DIREITO CONSTITUCIONAL À SEGURANÇA NO EMPREGO
CONTRATOS DE TRABALHO PRECÁRIO
CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
PROIBIÇÃO DE CONTRATOS SUCESSIVOS
ILUSÃO DAS DISPOSIÇÕES DO CONTRATO SEM TERMO
COMUNICAÇÃO DE CADUCIDADE
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Sumário

I – O direito constitucional à segurança no emprego abrange todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho.
II - Nos termos do artigo 179.º do CT/2009, completada a duração máxima de contrato de utilização de trabalho temporário, é proibida a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, antes de decorrer um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato, incluindo renovações.
III – A violação do interregno de tempo exigido pelo artigo 179.º do CT transforma o sucessor contrato de trabalho a termo num contrato sem termo, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, alínea a) do CT.
IV – A comunicação de caducidade desse contrato de trabalho a termo, pelo empregador, constitui um despedimento ilícito, por não precedido de procedimento disciplinar.

Texto Integral

Proc. n.º 1225/19.0T8PNF.P1
Origem: Comarca Porto Este Penafiel Juízo Trabalho J4.
Relator - Domingos Morais – Registo 895
Adjuntos – Paula Leal Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I.Relatório
1. – B… intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho-J4, contra
- C…, Lda, alegando, em resumo, que:
Em 07-03-2018, por iniciativa/proposta da Ré, o Autor celebrou, com esta, contrato de trabalho a “termo certo”.
Nos termos exarados no sobredito contrato, o mesmo foi celebrado a termo certo, pelo prazo de 12 meses, renovável nos termos legalmente previstos, com início em 07-03-2018 e termo em 07-03-2019 (Cláusula 3.ª).
Em 15 de Fevereiro de 2019, a Ré comunicou ao Autor que a partir daquela data integrava os quadros da empresa como trabalhador efectivo.
Porém,
Logo de seguida, em 27-02-2019, a mesma Ré, de forma inesperada e em mão, fez a entrega ao Autor de comunicação, cujo assunto indica expressamente a “Caducidade de Contrato de Trabalho”, a partir de 6 de Marco de 2019.
O Autor respondeu, em 01-03-2019, dizendo que não aceitava a invocada caducidade do contrato de trabalho, porquanto, a informação da mesma, efectuada em 27-02-2019, foi realizada fora do prazo estipulado no artigo 344º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Apesar de a Ré ter recepcionado a referida comunicação em 04-03-2019, no dia 07-03-2019, pelas 9h00, já depois de se encontrar a trabalhar, no cumprimento do seu horário de trabalho, iniciado às 6h00, a mesma Ré decidiu impedir o Autor de continuar a exercer as suas funções com o fundamento de que estava despedido, por não ter sido renovado o contrato de trabalho existente.
De imediato foi solicitado ao Autor a entrega de todo o equipamento pertencente à Ré, do qual era este detentor, nomeadamente, bata, luvas, marcadores, óculos, auscultadores e cartão de ponto, dando-lhe expressas indicações que de imediato deveria abandonar as respectivas instalações, ordem que o Autor cumpriu.
Terminou, pedindo: “a presente acção deverá ser julgada procedente, por provada, e, em consequência:
A) Ser o despedimento do Autor julgado ilícito e improcedente, com as legais consequências e, em conformidade, ser a Ré condenada:
I - A pagar as retribuições intercalares que se venceram desde o despedimento em 07-03-2019, e demais prestações complementares e acessórias, incluindo subsídios de Férias e de Natal, subsídio de alimentação, subsídio de trabalho nocturno, horas de formação profissional, vencidas e vincendas, até efectiva reintegração, se for essa a opção do Autor, ou até ao trânsito em julgado;
II - Mais ser condenada, em alternativa à reintegração, conforme opção do Autor, a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade correspondente a um mês e meio (45 dias) de retribuição por cada ano ou fracção do tempo de serviço prestado.
III - Em quantia não inferior a € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a título de danos morais.
IV - Ainda, deve Ré ser condenada a pagar juros de mora, à taxa legal, contados:
a) Desde a data do vencimento de cada prestação até efectivo pagamento (tratando-se de prestações periódicas ou com vencimento certo como é o caso das retribuições e créditos salariais não pagos), e que actualmente se estimam superiores a € 20,00.
b) Ou desde a data de citação (sendo prestações que só se liquidem no decurso da acção, como é caso das indemnizações);
V - Mais deverá a Ré ser judicialmente notificada para capitalizar os juros de mora vencidos e vincendos, decorridos que seja um ano sobre o seu vencimento (art. 560º, nº 1 do CC), e assim sucessivamente, prestação a prestação e ano a ano, até total pagamento do capital em dívida e respectivos juros de mora;
VI - E caso a Ré não cumpra pontual e integralmente a sentença em que o Tribunal a vier a proferir, será condenada a Ré a pagar ao Autor:
a) Relativamente a reintegração, por cada dia de incumprimento, ou de incumprimento defeituoso, a título de sanção pecuniária compulsória, uma multa diária de € 100,00 (cem euros);
b) Relativamente à parte pecuniária da condenação, condenação deverá pagar a título de sanção pecuniária legal prevista no nº 4, do art. 829º-A do Código Civil, em montante calculado à taxa de 5 % ao ano, desde a data em que a sentença transitar em julgado, em que acrescerá automaticamente aos juros de mora legais.
VII - A condenação na predita al. b) (sanção pecuniária legal de 5 %) só é pedido, por mera cautela, e apenas para o caso do Tribunal considerar – diferentemente do que entende o Autor – que a mesma sanção carece de ser judicialmente declarada para ser exequível no caso concreto.
Sem prescindir,
B) O despedimento do Autor ser julgado ilícito e improcedente, com as legais consequências e, em conformidade, a Ré ser condenada:
I - No pagamento de indemnização a título de danos patrimoniais em montante não inferior às retribuições devidas, correspondentes, ao vencimento, subsídio de alimentação, férias, subsidio de férias, subsídio de Natal, subsídio de trabalho nocturno, horas de formação profissional, que o Autor deixou de auferir desde o seu despedimento (07-03-2019) até ao termo certo do contrato, ou, até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente;
II - Em quantia não inferior a € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a título de danos morais.
III - Ainda, deve Ré ser condenada a pagar juros de mora, à taxa legal, contados:
c) Desde a data do vencimento de cada prestação até efectivo pagamento (tratando-se de prestações periódicas ou com vencimento certo como é o caso das retribuições e créditos salariais não pagos), e que actualmente se estimam superiores a € 20,00.
d) Ou desde a data de citação (sendo prestações que só se liquidem no decurso da acção, como é o caso das indemnizações).
IV - Mais será a Ré judicialmente notificada para capitalizar os juros de mora vencidos e vincendos, decorridos que seja um ano sobre o seu vencimento (art. 560º, nº 1 do CC), e assim sucessivamente, prestação a prestação e ano a ano, até total pagamento do capital em dívida e respectivos juros de mora”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, impugnando, parcialmente, os factos alegados na petição inicial, e concluindo pela sua absolvição.
3. - O autor respondeu, concluindo pela ampliação do pedido no sentido de “Ser declarada a nulidade do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e Ré, em 07-03-2018, uma vez que se verificam os requisitos previstos nos art.s 143º e 179º, do Código de Trabalho”.
4. - No despacho saneador foram fixados os Factos Assentos e elencados os Temas de Prova.
5. - Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, a Mma Juiz proferiu a seguinte decisão:
Nos termos expostos, julga-se a presente acção improcedente e, consequentemente:
A) Absolve-se a Ré “C…, Lda.”, de todos os pedidos contra si formulados pelo B….
B) Custas pelo A.”.
6. – O autor, inconformado, apresentou recurso de apelação, concluindo:
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Nestes termos, e sempre com o Douto suprimento do omitido, deve o presente recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser alterada a Decisão recorrida em conformidade, com o que se fará a mais lídima, JUSTIÇA!”.
7. – A ré contra-alegou, concluindo:
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8. – O autor respondeu, concluindo:
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9. – Por acórdão deste Tribunal, de 03.02.2020, foi fixada à acção o valor de € 6.202,50 e confirmada a decisão da 1.ª instância que indeferiu o requerimento de prova, a que se reportam as alíneas OO) e PP) das conclusões de recurso do autor.
10. – Determinada a baixa dos autos à 1.ª instância, para cumprimento do artigo 617.º, n.º 1, a Mma. Juiz pronunciou-se pela inexistência de qualquer uma das nulidades da sentença, arguidas pelo autor nas conclusões do recurso.
11. - O M. Público emitiu parecer, conforme o termo de “Vista - 26-06-2020”.
12. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto
1. – Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“De facto:
Resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à fabricação, importação, venda e exportação de acessórios e equipamentos industriais de automação.
2. O Autor, por sucessivos contratos de trabalho celebrados pela empresa “D…, Empresa de trabalho temporário, S.A.”, desde o dia 07-03-2016, exerceu de forma ininterrupta as funções de “Operário de Montagem/Máquinas”, ao serviço da aqui Ré.
3. Em 07-03-2018, por iniciativa/proposta da Ré, o Autor celebrou com esta contrato de trabalho a “termo certo” para, sob autoridade e direcção da mesma, exercer as mesmas funções que vinha exercendo até essa mesma data, ou seja, de “Operário de Montagem/ Máquinas”, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 580,00 (quinhentos e oitenta euros), com horário de trabalho de segunda a sexta-feira, das 6h00 às 14H00, o qual expressamente refere, como segue:
Contrato de Trabalho a Termo Certo
Entre,
C…, Lda, pessoa coletiva n.° ………, com sede na Rua …, …, …, Maia, na qualidade de Primeira Contraente ou Entidade Empregadora, e
- B…, portador do cc n.° …….., solteiro, residente na Rua … …. …, …, na qualidade de Segundo Contraente ou Trabalhador, é celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato de Trabalho a Termo Certo, nos termos e cláusulas seguintes:
Primeira
O Segundo Contraente é admitido ao serviço da Primeira Contraente, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de Operador de Máquinas.
Segunda
1. O local de trabalho será nas instalações fabris sitas na sede da Primeira Contraente ou o que resultar da transferência prevista no número seguinte.
2. O Trabalhador assume desde já o compromisso de se deslocar no território nacional ou ao estrangeiro, ou aceitar ser transferido, desde que tal deslocação ou transferência sejam necessárias ao exercício da actividade industrial e comercial da Primeira Contraente.
Terceira
1. O presente contrato de trabalho é celebrado a termo certo, pelo prazo de 12 meses, renovável nos termos legalmente previstos, com início no dia 7 de Março de 2018 e termo no dia 7 de Março de 2019.
2. A contratação a termo certo do 2.º Contraente justifica-se, nos termos dos artigos 139° e 140°, n.° 1 e n.° 2, al. f), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro, para fazer face a um acréscimo temporário e excepcional do volume de trabalho da Ia Contraente, devido, nomeadamente, a um incremento de produção no âmbito das encomendas já efectuadas e previsivelmente a efetuar pelo cliente E…- a realizar para os próximos 12 meses.
3. Da celebração do presente contrato será prestada informação nos termos do previsto no art. 144.º do Código do Trabalho.
Quarta
A Primeira Contraente pagará ao Segundo Contraente a retribuição mensal de 580€ (Quinhentos e Oitenta Euros).
Quinta
1. O Horário de trabalho que o Trabalhador se obriga a cumprir é de Segunda a Sexta-feira, das 6h00 às 14h00. Porém, o Segundo Contraente dá, desde já, o seu acordo à alteração do horário de trabalho estabelecido no número anterior, inclusive para o regime de turnos (diurno e/ou nocturno), desde que tal alteração seja determinada por razões de funcionamento da Primeira Contraente.
2. O segundo Contraente declara conhecer e aceitar cumprir o regime de jornada diária continua e Banco de Horas.
Sexta
1. A duração das férias, os critérios para a sua fixação e os prazos e condições para a denúncia do presente contrato, são os definidos no Código do Trabalho, nomeadamente nos art. 237° e seg. e art. 344°.
2. O presente contrato rege-se, em tudo o que nele for omisso, pelas disposições legais aplicáveis e pelo CCT do Sector Metalúrgico e Metalomecânico, que eventualmente possa estar em vigor e que vincule as empresas filiadas na AIMMAP.
3. O Empregador aderiu ao Fundo de Compensação do Trabalho e ao Fundo de Garantia do Trabalho, estabelecidos pela Lei n° 70/2013, de 30 de Agosto.
4. O Trabalhador declara conhecer integralmente o conteúdo do Regulamento Interno em vigor na empresa, o qual se compromete a cumprir e respeitar.
Sétima
1. O Trabalhador está obrigado a respeitar estrito dever de confidencialidade, assim se comprometendo a não divulgar e/ou revelar a terceiros qualquer tipo de informação que diga respeito, direta ou indiretamente, aos negócios, clientes, projetos, operações, instalações, matérias-primas e produtos, sistemas de produção, contas ou dados financeiros do Empregador e/ou do Grupo F…. O dever de confidencialidade abrange também os procedimentos, métodos, transações, ou qualquer outro aspeto relacionado com a atividade do Empregador e/ou do Grupo F…, às quais o trabalhador tenha acesso ou possa ter conhecimento em consequência da sua relação contratual com o Empregador e/ou Grupo F….
2. Este dever abrange toda a informação, de qualquer tipo ou natureza, obtida de forma oral ou escrita, incluindo, a título indicativo e não limitativo, manuais de instrução, software, modelos, dados técnicos ou financeiros, fórmulas, processos de fabrico, protótipos, amostras, know-how, relação de clientes e fornecedores, segredos industriais, patentes e outros direitos de propriedade industrial, revelados e/ou a que o Trabalhador tenha acesso. Esta informação será sempre considerada e tratada pelo Trabalhador como estritamente confidencial e de titularidade exclusiva do Empregador e/ou do Grupo F…, comprometendo-se o Trabalhador a mantê-la em segredo e a não a divulgar a terceiros sem a autorização prévia e por escrito do Empregador, e a usá-la exclusivamente para o desenvolvimento das suas funções ou serviços.
3. O dever de confidencialidade mantém-se em vigor mesmo depois de cessar o contrato de trabalho, seja qual for o motivo ou fundamento da cessação. No final do contrato, o Trabalhador está obrigado a devolver à empresa toda a informação confidencial, documentos e/ou cópias da mesma que tiver em seu poder. O presente contrato é celebrado em duplicado, valendo cada exemplar como original, depois de assinado por ambas as Partes. Maia, 7 de Março de 2018.”
4. Nos termos exarados no sobredito contrato, o mesmo foi celebrado a termo certo, pelo prazo de 12 meses, renovável nos termos legalmente previstos, com início em 07-03-2018 e termo em 07-03-2019 (Cláusula 3.ª).
5. Em 27-02-2019, a Ré em mão, fez a entrega ao Autor de comunicação cujo assunto indica expressamente a “Caducidade de Contrato de Trabalho”, no texto da mesma é expressamente referida o seguinte:
Com referência ao contrato de trabalho a termo certo celebrado entre nós a 7/03/2018, vimos pela presente comunicar-lhe que a empresa não tem intenção de renovar, pelo que tal contrato caducará, deixando, portanto, de vigorar no dia 6 de Marco de 2019. Para além da retribuição completa, ser-lhe-á paga a compensação devida nos termos do art° 344 n° 2 do Código de Trabalho e também os dias de pré- aviso em falta. Ser-lhe-á igualmente passada a declaração em impressos próprios para acompanhar o requerimento que eventualmente venha a apresentar para atribuição de subsídio de desemprego.”. (Cfr. Doc. 10)
6. Em resposta à comunicação da Ré, em 01-03-2019, o Autor expediu carta registada com aviso de recepção, na qual expressamente referiu que não aceitava a invocada caducidade do contrato de trabalho, porquanto, a informação da mesma, efectuada em 27-02-2019, foi realizada fora do prazo estipulado no art. 344º, n.º 2, do Código do Trabalho, conforme expressou, como segue:
Exmos. Senhores,
No dia 27-02-2019 foi-me entregue em mão comunicação cujo assunto indica “Caducidade de Contrato de Trabalho”. No texto da mesma é expressamente referido o seguinte:
“Com referência ao contrato de trabalho a termo certo celebrado entre nós a 7/03/2018, vimos pela presente comunicar-lhe que a empresa não tem intenção de renovar, pelo que tal contrato caducará, deixando, portanto, de vigorar no dia 6 de Marco de 2019. Para além da retribuição completa, ser-lhe-á paga a compensação devida nos termos do art° 344 n° 2 do Código de Trabalho e também os dias de pré-aviso em falta. Ser-lhe-á igualmente passada a declaração em impressos próprios para acompanhar o requerimento que eventualmente venha a apresentar para atribuição de subsídio de desemprego.
Tendo em conta o teor da referida comunicação, cumpre-me informar que não aceito a invocada caducidade de contrato de trabalho celebrado com V. Exas., porquanto, a comunicação entregue em mão no dia 27-02-2019 foi efectuada fora do prazo estipulado, conforme preceituado no art. 344º, n.º 2, do Código de Trabalho.
Ora, porque a comunicação entregue de caducidade de contrato de trabalho é intempestiva, o contrato celebrado com V. Exas. mantém-se validamente em vigor.
Sem outro assunto de momento, com os melhores cumprimentos.”.
7. A Ré após ter recepcionou a referida comunicação em 04-03-2019, e no dia 07-03-2019, pelas 9h00, impediu o Autor de continuar a exercer as suas funções alegando que estava despedido.
8. Foi solicitado ao Autor a entrega de todo o equipamento pertencente à Ré, do qual era este detentor, nomeadamente, bata, luvas, marcadores, óculos, auscultadores e cartão de ponto, dando-lhe expressas indicações que de imediato deveria abandonar as respectivas instalações, ordem que o Autor cumpriu.
9. No dia 08-03-2019, pelas 6h00 da manhã, o Autor deslocou-se às instalações da Ré, para retomar as suas funções, no entanto, pelo elemento de segurança presente no local, ao serviço da Ré, foi-lhe vedado o acesso.
10. No dia 12-03-2019, o Autor voltou a deslocar-se à sede da Ré, pelas 6h da manhã, tendo solicitado, novamente, a presença das autoridades policiais, da PSP …, as quais, uma vez mais, compareceram e elaboraram o correspondente auto de ocorrência.
11. Em 15-03-2019, pelo Autor foi recepcionada a comunicação expedida pela Ré, e na qual a mesma confirmou a cessação do contrato de trabalho.
12. Desde a data da sua admissão o Autor foi sempre uma pessoa activa e dinâmica,
13. E sempre desempenhou o seu cargo com zelo, assiduidade, competência, sentido da responsabilidade e honestidade,
14. E sempre gozou do respeito, estima pessoal e consideração profissional dos seus colegas e superiores,
15. Nunca tendo sido punido disciplinarmente ou censurado pela forma como desempenhava as suas funções.
16. O Autor vive com a sua mulher que trabalha por conta de outrem.
17. A cessação do contrato de trabalho deixou o Autor preocupado com o seu futuro profissional, receoso com a sua situação económica e do seu agregado familiar, triste, o que lhe causou angústia e sofrimento.
18. O Autor sentiu-se vexado e humilhado perante os seus colegas de trabalho, no modo e nas circunstâncias como saiu da empresa no dia 07-03-2019.
19. O Autor passou a isolar-se, sentindo-se envergonhado por estar desempregado.
20. A Ré é uma empresa filiada na AIMMAP.
21. A Ré enviou a comunicação escrita ao Autor de fls. 27 com 9 dias de antecedência face à data de cessação do contrato, tendo pago ao Autor o valor de € 742,52, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, sendo que o A auferia o vencimento base de € 600,00.
22. Do contrato – Cláusula Terceira, nº 2 - consta expressamente que a contratação do Autor se deve à necessidade de “(…) fazer face a um acréscimo temporário e excecional do volume de trabalho da 1ª outorgante (…)”.
23. E refere-se “(…) o incremento de produção no âmbito das encomendas já efetuadas e previsivelmente a efetuar pelo cliente E… – a realizar para os próximos 12 meses”.
24. O projeto …, do cliente E…, teve início em Março de 2017, tendo ocorrido um aumento das necessidades de produção ao longo desse ano, até ao final do 1º trimestre de 2018.
25. A Ré contava que este projeto mantivesse valores de crescimento, mas após esta fase inicial, as encomendas feitas por este cliente vieram a reduzir,
26. O ano de 2018 representou uma produção mais elevada do que os anos de 2017 e de 2019.
27. O arranque deste projeto implicou a criação de 2 linhas de montagem, em 3 turnos, com a contratação de cerca de 9 novos trabalhadores por turno.
28. A redução das encomendas feitas por este cliente, na prática, implicaram a redução de um turno para o ano de 2019, o que passou a vigorar desde o final de maio e o início de junho.
29. Um turno, neste projeto, significa a redução das necessidades de mão-de-obra em cerca de 9 trabalhadores.
30. Os contratos celebrados pela Ré com os seus clientes têm sempre caráter transitório, ainda que as previsões de produção sejam, genericamente, estabelecidas com o cliente para períodos de 12 meses, prazo este com caráter meramente indicativo e não vinculativo para o cliente.
31. Os contratos celebrados pela Ré com os seus clientes não têm prazos estritamente definidos e os clientes reservam-se sempre o direito de aumentar ou diminuir, e até cessar, as encomendas, da forma e nos prazos que bem entenderem.
32. O setor automóvel constitui um mercado competitivo, com muita concorrência entre os fornecedores, no qual os clientes fazem variar o volume das suas encomendas em cada projeto em função das necessidades de mercado em cada momento, que a Ré não pode controlar, ficando sujeita às flutuações das encomendas dos seus clientes, consoante os modelos de automóveis em que estes decidem apostar.
33. O início do projeto … implicou a contratação de novos trabalhadores, mas as reduções de encomendas diminuíram as necessidades de mão-de-obra.
34. Por razões de gestão, a Ré nunca aloca a um novo projeto todos os novos trabalhadores contratados, tentando sempre constituir equipas equilibradas para as diversas linhas, de acordo com os recursos humanos que tem disponíveis e a experiência dos trabalhadores.
35. Desde que o Autor foi contratado para prestar serviço sobre as ordens e direcção da Ré, exerceu funções nas seguintes áreas e períodos:
- Por contrato celebrado em 07 de Março de 2016, foi administrada formação no módulo F4, sistema de conforto-sobre injeção de coxins a operador de máquina, tendo exercido funções nesse módulo, entre o período de 07 a 21 de Março de 2016;
- Por contrato celebrado em 22 de Março de 2016, exerceu funções exclusivamente no módulo F4 a operar na máquina de injeção, entre o período de 22 de Março a 20 de Maio de 2016;
- Por contrato celebrado em 21 de Maio de 2016, exerceu funções numa equipa especializada para recuperação de atrasos de encomendas, tendo trabalhado inclusivamente aos fins-de-semana, período de 21 de Maio até 09 de Outubro de 2016;
- Por contrato celebrado em 10 de Outubro de 2016, exerceu funções exclusivamente no módulo F4 nas máquinas de injeção em vários projetos, executando, ainda, outras tarefas indicadas pelas chefias, nomeadamente em substituição de trabalhadores faltosos (abastecedores das máquinas de injeção), entre o período de 10 de Outubro de 2016 a 06 de Março de 2018;
- Por contrato celebrado em 07 de Março de 2018, exerceu funções exclusivamente no módulo F4 nas máquinas de injeção de plástico, tendo trabalhado, entre outros, para os projectos …, …, …, …, …, … e ….
36. O Autor nunca trabalhou no referido módulo F3 (linha de montagem W205), nem nas linhas de montagem do projecto ….
Resultou não provada a seguinte matéria de facto:
i. Em 15 de Fevereiro de 2019, a Ré comunicou ao Autor que a partir daquela data integrava os quadros da empresa como trabalhador efectivo.
ii. O A ficou deprimido e com períodos de esquecimento e desconcentração,
iii. E frequentes ataques de pânico,
iv. E dificuldades em conciliar o sono durante a noite,
v. E sonolência durante o dia,
vi. Tendo que recorrer a toma de ansiolíticos e antidepressivos.”.

III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. - Questão prévia: da nulidade da sentença
2.1. - Nas alíneas GG) a NN) das conclusões do recurso, o autor recorrente invoca as nulidades da sentença reportadas às alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nomeadamente, que a sentença recorrida se pronunciou em excesso relativamente ao objecto do litígio e aos temas da prova, atenta a causa de pedir e os pedidos formulados na petição inicial, em particular sobre a questão da “invalidade do termo”.
As nulidades da sentença podem ser invocadas e fundamentadas nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do CPT, na redacção dada pela Lei n.º 107/2019, de 09.09.
A Mma Juiz pronunciou-se pela inexistência de qualquer uma das arguidas nulidades da sentença, nos termos do despacho datado de 16.02.2021.
Apreciemos.
2.2. – O recorrente arguiu a nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC.
2.2.1. - Estabelecem tais normas: “É nula a sentença … quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” [alínea b)] e “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [alínea d)].
2.2.2. - É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a nulidade da alínea b) apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes.
[cf. acórdãos do STJ, de 15.12.2011, e do TRP, de 17.04.2012, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.].
Ora, atenta a estrutura da decisão recorrida, consideramos que não se verifica a nulidade prevista na alínea b), porque contém fundamentação de facto e de direito. Se essa fundamentação é insuficiente ou não, é outro problema, um eventual erro de julgamento, que não cabe no conteúdo desta norma.
2.2.3. - Por sua vez, a nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º está directamente relacionada com o estabelecido no segundo segmento do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual “O juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
Esta norma sempre suscitou o problema de saber qual o sentido exacto da expressão “questões” nela empregue. E tem sido resolvido com base no ensinamento do Professor Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil, Anotado, V, pág. 54, que escreve: “… assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir) (…), também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
No âmbito deste raciocínio, a doutrina e a jurisprudência distinguem, por um lado, “questões”, e, por outro, “razões” ou “argumentos”, e concluem que só a falta de apreciação ou a ocupação das primeiras – das “questões” – integram a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera discussão das “razões” ou “argumentos” aduzidos pelo juiz para se pronunciar sobre as questões suscitadas.
[cfr., entre outros, Alberto dos Reis, ob. e vol. cits, pág. 143; Acs. STJ, de 02.07.1974, de 06.01.1977, de 05.06.1985 e de 24.02.1999, este último publicado no BMJ, 484.º-371, bem como os acórdãos do TRP, de 24.09.2020, proferidos nos processos n.º 18604/18.3T8PRT.P1 e n.º 256/19.5T8VFR.P1].
Sobre tal normativo, José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, escreve que “o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.
Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes, é nula a sentença em que o faça.
É também nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, não observe os limites impostos pelo artigo 609.º-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido.”.
Por sua vez, no acórdão do STJ de 23.04.2008, proc. 07S3905, in www.djsi.pt., pode ler-se:
Sobre o problema dos limites da condenação, em processo laboral, teve este Supremo Tribunal ensejo de se pronunciar, no Acórdão de 6 de Fevereiro de 2008 (em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200802060028984), onde se pode ler: [...]
A causa de pedir é, no dizer do Professor Manuel R. Domingues de Andrade, “o acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer (art. 498.º, n.º 4)” (*). Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respectiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, os factos donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido.
Ensina aquele Professor que, segundo a nossa lei, independentemente, da natureza do direito deduzido em juízo, “tem de declarar-se qual o acto ou facto jurídico donde provenha, e a sentença apenas tomará em conta tal acto ou facto”, o que significa que “vale entre nós a chamada teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do título (acto ou facto jurídico) em que se funda o direito afirmado pelo Autor”, e conclui que “o objecto da acção – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva da autoridade do caso julgado que lhe corresponde – se identifica através do pedido e da causa de pedir (arts. 497.º e 498.º)” (*).
A causa de pedir exerce uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o. Por isso, o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença – artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Por isso, também, a sentença de mérito que vem a ser proferida só vincula no âmbito objectivamente definido pelo pedido e pela causa de pedir (artigo 498.º, n.º 1, do CPC).
Mesmo a regra emergente do disposto no artigo 664.º do CPC, segundo o qual “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º” tem como pressuposto que tal livre actuação do julgador se encontra balizada pela causa de pedir enunciada na petição inicial (*).
É certo que, no âmbito do processo laboral, são reconhecidos ao juiz especiais poderes inquisitórios atribuindo-lhe a lei o poder-dever de diligenciar pelo apuramento da verdade material, relegando para um plano mais secundário a denominada “justiça formal”, atenta a natureza dos interesses conflituantes.
Mas, mesmo neste domínio, a enunciação da causa de pedir continua submetida a um rigoroso princípio dispositivo, constituindo terreno reservado à parte que recorre ao tribunal e formula a sua pretensão de tutela jurisdicional.
É ao autor que cabe delinear a causa de pedir da sua pretensão. Assim, os poderes inquisitórios emergentes do artigo 72.º do CPT – que incluem os emergentes da regra geral do artigo 264.º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados –, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais (*).
Como se referiu no Acórdão de 7 de Maio de 2003 (*), em processo laboral o juiz pode ampliar a base instrutória, aditando-lhe quesitos com matéria não alegada ou, não havendo base instrutória, levar em consideração factos não articulados pelas partes; mas tal só pode ocorrer se esses factos surgirem no decurso da produção de prova, se não alterarem a causa de pedir, se sobre eles tiver incidido discussão e se os mesmos se afigurarem relevantes para a boa decisão da causa.
Igualmente o uso do poder de condenação extra vel ultra petitum, consagrado no artigo 74.º do CPT, que constitui uma das mais significativas limitações ao princípio do dispositivo, ao impor ao juiz o dever de condenar para além ou em objecto diferente do pedido, quando isso resulte de aplicação, à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, de preceitos inderrogáveis, como decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos subjectivos do trabalhador, está limitado pela causa de pedir.
O legislador estabeleceu aqui uma verdadeira especialidade face ao processo civil comum [no âmbito do qual a sentença não pode condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que se pedir, sendo nula se o fizer – artigo 661.º, n.º 1 e 668, n.º 1, alínea e), ambos do CPC] ao impor ao juiz a obrigação de definir o direito material fora ou para além dos limites constantes do pedido formulado, mas não estabeleceu igual especialidade no que diz respeito à causa de pedir.
O juiz laboral pode condenar ultra petitum, mas, sempre, no âmbito da causa de pedir delineada pelo autor. É esta que traça os limites da actividade cognitiva do tribunal, funcionando aqui em pleno o princípio do dispositivo.
Apenas podem, eventualmente, ser considerados na acção laboral factos que extrapolam a causa de pedir enunciada na petição inicial se, no momento próprio (cfr. os artigos 60.º, n.º 2 e 28.º do CPT), o autor cumular uma nova causa de pedir, provocando uma decisão do juiz a admiti-la e cumprindo-se o contraditório.”.
No caso em apreço, o autor intentou acção de processo comum contra a ré, alegando que lhe comunicou, em 15.02.2019, que o contrato de trabalho a termo, celebrado em 07.03.2018, passaria a permanente, formulando os pedidos supra transcritos.
E a ampliação do pedido foi no sentido de “Ser declarada a nulidade do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e Ré, em 07-03-2018, uma vez que se verificam os requisitos previstos nos art.s 143º e 179º, do Código de Trabalho”.
A sentença recorrida apreciou, além do mais, a “invalidade do termo” aposto no contrato de trabalho a termo, celebrado pelas partes em 07.03.2018.
Acontece que a causa de pedir na acção não é a da “invalidade do termo” de tal contrato, por preterição dos requisitos de forma ou de substancia, ou seja, a não verificação do motivo invocado, mas sim a sua passagem a contrato por tempo indeterminado, por força da comunicação da ré de 15.02.2019.
E a ampliação do pedido foi no sentido de ser declarada a “nulidade do contrato de trabalho” celebrado entre o Autor e a Ré, em 07.03.2018, por violação dos artigos 143.º e 179.º do CT.
Deste modo, não sendo de conhecimento oficioso, por que no domínio da disponibilidade das partes, a invocação das causas da invalidade do contrato de trabalho a termo celebrado em 07.03.2018, a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC.
3.Regra da substituição ao tribunal recorrido
Nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do CPC, “Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.”.
As partes foram notificadas, para efeitos do n.º 3 do mesmo normativo.
4.Objecto dos recursos
4.1. – Do autor
- Da modificabilidade da decisão de facto.
- Da comunicação como trabalhador efectivo.
- Da nulidade do contrato de trabalho celebrado em 07.03.2018 – artigos 143.º e 179.º, do Código de Trabalho.
- Da comunicação extemporânea de caducidade do contrato de trabalho a termo e suas consequências legais.
- Da preterição dos meios de prova requeridos.
4.2.Do recurso ampliado da ré
- Da licitude da caducidade do contrato de trabalho a termo.

5. - Da modificabilidade da decisão de facto.
5.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
5.2. - Em comentário ao citado artigo, António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126, 127 e 129, escreve que “(…) O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); (…), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos regras muito precisas (…)”, acrescentado ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
A jurisprudência do STJ, quanto ao ónus que recai sobre o recorrente que pretenda ver impugnada a matéria de facto, defende que se exige do recorrente que dê cumprimento ao ónus de alegação, devendo obrigatoriamente especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.
[Cf., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual].
No acórdão do STJ, de 09.07.2015, in www.dgsi.pt, foi escrito:
“Como também se teve já a ocasião de observar (cfr. “Notas sobre o novo regime dos recursos no Código de Processo Civil”, in O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil, caderno I, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013, pág. 395 e segs)., a reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis, aliás modificado significativamente pouco tempo antes, pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto; mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil, disponível em www.parlamento.pt.
Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 640.º vigente:
- Manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),
- Manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b),
- Exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto.”.
A interpretação desta nova alínea c), do artigo 640.º, do CPC, é-nos dada por Abrantes Geraldes, podendo ler-se a este propósito que:
O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente…”. (negrito nosso)
[Cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª Edição, pág. 133].
Neste sentido, o acórdão STJ, de 07.07.2016, in www.dgsi.pt, considerou que:
“I.- Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.
II. - Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre.”. (negrito nosso).
E o acórdão do STJ de 27.10.2016, no qual se pode ler: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).”.
Também no acórdão do TRP de 15.04.2013, in www.dgsi.pt, se pode ler:
“Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”. (negrito nosso)
[cf. ainda o acórdão do TRP de 22.10.2018, in www.dgsi.pt].
Apreciemos.
5.3. - Em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto, mais concretamente nas alíneas C) a Q) das conclusões de recurso, o autor indica quais os pontos da decisão sobre a matéria de facto de que discorda: os pontos 24 a 34 dos factos provados, e as alíneas i) a vi) dos factos não provados.
E indicou como prova para a pretendida alteração: (i) “a prova documental junta com a Petição Inicial; (ii) as declarações do legal representante da ré, L…; (iii) e o depoimento das testemunhas G…, H…, I…, J…, todos trabalhadores ao serviço da ré; e N… (filha do autor), O… (genro do autor) e P….
No entanto, a redacção da alínea Q) - que corresponde ao teor do ponto II, A).17, do corpo das alegações de recurso - é a seguinte:
Tem-se por líquido que a prova produzida em audiência, concatenada com a restante prova constante nos autos, nomeadamente a documental junta com a Petição inicial, sem mais quaisquer subterfúgios, impunha que se desse como provados os factos aludidos em i), iv), vi) e, ainda, que se dessem por não provados os factos constantes nos números 24 a 34, da fundamentação da decisão em crise;”
Deste modo, dado que o autor recorrente omitiu por completo qualquer referência às alíneas ii), iii) e v) dos factos não provados, para efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, é de rejeitar a impugnação sobre essa factualidade.
Além disso, o autor também não individualizou o concreto meio de prova a cada facto – pontos 24 a 34 dos factos provados e as alíneas iv) e vi) dos factos não provados -, isto é, não identificou as testemunhas e os documentos por referência a cada um desses factos que impugnou.
E essa individualização era essencial para se perceber qual a verdadeira alteração que o autor recorrente pretende, pois, nos pontos 24 a 34 está descrita factualidade diversa entre si, como se pode verificar pela sua simples leitura, e sem correlação directa, na sua totalidade, com as alíneas i), iv) e vi) dos factos não provados.
O autor não identifica, nem distingue, quais dos meios de prova que arrola - documentais ou pessoais - se destinam a provar cada um dos factos não provados ou a infirmar cada um dos factos provados, com excepção da alínea i) dos factos não provados.
Sendo, pois, uma impugnação de “pendor genérico e inconsequente”, é também de rejeitar a impugnação sobre os pontos 24 a 34 dos factos provados e as alíneas iv) e vi) dos factos não provados.
5.4.Da alínea i) dos factos não provados
5.4.1. - A alínea em relação à qual estão, minimamente, preenchidos os pressupostos de impugnação, supra descritos, é a alínea i) dos factos não provados – cf. alíneas C) e E) das conclusões de recurso.
O autor recorrente pretende que se dê como provado que “Em 15 de Fevereiro de 2019, a Ré comunicou ao Autor que a partir daquela data integrava os quadros da empresa como trabalhador efectivo.” – com base nos depoimentos das testemunhas G... e H....
5.4.2. - Ouvida toda a prova pessoal gravada, mormente, o depoimento de parte da ré e os depoimentos das testemunhas indicados pelo recorrente, e analisados os documentos relativos a tal factualidade, nada a objectar quanto ao decidido na 1.ª instância.
A Mma Juiz, respeitando os princípios da imediação, da oralidade e da apreciação livre da prova - cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC -, formou a sua convicção acerca dos factos inseridos nos pontos da matéria de facto ora impugnados, com base nos depoimentos das testemunhas G…, director de produção; H…, supervisora do autor; I…, coordenador do departamento de logística interna; e J…, técnica de recursos humanos, como resulta do despacho de:
“Motivação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto descrita em 1) a 9), 11), 20), 22), 23) resultou admitida por acordo das partes operado nos articulados como já constava do despacho saneador. O vertido em 15) foi confessado em audiência pelo legal representante da R.
A convicção do Tribunal, quanto à demais factualidade provada resultou da prova produzida em audiência de julgamento analisada de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum.
Nomeadamente, quanto ao facto de não ter resultado provado ter sido comunicado ao A que passava a integrar os quadros da empresa como efectivo – ponto i) da factualidade não provada -, teve-se em consideração o facto de as testemunha G… - director de produção da secção da R que o A integrava – ter explicado que, juntamente com a testemunha H… – supervisora do A -, terem convocado o A para uma reunião, interrogando-o se tinha interesse em passar a efectivo, dando-lhe conta que era parecer destas duas testemunhas (que eram, à data, as chefias directas do A) que o mesmo reunia condições para o efeito, ao que este anuiu, sendo certo que estas testemunhas não tinham poder de decisão para admissão de trabalhadores, pois que a decisão da admissão de trabalhadores dependida de parecer do departamento de logística interna – cujo coordenador é a testemunha I… -, sendo a decisão final da direcção da empresa, decisão esta que é executada pelo departamento de recursos humanos – sendo técnica de recursos humanos a testemunha J…. A testemunha H… confirmou integralmente as declarações da testemunha G… e as testemunhas H… e J… confirmaram que, apesar do parecer favorável das testemunhas G… e H…, no sentido da admissão do A como efectivo, o certo é que, face à avaliação das necessidades de produção feita pela testemunha I… e por decisão da administração da empresa, a R reduziu o número de trabalhadores, aquando da não renovação do contrato com o A, razão pela qual foi decidido não celebrar contrato de trabalho sem termo com o A.
Confirmaram estas testemunhas e também a testemunha K… – director de informática da R – que o sector automóvel tem flutuações, sendo as encomendas voláteis, o que leva a alterações e ajustamento de produção e necessidades de mão de obra, que ditaram a contratação do A, primeiro como trabalhador temporário e depois por contrato a termo, e, posteriormente, a redução do número de operários e de turnos, pelo que não foi possível voltar a contratar o A, tendo-se ainda tido em conta os documentos de fls. 52 e ss, explicados que foram pelas testemunhas I… e K…. Explicaram igualmente todas estas testemunhas como se processa a cessação dos contratos de trabalho e as contratações, nos recursos humanos da R, explicando igualmente os concretos locais/secções onde o A exerceu as suas funções de operário fabril. Confirmaram, assim estas testemunhas o vertido em 24) a 36) dos factos provados, sendo que as testemunhas H… e J… confirmaram igualmente o vertido em 10) e em 12) a 14) dos factos provados. (…)”.
Ora, se é certo que a súmula pessoal da gravação dos depoimentos, referenciados pelo recorrente nas suas alegações de recurso, são uma parte da prova testemunhal prestada em audiência de julgamento, não podem, contudo, ser valoradas de per si, sendo necessário formular um juízo global que abarque todos os elementos em presença, isto é, toda a prova documental e testemunhal carreada para os autos.
E esse juízo global, formulado na 1.ª instância, só poderia ser contrariado, em sede de recurso da matéria de facto, por elementos de prova seguros, consistentes e convincentes, que impusessem decisão diversa, como estatui o citado artigo 662.º, n.º 1 do CPC, o que não é o caso dos autos.
Atente-se nos depoimentos das testemunhas:
- G…:
“(É)prática que, normalmente, eu faço sempre, quando as pessoas, é para passar a contrato, para renovar o contrato, eu chamo as pessoas e falo com as pessoas. E o que aconteceu foi: na altura, havia uma intenção da empresa renovar como B…, só que, depois, por criações de programas e baixa de pedidos, e por decisões de cima, da empresa, nós tínhamos que dispensar pessoas. E o B… calhou nesse grupo de pessoas que…; Fevereiro? A data, não me lembro, mas havia de ter sido na altura do contrato dele. Eu, a data de cor, não sei; Ela (H…) estava presente, por uma razão: porque eu sou diretor de produção, portanto, a H… é supervisora e ela tinha que ter conhecimento que, portanto... eu tinha que estar em sintonia com a minha equipa, porque, se houvesse na minha equipa alguma parte que achasse que o B… não era para renovar... Nós tínhamos que estar todos em sintonia; (…); o que aconteceu, que eu vou tornar a repetir: portanto, o B…, havia uma intenção clara de o passar a efetivo. Depois, o B… foi de férias, houve mudanças e tivemos que inverter a situação. Nós não quisemos ligar para casa, porque era indelicado, porque ele estava de férias, e ainda havia tempo legal para o fazer quando ele regressasse, e foi o que fizemos. Depois, a posteriori, quando ele regressou, ele foi informado, e a partir daí, o processo passou totalmente para os Recursos Humanos. Eu não participei em mais nada.”.
- H…:
Nós chamámos o Sr. B… na altura, porque eu acho que... nem sei em que altura do ano é que isto foi. Pronto. Porque ia acabar o contrato do Sr. B… e chamámos o Sr. B… na altura ao gabinete, porque... para percebermos se o B… queria passar à empresa, como ele também andava com alguns problemas, tinha estado algum tempo de baixa com alguns problemas das costas, como é que ia ser a assiduidade dali para a frente. Com o que é que podíamos contar do B…, porque a nossa intenção, na altura, era de facto passá-lo à empresa. Como, quando falei com o G…, o meu superior na altura, decidimos passá-lo, e decidimos falar com o B…, para percebermos com o que é que podíamos contar do B… e para pô-lo a par das nossas intenções; Passaria a ser efetivo? Não. Não somos nós que fazemos… isso era uma parte dos Recursos Humanos, sim. A nossa intenção era passá-lo... sim.”.
- J…:
Quem indica a necessidade é o departamento de logística... nós recebemos essas indicações, eu sei mais ou menos como funciona, também já estou lá há muito anos e sei como é que as coisas funcionam. Mas isso são indicações, tanto da produção como da logística, que nos vão dando essas justificações, nós pedimos essas justificações aos colegas; sou eu que faço as notificações e entrego as cartas aos trabalhadores, assim como os contratos. Basicamente, faço a admissão e a demissão do trabalhador; Pelo contrato de um ano, nós temos que pagar os 18 dias de compensação por caducidade do contrato. Para além desses 18 dias, foi calculado os dias que nós tínhamos que indemnizar o Sr. B…, pela parte de não o termos avisado com os 15 dias, ou seja, se foram 7 ou 8 dias, foi pago esse valor na indemnização; Por isso é que deu este total de 742,52€? Sim”.
- I…: “desde março, como lhe disse, março/ abril, estamos com um quebra de vendas, inclusive, no início de abril... na última semana de março, princípio de abril, tive que fazer um plano de redução de pessoas a nível das várias áreas, cerca de 60, mais ou menos, e neste momento, de lá para cá, temos menos 150 ou 170 pessoas face a março. Agora, neste momento, temos menos 160, 170 pessoas. Portanto, é normal, e com esta quebra de vendas, há pessoas que tenham sido dispensadas; É assim, eu não posso julgar a lógica ou não. Normalmente, quem toma essas decisões é a direção. A direção, se não tem trabalho para todas as pessoas e têm que dispensar alguém, tomam as decisões que têm a tomar, eu não posso julgar se está bem ou se está mal”.
O legal representante da ré, L…, perguntado: “Mas quem é que, nos recursos humanos, trabalha e tem estas funções, sabe ou não?, respondeu: “A direcção de recursos humanos é a Dra. M…. Normalmente, quem trata desses assuntos é a J…, que é quem trata das notificações e comunicações ao pessoal. Em relação às decisões tomadas”.
Da audição da prova pessoal prestada em audiência de julgamento apenas é possível concluir, como concluiu a Mma Juiz na primeira instância: “que, apesar do parecer favorável das testemunhas G… e H…, no sentido da admissão do A como efectivo, o certo é que, face à avaliação das necessidades de produção feita pela testemunha I… e por decisão da administração da empresa, a R reduziu o número de trabalhadores, aquando da não renovação do contrato com o A, razão pela qual foi decidido não celebrar contrato de trabalho sem termo com o A.”.
Dito de outro modo: em sede de recurso, o autor recorrente não demonstrou de modo consistente e convincente que tenha sido a Direcção da ré ou, por sua delegação, a Directora dos recursos humanos, a comunicar-lhe que a partir de 15 de Fevereiro de 2019 passaria a integrar os quadros da empresa como trabalhador efectivo.
Improcede, pois, a alteração da alínea i) dos factos não provados.
6.Das questões de direito
6.1.Da comunicação como trabalhador efectivo
A apreciação das questões de direito suscitadas pelo recorrente nas alíneas R) a Y) das conclusões de recurso estava dependente da alteração da alínea i) dos factos dados como não provados na decisão sobre a matéria de facto proferida na sentença recorrida.
Ora, mantida a decisão sobre a matéria de facto, em particular sobre a alínea i) dos factos não provados, nada mais temos a acrescentar, ao concluído na 1.ª instância [“Invocou o A como causa de pedir da acção que, ulteriormente, foi admitido ao serviço da R por contrato sem termo, o que não logrou provar – cfr. facto i. da factualidade não provada – pelo que não se poderá concluir que o A foi contratado sem termo – cfr. art.º 342º, n.º 1 CC], dado que o autor não provou, como lhe competia, que a ré lhe tenha comunicado, em 15 de Fevereiro de 2019, que a partir daquela data integrava os quadros da empresa como trabalhador efectivo.
6.2.Da nulidade do contrato de trabalho celebrado em 07.03.2018, por violação dos artigos 143º e 179º, do Código de Trabalho – alíneas II) a KK) das conclusões de recurso.
6.2.1. – O autor alegou:
O contrato de trabalho a termo celebrado entre Autor e Ré, em 07.03.2018, é nulo por violação do preceituado nos sobreditos art.s 143º e 179º do CT, porquanto, atendendo à sequência de sucessivos contratos temporários celebrados desde 07 de Março de 2016 (conforme consta no número 35 da matéria dada como provada), tem-se que o Autor, por imposição legal, ao tempo, já é trabalhador efectivo da Ré, nos termos conjugados dos art.s 178º e 179º, do Cód. de Trabalho”.
6.2.2. – Neste particular, foi dado como provado nos pontos 2, 3 e 4 que “O Autor, por sucessivos contratos de trabalho celebrados pela empresa “D…, Empresa de trabalho temporário, S.A.”, desde o dia 07-03-2016, exerceu de forma ininterrupta as funções de “Operário de Montagem/Máquinas”, ao serviço da aqui Ré.” e que, em 07-03-2018, por iniciativa/proposta da Ré, o Autor celebrou com esta contrato de trabalho a “termo certo”, pelo prazo de 12 meses, renovável nos termos legalmente previstos, para exercer as mesmas funções que vinha exercendo de “Operário de Montagem/ Máquinas”.
6.2.3. – Sobre a “Duração de contrato de utilização de trabalho temporário”, o artigo 178.º, n.º 2, do CT, dispõe que “2 - A duração do contrato de utilização de trabalho temporário, incluindo renovações, não pode exceder a duração da causa justificativa nem o limite de dois anos, ou de seis ou 12 meses em caso de, respectivamente, vacatura de posto de trabalho quando já decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento ou acréscimo excepcional da actividade da empresa.”.
Da factualidade provada apenas resulta que a contratação em regime de trabalho temporário do autor durou dois anos, ou seja, desde o dia 07-03-2016 a 07-03-2018, data em que foi celebrado o contrato de trabalho a termo certo, nos termos transcritos no ponto 3 dos factos provados.
E sobre a “Proibição de contratos sucessivos”, o artigo 179.º do CT, estatui:
1 - No caso de se ter completado a duração máxima de contrato de utilização de trabalho temporário, é proibida a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, antes de decorrer um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato, incluindo renovações.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável nos seguintes casos:
a) Nova ausência do trabalhador substituído, quando o contrato de utilização tenha sido celebrado para sua substituição;
b) Acréscimo excepcional de necessidade de mão-de-obra em actividade sazonal.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.” (negrito nosso).
O artigo 179.º do CT corresponde ao artigo 24.º da Lei n.º 19/2007, de 22.05 – Lei do Trabalho Temporário (LTT), ou seja, uma LTT posterior à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003.
6.2.4. - A propósito do artigo 24.º da LTT, pode ler-se Joana Nunes Vicente, artigo publicado in Caderno: Trabalho Temporário – CEJ – Outubro de 2014 - págs. 26 e 27:
(D)etermina o art. 24.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2007 que “É proibida a sucessão de trabalhadores temporários e de trabalhadores contratados a termo no mesmo posto de trabalho quando tenha sido atingida a duração máxima prevista no art. 21.º, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato incluindo renovações.”. A leitura deste art. 24.º permite-nos concluir que o pressuposto fundamental de recurso à proibição continua a ser a circunstância de se ter atingido a duração máxima do contrato de utilização. A partir desta previsão normativa, o legislador estabelece uma estatuição legal com duas alterações significativas. Por um lado, alarga o âmbito subjectivo/material da mesma, uma vez que onde antes se lia “é proibida a sucessão de trabalhadores temporários”, lê-se hoje “é proibida a sucessão de trabalhadores temporários e de trabalhadores contratados a termo”. Isto é, em alternativa à proibição de sucessão de trabalhadores temporários, a lei considera também proibida a celebração de um contrato de utilização seguida de um contrato de trabalho a termo para o mesmo posto de trabalho. A lei preocupa-se em articular a proibição com o facto de trabalho temporário e contrato de trabalho a termo comungarem de um campo de actuação que facilmente conferia aos empregadores expedientes para se furtarem à aplicação do mencionado preceito. Se uma vez esgotados os prazos de duração do contrato de utilização, a entidade utilizadora recorresse para prover ao mesmo posto de trabalho aos serviços de um trabalhador contratado a termo, não haveria por que chamar à colação o preceito sobre a sucessão de trabalhadores temporários. A ausência de “vasos comunicantes” entre a disciplina das duas figuras arrastava inevitavelmente este tipo de consequências que o legislador veio agora acautelar. A nova LTT como que bilateralizou a questão: coloca em pé de igualdade tanto o trabalho temporário como a contratação a termo, para este efeito. Em contrapartida, restringe o alcance da proibição cingindo-a a um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato de utilização anterior. Quer isto dizer que, enquanto essa duração máxima não for atingida, o utilizador pode recorrer à contratação sucessiva de trabalhadores temporários ou intervalada com o recurso a trabalhadores a termo para o mesmo posto de trabalho.”.
No mesmo Caderno do CEJ, pág. 57, escreve João Soares Ribeiro:
“A grande novidade aqui, contudo, consistiu em incluir-se na proibição não apenas os trabalhadores temporários como também os contratados a termo. Assim, se um posto de trabalho foi durante dois anos (ou 6 ou 12 meses nas situações referidas no art. 21.º/2) ocupado por um trabalhador temporário, não pode esse mesmo posto ser preenchido, antes de decorridos 6,6 meses 1/3 de 2 anos), por um contratado a termo, seja o mesmo ou outro trabalhador. E igual proibição para o trabalho temporário ocorrerá se se tiver esgotado o prazo máximo do contrato a termo. Trata-se, pois, verdadeiramente, de um inciso desta lei extravagante no próprio Código do Trabalho, designadamente no seu regime do contrato a termo. E que obviará a hipótese de fraude ou fuga à lei pelo recurso, até agora legalmente admissível, de utilização dum contrato de trabalho temporário após o esgotamento do período máximo de duração dum contrato a termo.”.
6.2.4. - Assim, no caso em apreço, decorridos dois anos de contratação temporária do autor – entre 07.03.2016 e 07.03.2018 -, a ré estava legalmente proibida de celebrar o contrato de trabalho a termo certo que celebrou com o autor em 07.03.2018, para o mesmo posto de trabalho, antes de decorridos 6,6 meses.
A sanção que o artigo 24.º da Lei n.º 19/2007, de 22.05, previa, no seu n.º 3, era uma contra-ordenação grave.
6.2.5. – E no contexto do Código do Trabalho de 2009, quid iuris?
6.2.5.1. - O artigo 53.º - Segurança no emprego - da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, …”.
Em anotação ao artigo 53.º da CRP, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, vol. I, 4.ª ed., pág. 707, escrevem:
IV. É bastante significativo que o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores seja o direito à segurança no emprego, com destaque para a garantia contra despedimentos sem justa causa. Trata-se de uma expressão directa do direito ao trabalho (art. 58º), o qual, em certo sentido, consubstancia um aspecto do próprio direito à vida dos trabalhadores. Na sua vertente positiva, o direito ao trabalho consiste no direito a procurar e a obter emprego; na sua vertente negativa, o direito ao trabalho garante a manutenção do emprego, o direito de não ser privado dele. E, se a satisfação específica daquele encontra dificuldades de conceptualização (cfr. nota III ao art. 58º), já a do segundo não depara com qualquer obstáculo, tratando-se, como se trata, de proibir acções ou comportamentos (nomeadamente o despedimento injustificado). O direito à segurança no emprego significa, assim, não por certo um «direito real» dos trabalhadores sobre o posto de trabalho adquirido ou a transformação dos postos de trabalho em «propriedade social», mas, pelo menos, uma alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa enquanto proprietário, empresário e patrão.”.
E nas págs. 711-712 acrescentam: “X. O direito à segurança no emprego não consiste apenas no direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (embora esta seja a sua componente mais importante, que a Constituição expressamente destaca). O seu âmbito de protecção abrange todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho.
Este mesmo direito perderia qualquer significado prático se, por exemplo, a relação de trabalho estivesse generalizadamente sujeita a prazos mais ou menos curtos, porquanto, nesta situação, o empregador não precisaria de despedir, bastando-lhe não renovar a relação jurídica no termo do prazo. O trabalho a termo (Cód. Trab., arts. 129º e ss.) é, por natureza, precário; o que é o contrário de segurança. Por isso, é necessário também um motivo justificado para a contratação a termo (substituição do trabalhador ausente; actividades sazonais; acréscimo excepcional da actividade; execução de tarefas ocasionais ou execução de empreitadas; actividades de duração limitada). O direito à segurança no emprego pressupõe assim que, em princípio, a relação de trabalho é tempo­ralmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente para ocorrer a necessidades temporárias das entidades empregadoras e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades (Cód. Trab., art. 129º).”. (negritos nossos).
A precariedade no emprego, em Portugal, é uma questão omnipresente, pelo menos desde o DL n.º 372-A/75, de 16.07, que regulou a contratação a termo, no pós 25 de Abril de 1974.
Como escreve Fernando Diogo, “Precariedade no emprego em Portugal e desigualdades sociais: alguns contributos”, Centro de Estudos Sociais da Universidade dos Açores, “(…), o facto deste processo social ter passado a afetar um crescente número de indivíduos das classes médias levou a que estes se mobilizassem politicamente e se organizassem em movimentos, transformando a precariedade laboral num problema social (Lenoir, 1990). Um indicador desta mobilização respeita à emergência de movimentos como o Ferve (Fartos Destes Recibos Verdes), o APRE! (Ativistas Precários), a Plataforma dos Intermitentes do Espetáculo e do Audiovisual, os Precários Inflexíveis ou a ABIC (Associação de Bolseiros de Investigação Científica) bem como o Movimento Sem Emprego, que inclui a precariedade no seu manifesto. O movimento Ferve conseguiu mesmo colocar no léxico nacional a expressão “falsos recibos verdes””.
E uma petição pública levou a Assembleia da República a aprovar a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que como decorre do seu artigo 1.º visa combater a utilização indevida dos contratos de prestação de serviços – sustentados nos “falsos recibos verdes” (cf. acórdão do TRG de 22.09.2016, in www.dgsi.pt. “1. A lei n.º 63/2013 de 27 de agosto a qual instituiu a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, visa combater os falsos recibos verdes.) - em contexto de trabalho subordinado - “A presente lei institui mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”.
É neste contexto sócio/jurídico que deve ser interpretado o disposto no artigo 179.º do CT/2009.
6.2.5.2. - O artigo 9.º do Código Civil estabelece:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Interpretar a lei consiste em fixar, de entre os sentidos possíveis, o seu sentido e alcance decisivos.
[cf. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das leis, págs. 21 e 26].
Para alcançar tal desiderato, o ponto de partida consiste na sua interpretação literal, isto é na apreensão do sentido gramatical ou textual da lei (“letra da lei”).
Este elemento tem, desde logo, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
O elemento gramatical ou textual tem sempre que ser utilizado em conjunto com o elemento lógico (que por sua vez se subdivide em três: o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico). Não pode haver uma interpretação gramatical e outra lógica.
O elemento sistemático (“a unidade do sistema jurídico”) compreende a consideração das outras disposições legais que formam o quadro legislativo em que se insere a norma em causa, bem como as disposições que regulam situações paralelas.
O elemento racional ou teleológico (“o pensamento legislativo”), consiste na “ratio legis”, no fim prosseguido pelo legislador ao elaborar a norma, a sua razão de ser.
Por último, o elemento histórico (“as circunstâncias em que a lei foi elaborada”) compreende o contexto em que foi elaborada, a evolução histórica do preceito, as suas fontes.
[cf. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, págs. 175 e ss.].
Sobre a “Interpretação e integração das normas laborais”, Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, págs. 328 e segs., escreve:
No que se refere à interpretação das fontes laborais (referindo aqui o termo «interpretação» num sentido amplo, que abrange não apenas a ope­ração de fixação do conteúdo das normas, mas também a operação, indisso­ciavelmente ligada a esta, de integração das lacunas da lei, pode dizer-se que o Direito do Trabalho segue, grosso modo, as regras gerais constantes do Código Civil, mas com relevantes especificidades.
Especificamente no que toca a interpretação das normas laborais, são de aplicar as regras gerais do art. 9.º do Código Civil, mas levanta-se a questão da admissibilidade do princípio do tratamento mais favorável como recurso genérico de interpretação dessas normas. (…).
Concentrando-nos, por ora, na operação de pura interpretação das normas laborais, entendemos que, perante o actual grau de maturidade do Direito do Trabalho e designadamente, perante o reconhecimento do seu carácter com­promissório (que faz prevalecer ora os interesses dos trabalhadores ora os interesses de gestão dos empregadores nas normas e nos regimes que estabelece, não faz sentido reconhecer a existência de um prius geral de interpretação das fontes laborais em favor do trabalhador. Assim, em caso de dúvida sobre o sentido a atribuir à norma, apenas será de adaptar o sentido que mais favoreça o trabalhador se, no caso concreto, se observar a necessidade de protecção do trabalhador como parte mais fraca.”.
6.2.5.3. - O legislador, ao introduzir o teor do artigo 24.º da Lei n.º 19/2007, de 22.05, no Código do Trabalho de 2009, sob o artigo 179.º, o qual proíbe a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, antes de decorrer um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato”, está a associar duas modalidades de trabalho precário – o trabalho temporário e o trabalho a termo – com a finalidade de obstar a que os empregadores recorram a expedientes para a não aplicação do mencionado normativo e, assim, contornando as disposições que regulam o contrato sem termo.
Repetindo Joana Nunes Vicente, ob. cit., “A lei preocupa-se em articular a proibição com o facto de trabalho temporário e contrato de trabalho a termo comungarem de um campo de actuação que facilmente conferia aos empregadores expedientes para se furtarem à aplicação do mencionado preceito”, leia-se, artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2007, actual artigo 179.º do CT.
No caso dos autos, está provado nos pontos 2, 3 e 4 que “O Autor, por sucessivos contratos de trabalho celebrados pela empresa “D…, Empresa de trabalho temporário, S.A.”, desde o dia 07-03-2016, exerceu de forma ininterrupta as funções de “Operário de Montagem/Máquinas”, ao serviço da aqui Ré.” e que, em 07-03-2018, por iniciativa/proposta da Ré, o Autor celebrou com esta contrato de trabalho a “termo certo”, pelo prazo de 12 meses, renovável nos termos legalmente previstos, para exercer as mesmas funções que vinha exercendo de “Operário de Montagem/ Máquinas”.
O autor exerceu, pois, as funções de “Operário de Montagem/Máquinas”, ao serviço da ré, durante 3 anos ininterruptos, dois dos quais sob o regime do trabalho temporário e um sob o regime da contratação a termo, sendo que o contrato de trabalho a “termo certo” de 12 meses, celebrado em 07.03.2018, previa, expressamente, a possibilidade de renovação “nos termos legalmente previstos”, ou seja, por mais dois anos (1 + 1), até ao limite máximo de três anos, previsto no artigo 148.º, n.º 1, alínea c) do CT, o que podia totalizar cinco anos.
Daqui resulta que a ré não só violou o disposto no artigo 179.º do CT/2009, ao não respeitar o interregno de 6,6 meses, como subscreveu um contrato de trabalho a termo por 12 meses, “renovável nos termos legalmente previstos”, em clara ilusão das disposições que regulam o contrato sem termo.
Na verdade, para além dos dois anos sob o regime de trabalho temporário – limite máximo -, a ré manteve o autor ao seu serviço por mais um ano, com a possibilidade de 12 mais 12 meses, o que poderia atingir os cinco anos ininterruptos sob o regime de trabalho precário.
Neste contexto factual, qual a consequência jurídica para a violação do disposto no artigo 179.º do CT/2009?
Atendendo às regras de interpretação e integração supra expostas, é a consequência prevista no artigo 147.º, n.º 1, alínea a) do CT:
1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;”.
Na verdade, só deste modo estará salvaguardada “a unidade do sistema jurídico” e “o pensamento legislativo” no que reporta às regras que regulam a articulação do trabalho temporário e da contratação a termo, no contexto legislativo do trabalho precário, independentemente da necessidade de recurso ao favor laboratoris.
Dito de outra forma: não só o elemento literal da norma não excluiu qualquer outra sanção jurídica para a sua violação, além da contra-ordenação, como a garantia constitucional da segurança no emprego e a excepcionalidade da contratação temporária e a termo impõem uma interpretação e integração da lacuna da lei que visem evitar qualquer expediente abusivo ou fraudulento, por parte dos empregadores, na conjugação dessas contratações excepcionais.
A disjuntiva ou expressa no artigo 179.º afasta qualquer dúvida sobre essa articulação e a consequente aplicação das regras legais que regem a contratação a termo, como seja o citado artigo 147.º, n.º 1, alínea a) do CT.
Deste modo, estando provado que o autor exerceu as funções de “Operário de Montagem/Máquinas, durante dois anos de forma ininterrupta, sob o regime de trabalho temporário, e que, em 07.03.2018, por iniciativa/proposta da ré, celebrou contrato de trabalho a “termo certo”, pelo prazo de 12 meses, renovável nos termos legalmente previstos, para exercer as mesmas funções que sempre exerceu, sem respeitar o interregno de 6,6 meses, exigido pelo artigo 179.º do CT, deve considerar-se que a ré iludiu as disposições que regulam o contrato sem termo e, como tal, o contrato de trabalho a “termo certo”, pelo prazo de 12 meses, renovável, celebrado em 07.03.2018, transformou-se num contrato de trabalho sem termo, com todas as consequências jurídicas daí inerentes.
6.3. - Das consequências legais da comunicação de caducidade.
Sendo sem termo o contrato de trabalho celebrado pelas partes em 7 de Março de 2018, a comunicação de “Caducidade de Contrato de Trabalho”, levada a cabo pela ré, em 27 de fevereiro de 2019, e ratificada a 15 de março de 2019 - cf. pontos 5.º e 11.º dos factos provados - constituiu um despedimento ilícito, por não precedido de procedimento disciplinar, atento o disposto no artigo 381.º, alínea c), do CT.
Os efeitos da ilicitude de despedimento estão previstos no artigo 389.º do CT:
1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º”.
E artigo 390.º:
1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.”.
O autor não optou pela indemnização em substituição da reintegração – cf. conclusão QQ) do recurso.
No que respeita ao cálculo das retribuições intercalares, os autos não fornecem qualquer elemento sobre o recebimento, ou não, pelo autor do subsídio de desemprego, para a eventual dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do CT. Dado que o despedimento data de 15 de março de 2019 e a acção foi proposta a 15 de Abril de 2019, não se verifica a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 390.º do CT.
Assim, atento o disposto no artigo 609.º, n.º 2 do CPC, relega-se para liquidação o cálculo da compensação prevista no artigo 390.º do CT.
Os juros de mora devidos sobre as retribuições intercalares serão calculados a partir da data da decisão a proferir no incidente de liquidação.

6.4. - Da interpretação do art.º 344.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
O conhecimento de tal questão está prejudicado, atento o consignado nos pontos 6.2. e 6.3. que antecedem. De igual modo, prejudicado fica o conhecimento do teor do artigo 143.º do CT.

6.5. - Da preterição dos meios de prova requeridos – alíneas OO) e PP).
Como consignado no ponto 9. do Relatório, esta questão já foi decidida, em definitivo, pelo acórdão deste Tribunal, de 03.02.2020, que confirmou a decisão da 1.ª instância que indeferiu o requerimento de prova, a que se reportam as alíneas OO) e PP) das conclusões de recurso do autor.

7. - Da ampliação do âmbito do recurso
7.1. - Nas suas contra-alegações de recurso, a ré requereu a ampliação do âmbito do recurso, no que respeita ao fundamento da decisão, nos termos do disposto no artigo 636.º, do CPC, considerando que face ao teor da cláusula 44.ª, n.º 2 do CCT aplicável, celebrado entre a AIMMAP — Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia e outros, e publicado no BTE, n.º 10, de 15 de março de 2010, e respectivas alterações - BTEs, n.º 1 de 08.01.2013; n.º 32 de 29.08.2014; nº 21 de 08.06.2016 – “deverá a douta sentença ser corrigida, considerando-se que não ocorreu qualquer despedimento lícito ou ilícito do trabalhador, mas sim que o contrato cessou por válida comunicação por parte do empregador, tendo sido cumprido o disposto no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao contrato individual de trabalho objeto dos autos”.
7.2. - O conhecimento de tal questão está prejudicado, atento o consignado nos pontos 6.2. e 6.3. que antecedem.

IV.A decisão
Por todo o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em:
1. – Julgar improcedente o recurso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2. – Julgar procedente o recurso sobre a matéria de direito, e em consequência, revogar a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão que declara:
a) - Sem termo o contrato de trabalho celebrado pelas partes, em 7 de Março de 2018, e
b) - Ilícito o despedimento do autor.
3. - E condena a ré:
a) A reconhecer a ilicitude do despedimento do autor;
b) A reintegrar o autor no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c) A pagar ao autor a importância a liquidar, a título das retribuições intercalares, sem prejuízo de eventual dedução, nos termos do 390.º. n.º 2, alínea c), do CT, acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados a partir da data da decisão a proferir no incidente de liquidação.
4. – Por prejudicado o seu conhecimento, não apreciar o objecto da ampliação do recurso alegado pela ré.
Custas a cargo da ré.

Porto, 2021.11.15.
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha