaySimplex, e não às receitas efetivamente auferidas com a exploração comercial daquele mesmo programa.
16. Em contrapartida, embora se tenha considerado provado que os RR . e ora Recorrentes, após a cedência do programa “PaySimplex” à sociedade então designada como "PAYTECH, Lda., tiveram ainda de efetuar e custear desenvolvimentos naquele mesmo programa até reunir as condições mínimas para a sua exploração comercial (cf. os n.ºs 23 e 24 da fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido), não foi considerado provado , na fundamentação de facto do d. Acórdão recorrido, que os custos totais suportados pela 2.ª R. com o desenvolvimento e a exploração comercial do programa “PaySimplex” foram inferiores às receitas efetivamente auferidas pela 2.ª R. com aquela mesma exploração. Por conseguinte , não resultando , dos factos considerados provados na fundamentação do d. Acórdão recorrido, que a cedência do programa “PaySimplex” tenha privado a interveniente IBST, S.A . de receitas efectivas superiores aos custos totais que teria de suportar com o desenvolvimento e a comercialização daquele mesmo programa, daí necessariamente decorre não ter sido provado que a interveniente IB S T, S .A. sofreu qualquer prejuízo com a cedência do programa “PavSimplex".
17. Consequentemente, a decisão de condenação dos RR . e ora Recorrentes no pagamento, à sociedade interveniente IBS T, S .A., de indemnização a liquidar em execução de sentença enferma de violação das normas dos artigos 342.º, n.º 1 e 483.º, n.º 1, ambas do CC , porquanto , segundo aquela que é a correta interpretação e aplicação daquelas normas, não tendo os AA. e ora Recorridos logrado provar a efetiva existência de um dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil, não poderia o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ter condenado verificados, relativamente aos RR . e ora Recorrentes, os pressupostos da responsabilidade civil e condenado os mesmos RR . e ora Recorrentes ao pagamento de qualquer indemnização, seja aos AA. e ora Recorridos, seja à interveniente IBST, S.A..
18. Assim como, por outro lado, enferma a m esma decisão de violação das normas do art. 565.º e 569.º do CC , porquanto, segundo aquela que é a correta interpretação e aplicação daquelas normas, não tendo resultado provada a existência de qualquer prejuízo que tenha sido sofrido pelos AA. e ora Recorridos ou pela interveniente IBS T , S.A., não podia o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa condenar os RR e ora Recorrentes no pagamento de qualquer indemnização, ainda que a liquidar em execução de sentença, uma vez que a condenação em indemnização a liquidar em execução de sentença pressupõe a prova da existência de um dano efetivo. (…)”
Os AA. responderam, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pelos RR./recorrentes, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos; “(…) contudo, caso se entenda que deve proceder, então, nos termos do artigo 636º do C.P.C., devem os Recorrentes ser condenados conforme peticionado pelos Recorridos ou seja, “…a pagar à sociedade IBST montante que a 2ª Ré faturou com o programa/ produto "PaySimplex" desde a data em que foi criado até ao trânsito em julgado da presente ação, acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento; devem ainda ser condenados a pagar à IBST um montante que se vier a apurar referente ao valor de mercado do negócio "PaySimplex", acrescidos de juros de mora desde a Sentença até efetivo e integral pagamento.”
Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
“ (…)
I - O Recorrente CC violou diversos deveres para com os Recorridos, nomeadamente, o dever de lealdade.
II - Ficou claro e manifesto que o irmão do Recorrente surge como sócio e gerente da PAYTECH, numa fase inicial como testa de ferro de CC.
III - O Recurso dos Recorrentes deve improceder;
IV - Os Recorridos entendem que os Recorrentes deveriam ser condenados, conforme peticionado: (…)
V Ficou claro, no decurso do julgamento em 1ª instância que atenta a conduta dos Recorrentes a IBST passou a ser uma sociedade “fantasma”;
VI O Recorrente CC transferiu toda a estrutura da IBST, funcionários, instalações, material de trabalho, para a sociedade PAYMENT, deixando-a sem qualquer tipo de estrutura material e humana.
VII Os Recorrentes não colocam, em causa a conduta ilícita que tiveram e, assim, o direito dos Recorridos e da IBST a serem indemnizados.
VIII O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa constatando, como, aliás, era flagrante, a conduta ilícita dos Recorrentes deveria condená-los nos termos em que foi peticionado.
IX Caso se considere que o Recurso dos Recorrentes deve proceder então deveriam os mesmos ser condenados como peticionado, ou seja, solidariamente:
…a pagar à sociedade IBST - INTERNET BUSINESS SOLUTIONS & TECHNOLOGIES, S.A., pessoa colectiva n.º 509658270, montante que a 2ª Ré facturou com o programa/ produto "PaySymplex" desde a data em que foi criado até ao trânsito em julgado da presente acção, acrescidos de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento;
Devem ainda ser condenados a pagar à IBST S.A. um montante que se vier a apurar referente ao valor de mercado do negócio "PaySymplex", acrescidos de juros de mora desde a Sentença até efectivo e integral pagamento; O que desde já se requer ao abrigo do artigo 636º do C.P.C.
X. Entendendo-se que a decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa foi correta, e não se encontrando apurados nem os concretos montantes recebidos pelos Recorrentes, e que continua a receber, nem as alegadas despesas que suportou, não restava, efetivamente, outra possibilidade ao Tribunal que não fosse decidir como decidiu. (…)”
Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Fundamentação de Facto
II – A – Factos Provados[5]
1. IBST - INTERNET BUSINESS SOLUTIONS & TECHNOLOGIES, S.A., de ora em diante designada IBST, com sede na Rua da República 77-A, 2º Direito, 7000 – 656 Évora, foi constituída e registada em 20/01/2011, com o objeto social: "Conceptualização, desenvolvimento, implementação, edição, programação e comercialização de software, consultoria informática e portais web", e o capital social de 50.000€.
2. Aquando da constituição da sociedade foi designado administrador único o 1.º R, CC, que se manteve na função pelo menos até 24/09/2014.
3. O 1.º Réu contratava empregados, negociava com fornecedores, contratava prestadores de serviços, geria e administrava os suprimentos dos acionistas.
4. O capital da sociedade, integralmente realizado por todos os acionistas, encontra-se distribuído nos seguintes termos:
CC, titular de ações equivalentes a 51% do capital social;
AA, titular de ações equivalentes a 15% do capital social;
BB, titular de ações equivalentes a 15% do capital social;
Wikiwave, SGPS Lda., titular de ações equivalentes a 15% do capital social;
Quinta do Paço de Lourosa, Unipessoal Lda., titular de ações equivalentes a 4% do capital social;
5. O 1º R. realizou o seu capital social na sociedade IBST com recurso a transferência de fundos efetuada pelos autores.
6. A sociedade IBST foi criada com vista ao desenvolvimento do programa informático denominado "BizSimplex".
7. A aplicação "BizSimplex" consistia num software ERP constituído por oito módulos, tais como base de faturação, fornecedores, recursos humanos, stocks.
8. Em 08/06/2011, foi elaborado um projeto empresarial do negócio e produto PaySimplex.
9. O “PaySimplex” consistia numa aplicação de pagamentos por via móvel através de smartphones e telemóveis standard, que permite a desmaterialização total de pagamentos, substituindo o dinheiro e cartões de débito e crédito como meios correntes, tanto no mercado nacional junto de clientes corporativos, como junto de similares clientes internacionais.
10. Ao longo de todo o ano de 2011 e 2012, a sociedade IBST S.A. foi trabalhando e aperfeiçoando, inicialmente, o programa “BizSimplex” e, posteriormente, o programa “PaySimplex”;
11. O projeto PaySimplex foi apresentado à EMEL e SIBS.
12. Em Maio de 2012, a sociedade COPIRISCO - Business Consultants avaliou o negócio da IBST S.A. em 2.6 milhões de euros, tendo apresentado relatório da avaliação no qual consta que a avaliação atendeu ao potencial de desenvolvimento de negócio dos seus dois produtos em fase terminal de desenvolvimento, BizSimplex e PaySimplex, perspetivado para o quinquénio 2012-2016; mais consta a descrição do programa PaySimplex nos termos descritos sob o ponto 9; na descrição dos mercados de atuação, descreve como alvo preferencial os comerciantes aderentes à disponibilização do pagamento as empresas de retalho em grande distribuição, restauração, concessionárias de parques de estacionamento, gasolineiras, entre outras, com uma proposta de custos por transação de apenas 3 cêntimos; na descrição do modelo de negócio para a exploração comercial do PaySimplex faz referência à componente fixa do proveito emergente da comercialização da adaptação técnica da tecnologia do programa PaySimplex a cada cliente e à componente variável do proveito emergente das transações de pagamentos através do programa ao longo do mesmo período de tempo, estimando o valor dos proveitos ao longo dos cinco anos com especificação dos emergentes da adaptação do projeto a cada cliente e da correspetiva licença anual, e dos emergentes dos ‘Fee’s’ por transação; na descrição das projeções económico-financeiras consta referido que: “A atividade da empresa durante o ano de 2011 foi exclusivamente centrada no desenvolvimento parcial das duas aplicações, estando ambas reconhecidas em sede de Balanço como ativos intangíveis valorizados em 180,7 mil euros. A parte remanescente do desenvolvimento tem sido finalizada durante os primeiros meses de 2012”, indicando para o período de dezembro 2011 capital realizado no valor de € 50.000, ativo no valor de € 213.700 (do qual, €180.700 não corrente), e passivo (todo corrente) no valor de € 163.700, do qual € 129.000 a título de dívida a acionistas; “As evoluções das vendas resultantes da aplicação PaySimplex têm por base a comercialização dos seguintes projetos, junto das seguintes tipologias de potenciais clientes identificados”, que identifica, prevendo para o quinquénio a execução de 23 projetos PaySimplex, dos quais 3 em 2012, correspondentes a Estacionamento-… Próxima, Estacionamento-..., e Estacionamento-... (cfr. fls. 4, 9, 14 a 18, 21, 26, 27 do relatório junto a fls. 56 a 97).
13. Para fazer face aos trabalhos de desenvolvimento e aperfeiçoamento dos programas desenvolvidos pela IBST os Autores injetaram na sociedade, a título de suprimentos, os seguintes montantes:
1º Autor - AA:
Em 29/07/2011: 5.000€ (Cinco Mil Euros);
Em 30/07/2011: 4.500€ (Quatro Mil e Quinhentos Euros);
Em 25/11/2011: 30.000€ (Trinta Mil Euros);
Em 10/01/2012: 1.000€ (Mil Euros);
Em 04/04/2012: 1.500€ (Mil e Quinhentos Euros);
Em 04/06/2012: 3.000€ (Três Mil Euros);
Em 27/06/2012: 4.266,10€ (Quatro Mil Duzentos e Sessenta e Seis Euros e Dez Cêntimos)
2º Autor - BB:
Agosto de 2011 9.000C (Nove Mil Euros)
3º - Autor - Wikiwave, Sgps Lda:
Em 09/08/2011 9.000C (Nove Mil Euros)
4ª Autora - Quinta do Paço de Lourosa:
Em 23/08/2011 2.500C (Dois Mil e Quinhentos Euros);
Em 31/10/2011 5.000C (Cinco Mil Euros);
Em 30/12/2011 4.000C (Quatro Mil Euros);
14. Em 02/11/2012, o 1º Réu constituiu, com o seu irmão DD, a sociedade 2ª Ré, então com o nome Paytech - Mobile Payment Technologies, Lda., pessoa coletiva n.º 510438326, atualmente com sede na Rua Vale do Jamor, n.º 7, 2790 - 442 Queijas, com o capital social de € 150.000,00 distribuído por duas quotas, uma no valor nominal de € 7.500,00 inscrita em benefício do primeiro, e outra no valor nominal de €142.500,00, inscrita em benefício do segundo, ambos designados gerentes, constando da certidão comercial da dita sociedade o averbamento, em 17.01.2013, da cessação de funções de DD do cargo de gerente, por renuncia de 11.01.2013, na mesma data, 17.01.2013, a anotação do depósito da transmissão da quota deste em benefício do réu CC e a inscrição da alteração à designação da sociedade para Paysimplex - Payment Solutions, Ldª, e em 21.04.2014, a inscrição da modificação de sociedade plural por quotas em sociedade unipessoal.
15. A 2ª Ré tem como objeto social: "Atividades de programação informática, de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas, portais web outras atividades relacionadas com tecnologias de informação e informática com vista ao desenvolvimento de software direcionado ao desenvolvimento e implementação de novo meios e soluções de pagamento.".
16. (eliminado)
17. (eliminado)
18. O 1º R. e a 2ª Ré contrataram funcionários que se encontravam ao serviço da IBST.
19. O 1º Réu passou a comercializar na 2.ª Ré o programa "PaySymplex", tendo celebrado contratos com a Câmara Municipal de … e ...;
20. A IBST não gera receitas.
21. Com vista à análise das potencialidades de mercado do plano de negócios apresentado por CCo relativamente ao projeto ByzSimplex, os AA contrataram a empresa Copirisco Business Consultantes, cujos serviços foram pagos pela sociedade Eurovending, Lda. de que o R. CC era sócio.
22. Antes de realizado o capital social da IBST, o 1º R. efetuou pagamentos por conta da IBST.
23. Através de documento datado de 08.11.2012, epigrafado de “Contrato de Cedência Definitiva de Programa Informático e Direitos de Propriedade Intelectual”, subscrito pelo réu CC pela primeira contratante IBST...SA, e pelo seu irmão DD pela segunda contratante PayTech..., Ld.ª, o primeiro declarou que, pelo valor de € 150.000,00, a primeira contratante cede à segunda contratante, e o segundo declarou que a segunda contratante aceita a cedência de “todos os direitos respeitantes à propriedade intelectual do Programa de software designado “PaySimplex”, que ainda se encontra em fase de desenvolvimento”, constando da cláusula segunda do referido documento que aquela quantia de €150.000,00 era a pagar "mediante transferência bancária para a conta com o NIB ...1 73, pertencente à primeira contratante", valor que em audiência de julgamento o réu CC declarou ter considerado para pagamento dos suprimentos que alegou ter prestado à IBST. Mais ali consta que a cedência inclui a transferência definitiva e de utilização exclusiva de: a) Licenças web-design; b) Aplicações nativas (Apps) em qualquer sistema operativo (IOS, Windows e Android) e respetivas ferramentas e equipamentos de suporte informático de desenvolvimento; c) Toda a imagem de site, das aplicações, do FrontOffice ou Área de Cliente; d) Todas as Bases de Dados -Azure, PTW5, etc; e) Todas as licenças de desenvolvimento e respetivos direitos - Telerik, Iconnshock, Apple, Windows, Android, a ceder todas as contas de domínios de semelhança fonética, etc; f) A cedência de direitos e registos: CNPC-Comissão Nacional de Proteção de Dados, Certificção do Ministério das Finanças (SAFT-PT); g) Linha de telefone de assistência ou contacto; g) Contrato Vodafone-utilizado em testes; i) Certificados: Certificado Servidor WEB (SSL), Certificado Digital de Aplicação, Certificado Plataforma B2B; j) Direitos e acesso a todas as ferramentas de comercialização e divulgação (páginas de redes sociais como por exemplo facebook, Linked-in e Twitter, entre outras; k) Direitos de uso de todas as imagens adquiridas para uso nos sites e aplicações; l) Direitos de todos as análises financeiras e apresentações sobre o projecto paySimplex desenvolvidas pela Copirisco, Lda.; m) Todos os direitos sobre a actividade criativa sobre a actividade inventiva envolvida no projecto paySimplex., e que A primeira contratante compromete-se a) A guardar confidencialidade e a não desenvolver qualquer programa ou aplicação informática de conteúdo semelhante; b) A ceder todo o Código Fonte de forma definitiva conhecidas como “sources”. A primeira contraente compromete-se em não deter qualquer Código Fonte ou “sources” da aplicação “paySimplex; c) A ceder todas as palavras-chave ou passwords para o correto acesso e desenvolvimento de qualquer elemento relacionado com o software paySimplex.
24. Nessa data o programa PaySimplex descrito sob o ponto 9 não estava finalizado porque, existindo já, e pelo menos, como plataforma ‘agnóstica’ de transações (plataforma com possibilidade de agregar vários motores on-line de processamento de pagamentos), estava em falta, pelo menos e para lhe conferir alguma funcionalidade, o desenvolvimento das ‘Apps’ móveis para permitir o pagamento por via móvel através de smartphones e telemóveis standard.
25. (eliminado)
26. Pelo menos em Março de 2013 a funcionalidade de pagamento de estacionamento estava pronta.
27. O programa paySimplex gerou faturação para a 2.ª R., até Dezembro de 2014, no valor de pelo menos € 27.209,93.
28. (eliminado)
29. Além dos adiantamentos referidos, o 1.º R. pagou, desde 19.09.2012, dívidas da IBST a Copirisco Business Consultants e Banif Mais, sendo a primeira no valor de € 11.943,30.
30. E celebrou ainda acordos de pagamentos em prestações com a Segurança Social e Autoridade Tributária, relativamente a dívidas nos montantes de € 8.100,62, € 510,20, € 3.241,80 e € 868,89.
31. Quando da constituição da IBST, os Autores comprometeram-se a investir, pelo menos, o montante global de € 150.000,00 de capital social e suprimentos, dos quais, pelo menos € 11.467,80 não entregaram.
32. O 1.º A., AA, foi trabalhador da IBST.
33. Os montantes pagos por CC, por conta da IBST, até à realização do respetivo capital social, pelo menos em parte, foram reembolsados.
34. A IBST continua a ser detentora do projeto bizSimplex no sentido de ser possível e/ou estar ao seu alcance ou na sua disponibilidade fáctica diligenciar pelo acesso ao web-site ou ao programa a que corresponde.
*
Factos não provados
Não se provou que:
a) O 1º Réu realizou o seu capital social por empréstimo dos restantes acionistas;
b) O 1º R. aquando da constituição da sociedade IBST não colocou na mesma qualquer montante;
c) A sociedade IBST foi criada com vista ao posterior desenvolvimento do programa “PaySimplex”.
d) A sociedade tinha como objetivo o desenvolvimento de programas informáticos, como exemplo o "Pay Symplex", para posterior venda, retirando daí os respetivos proveitos;
e) O projeto PaySimplex foi apresentado a Banco …, C…, E…, J… e M….
f) Os suprimentos injetados pelos Autores na IBST destinaram-se principalmente ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do "PaySimplex".
g) Além dos suprimentos provados, AA efetuou ainda os seguintes suprimentos:
Em 26/12/2011 3.000€ (Três Mil Euros);
Em 04/04/2012 2.500€ (Dois Mil e Quinhentos Euros);
Em 26/06/2012 4.266,10€ (Quatro Mil Duzentos e Sessenta e Seis Euros e Dez Cêntimos)
h) A 2.ª Ré celebrou contratos com a EMEL.
i) A IBST não tem bens próprios.
j) CC efetuou pagamentos por conta da IBST mesmo antes de constituída a sociedade.
k) Nos termos das condições de constituição da sociedade acordadas com os AA eram estes quem deveriam suportar a totalidade dos encargos financeiros necessários ao desenvolvimento do projeto;
l) O valor dos suprimentos realizados pelo 1.º R na IBST totaliza, em Outubro de 2014, a quantia de € 163.543,89.
m) Quando da cedência, em 08.11.2012, o programa “PaySimplex” não tinha em funcionamento nem uma das funcionalidades que se encontravam previstas.
n) Foram necessários sete meses de desenvolvimento para que apenas a funcionalidade de pagamento de estacionamento estivesse pronta.
o) À data da contestação, 12.12.2014, o programa “PaySimplex” não se encontrava finalizado para poder ser comercializado.
p) Após a aquisição do programa “PaySimplex” a 2.ª R. despendeu, até Outubro de 2014, com o desenvolvimento do mesmo, o valor de € 72.791,91.
q) Com a alienação do programa “PaySimplex”, a sociedade IBST auferiu uma receita de € 150.000,00.
r) A IBST não conseguiu colocar-se em posição de mercado devido ao incumprimento e falta de cooperação dos Autores.
s) O 1.º R. pagou as seguintes dívidas da sociedade IBST: - CLAM, no valor de € 2.428,00; - ESPELHO DE LETRAS, no valor de € 7.380,00; -SEGURANÇA SOCIAL, no valor de € 2.372,52 à data de Dezembro de 2014 relativamente a dívida de € 8.692,75. - SEGURANÇA SOCIAL, no valor de € 611,05; - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA, no valor de € 3.241,8; -AUTORIDADE TRIBUTÁRIA, no valor de € 1.195,49;
t) O 1.º Réu assumiu o custo do estudo provado sob o n.º 21.
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III – Fundamentação de Direito
Visaram os AA., com a presente ação, responsabilizar o 1.º R. (e, em 2.ª linha, também a 2.º R., sociedade por ele constituída) pelos danos causados à IBST e aos próprios AA., danos esses causados, segundos os AA., por comportamentos do 1.º R., enquanto administrador da IBST, violadores dos respetivos deveres de administrador.
Em 1.ª Instância, foi a ação julgada totalmente improcedente e, na 2.ª Instância, em vez da decisão se circunscrever à condenação (ou não), como se pedia, na indemnização de tais danos, foi declarada a nulidade do acordo de cedência descrito sob o ponto 23 da fundamentação de facto (acordo esse entre a IBST e a 2.ª R. e respeitante à cedência definitiva de todos os direitos respeitantes à propriedade intelectual do Programa de software designado “paySimplex”).
Daí que os RR/recorrentes invoquem a nulidade do acórdão recorrido, “por ter apreciado questão de que não podia tomar conhecimento e ter condenado em objeto diverso do peticionado”.
O que sugere – para explicar que o acórdão recorrido não enferma da nulidade invocada e que a nulidade declarada (do acordo de cedência) está bem no centro do objeto da causa proposta pelos AA. – que passemos em revista o que foi invocado/alegado e pedido pelos AA., o que foi contraposto pelos RR. e o que foi sendo decidido.
E começar-se-á por dizer e salientar que no âmago da alegação dos AA. está a circunstância de, sendo o 1.º R. administrador único da IBST (sociedade de que são acionistas os 5 AA. e o 1.º R e em que, em 08/06/2011, havia sido iniciado o desenvolvimento do programa “paySimplex”), ter o mesmo constituído e passado a ser gerente da 2.ª R. (Paysimplex -Payment Solutions, Unipessoal Ldª, então designada Paytech-Mobile Paument Technologies, Lda.), com um objeto e atividade concorrentes da IBST, após o que “passou a comercializar o programa “paySimplex", produto desenvolvido pela IBST, na nova sociedade que criou”[6], comportamentos estes, segundo os AA., violadores dos deveres de lealdade que os administradores devem, nos termos do art. 64.º/1/b) do CSC, observar, razão pela qual, segundo os AA., o 1.º R. deve ser condenado a pagar aos AA. a quantia (€ 88.532,20) respeitantes aos suprimentos prestados pelos AA. à IBST, assim como deve ser condenado a pagar à IBST o montante faturado pela 2.ª R. com o programa paySimplex e o valor de mercado do negócio paySimplex; alegação esta juridicamente suportada, segundo os AA., nos arts. 78.º/1 e 79.º do CSC, quanto à condenação a favor dos próprios AA., e nos arts 72.º e 77.º do CSC, quanto à condenação a favor da IBST.
Daí que tenhamos referido estar-se numa ação em que se peticionam indemnizações decorrentes de comportamentos do 1.º R., enquanto administrador da IBST, violadores dos respetivos deveres de administrador.
Aspeto este – ter 1.º R., enquanto administrador da IBST, violado os respetivos deveres de administrador – em que houve convergência na apreciação positiva efetuada pelas Instâncias, sendo que os próprios RR/recorrentes, face à evidência dos factos e comportamentos dados como provados, evitam manifestar-lhe, na revista, uma divergência frontal, antes se centrando sobre a errada, segundo eles, interpretação que foi dada ao art. 397.º/2 do CSC, esquecendo que, além (e antes) dos deveres legais específicos, estão os administradores sujeitos a deveres gerais.
Efetivamente, dispõe-se no art. 64.º/1 do CSC:
1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
Preceito que estabelece, em forma de cláusulas gerais (na impossibilidade de tais deveres, por serem muitos e variados, serem especificados num elenco legal fechado), os deveres gerais (deveres de diligência em sentido amplo) dos administradores: a atuação com a diligência dum gestor criterioso e ordenado e a gestão no interesse da sociedade.
Assim, segundo o dever geral de cuidado, têm os administradores que “aplicar nas atividades de organização, decisão e controlo societários o tempo, esforço e conhecimento requeridos pela natureza das funções, as competências específicas e as circunstâncias”[7].
E compreende:
- o dever de controlo ou vigilância organizativa-funcional; o que implica que os administradores acedam à informação (produzindo-a eles mesmos ou solicitando-a a funcionários) respeitante à evolução económico-financeira da sociedade e a todos elementos relevantes sobre a gestão da mesma;
- o dever de terem uma atuação procedimentalmente correta (para a tomada de decisões); e
- o dever de tomarem decisões (substancialmente) razoáveis; sem prejuízo da discricionariedade empresarial dos administradores, de poderem escolher entre as várias alternativas razoáveis de decisão.
E, segundo o dever geral de lealdade, devem “os administradores exclusivamente ter em vista os interesses da sociedade e procurar satisfazê-los, abstendo-se, portanto, de promover o seu próprio benefício ou interesses alheios”.[8]
Compreendendo:
- o dever de se comportarem com correção quando contratam com a sociedade[9];
- o dever de não concorrer com ela;
- o dever de não aproveitar em benefício próprio oportunidades de negócio societárias;
- o dever de não aproveitar em benefício próprio bens e informações da sociedade; e o
- dever de não abusar do estatuto ou posição de administrador.
Não sendo despiciendo acrescentar – em face do que versam os autos e do que neles está provado – o seguinte sobre o dever de se comportar com correção quando contratam com a sociedade e sobre o dever de não concorrer com ela e de não aproveitar em benefício próprio oportunidades de negócio societárias:
É dever dos administradores, face ao disposto nos arts. 254.º/1, 398.º/3 e 428.º, todos do CSC, não exercerem, por conta própria[10] ou alheia[11], atividade concorrente com as respetivas sociedades, salvo consentimento; dever este, de proibição da concorrência com a sociedade, que, mais do que impedir uma atuação particularmente perigosa para a sociedade, tem em vista evitar um potencial conflito de interesses.
Entendendo-se como concorrente com a da sociedade – como se dispõe no art. 254.º/2 do CSC, para que remete o art. 398.º/5 – “qualquer atividade abrangida no objeto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios”; o que significa que os atos isolados de concorrência praticados pelos administradores não desrespeitarão o dever de não exercer atividade concorrente[12], porém, tal não significa que o administrador possa praticar um ato isolado que cause um dano à sociedade, devendo entender-se que existe sobre o administrador o dever de lealdade de não praticar tal ato isolado e representando tal ato isolado um claro desrespeito do dever de lealdade quando se traduza no aproveitamento indevido de oportunidades de negócio da sociedade[13]. Atividade concorrente em que, para se saber se a mesma existe, será preciso analisar a concreta e pretensa atividade concorrente, só assim se podendo concluir se há ou não o risco de um potencial conflito de interesses.
Tendo isto presente, confrontando o que se acaba de referir – os contornos dos deveres legais gerais que os administradores devem observar no exercício das suas funções – com o que consta dos factos provados, a conclusão imediata e inevitável é a de que o 1.º R. violou o dever geral de lealdade e, ao mesmo tempo, o dever específico imposto pelo art. 398.º/3 do CSC e porventura – é a questão que os RR/recorrentes discutem frontalmente na revista – o dever específico imposto pelo art. 397.º/2 do CSC[14].
Efetivamente, sendo o 1.º R. administrador único da IBST e sem ser autorizado pela AG da IBST, constituiu e passou a ser sócio e gerente da 2.ª R., sociedade esta com atividade concorrente com a da IBST – como supra se referiu, é concorrente “qualquer atividade abrangida no objeto da sociedade” e, no caso, basta analisar/confrontar os objetos sociais das duas sociedades (factos 1 e 15) para concluir que a sobreposição/concorrência é total – ou seja, o 1.º R. passou a desenvolver atividade concorrente por conta própria (mediante a 2.ª R.[15]) e/ou por conta alheia (enquanto gerente da 2.ª R.), em violação do já referido art. 254.º/ 2 e 3[16] do CSC (ex vi 398.º/3 e 5 do mesmo CSC).
Por outro lado, sendo administrador único da IBST e mais uma vez sem ser autorizado, interveio, em 08/11/2012, em “Contrato de Cedência Definitiva de Programa Informático e Direitos de Propriedade Intelectual”, contrato segundo o qual a IBST (por si representada) declarou ceder à 2.ª R. (representada por gerente diferente do 1.º R.), pelo valor de € 150.000,00, “todos os direitos respeitantes à propriedade intelectual do Programa de software designado “PaySimplex”, que ainda se encontra em fase de desenvolvimento” na IBST, contrato este que, para além da violação do dever geral de lealdade – enquanto dever que impõe que o administrador informe (no caso, os restantes acionistas) sobre contratos da sociedade que o envolvam em conflitos de interesses – convoca o disposto no art. 397.º/2 do CSC (e o dever específico legal dele constante), que diz serem “nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, diretamente ou por interposta pessoa, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do CA, no qual o interessado não pode votar, e com o parecer favorável do conselho fiscal”.
Tendo sido justamente esta nulidade contratual, decorrente da aplicação do art. 397.º/2 do CSC, que foi declarada no acórdão recorrido e que originou que os RR/recorrentes suscitassem a nulidade do acórdão.
Tudo isto exposto – voltando ao que os AA. alegaram, ao modo como configuraram juridicamente o que alegaram e como formularam os respetivos pedidos – torna-se pois evidente que a cedência à 2.ª R. do Programa de software designado “paySimplex” sempre fez parte do que foi invocado e peticionado pelos AA..
A propósito da responsabilização dos gerentes ou administradores por danos causados por comportamentos seus com violação dos deveres legais ou contratuais, prevêem-se, nos artigos 72.º a 79.º do CSC, 3 tipos de responsabilidades:
Para com a sociedade, podendo tal ação social ser proposta pela própria sociedade (art. 75.º/1 do CSC)[17], por “um ou vários sócios que possuam, pelo menos, 5% do capital social (…) com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado” (art. 77.º/1 do CSC)[18] ou, se nem a sociedade nem os sócios exigirem do administrador a indemnização a favor da sociedade, pelos credores sociais, sub-rogando-se à sociedade (art. 78.º/2 do CSC)[19].
Para com os credores sociais, na medida em que os “gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos” (art. 78.º/1 do CS).
E para com os sócios e terceiros, na medida em que “os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções” (art. 79.º/1 do CSC).
E foram estes 3 tipos de responsabilidades que os AA mencionaram querer exercer, invocando, no plano jurídico, os já referidos art. 77.º, 78.º/2 e 79.º/1 do CSC, sem que, porém, impõe-se reconhecê-lo, hajam acompanhado tal invocação jurídica da alegação de factos suscetíveis de preencher a integralidade de tais previsões legais.
Tal era evidente quanto à responsabilidade que procuraram exercer com base no art. 79.º/1 do CSC, segundo o qual os administradores não respondem para com os sócios e terceiros por quaisquer danos sofridos por estes, mas apenas “pelos danos que diretamente lhes causarem” no exercício das suas funções, ou seja, o dano em causa (gerador de responsabilidade nos termos do art. 79.º/1 do CSC) tem que incidir diretamente no património do sócio ou de terceiro, não relevando o dano meramente reflexo, derivado de dano sofrido diretamente pela sociedade.
Dito doutra forma, do comportamento indevido dum administrador (desrespeitador dos deveres deste para com a sociedade) pode resultar prejuízo para a sociedade e, por isso, podem os sócios e terceiros sofrer indiretamente prejuízos, porém, em tal hipótese, o que tem cabimento são as ações sociais de responsabilidade (as ações dos art. 75.º, 77.º e 78.º/2 do CSC) e, eventualmente, as ações de credores sociais (do art. 78.º/1 do CSC), mas não as ações individuais de sócios ou terceiros para indemnização dos mesmos (nos termos do art. 79.º/1 do CSC)[20].
Bem andou pois a Relação em, seguindo o raciocínio que se acaba de referir sobre a interpretação do art. 79.º/1 do CSC, julgar improcedente o pedido dos AA. estribado no art. 79.º/1 do CSC, no que confirmou, embora com fundamentação diversa, o decidido na 1.ª Instância[21], desfecho com que, sem prejuízo de não haver “dupla conforme”, os AA. ora se conformaram.
E acrescentou a Relação, para julgar totalmente improcedente a autónoma indemnização pedida pelos AA. a seu favor (“autónoma”, em relação à indemnização pedida pelos AA. a favor da sociedade), que estes, na apelação, haviam deixado cair a responsabilidade exercida com base no já referido art. 78.º/1 do CSC.
Mas – é o ponto – isso aconteceu na sequência do que foi contraposto pelos RR. na contestação e do que, em face de tal alegação, foi dado como provado.
Nos termos previstos no art. 78.º/1 do CSC, tal responsabilidade deriva da inobservância das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais, ou seja, a ilicitude, aqui, compreende a violação, não de todo e qualquer dever impendendo sobre os administradores, mas tão só dos deveres prescritos em “disposições legais ou contratuais” de proteção dos credores.
É o caso das normas que providenciam pela conservação do capital social (v. g., arts. 31.º/34.º, 514.º, 236.º, 346.º/1, 513.º, 220.º/2, 317.º/4, todos do CSC): que proíbem, em princípio, a distribuição de bens sociais aos sócios sem prévia deliberação destes; a distribuição de bens sociais quando o património líquido da sociedade seja ou se torne (em consequência da distribuição) inferior à soma do capital e das reservas legais e estatutárias; a distribuição de lucros de exercício em certas circunstâncias e de reservas ocultas; a amortização de quotas e de ações sem ressalva do capital social; a aquisição de quotas e de ações próprias sem ressalva do capital social (e como é também o caso das normas relativas à constituição e utilização da reserva legal, cfr. arts. 218.º, 295.º e 296.º)[22].
Inobservância esta – de normas de proteção dos credores sociais – que leva à responsabilização dos administradores perante os credores sociais desde que tal inobservância cause (nexo de causalidade) uma diminuição do património social (dano direto da sociedade) que o torna insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos (dano indireto dos credores), ou seja, o dano para a sociedade, que funda a responsabilidade perante os credores sociais, tem que consistir numa diminuição do património social em montante tal que a sociedade fica sem forças para cabal satisfação dos direitos dos credores: só quando se verifica esta insuficiência do património social existe dano (mediato) relevante para os credores da sociedade (se, apesar do dano provocado à sociedade por violação de normas de proteção, o património social continua bastante para a sociedade-devedora cumprir as suas obrigações, os administradores não respondem para com os credores sociais, mas apenas para com a sociedade).
Era isto, a provar-se integralmente, o que o alegado pelos AA. era suscetível de poder configurar, na medida em que, segundos AA. e em síntese, o programa “paySimplex” (tal bem social) havia passado a ser comercializado numa nova sociedade, pertencente (segundo os AA.) na totalidade ao 1.º R., ficando a IBST sem bens próprios e sem meios para liquidar os suprimentos dos AA.
Só que, em vez da (alegada) “distribuição gratuita” de tal bem social pelo 1.º R, o que se provou, a partir do alegado pelos RR. na contestação, foi que o programa “paySimplex” (tal bem social) foi vendido pela 1.ª R. à 2.ª R., ou seja, os RR., para se defenderem, com êxito, da não violação das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais, invocaram/revelaram o acordo oneroso de cedência que foi celebrado, passando este acordo a estar sob a apreciação do tribunal.
É sabido que o tribunal, quando se depare com negócios jurídicos que padeçam do vício de nulidade, a pode/deve declarar oficiosamente (cfr. art. 286.º do C. Civil), pelo que, dir-se-á, bastaria tal observação para afastar a suscitada – com fundamento em este ter “apreciado questão de que não podia tomar conhecimento e ter condenado em objeto diverso do peticionado” – nulidade do acórdão recorrido.
Sendo isto verdade, é, no caso, bem mais do que isto: mais do que a possibilidade de conhecimento oficioso das nulidades contratuais, sobressai (como resulta da “revisão” sobre o que foi invocado/alegado e pedido pelos AA. e contraposto pelos RR.), que a cedência do programa “paySimplex” está no centro do objeto da causa, pelo que a apreciação jurídica de tal cedência – fosse ela gratuita ou onerosa – era incontornável, não padecendo assim a sua apreciação pela Relação de qualquer nulidade (designadamente, da dos art. 615.º/1/d) e e) do CPC, ex vi art. 666.º/1 do CPC)[23].
E, passando ao mérito da apreciação, também aqui o decidido pela Relação – a nulidade contratual declarada – merece a nossa concordância.
Segundo já referido o art. 397.º/2 do CSC, os negócios entre os administradores e a sociedade podem ser celebrados desde que sejam previamente autorizados por deliberação do Conselho de Administração (na qual o administrador interessado não pode votar[24]) e objeto do parecer favorável do conselho fiscal (ou, não sendo o caso, do fiscal único); doutro modo, serão nulos[25].
No caso, sendo o 1º R. administrador único da IBST – e não podendo haver deliberação do Conselho de Administração – nem por isso deixa de ter aplicação do art. 397.º/2 do CSC, devendo passar a ser exigível, além do parecer favorável do órgão fiscalizador, deliberação dos sócios autorizando o negócio[26].
Sendo que entre os contratos compreendidos no art. 397.º/2 do CSC, que não podem ser celebrados, estão não apenas os contratos celebrados diretamente entre a sociedade e o administrador, mas também os contratos em que o administrador participa “por pessoa interposta”.
Sendo justamente no conceito de “pessoa interposta” que se situa o cerne da divergência recursiva de fundo dos RR/recorrentes.
Os RR/recorrentes esgrimem também com o disposto no art. 397.º/3 do CSC – a propósito da extensão da nulidade do n.º 2 ao administrador de sociedade em relação de domínio ou de grupo com aquela de que o contraente é administrador – para dizer “não ser defensável que tenha o legislador pretendido a extensão da consequência prevista no n.º 2 do art. 397.º do CSC a outras situações que não as previstas no n.º 3 daquele mesmo preceito legal” (conclusão 4.ª), porém, não está aqui em causa estender a consequência prevista no n.º 2 do art. 397.º do CSC a outras situações, mas tão só e apenas delimitar a situação prevista no n.º 2, sendo aqui, em tal delimitação, que entra a interpretação do conceito de “pessoa interposta”.
Como já se sintetizou, o 1.º R., sendo administrador único da IBST e sem ser autorizado por deliberação dos sócios desta, interveio, em 08/11/2012, em “Contrato de Cedência Definitiva de Programa Informático e Direitos de Propriedade Intelectual”, segundo o qual a IBST (por si representada) declarou ceder à 2.ª R. (representada por um outro gerente da 2.ª R.), pelo valor de € 150.000,00, “todos os direitos respeitantes à propriedade intelectual do Programa de software designado “PaySimplex”, que ainda se encontrava em fase de desenvolvimento” na IBST, pelo que o negócio não foi celebrado diretamente com o 1.º R. e, sustentam os RR./recorrentes, a 2.ª R. também não pode ser considerada “pessoa interposta” (não tendo assim aplicação o art. 397.º/2 do CSC).
Na doutrina, é controverso o conceito de “pessoa interposta”, ou seja, é controverso se o art. 397.º/2 do CSC abrange (ou não) aquelas situações em que, embora o administrador não seja parte no contrato, como é o caso, este tem um interesse indireto sobre o mesmo (ou seja, nos resultados que advêm da sua celebração).
Para José Ferreira Gomes[27], o artigo 397.º/2 do CSC apenas será aplicável aos negócios em que o administrador, ainda que não seja parte, tenha um interesse próprio, excluindo por isso as situações em que esteja em causa um interesse de terceiro; defendendo, no entanto, que o artigo 397.º/2 do CSC é aplicável também a negócios nos quais o administrador celebra um negócio (i) diretamente com a sociedade; (ii) através de sociedade por si controlada; (iii) na qual exerce cargo de administração, ainda que não represente nenhuma das sociedades no contrato em causa.
Para João Sousa Gião[28], o dever de divulgação do conflito de interesses pelo administrador (dever de transparência com fundamento na lealdade) existe quando o administrador é parte no contrato e também quando o negócio for celebrado com um terceiro “em que o administrador tenha um interesse pessoal, financeiro ou de outra natureza, relativo aos resultados do negócio”; conclusão que diz ser a “única coerente com a conceção do negócio em situação de conflito de interesses”.
Para Coutinho de Abreu[29], incluem-se no conceito de pessoa interposta não só as referidas no art. 579.º/2 do C. Civil – cônjuge do administrador, pessoas de quem seja herdeiro presumido ou qualquer pessoa que, de acordo com o administrador, negoceie com a sociedade a fim de transmitir posteriormente a este o direito recebido da sociedade – mas ainda “outros sujeitos, singulares ou coletivos, próximos do administrador, em suma, todos os sujeitos que ele pode influenciar diretamente” (v. g., uma sociedade de que o administrador é sócio maioritário).
Pela nossa parte, também propendemos para concordar com a interpretação mais alargada do conceito de pessoa interposta constante do artigo 397.º/2 do CSC, considerando-o assim aplicável a todos os casos em que, embora o administrador não seja parte no negócio com a sociedade, ele tem um interesse, ainda que indireto, quanto aos resultados do mesmo; isto é, a todos os casos em que a parte no negócio com a sociedade é um sujeito sobre o qual o administrador tem influência.
E é justamente isto que, a nosso ver, sucede no caso dos autos/recurso, ou seja, a 2.ª R. é uma parte/sujeito sobre a qual o 1.º R. tem influência, devendo assim considerar-se que o “Contrato de Cedência Definitiva de Programa Informático e Direitos de Propriedade Intelectual”, referido no ponto 23 dos factos provados, foi celebrado entre a IBST e o seu administrador único, aqui 1.º R., por pessoa interposta, a aqui 2.ª R., sendo em consequência – por não haver sido previamente autorizado por deliberação dos sócios da IBST – nulo.
É certo que, quando tal contrato de cedência foi celebrado, em 08/11/2012, o aqui 1.º R. apenas detinha 5% do capital social da sociedade (a aqui 2.ª R.) considerada “pessoa interposta”, porém, o encadeamento factual coevo impõe que se diga ser a 2.ª R., já em 08/11/2012, um sujeito sobre o qual o administrador da IBST (o aqui 1.º. R.) tinha influência: efetivamente, para além de o 1.º R., em 08/11/2012, já ser seu gerente, sucede que a 2.ª R. só durante os 2 primeiros meses da sua existência jurídica (o contrato de cedência foi celebrado 6 dias após a sua constituição) não foi exclusivamente do 1.º R.[30], uma vez que este, a partir de 11/01/2013, passou a deter a totalidade do capital social da 2.ª R. e a ser o seu único gerente.
Efetivamente, no caso dos autos/recurso, a 2.ª R. e o irmão do 1.º R. acabam por se “complementar” na atuação e funcionamento da “pessoa interposta”, na medida em que a intervenção deste (do irmão) preenche, em substância, a situação prevista em 3.º lugar no já referido art. 579.º/2 do C. Civil, ou seja, o irmão do 1.º R. “emprestou” (durante 2 meses) o seu nome à estrutura societária da 2.ª R. e, concluído o negócio (de cedência Definitiva de Programa Informático e Direitos de Propriedade Intelectual), saiu da 2.ª R., assim se transmitindo (passados 2 meses), como mera decorrência da sua saída do capital social da 2.ª R, o Programa Informático “paySymplex” entre a IBST e o seu administrador e aqui 1.º R..
Assim, sendo nulo, nos termos do art. 397.º/2 do CSC, o contrato entre a IBST e a 2.ª R.[31], respeitante à cedência definitiva de todos os direitos respeitantes à propriedade intelectual do Programa de software designado “paySimplex”, não podia o tribunal deixar de declarar oficiosamente tal nulidade e de condenar – tanto mais que tal contrato havia sido invocado no pressuposto da sua validade e uma vez que estão nos autos, como partes, todos os seus outorgantes – os RR., em linha com o exposto e decidido no assento nº 4/95, de 28 de março, nos efeitos retroativos decorrentes de tal nulidade (cfr. art. 289.º/1 do C. Civil).
Efetivamente, tendo-se considerado que era possível proceder à ‘restituição’ do programa informático desenvolvido na IBST – através da disponibilização do código-chave e de todas as licenças, registos, certificados e demais dados e elementos descritos no documento referido no ponto 23 dos factos assentes – impôs-se, no acórdão recorrido, tal restituição.
E imposta tal restituição em espécie, ao abrigo e nos termos dos efeitos da declaração de nulidade proferida, considerou-se prejudicado o pedido formulado em 3.º lugar, respeitante à condenação dos RR. “a pagar à IBST um montante que se vier a apurar referente ao valor de mercado do negócio PaySymplex, acrescido de juros de mora desde a sentença até efetivo e integral pagamento”: sem prejuízo dos provados comportamentos do 1.º R., enquanto administrador da IBST, serem, como se referiu, violadores dos respetivos deveres de administrador, entendeu-se que o dano, cuja indemnização era solicitada no pedido formulado em 3.º lugar, deixaria, com a restituição em espécie imposta ao abrigo e nos termos dos efeitos da declaração de nulidade, de existir.
Daí que se tenha passado a apreciar o pedido formulado em 2.º lugar, respeitante à condenação dos RR. “a pagar à sociedade IBST o montante que a 2.ª R. Paysimplex faturou com o programa/produto “PaySymplex”, desde a data em que foi criado até ao trânsito em julgado da presente ação, acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento”; apreciação em que a Relação concluiu pela condenação dos RR. “no pagamento, à sociedade interveniente IBST, de indemnização a liquidar em execução de sentença a título de lucros cessantes no montante correspondente à diferença, se positiva, entre a totalidade dos valores faturados pela recorrida Paysimplex, Ldª aos clientes do ‘paySimplex’ desde a sua constituição até ao trânsito em julgado da presente decisão, e a totalidade dos valores que esta despendeu para, desde o início da sua atividade, proceder à comercialização/exploração do software em questão até ao referido termo final.”
Condenação esta que, suscitando a segunda divergência recursiva de fundo, passamos a apreciar:
Nos termos do já referido art. 72.º/1 do CSC, “os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa”; preceito que contém os pressupostos em geral exigidos para a responsabilidade civil por factos ilícitos: a ilicitude do comportamento dos administradores (atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais), a culpa (presumida, salvo se provarem que procederam sem culpa), o dano (“danos causados” à sociedade) e o nexo de causalidade entre o facto ilícito/culposo e o dano.
Quanto à ilicitude, como já se expôs, o 1.º R., enquanto administrador da IBST, violou os deveres gerais de lealdade e os específicos deveres constante dos arts. 398.º/3 e 397.º/2 do CSC.
Quando à culpa, presume-se, nada se tendo provado que permita ilidir a presunção da mesma; não se estando sequer perante uma situação a que pudesse ser aplicável o disposto no art. 72.º/2 do CSC – segundo o qual o administrador só será civilmente responsável quando a decisão for considerada irracional – restrito à violação do dever de cuidado em decisões discricionárias e inaplicável a decisões que contrariem o dever de lealdade (os administradores têm sempre de atuar no interesse da sociedade) ou deveres específicos legais (em que não há discricionariedade e as decisões são vinculadas)[32].
Situam-se, pois, as dificuldades no dano e no nexo de causalidade.
É sabido que dentro do dano patrimonial cabe, além do dano emergente, também o lucro cessante, que abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito (violações dos deveres de administrador), mas a que o lesado ainda não tinha direito à data da lesão (cfr. art. 564.º/1/parte final do C. Civil).
Neste contexto, configurarão lucros cessantes os rendimentos que, desde 2013, a IBST pode ter deixado de obter com a exploração comercial do Programa Informático “paySymplex” e cuja medida os AA. equipararam e peticionaram (cfr. art. 47.º da PI) por reporte ao montante que a 2.ª R. faturou com a exploração/comercialização do software paySimplex, “desde a data em que foi criado até ao trânsito em julgado da decisão proferida na ação”.
Compreende-se a equiparação, porém, não é rigoroso dizer-se que o lucro cessante da IBST é o que a 2.ª R. faturou e tal equiparação – e a mera alegação, pelos AA., do prejuízo da IBST ser o que a 2.ª R. faturou – levou a um raciocínio e a uma condenação que não é substantiva e processualmente sustentável.
Observou-se, no acórdão recorrido, que, “já no seio da 2.ª R. e com vista à comercialização do software, este careceu do desenvolvimento, atividade que convocou meios humanos e materiais que, por sua vez, importam custos operacionais que àquela atividade foram diretamente afetados (…) despesas/gastos que à IBST se impunha realizar para alcançar o resultado de faturação obtido pela 2.ª R.”, pelo que, “sendo a indemnização pecuniária medida por referência à situação em que provavelmente o lesado se encontraria sem o dano sofrido (que se inicia com a privação do software ‘paySimplex’ no estado em que se encontrava), o valor de reparação a título dos lucros ‘frustrados’ corresponderá à diferença, se positiva, entre a totalidade dos valores faturados pela 2.ª R. aos clientes do ‘paySimplex’ desde o início até ao transito da decisão a proferir nestes autos, e a totalidade dos valores que esta despendeu para, desde o início da sua atividade, proceder à comercialização/exploração do software em questão até ao referido termo final.” E acrescentou-se que, “na ausência de dados que permitam apurar se aquela diferença é positiva e, nesse caso, fixar o quantum correspondente ao montante pecuniário necessário para proceder à reparação dos lucros cessantes nos termos ora definidos, considerando o pedido genérico que nesse sentido foi deduzido pelos AA. em benefício da sociedade, impõe-se, nos termos dos arts. 564.º/2 do CC, e 556º, nº 1, al. b) e 609º, nº 2 do CPC, relegar aquele apuramento para liquidação em execução de sentença.”
Para um dano – seja dano emergente ou lucro cessante – ser indemnizável, exige-se que o mesmo seja certo e não meramente eventual, porém, observa-se, a certeza de que se fala e que é exigida não é matemática ou absoluta, mas apenas uma certeza relativa, que se deve contentar com uma expetativa razoável: do que não aconteceu, como é o caso dum lucro cessante, poderá sempre dizer-se que não há certezas, porém, não é este o plano em que o direito se move para validar um juízo de prognose, antes se bastando com a satisfação das exigências colocadas pela teoria da causalidade adequada.
Em cuja consagração legal – constante do art. 563.º do C. Civil, em que sob a epígrafe “nexo de causalidade” se dispõe que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” – se usa até uma formulação que introduz um juízo de probabilidade ou verosimilhança, o mesmo é dizer de “flexibilidade”.
Teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade.
“Desde que (…) lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, compreende-se a inversão do sentido normal dos acontecimentos. Já se justifica que o prejuízo (…) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano. Esta inversão só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito se pode considerar de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano registado. Só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excecionais (…) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao (…) agente como causa adequada do dano”[33].
Enfim, as exigências colocadas, em termos de nexo causal e de causalidade adequada, podem ter, atentas as características dos danos que estiverem em causa, diferentes níveis de intensidade, bastando-se com uma possibilidade séria e significativa quando, como é o caso, está em causa a imputação dum resultado hipotético, ou seja, dum resultado que não aconteceu.
Assim, como se começou por referir, configurarão lucros cessantes os rendimentos que, desde 2013, a IBST pode ter deixado de obter com a exploração comercial do Programa Informático “paySimplex”, porém, para se poder considerar assente, num limiar mínimo, a certeza de tais lucros cessantes era preciso que os AA. tivessem começado por alegar que a IBST iria concluir o desenvolvimento de tal Programa Informático e que, depois, obteria com ele rendimentos; alegações estas cuja prova, no contexto do que ficou provado nos autos, não seria certamente difícil, mas que eram imprescindíveis para dar o dano como certo.
Não estando o programa paySimplex finalizado, dizer-se tão só, como fizeram os AA., para dar lugar a indemnização por lucros cessantes, que se teve como prejuízo “o montante que a 2.ª R. faturou” é pouco e insuficiente.
E como a 2.ª R., com vista à comercialização do software, teve que o desenvolver e efetuar despesas/gastos, o acórdão recorrido entendeu que o montante de tais despesas/gastos deve ser descontado aos montantes faturados pela 2.ª R., acabando a proferir uma condenação em que admite explicitamente que pode nem sequer haver dano – caso o montante de tais despesas/gastos seja superior ao valor da faturação – o que vai arrepio da regra supra referida, segundo a qual, para um dano ser indemnizável, tem o dano que ser certo (e não meramente eventual), só se podendo condenar/relegar para incidente de liquidação quando a incerteza é apenas sobre o montante do dano, mas não quando é ainda a própria existência do dano que permanece incerta.
Admitindo – e não é sequer o nosso ponto de vista – que a mera alegação da faturação efetuada pela 2.ª R. consubstanciava a alegação dum lucro cessante da IBST, não temos como certo que o “desconto” das despesas/gastos da 2.ª R. (com o desenvolvimento do software) devesse ter lugar: efetivamente, restituído o programa paySymplex, no estado em que se encontrava quando, em 08/11/2012, foi cedido, terá a IBST que efetuar tais despesas/gastos para dele poder retirar benefícios, pelo que, no fundo, o “desconto” operado no acórdão recorrido, corresponderá à imputação à IBST de tais despesas/gastos em duplicado.
Sucede que tal “desconto” consta da condenação do acórdão recorrido, o que impediria, não tendo os AA. recorrido e sendo proibida a “reformatio in pejus” (cfr. art. 635.º/5 do CPC), que se pudesse retirar tal “desconto” da condenação indemnizatória proferida pela Relação (como os AA. esboçam na ampliação do recurso).
Efetivamente, a ampliação do recurso não é um recurso subordinado, não permitindo que possa ser aqui proferida uma decisão mais desfavorável aos RR/recorrentes do que a que foi proferida pela Relação, o que também significa que a ampliação do recurso efetuada pelos AA. apenas poderia cobrar relevo no caso de não se confirmar a nulidade do contrato de cedência do programa paySimplex, hipótese em que o fundamento da ação, respeitante ao pedido indemnizatório formulado em 3.º lugar, passaria a ter que ser apreciado.
Enfim, a condenação indemnizatória imposta pelo acórdão recorrida não pode, qua tale, manter-se[34], quer por não dar como certa a existência dum dano, quer por, antes disso, os AA. não haverem alegado suficientemente – e não ter ficado provado – o lucro cessante (que se pretendia indemnizar com tal segmento condenatório).
Em conclusão final, as alegações dos RR/recorrentes são procedentes na parte respeitante à indemnização concedida pelo acórdão recorrido à IBST, indemnização/condenação que não pode ser mantida; sendo em tudo o mais improcedentes.
*
IV - Decisão
Nos termos expostos, julga-se a revista parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a condenação indemnizatória (a fixar em incidente de liquidação) imposta aos RR. a título de lucros cessantes, absolvendo-se os mesmos de tal pedido indemnizatória; e mantém-se em tudo o mais o decidido no acórdão recorrido.
Custas, nas instâncias e na revista, por AA. e RR., em partes iguais.
*
Lisboa, 25/05/2021
António Barateiro Martins (Relator)
Luís Espírito Santo
Ana Paula Boularot
*O relator declara que, nos termos do art. 15.º-A do DL n. 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n. 20/2020, de 1 de maio, o presente acórdão tem voto de conformidade dos Conselheiros adjuntos.
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
__________________________________________________
[1] Art. 37.º da PI.
[2] Arts. 40.º a 44.º da PI.
[3] Art. 46.º da PI.
[4] Art. 47.º da PI.
[5] Em que, respeitando a ordem vinda da 1.ª Instância, se inserem as modificações introduzidas com a reapreciação da decisão de facto efetuada na Relação.
[6] Art. 37.º da PI.
[7] Coutinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades, pág. 18.
[8] Coutinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades, pág. 25.
[9] De que é exemplo a proibição constante dos art. 397.º/1 e 428.º do CSC; sendo que os demais contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, “diretamente ou por pessoa interposta”, precisam em princípio de ser autorizados previamente por deliberação do CA; não será assim, porém, “quando se trate de ato compreendido no próprio comércio da sociedade e nenhuma vantagem especial seja concedido ao contraente administrador” – cfr. art. 397.º/5 do CSC.
[10] Atividade concorrente por conta própria que é exercida pelo administrador que atua (mediante empresa, normalmente) em nome próprio – pessoalmente ou por representante – e no próprio interesse; bem como o administrador que atua por interposta pessoa.
[11] Atividade concorrente por conta alheia que é exercida pelo administrador que atua no interesse de um outro sujeito, quer em nome próprio, quer em representação desse sujeito.
[12] Uma atividade é “uma série de atos ordenados a um fim” e um só ato não é uma atividade.
[13] Que gerará obrigação de indemnizar a sociedade e/ou justa causa de destituição.
[14] Deveres específicos estes filiados no dever geral de lealdade.
[15] Cerca de dois meses depois da sua constituição, passou o 1.º R. a deter a totalidade do capital da mesma.
[16] O art. 398.º/5 não remete também para o 254.º/3, mas a concorrência por interposta pessoa mantém-se quando o administrador controla a sociedade concorrente.
[17] Ação que tem ser autorizada mediante (prévia) deliberação dos sócios (art. 75.º/1 do CSC) e que deve ser proposta no prazo de 6 meses a contar da deliberação que a autorizou (art. 75.º/1 do CSC), após o que, ultrapassado tal prazo, pode ser proposta por sócios (art. 77.º/1 do CSC) ou por credores da sociedade (art. 78.º/2 do CSC).
[18] A chamada ação social ut singuli.
[19] Quando o aumento do património social seja essencial à satisfação ou garantia dos seus créditos (cfr. art. 606.º/2 do C. Civil).
[20]Os exemplos da possível aplicação do art. 79.º do CSC, referidos por Coutinho de Almeida, in Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, pág. 85 a 88, são bem elucidativos de como o alegado pelos AA. estava, ab initio, longe de poder preencher a previsão do art. 79.º/1 do CSC.
[21] Em que se disse que não se havia provado o dano para os AA, sendo, porém, toda a argumentação desenvolvida a propósito do dano para a IBST.
[22] Neste sentido, Coutinho de Almeida, obra citada, pág. 71; e também Maria Elisabete Ramos, A responsabilidade dos membros da administração, in problemas de direito das sociedades, IDET, pág. 83 a 88.
[23] É certo que, previamente à declaração de tal nulidade, não foi dado cumprimento ao art. 3.º/3 do CPC, porém, não é o não cumprimento de tal art. 3.º/3 do CPC que os RR. invocam/suscitam.
[24] Como também resulta do art. 410.º/6 do CSC.
[25] Com exceção, claro, “quando se trate de ato compreendido no próprio comércio da sociedade e nenhuma vantagem especial seja concedida ao contraente administrador” (cfr. art. 397.º/5 do CSC).
[26] Cfr, neste sentido, Coutinho de Abreu, in CSC em Comentário, VoL VI, pág. 328/9.
[27] “Conflito de interesses entre acionistas…”, pág. 101‑110 e 120.
[28] Conflitos de interesses entre administradores e os acionistas nas sociedades anónimas: os negócios com a sociedade e a remuneração dos administradores”, Conflito de interesses no Direito Societário e Financeiro, Almedina, Coimbra, 2010, 215‑292 (254)
[29] Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, 27, nota 42, e CSC em Comentário, Vol VI, pág. 327/8.
[30] Sendo o outro sócio, apenas durante tais dois meses, um irmão do 1.º R..
[31] Argumentam também os RR. “que mesmo que se considerasse que o contrato de cedência descrito no n.º 23 da fundamentação de facto integra a figura do negócio consigo mesmo, prevista no art. 261.º/1 do CC, daí decorreria a anulabilidade de tal negócio, a qual, sob pena de convalidação, deve ser arguida nos termos e dentro do prazo previstos no art. 287.º/1 do CC, pelo que, não tendo os ora Recorridos arguido qualquer espécie de anulabilidade no ano subsequente à data da conclusão e do cumprimento do contrato de cedência, estaria convalidada qualquer anulabilidade de que tivesse enfermado aquele mesmo negócio.” Não se contesta que se possa estar perante negócio consigo mesmo, porém, é o ponto, a um negócio consigo mesmo, celebrado entre uma sociedade e um administrador da mesma, não é aplicável o art. 261.º/1 do C. Civil, na medida em que existe um preceito legal – o referido art. 397.º/2 do CSC – que concede a tais negócios um tratamento específico.
[32] Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, 36 e ss.
[33] Antunes Varela, “Obrigações em Geral”, Vol. I, 10.ª ed., pág. 894.
[34] O que prejudica a apreciação dos fundamentos que levaram à extensão de condenação (em tal indemnização) da 2.ª R..