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ANATOCISMO
LIVRANÇA
ABUSO NO PREENCHIMENTO
PRESCRIÇÃO
Sumário
Atendendo a que não foi reconhecida a alegada violação do pacto de preenchimento, a data em que se inicia a contagem do prazo de prescrição relativamente à livrança subscrita em branco é o dia do respetivo vencimento aposto pelo portador do título.
Texto Integral
Apelação n.º 659/17.0T8SNT-A.E1 (2ª Secção Cível)
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
(…), (…), (…) e (…) vieram deduzir oposição à execução que lhes move (…), SARL (sucessora habilitada da primitiva exequente, Caixa Geral de Depósitos, SA) a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 3), em que apresenta como título executivo uma livrança, e um contrato de mútuo mediante abertura de crédito em conta corrente, pedindo que sejam absolvidos da instância executiva.
Alegam, para o efeito, em síntese, a falta de interpelação para o pagamento da livrança; o abuso de preenchimento da livrança; a falta de junção do original da livrança; a prescrição da livrança; o incorreto valor indicado na livrança; a prescrição dos juros incluídos na livrança; o abuso de direito; o imposto de selo reclamado não é devido; a falta de título quanto à abertura de crédito em conta corrente; a prescrição da abertura de crédito em conta corrente; a prescrição dos juros exigidos no âmbito da abertura de crédito em conta corrente e a existência de uma cláusula penal abusiva no contrato de abertura de crédito.
A exequente veio contestar pugnando pela improcedência dos embargos.
Foi proferido saneador sentença que no seu dispositivo reza:
“Julgam-se os embargos de executado parcialmente procedentes, determinando a redução da quantia exequenda, devendo subtrair-se da mesma o crédito reclamado quanto ao contrato de abertura de crédito, no mais absolvendo o exequente”.
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Por não se conformarem com o decidido, vieram os embargantes, bem como a embargada, interpor recurso de apelação e apresentar as respetivas alegações, rematando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
- Os embargantes -
“1. Face aos elementos documentais juntos aos autos nos embargos (docs. 1 a 6), para a boa decisão da causa afigura-se-nos que à matéria de facto provada deveriam ser adicionados os factos indicados em D (n.º 1 a 11), cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Interpelação
2. O Tribunal começa por referir que a interpelação, ainda que não antes, teve lugar com a citação para a ação executiva e por isso os embargos são improcedentes.
3. Salvo melhor opinião é contraditório asseverar que a interpelação é considerada efetuada com a citação ocorrida em 2017 e admitir que sejam cobrados juros desde 30/06/2015.
4. Porquanto, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que, nesta parte, a sentença é contraditória (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC), nulidade que se invoca expressamente, devendo por isso a sentença ser reformulada e admitidos os embargos, no que diz respeito aos juros exigidos entre a data aposta na livrança e a data da citação.
Abuso de preenchimento quanto à data de vencimento
5. A livrança trazida à execução data de 18-10-1995, tem data de vencimento de 30-06-2015 e o valor facial de € 254.146,76.
6. É verdade que de acordo com pacto de preenchimento a data de vencimento será fixada pela Caixa.
7. Contudo, a mesma cláusula indica que tal ocorrerá em caso de incumprimento pela devedora.
8. A própria exequente em dois momentos distintos alegou judicialmente que o incumprimento ocorreu em outubro de 2007 (pedido de declaração de insolvência da “…”, apresentado a Juízo em 20-09-2010 (Doc. 2) e a reclamação e créditos na execução movida pelo Banco (…), datada de 07.06.2013 (Doc. 4).
9. No próprio requerimento executivo a exequente alega que o incumprimento data de outubro de 2007.
10. Não é aceitável admitir que a exequente, acerca da obrigação subjacente à livrança, em sede judicial alegue em dois processos distintos que o incumprimento é de Outubro de 2007 e agora, para efeitos de preenchimento da livrança, o Tribunal desconsidere estes factos pessoais da exequente e admita que a data de vencimento é 30.06.2015, data aposta na livrança.
11. Incorre a exequente em abuso de preenchimento ao colocar na livrança uma data de vencimento que é grosseiramente contrária à realidade dos factos e, assim, contrária:
a) às regras estipuladas no pacto de preenchimento, o qual impõe o seu preenchimento em caso de incumprimento da livrança;
b) ao alegado em dois momentos pela exequente, em sede judicial, quanto à data de incumprimento.
12. Acresce que, não está em causa a inexistência de um limite temporal imposto pela lei para o preenchimento da livrança, mas sim, o facto de se permitir que a exequente atue judicialmente em venire contra factum proprium o que é contrário aos ditames da boa fé (artigo 239.º do Código Civil).
13. Deste modo, verifica-se o preenchimento abusivo da livrança, tendo como consequência a perda de executoriedade do título de crédito, por desaparecimento do substrato que lhe confere o carácter de certeza, exigibilidade e liquidez exigidos por Lei, que deve conduzir à absolvição dos embargantes da instância (artigos 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, 278.º, n.º 1, alínea e), todos do CPC).
Abuso de preenchimento quanto ao valor
14. Em sede de pedido de declaração de insolvência da “…” (que se anexou enquanto Doc. 2) a exequente havia contabilizado o montante da dívida relativa ao contrato por detrás da livrança ora em execução (a quantia de € 140.957,39, sendo € 120.866,93 de capital, € 17.830,33 de juros e € 2.260,13) – (Os juros de mora estão calculados à taxa de 15,40%).
15. Isto é, à data de 20-09-2010, a “(…)” está em incumprimento definitivo e o valor total em dívida por força deste contrato era de € 140.957,39.
16. Uma taxa de juro de mora 15,4%, aplicável ao capital em dívida e € 120.866,93 entre 20/09/2010 e 30/06/2015 não permite chegar à quantia de € 254.146,76, sendo por isso o preenchimento abusivo e devendo conduzir à absolvição dos embargantes da instância, (artigos 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, 278.º, n.º 1, alínea e), todos do CPC).
17. Mais, sempre se dirá que, o valor colocado na livrança, atendendo a que o montante de capital da dívida que lhe está subjacente é de € 120.866,93, só poderá ter sido alcançado por via de contabilização de juros sobre juros de mora.
18. A sentença de que se recorre invoca a aplicação do artigo 5.º, n.º 6, do D.L. n.º 344/78, de 17 de Novembro, para justificar e admitir a capitalização dos juros.
19. Sucede que o mesmo diploma citado não afasta as regras gerais do anatocismo fixadas no n.º 1 do artigo 560.º do Código Civil, nomeadamente da exigência de convenção posterior ao vencimento (neste sentido cfr. Ac. do STJ de 31/3/2004, proc. 04B514).
20. Para que o anatocismo seja válido tem de existir entre as partes uma convenção posterior ao vencimento dos juros, o que nunca houve – artigo 560.º, n.º 1, do CC, tendo, por isso, a exequente abusivamente preenchido a livrança.
21. Mais, o diploma legal citado pelo Tribunal (D.L. n.º 344/78, de 17.11) foi revogado pelo D.L. n.º 58/2013, de 08.05.
22. De acordo com este diploma, a capitalização de juros de mora depende de acordo das partes, reduzido a escrito, e apenas no âmbito de reestruturação ou consolidação de contrato de crédito (artigo 7.º, n.º 5).
23. No caso em julgamento, os executados não anuíram na capitalização e ela não ocorreu no âmbito de reestruturação ou consolidação de contrato de crédito, sendo por isso a capitalização efetuada contrária à Lei.
24. Nem se assevere, como parece interpretar o Tribunal a quo, que eventualmente a capitalização dos juros é dos juros remuneratórios, a qual é permitida pelo artigo 7.º, n.º 1, do D.L. n.º 58/2013.
25. Tal conclusão é, salvo o devido respeito, errada porque os juros remuneratórios constituem a contraprestação onerosa pela disponibilidade do capital durante a vigência do contrato nos seus termos acordados, pelo que só com o decurso do tempo em que esse capital foi sendo disponibilizado vão nascendo e se vão vencendo como preço de tal disponibilização.
26. É manifesto que desde 2010 não foi mutuado qualquer valor adicional. Pelo que os juros supostamente calculados desde 2010 são juros de mora e não juros remuneratórios.
27. Portanto, também por este motivo, deve a sentença recorrida ser revogada e reconhecida a exceção dilatória inominada, que deve conduzir à absolvição dos embargantes da instância, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos, nomeadamente os previstos nos artigos 576.º, nºs 1 e 2, 577.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do CPC.
Prescrição
28. Se a exequente tivesse cumprido o pacto de preenchimento, teria colocado como data de vencimento na livrança a data de 30-10-2007, situação em que a mesma estaria hoje prescrita por força da aplicação dos artigos 70.º e 77.º da LULL.
29. Acresce que o valor colocado na livrança incorporará por um lado o capital dito em dívida pela “…” (€ 120.866,93), sendo o resto respeitante, na sua maioria, a juros de mora.
30. Como a exequente alegou na PI do pedido de declaração de insolvência da “(…)”, o incumprimento desta data de Outubro de 2007 e se à data de 04-03-2010 (artigo 15.º da PI) já estavam contabilizados juros de € 17.830,33, esses juros estão hoje prescritos por força do que estatui o artigo 310.º, alínea d), do CC.
31. Por fim, importa ter presente o que dispõe o artigo 91.º do CIRE, uma vez que a sociedade subscritora da livrança foi declarada insolvente em 02-03-2011.
32. Nessa data, por força do preceito legal acima citado, venceram-se todos os créditos sobre a insolvente, entre os quais os decorrentes do contrato de conta corrente que está por detrás da livrança trazida à execução.
33. De onde, a data de vencimento da livrança nunca poderia ser posterior à data da declaração de insolvência.
34. Tendo a ação executiva a que ora se deduz oposição mediante embargos de executados dado entrada em Juízo apenas em 2017, a livrança está prescrita desde, pelo menos, 02-03-2014 – artigo 70.º da LULL –, que deve conduzir à absolvição dos embargantes da instância (artigos 576.º, nºs 1 e 2, 577.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do CPC).
Abuso de direito
35. A sentença carece de fundamentação no caso concreto, sendo por tal a mesma violadora do disposto no artigo 154.º, nºs 1 e 2, do CPC e nula por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
36. Por dever de defesa, ainda que assim não se entenda, entendemos que o caso em apreço consubstancia um flagrante abuso de direito (artigo 344.º do CC).
37. Dos factos acima alegados, resulta que, pelo menos em dois momentos temporais distintos, a exequente acionou judicialmente a “(…)” com vista à cobrança dos montantes que entendia serem, então, devidos (pedido de declaração de insolvência da “…” + reclamação e créditos na execução movida pelo Banco).
38. Apesar do incumprimento definitivo da “(…)”, a exequente não preencheu a livrança, optando, ao invés, por manter a livrança na sua posse em branco, deixando que os juros se fossem vencendo à taxa prevista para a mora (15,450 %), em lugar dos 4 % que seriam devidos caso a livrança fosse preenchida.
39. Tanto mais que, pelo menos desde 2011 a “(…)” havia sido declarada insolvente.
40. A exequente apenas deixou perpetuar no tempo uma situação que sabia ser-lhe vantajosa a si e prejudicial aos avalistas pois mesmo que não lograsse cobrar à sociedade o valor da dívida em sede de insolvência ou outro processo, poderia sempre, mais tarde, cobrar aos avalistas preenchendo a livrança pelo valor que lhe fosse mais conveniente.
41. Repare-se que a letra apenas é preenchida (em 20-06-2015), pelo valor de € 254.146,76 quando o montante dos juros contabilizados excede o valor do capital dito em dívida, excedendo mesmo o valor máximo admitido pelo contrato (€ 250.000,00).
42. Esta postura da exequente é profundamente atentatória da boa-fé que deve pautar as relações jurídicas.
43. Não pode, assim, aceitar-se que a exequente decida prolongar os efeitos de um contrato que, para todos os efeitos se mostra incumprido, apenas para poder garantir a remuneração, contra terceiros, como se o contrato tivesse perdurado.
44. Tal consubstancia uma violação do princípio da boa-fé, que o Abuso de Direito, a par de outros institutos civilísticos, pretende tutelar, designadamente na modalidade de desequilíbrio de acordo com a brilhante teorização do Ilustre Senhor Professor Menezes Cordeiro.
45. Com efeito, o montante da dívida ora reclamada dos embargantes é um montante a que a própria exequente deu causa, por via da perpetuação – a nosso ver intencional - de uma situação de incumprimento da “(…)” com o intuito de colher daí benefícios que, de outro modo, lhe seriam impossíveis.
46. A exequente por um lado promove a insolvência da “(…)” tornando impossível o cumprimento do crédito que lhe assistia apenas para, ao mesmo tempo, manter na sua posse a livrança em branco durante cerca de 7/8 anos, deixando vencerem-se juros próximos da usura para, quando julgou conveniente, preencher a livrança e apresentá-la a Juízo reclamando dos embargantes/avalistas os montantes proibitivos constantes do requerimento executivo.
47. Assim, deverá o abuso de direito ser reconhecido (artigo 344.º do Código Civil) e julgados procedentes os embargos.
Imposto de selo.
48. Os Recorrentes alegam que o pagamento desta despesa só pode ser exigido se a exequente comprovar a sua liquidação e pagamento, o que não correu no caso em apreço.
49. Revelador disto é facto do valor do imposto de selo e indicação da guia de pagamento não constarem da livrança.
50. Não pode a exequente exigir o pagamento de um montante que não consta no valor da livrança, nem em nenhum documento dos autos. Não tendo a exequente cumprido os deveres do ónus da prova, que sobre si incidiam (artigo 342.º, n.º 1, do CC), deveriam os embargos, também nesta parte ser julgados procedentes”.
- A embargada -
“I. O prazo prescricional aplicável ao contrato de mútuo mediante abertura de crédito em conta corrente, contrato dado à execução como (um dos) título, é de 20 (vinte) anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil.
II. O prazo prescricional de 5 (cinco) anos que a douta sentença recorrida determinou seria apenas aplicável se a operação financeira em causa não tivesse sido objeto de resolução, o que não se aplica no presente caso.
III. A Recorrente já havia alegado, em sede de contestação aos embargos de executado, a resolução contratual, que operou em 23/07/2008, sendo que foram juntos aos autos, nesse mesmo articulado, as comunicações de resolução.
IV. Atentas as comunicações de resolução, deveria o Tribunal a quo ter decido no sentido em que o prazo prescricional aplicável ao contrato sub judice é de 20 (vinte) anos, caindo na regra da denominada prescrição ordinária.
V. Face a essa resolução contratual, concretizada em 23/07/2008, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., à data credora, considerou vencida toda a dívida, ficando sem efeito o plano prestacional convencionado.
VI. Por força dessa comunicação, o valor total em dívida a ser uno, ou seja, certo, líquido e exigível.
VII. Apenas os juros, vencidos pelo menos após a data de resolução contratual, ficariam sujeitos ao prazo previsto no artigo 310.º do Código Civil, enquanto o capital em divida, sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
VIII. A dívida exequenda não se encontra prescrita no caso em apreço, porque serve-lhe de título executivo um contrato de mútuo.
IX. Após a resolução do contrato, não se aplica a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, porque estamos perante uma única obrigação, um único contrato de empréstimo que, embora fracionado e diferido no tempo, que não pode ser equiparado a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.
X. Ao considerar que ao contrato de mútuo mediante abertura de crédito em conta corrente se poderia subsumir ao prazo prescricional aludido no artigo 310.º do Código Civil, a douta sentença ora recorrida violou o disposto no artigo 309.º mesmo diploma legal.
XI. O Tribunal a quo não teve em consideração a natureza do contrato de mútuo que subjaz aos autos que, em caso de incumprimento, em que se consideraram vencidas todas as prestações, por força da comunicação de resolução, retornam os valores em divida a assumir a sua natureza original de capital e de juros.
XII. O capital é, assim, reconduzido ao prazo ordinário de 20 (vinte) anos, na esteira do artigo 309.º do Código Civil, que o Tribunal a quo ao proferir a sentença recorrida, violou.
XIII. A sentença ora recorrida deve ser revogada e, consequentemente, substituída por outra que determine o prosseguimento da execução para pagamento do montante devido a título de capital, titulado pelo contrato de mútuo mediante abertura de crédito em conta corrente, acrescida dos respetivos juros vencidos desde os cinco anos anteriores à propositura da ação executiva”.
Em ambas as apelações foram apresentadas contra-alegações, nelas se defendendo a confirmação do julgado no que respeita à respetiva parte impugnada.
Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Do que se retira das conclusões, as questões essenciais a apreciar relativas ao recurso dos embargantes são as seguintes:
1ª – Se devem ser adicionados mais factos no rol dado como provado;
2ª – Se existe contradição na sentença que gere a sua nulidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
3ª – Se existe omissão de pronúncia relativamente ao abuso de direito que gere a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
4ª – Se existiu abuso de preenchimento da livrança no que se refere à data de vencimento, bem como ao valor nela consignado;
5ª – Se a livrança se encontra prescrita, pelo menos desde 02/03/2014;
6ª – Se existiu abuso de direito por parte da exequente ao preencher a livrança apenas em 20/06/2015 e exigir dos executados o montante nela aposto a título de capital e juros;
7ª – Se o montante referente ao imposto de selo é exigível.
No que respeita ao recurso da embargada a questão a apreciar é a seguinte:
8ª – Saber se operou a prescrição no que respeita à obrigação decorrente do contrato de mútuo dado à execução.
Na 1ª instância foram considerados assentes os seguintes factos:
1. Foi apresentado como título executivo uma livrança, com vencimento a 30 de Junho de 2015, no valor € 254.146,76, cujo original foi junto aos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Os embargantes são avalistas da livrança.
3. Subjacente à livrança está o contrato de abertura de conta corrente datado de 10 de Outubro de 1995.
4. Nos termos do contrato referido no ponto anterior:
«23.1 – Para titulação e garantia de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, a mutuária e os 2.ºs contraentes entregam à Caixa uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizada pelos 2ºs, e autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pela devedora das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito; b) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança; c) a Caixa poderá inserir cláusula ‘sem protesto’ e definir o local de pagamento. 23.2 – A livrança não constitui novação do crédito pelo que se mantêm as condições da conta-corrente, incluindo as garantias.» 5. O referido contrato não prevê a necessidade de prévia interpelação dos avalistas.
6. Em 13 de Abril de 1999 foi subscrito um aditamento ao contrato que esteve na origem da emissão da livrança, junto nos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. Com essa alteração foi introduzida a cláusula 25.ª que versa como segue:
«25. OUTRAS CONDIÇÕES: As verbas a que se refere o ponto 4.a) da cláusula “Montante”, para apoio à tesouraria, no montante de 100.000 contos, só poderão ser utilizados, com base em faturação gerida pela empresa (…), SA, não podendo ultrapassar 70% do montante da faturação entregue àquela empresa.»
8. Nos cálculos dos valores disponibilizados foram considerados os elementos juntos pela Caixa Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, SA aos presentes autos.
9. Foi apresentado ainda como título executivo, o contrato designado por mútuo mediante abertura de crédito em conta corrente, celebrado entre o exequente, e a sociedade (…) – Sociedade de Equipamentos Hidráulicos e Electromecânicos, Lda., em 29 de Março de 2004, pelo qual o primeiro concedeu à segunda o montante de € 250.000,00; documento esse acompanhado pelo extrato de conta corrente, juntos com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. Os embargantes constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores do empréstimo referido no ponto anterior.
11. Nos termos do acordo referido nos dois pontos anteriores:
11. Pagamento Do Capital e dos Juros
11.1 – Em 108 prestações, mensais, postecipadas, vincendas em conformidade com o previsto na cláusula dos Prazos, sendo as 6 primeiras só de juros e as restantes 102 no período de amortização, iguais, constantes de capital e juros.
11.2 – Os movimentos de pagamento do empréstimo processar-se-ão conforme previsto na cláusula do Serviço da Dívida.
12. O empréstimo, referido no ponto anterior, deixou de ser cumprido em 30 de Outubro de 2007.
Conhecendo da 1ª questão
Pretendem os recorrentes embargantes que sejam adicionados aos factos provados alguns factos por si alegados no requerimento de embargos e que assentam em documentação que foi por si junta.
Os factos que se pretende que sejam integrados no rol dos factos provados embora não se apresentem como essenciais, são factos que ajudam a concretizar e a esclarecer a realidade que esteve subjacente ao incumprimento do empréstimo por parte da sociedade (…) mutuária e subscritora da livrança bem como outras circunstâncias que antecederam o preenchimento da livrança por parte da então credora (…) e o incumprimento do contrato de mútuo. Tais factos, assentam em prova documental e na sua essencialidade foram aceites por parte da embargada, pelo que é de atender a pretensão de adicionamento factual e nessa medida decide-se aditar aos factos provados os seguintes, que se têm por confessados e/ou resultantes de documentação não impugnada:
13. Em 20-09-2010 a (…) deu entrada em Juízo de um pedido de declaração de insolvência da sociedade (…), Lda.
14. Nesta referida ação a (…) alega designadamente o seguinte:
“10.º A partir de Outubro de 2007 a ora Requerida deixou de pagar à (…), SA as prestações da amortização dos financiamentos supra identificados.
11.º Em 23 de Julho de 2008, a Requerente chamou a atenção da Requerida para a situação de incumprimento em que se encontrava, e para a impossibilidade de manter tal situação, convidando-a a regularizar as situações devedoras.
12.º Renovando-se tal advertência em 08-06-2010.
13.º Todas as diligências entretanto efetuadas pela requerente para encontrar com a requerida uma solução aceitável para o pagamento dos créditos se revelaram infrutíferas.
14.º Definitivamente a Requerida não tem condições para honrar os compromissos assumidos com a (…), emergentes dos contratos supra referidos.”
15. Mediante sentença datada de 02-03-2011, e no seguimento da iniciativa da aqui exequente veio a (…), Lda. a ser declarada insolvente no âmbito do processo n.º 1249/10.3TYLSB, que correu termos pelo 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, sentença publicada em Diário da República, 2ª Série, n.º 68, de 7 de Abril de 2011, mediante o anúncio n.º 4647/2011.
16. No âmbito do processo executivo n.º 7743/12.4TCLRS-A que correu termos pela extinta 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures (em que era exequente o …, SA e executada a sociedade …, Lda.), veio a aqui exequente a reclamar créditos contra a dita sociedade invocando precisamente o incumprimento do contrato de conta corrente mencionado na Livrança ora em execução, bem como o incumprimento do mútuo que serve também de título executivo nos autos.
17. Nessa aludida reclamação de créditos a (…), em Junho de 2013, imputou à sociedade (...), Lda. o incumprimento do contrato de conta-corrente em 30-10-2007 e do contrato de mútuo em 30-10-2008.
18. A (…), Lda. encontra-se em incumprimento das obrigações assumidas com a (…) relativamente ao contrato de conta corrente desde, pelo menos, 30-10-2007.
19. Nessa sede judicial, em 20-09-2010, referiu a ora exequente o seguinte:
“15.º Com referência ao primeiro dos contratos assinalados (Ref. Interna PT …), a Requerida deve à Requerente, com referência à data de 04-03-2010, a quantia de 140.957,39, sendo 120.866,93 € de capital, 17.830,33 € de juros e 2.260,13 € de comissões, como melhor se alcança da nota de débito que se junta enquanto Doc. 11 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
16.º Os juros de mora estão calculados à taxa de 15,40% ao ano, como se indica na nota de débito, e como resulta do contrato – Cfr. Doc. n.º 7”.
Conhecendo da 2ª questão
Os embargantes invocam a existência de nulidade da sentença tendo em consideração o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC por no seu entendimento a sentença ser “contraditória” quando considera que a interpelação “é considerada efetuada com a citação ocorrida em 2017 e admitir que sejam cobrados juros desde 30/06/2015”, data do vencimento da livrança.
Dispõe a aludida alínea, que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Da análise que fazemos pela leitura da sentença recorrida, embora na mesma se admita que a interpelação para pagamento, caso seja necessária, pode ocorrer (quando não tenha ocorrido antes), com a citação para a ação executiva, verdadeiramente não se seguiu esse entendimento. Reconheceu-se que na situação em apreço “só seria de exigir a interpelação do avalista, se esta estivesse prevista no pacto de preenchimento, o que não é o caso”. Seguiu-se o entendimento consignado nos Acórdãos do STJ de 28/09/2017 e de 12/04/2018, segundo o qual «a falta de interpelação do avalista da subscritora, no âmbito de uma livrança em branco, com vista ao seu preenchimento quanto à data do vencimento e ao montante, só releva se a necessidade dessa interpelação resultar do respetivo pacto de preenchimento».
Assim, não existe a contradição que é apontada à sentença em análise pelo que a mesma não padece da arguida nulidade.
Conhecendo da 3ª questão
Os embargantes invocam, também a existência de nulidade da sentença tendo em consideração o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC por no seu entendimento a sentença ter omitido pronúncia sobre a situação de abuso de direito que haviam invocado.
Dispõe a aludida alínea, que a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
Do que nos é dado percecionar, o juiz na 1ª instância, conheceu do invocado abuso no preenchimento da livrança e do abuso de direito na instauração da ação, fazendo a apreciação em conjunto, tendo concluído em face da apreciação que fez da realidade que não havia “elementos suficientes que permitam concluir pelo preenchimento abusivo da livrança” e do mesmo modo que não existiam “elementos que permitam apurar um qualquer abuso de direito”.
Resulta que, independentemente do maior ou menor grau de fundamentação, não deixou de apreciar as questões suscitadas, não reconhecendo a atuação abusiva.
Assim, não podemos concluir pela existência da arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia, cabendo apreciar noutra sede, que não a da nulidade da sentença, do possível erro de julgamento quanto à questão do abuso de direito.
Conhecendo da 4ª questão
Os embargantes salientam que existiu abuso no preenchimento da livrança quanto à data de vencimento (30/05/2015), quando é a própria credora que reconhece que o incumprimento do contrato, que está subjacente ao preenchimento da livrança, ocorreu em Outubro de 2007, pelo que se deve ter por abusiva aposição de data de vencimento em maio de 2015.
Como resulta inequívoco a data do vencimento da livrança não corresponde à data do incumprimento do contrato subjacente à sua emissão, mas tal facto não pode considerar-se abusivo do estipulado pelas partes no pacto de preenchimento uma vez que o legislador admitindo a validade dos títulos de câmbio em branco, não consagrou na lei um limite temporal ao respetivo preenchimento.
Se é certo que a data de vencimento aposta na livrança indicia um decurso de prazo superior a sete anos após a verificação do facto que legitimava o credor na aposição da data e no possível acionamento da mesma, enquanto título cambiário, mas de tal passividade como vem sendo reconhecido pela jurisprudência do STJ, não resulta incurso um preenchimento abusivo e culposo, pois o decurso do tempo só por si e desacompanhado de outros factos que indiciem a intenção de omitir o preenchimento e não exercer o direito não configura abuso de direito.
Com efeito, numa situação em que a livrança veio a ser preenchida passados que foram 17 anos depois do alegado incumprimento do mútuo que esteve subjacente à respetiva subscrição em branco, o STJ por acórdão de 14/09/2021 no processo n.º 2449/18.3T8.3T8OER-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, conclui que tal preenchimento não foi abusivo, nem culposo.
Não decorrendo do pacto de preenchimento que o credor esteja obrigado a preencher a livrança dentro de determinado prazo, ao mesmo é concedida a faculdade de livremente fixar a respetiva data de vencimento, não sendo o mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida, facto bastante ou suficiente para criar no devedor a confiança de que não mais vai ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende (v. Acórdãos do STJ de 19.10.2017, Proc. 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1; de 04.07.2019, Proc. 4762/16.5T8CBRA.C1.S1; de 10/12/2019, Proc. 814/17.2T8MAI-A.P1.S2 e de 20.04.2021, Proc. 7268/18.4T8LSB-A.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Não havendo motivos válidos para afastarmos esta orientação há que reconhecer tal como foi o entendimento da 1ª instância a inexistência de abuso de direito no que se refere à data do preenchimento do título dado à execução.
Para além da data, os embargantes invocam a existência de abuso de preenchimento relativamente ao valor em dívida aposto na livrança, que referem ser muito superior ao valor real da dívida, atendendo a que em setembro de 2010 por conta do incumprimento do contrato que esteve subjacente à subscrição da livrança era exigido da devedora (subscritora) o valor total de € 140.957,39 e na livrança com data de vencimento de 30/06/2015 foi colocado o valor de € 254.146,76 o que leva a concluir que terão sido contabilizados juros sobre juros o que conduzirá a anatocismo.
O juiz na 1ª instância fundamentou a inexistência de abuso de preenchimento relativamente ao valor, afirmando o seguinte:
“… quanto ao cálculo do valor e ao facto de terem sido contabilizados juros sobre juros, essa contabilização é autorizada, já que a regra geral a respeito da capitalização dos juros nas operações ativas das instituições de crédito ainda aplicável ao caso é a constante do n.º 6 do artigo 5.º do Decreto-lei n.º 344/78, de 17 de Novembro, que impõe apenas uma restrição, relativa ao período mínimo de juros capitalizáveis, a qual não se afigura ter sido violada.
Nesta medida, e dado que tem sido entendimento pacífico da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que, aquele a quem é pedido o pagamento e que invoca o preenchimento abusivo da letra ou da livrança, tem de alegar os termos do acordo cuja inobservância permita concluir pela violação do pacto de preenchimento, pois tratando-se de um facto impeditivo do direito invocado pelo exequente/portador do título, constituindo uma exceção perentória, terá, não só de alegar, como de provar os respetivos factos (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil) – neste sentido, Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Abril de 2008, processo n.º 08A727, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03 de Fevereiro de 2011, processo n.º 729/03.1YYLSB-A e de 02 de Março de 2010, processo n.º 26307/08.0YYLSB-A, e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Janeiro de 2005, processo n.º 0437299 e de 14 de Janeiro de 2010, processo n.º 1071/06.1TBPVZ-B, todos acessíveis em dgsi.pt, entende-se não haver elementos suficientes que permitam concluir pelo preenchimento abusivo da livrança”.
Apesar dos embargantes porem em causa o valor em dívida aposto na livrança, não apresentaram fundamentos donde resulte mostrarem-se desajustadas ao contratualizado, no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta corrente, as operações efetuadas pela Caixa para fixar o valor da livrança, sendo que era aos embargantes que cabia fazer a prova dos factos que no seu entendimento conduziam à verificação de preenchimento abusivo do título por violação do pacto de preenchimento.
No contrato que está subjacente à subscrição da livrança, consta que o empréstimo vence juros à taxa nominal de 16%, alterável pela Caixa no início de cada período de contagem (prazo de 6 meses, automaticamente prorrogado por períodos iguais e sucessivos), tendo, também a Caixa a faculdade de a todo o tempo capitalizar juros remuneratórios e moratórios adicionando tais juros ao capital em dívida passando aqueles a seguir todo regime deste e em caso de mora a Caixa poderá cobrar sobre o capital exigível e os juros correspondentes, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa para operações ativas da mesma natureza (que à data da celebração do contrato era de 16,5%) acrescida de uma sobretaxa até 4% (v. cláusulas 8, 16 e 18 do aludido contrato).
Em face do clausulado e da realidade subjacente ao preenchimento do título não se evidencia demonstrado a existência de anatocismo, devendo ter-se em consideração que o empréstimo foi concedido por um Banco no exercício da sua atividade bancária onde na generalidade é usual a capitalização dos juros, tendendo o anatocismo a ser admitido em função de um uso bancário (v. Ac. do STJ de 14/03/1990 in BMJ 395, 556; Ac. do STJ de 28/01/2003 na Revista 4467/02-2ª Secção, in Sumários, Jan/2003; Ac. do STJ de 31/03/2004, no processo 04B514 disponível em www.dgsi.pt).
Os recorrentes invocam ainda em seu benefício o facto de o Dec.-Lei n.º 344/78, de 17/11, ter, entretanto, sido revogado pelo Dec.-Lei n.º 58/2013, de 08/05, o qual proíbe a capitalização de juros de mora fora do âmbito da reestruturação e consolidação de créditos.
Este diploma legal que regula com detalhe a matéria dos juros bancários “criou para os bancos uma disciplina em geral mais favorável do que a previamente existente” (v. Miguel Pestana de Vasconcelos “Os limites máximos das taxas de juro das instituições de crédito e das sociedades financeiras” in www.revistadedireitocomercial de 23/04/2018, 644) dele ressaltando que relativamente aos juros compensatórios a sua capitalização depende apenas de convenção das partes, reduzida a escrito, e a respetiva eficácia não depende de notificação ao devedor, sendo por isso muito mais benéfica para as instituições de crédito que a previsão do disposto no artigo 560.º do Código Civil, e não obstante relativamente aos juros de mora proibir a capitalização, exceto no âmbito de processos de reestruturação ou consolidação de créditos, casos em que as partes podem, por acordo, adicionar aos valores em dívida o montante de juros moratórios vencidos e não pagos, não há nos autos evidência, até porque os embargantes não carrearam para os mesmos fundamentos a tal demonstração, que a partir de setembro de 2013 (data da aplicação do aludido Dec.-Lei ao contrato que esteve subjacente ao preenchimento da livrança) que a Caixa tivesse contabilizado valores referentes à capitalização de juros de mora (cfr. artigo 7.º, n.º 1, 2 e 5 e artigo 14.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 58/2013).
Não resulta, assim, verificado o alegado abuso de preenchimento da livrança, no que respeita à data e ao valor.
Conhecendo da 5ª questão
Por referência à data do incumprimento do contrato que está subjacente à subscrição da livrança vêm os embargantes sustentar que a mesma se encontra prescrita relativamente à totalidade do valor que foi nela incorporado, atendendo a que na data que lhe foi aposta como data de vencimento já tinha decorrido o prazo de prescrição de 3 anos previsto não artigo 70.º da LULL, bem como o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea d) do artigo 310.º referentes a juros incorporados no valor da livrança.
Para considerar o início do prazo de prescrição do valor aposto na livrança que incorpora assim uma obrigação cambiária os embargantes partem de pressupostos errados.
Atendendo a que não foi reconhecida a alegada violação do pacto de preenchimento, a data em que se inicia a contagem do prazo de prescrição relativamente à livrança subscrita em branco é o dia do respetivo vencimento aposto pelo portador do título.
Como resulta do Ac. do STJ de 19/6/2019 no processo 1025/18.5T8PRT.P1.S1, disponível www.dgsi.pt, uma livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70.º da e LULL, aplicável ex vi do artigo 77.º da mesma Lei, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente, independentemente da causa que lhe dê origem, nomeadamente quando esse vencimento decorre da insolvência do subscritor, em conformidade com o preceituado no artigo 91º, n.º 1, do CIRE.
Esta tem sido a orientação que vem sendo seguida pelo STJ quanto ao prazo de prescrição cambiária no caso de subscrição de letra ou livrança em branco, atendendo a que é apenas com o seu efetivo preenchimento, e com a inscrição nela da respetiva data de vencimento que é possível considerá-la um título cambiário passível de integrar a previsão respeitante à prescrição do crédito cambiário prevista no aludido artigo 70.º da LULL (Vide Acórdãos do STJ de 19/10/2017, de 19/06/201, de 04/07/2019 e de 13/12/2020, respetivamente nos processos 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, 1025/18.5T8PRT.P1.S1, 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1 e 4161/18.4T8PBL-A.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Não se verifica, assim, a alegada prescrição.
Conhecendo da 6ª questão
Para além do que já foi afirmado no âmbito do conhecimento da 4ª questão, não obstante o preenchimento “tardio” da livrança (se atendermos à data em que o contrato que lhe está subjacente foi considerado incumprido), não há fundamento bastante para se considerar ter havido abuso de direito no acionamento da livrança enquanto título cambiário.
Os embargantes enquanto avalistas são solidariamente responsáveis com a subscritora do título perante o respetivo portador que o deu à execução, estando na disponibilidade deste acionar individual ou coletivamente qualquer dos responsáveis sem que tenha de observar qualquer ordem, designadamente a que por que eles se obrigaram.
O facto de se ter exigido do subscritor da livrança, antes de esta ter sido totalmente preenchida e apresentada a pagamento, os montantes em dívida no âmbito do contrato incumprido que esteve subjacente à subscrição da mesma em branco, não implica que o portador/credor esteja a abusar do seu direito em vir preencher o título subscrito em branco e acionar com base nele, alguns anos depois, os respetivos avalistas, quando até a subscritora já havia sido declarada insolvente.
Não há menção de que em algum momento a credora tenha dado a perceber aos ora embargantes que, em face da insolvência da sociedade subscritora, não ia exigir dos garantes a quantia em dívida e os respetivos juros que, entretanto, se continuavam a vencer uma vez que a aludida declaração de insolvência não faz cessar a contagem dos juros relativamente aos garantes. Não se pode concluir como fazem os embargantes que foi a atuação da própria exequente que deu causa ao montante que têm por elevado, ao só vir exigir deles, em 2015, o pagamento da livrança, quando o podia ter exigido, pelo menos, logo após o incumprimento do contrato subjacente à subscrição da livrança. Pois, por outro prisma, também podemos concluir que sempre podiam os garantes terem eles assumido o pagamento (parcial ou total) das quantias em dívida, após o incumprimento do contrato por parte da subscritora da livrança, e assim obviarem ao aumento do valor em dívida e a que a livrança fosse preenchida e acionada como título cambiário, até porque, como salienta a exequente, eram sócios da sociedade insolvente e daí não podiam desconhecer as dívidas da sociedade e as garantias que haviam dado à mesma perante a credora exequente.
Concluímos assim, que apesar do decurso do tempo entre o incumprimento contatual por parte da subscritora da livrança e o efetivo acionamento dos avalistas, com fundamento nesse título cambiário, atuou a exequente com base num direito que lhe assistia, não fazendo uso abusivo do mesmo.
Conhecendo da 7ª questão
Os embargantes entendem que a quantia de € 618,81 a título de imposto de selo não lhe pode ser exigida porque a exequente não comprovou a sua liquidação.
Entende a embargada que o imposto de selo é uma imposição legal por crédito de juros que é cobrado pelas instituições bancárias e entregue ao Estado, pelo que o direito de o exigir dos embargantes, enquanto avalistas não necessita de demonstração através de documentação a não ser o que resulta do próprio contrato relativamente ao crédito de juros e da imposição legal da respetiva cobrança ao Banco e entrega aos cofres do Estado.
Assim, estando em causa crédito de juros não pode a Instituição bancária que deu à execução a livrança no valor da qual estava englobada determinada quantia a título de juros deixar cobrar a quantia correspondente a título de imposto de selo, não necessitando de apresentar qualquer documentação específica para fazer a prova dessa liquidação, quando tal liquidação e cobrança lhe é exigida legalmente.
A propósito desta questão por se apresentar clara a pronúncia passamos a reproduzir, em parte os fundamentos constantes no Ac. do TRP de 09/01/2017 no processo 2666/13.2T2AGD-A.P1, disponível em www.dgsi.pt:
«Na sentença apreciou-se a questão com os fundamentos que se transcrevem:
“Prescreve o Artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto de Selo, aprovado pelo DL 287/2003, que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.” E o artigo 3/3, alínea j) do referido Código estabelece que se considera titular do interesse económico, nas letras e livranças, o sacado e o devedor.
Posto isto, comungamos da posição do Acórdão da Relação do Porto de 22.01.2001, onde se defende que o imposto de selo acresce ao crédito de juros devidos pela letra, devendo considerar-se integrado no título executivo, posição que já vinha sido defendida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16.05.1995, que no seu sumário refere o seguinte: “As outras eventuais despesas previstas no artigo 48.º, n.os 1 e 3, da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças são todas aquelas que sejam necessárias para conservar a ação cambiária do portador.
O imposto de selo – artigo 120.º-A da Tabela Geral do Imposto do Selo, alínea b) – incide sobre os juros das operações bancárias, constituindo encargos dos clientes beneficiários da operação. (…) E embora o Imposto (...) não sejam despesas necessárias à conservação da ação cambiária, são, no entanto, despesas que acrescem legalmente aos juros devidos pela letra e, como tal, integram-se no título executivo e determinam os limites da ação executiva.”
E sufragamos desta posição, porquanto sendo o devedor o titular do interesse económico, respondendo o avalista nos mesmos termos que o subscritor da livrança – nos termos dos artigos 32.º, § 1 e 77.º da LULL, o mesmo é devedor destes valores.
Acresce, por outro lado, que incidindo este imposto sobre o crédito de juros, e fazendo estes parte das quantias que são incluídas no preenchimento da livrança e das quais é responsável o devedor, não se pode cindir essa responsabilidade numa livrança avalizada na sua integralidade pelos ora embargantes, que, acrescenta-se, não fizeram qualquer ressalva nesse sentido aquando da aposição do aval, exigindo o credor ao subscritor um montante que inclua o valor respeitante ao imposto de selo que incide sobre os juros e aos avalistas um valor deduzido da importância inscrita a esse título, o que, a nosso ver, contraria o disposto no artigo 32.º, § 1, da LULL.
Assim, também quanto a este ponto improcedem os embargos de executado, sendo devida pelos embargantes, a importância colocada na livrança exequenda a título de imposto de selo”.
Não vemos motivo para não acolher tal posição, fazendo nossos os argumentos ali expostos, face ao enquadramento jurídico e a interpretação defendida com apoio em jurisprudência publicada no site do ITIJ, seguindo neste sentido o Ac. do STJ de 30 de abril de 1996, Proc.087981, acessível em www.dgsi.pt.
Com efeito, por efeito do regime previsto na Tabela Geral do Imposto de Selo, este imposto acresce por imposição legal ao crédito de juros. Por injunção legal esse imposto é cobrado pelas instituições bancárias e entregue nos cofres do Estado, constituindo encargo dos clientes em benefício dos quais se efetua a operação. Deste modo, como se salientou na sentença recorrida, a dívida de juros implica a dívida do imposto de selo e respondendo o avalista nos mesmos termos que o subscritor da livrança o mesmo é devedor destes valores por isso se mantém a decisão».
Bem andou, assim, a 1ª instância em reconhecer a quantia de imposto de selo como devida no âmbito da execução.
Conhecendo da 8ª questão
Discordando do entendimento perfilhado na 1ª instância relativamente ao prazo de prescrição, no que se refere ao contrato de mútuo aludido no ponto 9 dos factos provados, entende a embargada/exequente que não operou a prescrição do direito de crédito por em seu entender, ao caso, não ter aplicação o disposto no artigo 310.º, alínea e), do CC, mas antes o disposto no artigo 309.º do CC, por considerar, com a resolução operada por incumprimento de algumas das prestações, deu-se o vencimento imediato de todas elas, assumindo a dívida a natureza de obrigação unitária, que engloba não só o capital como também os juros, encontrando-se sujeita ao prazo de prescrição ordinário.
A questão relativa ao prazo prescricional a aplicar neste caso concreto não tem merecido unanimidade na jurisprudência, existindo acórdãos que defendem a aplicação do prazo de 5 anos e outros a aplicação do prazo de 20 anos.
Mas, ultimamente, a jurisprudência do STJ, têm-se firmado no sentido da aplicação do prazo prescricional de 5 anos, tal como foi entendido na decisão recorrida.
NoAcórdão doSTJ, de 03/11/2020, no processo n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt afirma-se: “O facto de o credor ter exigido antecipadamente as prestações em falta, devido à mora do devedor, não pode envolver uma alteração do regime de prescrição aplicável à divida em causa, tal como defendeu o Tribunal da Relação, sob pena de se deixar ao credor a escolha do regime aplicável, em prejuízo do devedor (e dos fiadores). É de manter aqui a orientação seguida pelo STJ seja no Acórdão de 18 de Outubro de 2018 – processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 –, “A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil […]” –, seja no de 23-01-2020, processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1.”
No mesmo sentido vão os Acórdãos do STJ de 23/01/2020, no processo n.º 4518/17.8T8LOU.A.P1.S1, de 12/11/2020, no processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, de 18/10/2018, no processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, de 10/09/2020, no processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1, de 29/09/2016, no processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, de 14/01/2021, no processo n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1, de 26/01/2021, no processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2 e de 09/02/2021, no processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Em face da jurisprudência reiterada do Supremo no sentido de que o prazo prescricional a aplicar é o de 5 anos previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, não vemos razões para não anuir a tal corrente jurisprudencial, pelo que, nessa medida, entendemos ser de confirmar a sentença recorrida no que à questão em apreciação respeita.
Em suma, improcedem ambas as apelações, sendo de confirmar a sentença recorrida.
DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes ambas as apelações e, em consequência, confirmar a sentença recorrida
Custas de parte pelos apelantes nas respetivas apelações que interpuseram e em que ficaram vencidos.
Évora, 25 de novembro de 2021
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes