INSOLVÊNCIA
SENTENÇA DE VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

I – Ainda que a verificação e graduação de créditos tenha sido só efectuada em vista de eventual distribuição de remanescente de rendimento cedido, no seguimento do disposto no art. 241º nº1 d) do CIRE – pois aí se diz que tal distribuição de remanescente deve ser efectuada “nos termos previstos para o pagamento dos credores no processo de insolvência”, que remete para o regime estatuído nos arts. 173º e sgs. e, como naquele art. 173º se prevê, com base em sentença de verificação de créditos –, tal não retira a qualidade de título executivo à sentença em causa conferida pelo art. 233º nº1 c) do CIRE.
II – Não existe qualquer disposição legal a conferir eficácia restrita da sentença de verificação e graduação de créditos ao processo de insolvência e, ao invés, da qualificação de tal decisão judicial como título executivo no art. 233 º nº1 c) do CIRE resulta precisamente o oposto, pois tal qualificação está ali prevista exactamente para poder ser utilizada pelo credor depois do encerramento daquele processo e em vista do exercício, por si, do seu direito contra o devedor.
III – Com a atribuição da natureza de título executivo àquela decisão, mais não se faz do que facultar aos credores um meio processual para realizarem coercivamente os seus créditos insatisfeitos pelas forças de património que não foi apreendido no processo de insolvência, evitando duplicações desnecessárias de procedimentos declarativos para verificação dos seus créditos.

(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral

Processo nº 265/18.1T8AMT-B.P1
(Comarca do Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 3)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

B S.A.”, por apenso aos autos de insolvência nº265/18.1T8AMT em que foi declarada insolvente C, após o encerramento de tal processo e na sequência de decisão ali proferida de cessação antecipada da exoneração do passivo restante, veio, ao abrigo do disposto no art. 233º nº1 c) do CIRE, propor contra aquela acção executiva para pagamento de quantia certa, apresentando como título executivo a sentença homologatória da lista de credores no apenso de verificação e reconhecimento de créditos da insolvência, que reconheceu o crédito por si reclamado e graduou o seu pagamento em vista de eventual distribuição pelos credores de remanescente de rendimento cedido nos termos previstos no art. 241º nº1 d) daquele mesmo diploma.
Após a entrada do requerimento executivo e depois de já efectuadas nos autos algumas diligências pela Sra. Agente de Execução em vista da penhora de bens, pela Sra. Juíza, em 17/9/2020, foi proferido o seguinte despacho:
Antes de mais, notifique o exequente para, querendo e em 10 dias, se pronunciar sobre a falta de título executivo, tendo em conta (além do mais) que a sentença proferida no apenso de reclamação de créditos apenas fora proferida para efeitos de eventual rendimento disponível cedido no período de cessão, o que não ocorreu.
Faz-se consignar que, efectivamente, naquela sentença (proferida no respectivo apenso a 8/6/2018), depois de se homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador da Insolvência ao abrigo do disposto no art. 130º nº3 do CIRE, se refere o seguinte: “Cumpre, agora, proceder à graduação dos créditos declarados reconhecidos, em função dos elementos constantes da lista junta e da lei substantiva aplicável, e para efeitos de eventual cessão de rendimento disponível, no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante.
A exequente, na sequência daquele despacho, pronunciou-se nos termos do requerimento que apresentou a 29/9/2020, pugnando pela consideração como válido do título executivo que apresentou.
A 2/10/2020 foi proferido o seguinte despacho:

Da falta de título executivo:
Por despacho que antecede fora o exequente notificado para se pronunciar sobre a falta de título executivo, tendo em conta (além do mais) que a sentença proferida no apenso de reclamação de créditos apenas fora proferida para efeitos de eventual rendimento disponível cedido no período de cessão, o que não ocorreu.
O exequente pugnou pela existência de título executivo e admissibilidade da presente execução.
Nos termos do art. 734.º CPC, o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo, mormente, a falta de título executivo, pelo que o Tribunal ainda se encontra em tempo de apreciar a existência ou não de título executivo.

Compulsados os autos de execução e, concretamente, o requerimento executivo e o título executivo apresentado, constata-se que fora dado à execução a sentença homologatória da Lista do art. 129.º CIRE proferida no apenso de reclamação de créditos para efeitos de distribuição e pagamento pelo rendimento disponível que viesse a ser cedido durante o período de cessão.

Nos termos do art. 233.º, n.º 2, CIRE:
2 - O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina:
(…)
b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as ações cujos autores ou a devedora assim o requeiram, no prazo de 30 dias;
No caso concreto, verificou-se o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, não tendo sido realizado rateio final, pelo que tal determina o encerramento do apenso de reclamação de créditos.
Tal como referido na sentença proferida no apenso de reclamação de créditos “uma vez que fora proferido despacho de exoneração do passivo restante, e nos termos do art. 241.º, n.º 1, al. d), do CIRE, e caso venha a existir rendimento a ceder, importa proferir sentença de graduação de créditos para efeitos de distribuição do rendimento cedido durante o período de cessão de rendimentos.
Ou seja, o único fim daquela sentença que homologara a Lista do art. 129.º CIRE fora a graduação dos créditos para efeitos de pagamento pelo rendimento que eventualmente viesse a ser cedido no período de cessão.
Não pode agora permitir-se que o credor, com base naquela sentença (apenas proferida para efeitos de pagamento pelo rendimento que viesse a ser cedido), e por apenso a um processo de insolvência já encerrado, venha executar aquele crédito e venha por apenso a um processo de insolvência já encerrado, em que a exoneração do passivo restante fora cessada antecipadamente, mais ainda quando o processo de insolvência fora encerrado por insuficiência da massa.

Por outro lado, dispõe o art. 233.º, n.º 1, c) CIRE:
1 - Encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência:
c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência;

Ou seja, a ideia do legislador é que os credores possam exercer os seus direitos contra o devedor nos termos gerais e já não nos termos específicos previstos no CIRE e próprios de um processo de insolvência, não existindo razão para que a presente execução corra por apenso ao presente processo de insolvência.

Além de se questionar a existência de título executivo (uma vez que a sentença não apreciara de mérito o crédito exequendo, limitando-se a homologar a lista apresentada apenas e tão só para efeitos de graduação e pagamento pelo rendimento que viesse a ser cedido no âmbito da exoneração do passivo), sempre tal execução não deverá correr por apenso ao processo de insolvência, devendo efetuar-se uma interpretação restritiva da competência executiva atribuída aos tribunais de comércio prevista no art. 128.º, n.º 3, LOSJ.
Com efeito, admitindo o pretendido pelo credor exequente, rapidamente, um Tribunal de Comércio se converteria num Tribunal de Execuções, pois como é consabido, muitas são as insolvências de pessoas singulares em que os credores não vêm ressarcidos os seus créditos e em que aos devedores não lhes fora concedida a exoneração do passivo restante, passando agora todas a execuções a correr no Tribunal de Comércio, contrariando o espírito do legislador ao criar um Tribunal de competência especializada em matéria executiva.
Não terá sido esse o objetivo visado pelo legislador ao conferir competência executiva aos Tribunais de Comércio para executar as decisões por si proferidas. Repare-se que nestes casos, apesar do título executivo ser uma sentença, o Tribunal se limitara a homologar a Lista apresentada pelo AI (que pode conter um número elevado de credores, não existindo limite de número de credores) e que não fora impugnada, não tendo (nem lhe sendo exigível face ao disposto no art. 136.º CIRE) efetuado uma análise de mérito das reclamações apresentadas pelos credores, pelo que a atribuição da competência executiva ao Tribunal de Comércio, dado não beneficiar do conhecimento especial do crédito, não se justificaria à luz do espírito do art. 128.º LOSJ. Já tal atribuição de competência claramente se justifica quando o Tribunal homologa um plano de insolvência ou plano de pagamentos, sendo que nesse caso o título executivo é aquela sentença de verificação de créditos e ainda a sentença de homologação do plano. Também se justifica se estamos perante ação declarativa em que a massa insolvente é condenada, bem como nas demais ações declarativas comuns apreciadas pelo Tribunal de Comércio.
Também no sentido de que o tribunal de comércio deixa de ter competência para a execução dos créditos sobre o devedor aponta o disposto no art. 233.º, n.º 4, CIRE que preceitua: “Excetuados os processos de verificação de créditos, qualquer ação que corra por dependência do processo de insolvência e cuja instância não se extinga, nos termos da alínea b) do n.º 2, nem deva ser prosseguida pelo administrador da insolvência, nos termos do plano de insolvência, é desapensada do processo e remetida para o tribunal competente, passando o devedor a ter exclusiva legitimidade para a causa, independentemente de habilitação ou do acordo da contraparte.
Ou seja, decorre deste normativo a cessação da competência do Tribunal de Comércio para os processos apensos, designadamente, as execuções que correm contra o devedor, devendo as ações ser devolvidas ao tribunal competente. Assim, também as novas execuções a intentar contra o devedor não deverão correr por apenso a um processo de insolvência.
Mas, como acima se expôs, a nosso ver a sentença meramente homologatória da Lista do art. 129.º CIRE, proferida após o encerramento do processo de insolvência por insuficiência massa e apenas para efeitos de graduação dos créditos para distribuição do rendimento que venha a ser cedido no período de cessão, não constitui título executivo.

Tal como salientado no Acórdão da Relação de Guimarães de 12.10.2005, Proc. n.º1515/05-1, disponível em www.dgsi.pt, no âmbito do CPC 1961 e a propósito de preceito corresponde: “Passado o momento do despacho liminar, é ainda possível ao juiz, no esquema do código revisto, vir a conhecer, até ao despacho que ordene a realização da venda ou de outra diligência destinada pagamento, de qualquer das questões que, nos termos do art. 811°-A, n.° 1 e do art. 811.°-B, n.°1 podiam ter conduzido ao indeferimento do requerimento executivo — art. 820.° daquele Código. Até lá, o juiz deve rejeitar oficiosamente a execução logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações suscetíveis de fundar o indeferimento, quer ela fosse já manifesta à data do despacho liminar, quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou mesmo no processo declarativo de embargos de executado (Lebre de Freitas — A Ação Executiva à Luz do Código Revisto, 2. ed., pág. 137), (do Ac. RL, de 24.2.2000: Col. Jur., 2000, 1.°-125).
Cumpre, assim, rejeitar oficiosamente a presente execução, dado estarmos perante um caso de manifesta falta de título executivo; falta essa que apenas se revelou manifesta ao Tribunal aquando da primeira conclusão dos autos para despacho, conforme decorre do despacho que antecede.
A rejeição da execução tem como consequência a extinção da própria execução e o levantamento de eventuais penhoras efetuadas nos autos e cancelamento dos respectivos registos.

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos art.s 726.º, n.º 2, a), 734.º, n.º 1, todos do CPC, o Tribunal decide:
- rejeitar a presente execução, por manifesta falta de título executivo, declarando extinta a execução.”

A Exequente veio interpor recurso de tal despacho, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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Admitido o recurso, foi ordenada a citação da executada para os termos do recurso e da causa (art. 641º nº7 do CPC).
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há apenas uma questão a tratar: saber se a sentença homologatória da lista de credores proferida no apenso do processo de insolvência, que reconheceu o crédito por si reclamado e graduou o seu pagamento em vista de eventual distribuição pelos credores de remanescente de rendimento cedido nos termos previstos no art. 241º nº1 d) daquele mesmo diploma, constitui título executivo para efeitos de instauração de acção executiva comum logo que se mostre encerrado o processo de insolvência e não tenha aí sido integralmente satisfeito o crédito exequendo.

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II – Fundamentação

Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório.
Como se vê da decisão recorrida, esta rejeitou a execução com fundamento na falta de título executivo, uma vez que, segundo se considerou, a sentença proferida no apenso de verificação de créditos não apreciou o mérito do crédito exequendo, limitando-se a homologar a lista de credores apresentada apenas e tão só para efeitos de graduação e pagamento pelo rendimento que viesse a ser cedido no âmbito da exoneração do passivo.
Além disso, no seu percurso argumentativo que findou com a rejeição por aquele fundamento, teceu ainda considerações no sentido de que “sempre tal execução não deverá correr por apenso ao processo de insolvência, devendo efectuar-se uma interpretação restritiva da competência executiva atribuída aos tribunais de comércio prevista no art. 128º, nº3, da LOSJ”.
Considerando que a decisão proferida é restrita à rejeição da execução com base em falta de título executivo, é só esta a questão que cumpre apreciar.
Passemos então a fazê-lo.
Comecemos por lembrar as normas jurídicas pertinentes à dilucidação da questão em apreço, começando pelas que constam do Código de Processo Civil e terminando com as constantes do CIRE.
Nos termos do disposto no art. 703º nº1 b) do CPC, à execução apenas podem servir de base as sentenças condenatórias.
Por sua vez, conforme se preceitua na alínea b) do nº3 do artigo 10º daquele mesmo diploma, as acções declarativas de condenação são as que têm por fim exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito.
Diz-se no art. 1º nº1 do CIRE que “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.
Como previsto no nº 3 do artigo 130º daquele mesmo diploma, se não houver impugnações da lista de credores reconhecidos pelo administrador da insolvência, “é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.
Encerrado o processo de insolvência, além do mais, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do nº 1 do artigo 242º do CIRE (nesta previsão legal prescreve-se que não são permitidas quaisquer execuções sobre os bens do devedor destinadas à satisfação dos créditos sobre a insolvência, durante o período da cessão), constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência (alínea c) do nº1 do artigo 233º do CIRE).
Expostos estes dados normativos, avancemos na análise da questão.
O processo especial de insolvência tem como finalidade precípua a satisfação dos créditos dos credores, privilegiando as soluções que permitam a conservação da empresa compreendida na massa insolvente, em detrimento da liquidação imediata do património do devedor insolvente e da sua repartição pelos seus credores.
Embora o legislador qualifique o processo de insolvência como um processo de execução universal, na realidade, e em regra, trata-se de um processo composto de uma fase declarativa em que se visa a comprovação da situação de insolvência e, no caso de procedência da pretensão de declaração de insolvência, havendo património do insolvente, de uma subsequente fase executiva em paralelo como um enxerto declarativo em que se verificam e se graduam os créditos dos credores do insolvente.
Neste enxerto faculta-se um instrumento jurídico aos credores do insolvente que permite a obtenção de título para posterior satisfação das suas pretensões creditórias, não estando sequer dispensados do uso de tal meio processual os credores que tenham já decisão definitiva contra o devedor insolvente se acaso pretenderem obter pagamento no processo de insolvência (artigo 128º, nº5, do CIRE).
Esta exigência compreende-se, na medida em que só desse modo se poderá formar caso julgado oponível a todos os credores do devedor insolvente que concorrem entre si para satisfazerem as suas pretensões creditórias pelas forças do património do insolvente, com variadas garantias dos seus créditos e consequentes prioridades diversificadas nos pagamentos.
Neste contexto, afigura-se-nos que a sentença homologatória da lista de credores no apenso de verificação e reconhecimento de créditos da insolvência, que reconheceu o crédito reclamado pela exequente e graduou o seu pagamento, tem a natureza de uma sentença de condenação na medida em que pressupõe o reconhecimento de um certo direito de crédito e a sua subsequente graduação em confronto com os restantes créditos objecto de verificação e graduação, a fim de se proceder ao seu pagamento pelas forças do património da insolvente, sendo pois, obviamente, e ao contrário do que se defende na decisão recorrida, uma sentença de mérito.
Tal sentença integra uma decisão que, na medida em que não se cinge à relação processual, formou caso julgado material e, por isso, fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, como decorre da previsão dos artigos 619º e 620º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 17º nº1 do CIRE, sendo – como expressamente se qualifica na alínea c) do nº1 do art. 233º deste mesmo diploma – um título executivo utilizável pelos credores do insolvente cujos créditos permaneçam parcial ou totalmente por satisfazer, título que pode valer por si só ou em conjugação com a sentença homologatória do plano de insolvência, sendo esse o caso.
Ainda que, no caso, a verificação e graduação de créditos tenha sido só efectuada em vista de eventual distribuição de remanescente de rendimento cedido, no seguimento do disposto no art. 241º nº1 d) do CIRE – pois aí se diz que tal distribuição de remanescente deve ser efectuada “nos termos previstos para o pagamento dos credores no processo de insolvência”, que remete para o regime estatuído nos arts. 173º e sgs. e, como naquele art. 173º se prevê, com base em sentença de verificação de créditos –, tal não retira a qualidade de título executivo à sentença em causa.
Ao contrário do que se pressupõe na decisão recorrida, não existe qualquer disposição legal a conferir eficácia restrita da sentença de verificação e graduação de créditos ao processo de insolvência e, ao invés, da qualificação de tal decisão judicial como título executivo resulta precisamente o oposto, pois tal qualificação está ali prevista exactamente para poder ser utilizada pelo credor depois do encerramento daquele processo e em vista do exercício, por si, do seu direito contra o devedor.
Efectivamente, com a atribuição da natureza de título executivo àquela decisão, mais não se faz do que facultar aos credores um meio processual para realizarem coercivamente os seus créditos insatisfeitos pelas forças de património que não foi apreendido no processo de insolvência, evitando duplicações desnecessárias de procedimentos declarativos para verificação dos seus créditos.

Assim, em conformidade com o que se veio de expor, há que julgar procedente o recurso, devendo-se revogar a decisão recorrida, prosseguindo a acção executiva os seus normais trâmites, ressalvada a verificação de qualquer outro obstáculo a esse prosseguimento ainda não apreciado.

As custas do recurso são da responsabilidade da executada, na medida em que apesar de não ter contra-alegado decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acordando-se em julgar procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento dos normais trâmites da execução, ressalvada a verificação de qualquer outro obstáculo a esse prosseguimento ainda não apreciado.
Custas pela Recorrida.
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Porto, 6/9/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim