IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONTAGEM DOS PRAZOS
NATUREZA ADMINISTRATIVA
Sumário

I) Ao prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º3 do RGCO para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é aplicável o disposto no artigo 279. al. e) do C.C.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório.
Inconformado com o despacho de fls. 118 a 121 dos presentes autos de recurso de contra-ordenação que decidiu rejeitar, por ter sido apresentado fora de prazo, o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, veio o recorrente Francisco X., interpor recurso desse despacho consoante motivação constante de fls. 125 a 131 destes autos, que rematou com as seguintes conclusões:
«a) Em 23/07/2014 o recorrente foi notificado de decisão condenatória, proferida pelo Comando Distrital da PSP de Braga que lhe aplicou uma coima no montante de 351,00€.
Inconformado, apresentou recurso de impugnação em 01/09/2014 - junto do Comando Distrital da PSP de Braga, mas dirigido ao Tribunal - nos termos do art. 60º do RGCO e do art. 279º, al. e) do C.C.
c) No entanto, o Tribunal a quo considerou que a impugnação foi apresentada fora do prazo e rejeitou o recurso apresentado.
d) Sendo o requerimento de interposição de recurso de impugnação judicial de decisão condenatória - nos termos dos art. 58º e 59º do RGCO - dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o recorrente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste.
e) O prazo de 20 dias para apresentação da impugnação não respeita a acto a praticar num processo judicial, antes constituindo um prazo de caducidade de natureza substantiva, tem, no entanto, sem margem para qualquer dúvida, natureza judicial pois trata-se de um pedido dirigido ao tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade, não obstante apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o recorrente e o tribunal.
f) Terminando o referido prazo de impugnação em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279º, alínea e), do C.C ..
g) Ao não entender assim, o Meritíssimo Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação da lei aos factos, violando nomeadamente o disposto nos artigos 60º do RGCO e 279º do C.C. pelo que, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue o recurso tempestivamente interposto.
Termina pedindo que tendo-se em consideração as conclusões que antecedem e acolhendo-as se revogue o decidido em conformidade.»

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O recurso foi admitido, consoante despacho de fls. 141 dos autos.
Após o Ministério Público ofereceu sua resposta que finalizou com as seguintes conclusões:
«1. No processo de contra-ordenação o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima ainda faz parte da fase administrativa do processo, iniciando-se a fase judicial, apenas com a apresentação pelo Ministério Público dos autos ao Juiz,
2. O prazo de interposição de recurso previsto no artigo 59º, n.º3 do RGCO suspende-se aos Sábados, Domingos e Feriados, nos termos previstos no artigo 60º, nº1 do mesmo diploma legal e não a contrario nas férias judiciais.
3. Do regime específico de contagem do prazo de impugnação judicial estabelecidas no aludido artigo 60º, pode concluir-se que este prazo não tem natureza judicial, mas administrativa.
4. Não tendo natureza judicial o prazo mencionado no artigo 59º, nº3, mas sim administrativa e sendo a impugnação da decisão um acto que se inscreve ainda na fase administrativa, não há fundamento para fazer apelo ao estatuído no artigo 279º, alínea e) do Código Civil, parte final - que, para efeitos de contagem do termo do prazo para a prática de um acto, equipara as férias judiciais aos Domingos e Feriados - aplicável, apenas e só, quando esteja em causa a prática de acto judicial ou a praticar em juízo.
5. Na verdade, apenas poderá ser considerado prazo judicial o prazo para a prática de um acto no âmbito de uma acção que já está em juízo.
6. Não foram, por isso, violadas quaisquer normas legais.
Por tudo o exposto, entendemos que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmada o douto despacho recorrido, nos seus precisos termos.»
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O Exmº PGA junto deste Tribunal da Relação emitiu douto Parecer onde pugnou pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

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II- Fundamentação.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

1.-Questões a decidir.

Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada é a seguinte a única questão a decidir:
- Saber se ao prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º3, do RGCO, para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, é aplicável o disposto no artigo 279. al. e) do C.C.

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2.- Despacho recorrido.
«A propósito da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, dispõe o artigo 59º, nº 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações: “O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.”.
A contagem do referido prazo é feita de acordo com o prescrito no artigo 60º do mesmo diploma, que dispõe assim:
1 – O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 – O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”.
Vejamos o caso dos autos.

Foi proferida decisão administrativa que aplicou uma coima ao recorrente em 11/07/2014 – cfr. fls. 83 e verso.
Tal decisão foi notificada ao recorrente por carta registada com aviso de receção, sendo o registo datado de 22/07/2014 e o aviso de receção assinado em 23/07/2011 – cfr. fls. 88 e 89.
Em 01/09/2014, o recorrente enviou por correio registado a impugnação judicial da decisão à autoridade administrativa, que a recebeu em 02/09/2014 – cfr. fls. 113, 114 e 86 a 91.
Ora, considerando-se o recorrente notificado da decisão administrativa em 23/07/2014, o prazo de 20 dias que dispunha para recorrer, contado nos termos do artigo 60º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, terminou no dia 21/08/2014.

Cumpre, então, apreciar se a apresentação do recurso no dia 01/09/2014 é ou não tempestiva.
Defende o recorrente que o recurso foi apresentado em tempo, defendendo a aplicação do disposto no artigo 279º, alínea e), do Código Civil, tal como se ensina no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/09/2011 (P0318/11, disponível in www.dgsi.pt).
Os fundamentos de tal acórdão estão assim sumariados:
I - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II - Porque esse prazo não respeita a acto a praticar num processo judicial, antes constituindo um prazo de caducidade de natureza substantiva, não lhe é aplicável o regime dos prazos processuais.
III - No entanto, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.
IV - O facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
É pacífico que o prazo previsto no artigo 59º, nº 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações, é um prazo de natureza administrativa, não judicial ou processual. Foi, aliás, tal entendimento consagrado no Assento n.º 2/94, de 10-03-1994, proferido no processo n.º 45325, publicado no Diário da República I-A, de 7/5/94, que fixou a seguinte jurisprudência obrigatória geral: “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro.” (neste acórdão discutia-se a aplicabilidade da suspensão do prazo prevista no artigo 144º/3 do CPC na redação então vigente - a introduzida pelo DL 381-A/85, de 28/9 -, no que a férias, sábados, domingos e feriados respeitava, estabelecendo-se então a doutrina de que o prazo de recurso não era um prazo judicial a que se aplicasse o citado artigo 144º/3, antes correndo continuamente).
Entendemos que a referida natureza administrativa do prazo previsto no artigo 59º, nº 3, aliada à circunstância de se exigir que o recurso seja apresentado à autoridade administrativa que proferiu a decisão, impede a interpretação de que é aplicável a tal prazo o disposto no artigo 279º, alínea e), do Código Civil.
Explanemos as razões mais detalhadamente.
O recurso de impugnação da decisão administrativa faz parte, ainda, da fase administrativa do processo. E daí que se preveja no artigo 62º, nº 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações, a possibilidade de a autoridade administrativa revogar a decisão que aplicou a coima até ao envio dos autos ao Ministério Público. Ou seja, entendemos que a exigência legal de a impugnação judicial da decisão administrativa dever ser remetida para a autoridade administrativa que emitiu a decisão condenatória justifica-se, precisamente, porque esta poderá, em face dos argumentos que sustentam o recurso, decidir revogar a sua decisão. Neste caso, não haverá lugar a fase judicial do processo. Assim, parece-nos estar vedada a conclusão de que a autoridade administrativa funcione como um mero recetáculo do recurso.
Daí que a interposição de recurso não possa ser considerada, seja para que efeito for, como um ato praticado em juízo, e, por via disso, lhe possa ser aplicável a disciplina prevista no artigo 279º, alínea e), do Código Civil.
O recurso da decisão administrativa é um ato ainda a praticar na fase administrativa, não um ato a praticar em juízo, fase administrativa essa que só finda com a decisão da autoridade administrativa de remessa dos autos ao Ministério Público, nos termos do artigo 62º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, após manutenção da decisão recorrida.
Aliás, se a interposição do recurso fosse um ato a praticar em juízo, não seria necessário ao legislador consagrar, como consagrou, o disposto no artigo 60º, nº 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações, pois tal decorria já do disposto no artigo 279º, alínea e), d Código Civil.
Tal é, aliás, o entendimento vertido no Acórdão do TRE de 10/01/2006 (P2563/05-1, disponível in www.dgsi.pt), bem como no Acórdão do TRP proferido no Processo nº 11085, citado em “Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral”, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 6ª Edição, Áreas Editora, pág. 475.
Acrescente-se apenas que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 473/2001, de 24/10/2001 (P371/2001), não considerou inconstitucional o disposto nos artigos 59º, nº 3, e 60º, nºs 1 e 2, do RGCO, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição de recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas.
Do exposto se conclui que o recurso, tendo sido apresentado somente no dia 01/09/2014, quando o prazo terminou em 21/08/2014, foi apresentado fora de prazo.
Em face de todo o exposto, ao abrigo do disposto no artigo 63º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, rejeito o recurso apresentado por Francisco X., por ter sido apresentado fora de prazo.
Notifique.»
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3. Apreciação do recurso.
Cumpre indagar se ao prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º3 do RGCO para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa é aplicável o disposto no artigo 279. al. e) do C.C.
Adiantamos de avanço que não assiste razão ao recorrente, como de seguida procuraremos demonstrar.
Vejamos.
Decorre dos autos e, nomeadamente, da decisão recorrida, que:
Foi proferida decisão administrativa que aplicou uma coima ao recorrente em 11/07/2014 – fls. 83 e verso.
Tal decisão foi notificada ao recorrente por carta registada com aviso de receção, sendo o registo datado de 22/07/2014 e o aviso de receção assinado em 23/07/2014 – fls. 88 e 89.
Em 01/09/2014, o recorrente enviou por correio registado a impugnação judicial da decisão à autoridade administrativa, que a recebeu em 02/09/2014 – fls. 113, 114 e 86 a 91.

Dispõe o artigo 59º, do RGCO, no seu n.º 3:
O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.
Por sua vez, prescreve o artigo 60º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Contagem do prazo de impugnação”:
«1 – O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 – O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.»

O artigo 279º do CC, dispõe: «À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: (…) e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparados as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.
Por sua vez, o artigo 296º do C.C. dispõe que: As regras constantes do artigo 279º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.
Cumpre referir em primeiro lugar que não há dúvida em face do disposto no artigo 60º, n.º1 do RGCO que o prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo contínuo, ao contrário do que acontece no CPP, onde a regra é a continuidade dos prazos, como decorre do disposto no art. 104º, n.º1 do CPP, atento o disposto no n.º1, do art. 138º do CPCN.
E, assim, também não está posto em causa, que considerando-se o recorrente notificado da decisão administrativa em 23/07/2014, o prazo de 20 dias que dispunha para recorrer, contado nos termos do artigo 60º, n.º1 do Regime Geral das Contra-Ordenações, terminou no dia 21/08/2014.
Com efeito, não há discordância relativamente ao prazo, ao seu dies a quo e à forma da sua contagem.
Por isso, a questão levantada neste recurso é apenas a de saber se suspendendo-se o prazo processual de impugnação judicial da decisão administrativa aos sábados, domingos e feriados, deve também suspender-se durante as férias judiciais, ou melhor, se ocorrendo o último dia do prazo em férias judiciais, deve transferir-se o termo do prazo para o primeiro dia útil seguinte ao termo destas.
Assim, vem ao caso, desde logo fazer referência ao que se escreveu no Acórdão deste TRG de 05.03.2012, em que é relator o aqui 1º adjunto, Sr. Desembargador Fernando Monterroso «O processo por contra-ordenação tem duas fases bem distintas. A primeira tem natureza administrativa e a segunda judicial.
O recurso de impugnação judicial é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima (art. 59 nº 3 Dec.-Lei 433/82). A apresentação não implica, necessariamente, que se passe à fase judicial, pois a entidade administrativa pode revogar a sua decisão de aplicar a coima – art. 62 nº 2 do RGCO. Isto é harmonioso com o facto de ainda não existir um processo judicial, mas um processo de natureza administrativa.
Por outro lado, recebida a impugnação, à entidade administrativa, se não revogar a decisão de aplicação da coima, apenas compete enviar os autos ao MP (art. 62 nº 1), não cabendo nas suas atribuições decidir sobre se a impugnação foi apresentada em tempo.
(…)
Como já se disse, o processo por contra-ordenação tem duas fases bem distintas, a administrativa e a judicial. O legislador teve em atenção as diversas estrutura e natureza das duas fases do processo, elegendo para cada uma delas, em separado, o direito subsidiário aplicável, sem esquecer mesmo o direito tributário distinto de cada uma delas (v. art. 93 do Dec.-Lei 433/82).(…)
A interposição do recurso de impugnação da decisão que aplicou uma coima integra-se, ainda, na fase administrativa do processo de contra-ordenação.
Que é assim, demonstra-o ainda o art. 62 nº 1 do Dec.-Lei 433/82.
Dispõe-se nesta norma que “recebido o recurso (...) deve a autoridade administrativa enviar os autos ao MP, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.
Ou seja, o feito só é introduzido em juízo quando o MP apresenta os autos ao juiz. Aliás, o MP, se entender que a aplicação da coima foi infundada, tem a faculdade de não apresentar os autos, já que pode retirar a acusação até à sentença em primeira instância – art. 65-A do Dec.-Lei 433/82
Decorre do citado acórdão o entendimento de que a apresentação do recurso de impugnação judicial à autoridade administrativa não é um acto praticado em juízo.
De seguida impõe-se referir, como também o fez a decisão recorrida, que uma vez que o D.L. n.º 244/95, de 14 de Setembro (Diploma que alterou o DL 433/82, de 27.10), se limitou a, no âmbito do artigo 59º, n.º3, do RGCO, alargar de 8 para 20 dias o prazo de impugnação judicial das decisões administrativas que apliquem coimas, deve continuar a entender-se, que “não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º3 do artigo 59º do D.L. n.º 433//82, de 27/10”, em obediência à jurisprudência fixada pelo S.T.J. em 10.03.94 – vide neste sentido o ac. do TRL de 30.09.1997, Rec.º n.º 7224/98-5, cujo sumário se encontra reproduzido por Sérgio Passos, na sua obra, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3ª edição (revista e actualizada), Almedina, págs. 410 e 411; e importa em especial confrontar o Acórdão do STJ de 3.11.2010, Rel. Conselheiro Maia Costa, acedido em www.dgsi.pt. que se debruçou especificamente sobre a questão da caducidade da supra referida jurisprudência concluindo que a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94, “não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no nº 3, do art. 59º do RGCO não é um prazo judicial, daí derivando nomeadamente a inaplicabilidade àquele prazo da regra do nº 6, do art. 107º do CPP (este Ac. do STJ revogou o Ac. do TRL de 23.06.2010, Rel. Carlos Almeida, acessível também em www.dgsi.pt.)
Assim, se acima concluímos que a apresentação do recurso de impugnação judicial à autoridade administrativa não é um acto praticado em juízo, concluímos agora que o prazo dentro do qual o referido recurso deve ser apresentado não é também um prazo judicial.
Apelamos, então, de novo, ao citado Acordão do STJ, onde se escreve com toda a pertinência, para o caso que nos ocupa: «Ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59º, nº 3, do RGCO não era um prazo judicial, o Acórdão nº 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no nº 3 do art. 144º do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. É este o sentido do Acórdão nº 2/94.
Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104º, nº 1, e 107, nº 5, do CPP.
O DL nº 244/95, como já vimos, veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas já não nas férias judiciais.
Quer dizer: o DL nº 244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL nº 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72º, nº 1, b), do Código de Procedimento Administrativo, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais.
Ou seja: o DL nº 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59º, nº 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa.
Com a reforma introduzida no CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144º, nº 1), regra que á aplicável ao processo penal, por força do nº 1 do art. 104º do CPP.
Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias.(sublinhado nosso)
É certo que o DL nº 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão nº 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou.
Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. (sublinhado nosso)
E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei nº 59/98, de 25-8).»
Neste sentido pronunciou-se também o Acórdão do Tribunal Tributário de 2ª Instância de 12 de Novembro de 1996, cujo sumário consta do BMJ n.º 461, a pág. 550, com o seguinte teor:
«I- Da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima pode recorrer-se judicialmente no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, nos termos do artigo 59º, n.º3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Novembro), suspendendo-se tal prazo aos sábados, domingos e feriados, conforme dispõe o artigo 60º.
II- Contudo, não tem aqui aplicação o disposto nos artigos 144º, n.º3 e 145º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, não se suspendendo o referido prazo nas férias judiciais, o que bem se compreende, pois o recurso é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, integrando-se ainda na fase administrativa do processo de contra-ordenação, só existindo fase judicial a partir do momento em que o recurso entra no tribunal.
O direito de defesa em processo contra-ordenacional, que inclui o direito de audiência e o direito de recurso da condenação administrativa para um tribunal, está suficientemente salvaguardado nos arts. 59º e segs. do RGCO, em cumprimento do disposto no nº 10 do art. 32º da Constituição. A aproximação do direito contra-ordenacional ao direito penal, que é real, não impõe uma coincidência dos regimes processuais de ambos os ilícitos, dada a diferente natureza dos interesses em causa. É, pois, materialmente justificável uma diversa expressão dos direitos dos arguidos, naturalmente mais intensa no processo penal
Conclui-se, agora, então, que o prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º3, do RGCO para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa é um prazo não judicial, não contínuo, pois se suspende aos sábados, domingos e feriados, mas não se suspende nas férias judiciais, por lhe não ser aplicável o artigo 104, n.º1 do CPP, e por via dele o actual art. 138º do CPCN, e outras “regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP”.
Além disso, como decorre do disposto no artigo 41º do RGCO, o direito subsidiário do Diploma são “os preceitos reguladores do processo criminal” que assim se constituem genericamente em normas integradoras do processo contra-ordenacional.
Não obstante, como vimos, a norma especial do artigo 60º do RGCO afasta a aplicação do artigo 104º do CPP e por conseguinte do art. 138º do CPCN, pelo que, assim, não faz qualquer sentido apelar às normas do C.C. nomeadamente ao artigo 279º para fazer entrar pela porta de um ramo de direito que nem sequer é subsidiário do RGCO aquilo que se afastou pelo porta do direito subsidiário.
Por outro lado, impõe-se ter em atenção que, como decorre do artigo 296º do CC, os prazos previstos no art. 279º do C. Civil são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei. Quer isto dizer que, importa averiguar se existe “disposição especial em contrário”, pois havendo-a é essa disposição legal que é aplicável (vide o voto de vencido do Acórdão do STA de 23.10.2012, disponível in www.dgsi.pt. a propósito da aplicação do artigo 279º do CC no confronto com o art. 72º do CPA, norma sobre a qual, como se refere no ac. do STJ supra citado, foi decalcada a norma do artigo 60º do RGCO).
Ora, parece-nos inexistir qualquer dúvida que, no caso das contra-ordenações sujeitas ao regime geral, existe disposição legal contrária ao art. 279º do C.C., nomeadamente à sua al. e), mais concretamente o art. 60º do RGCO, aplicável, sem dúvida, ao caso em apreço.
Além disso, como vimos, a apresentação do recurso de impugnação judicial perante a autoridade administrativa não é um acto a praticar em juízo, como o exige a segunda parte daquela al. e) do artigo 279º do CC, pelo que também por aqui a sua aplicação ao caso, é recusada.
Assim, não se suspendendo nas férias judiciais o prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º 3 do RGCO para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, que não é um Tribunal, também não podemos considerar que haja qualquer dúvida (e só em caso de dúvida se colocaria a questão da aplicação do artigo 279º do C.C.) sobre a fixação do termo do referido prazo, sendo inaplicável o disposto no artigo 279º do C.C., nomeadamente na sua al. e).
Finalmente, a jurisprudência do STA citada, pelo recorrente, é tirada em sede de processo de contra-ordenações tributárias - previsto nos artigos 51º a 86º do RGIT – (onde o RGCO é meramente subsidiário, conforme resulta do artigo 3º, n.º1 al. b) do RGIT) onde imperam quer o artigo 20 do CPPT [1 - Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil. 2 - Os prazos para a prática de actos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil.] quer o artigo 57º, n.º3 da LGT [No procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil.] que remetem expressamente para o C.C., nomeadamente, para ao artigo 279º do CC, no que respeita a contagem dos prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial.
Pelo exposto, improcede o recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*
III- Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso.
*
Custas pelo recorrente, nos termos do artigo 513, do Código de Processo Penal (e artigo 8º, n.º 9 do Regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa de justiça em 3 [três] UC.
*
Notifique.
*
Processado em computador e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.
Guimarães, 30 de Novembro de 2015.
[Maria Dolores Silva e Sousa – Relatora]
[Fernando Monterroso - Adjunto]