RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO
Sumário


O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, de carácter normativo, destina-se a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei.

Texto Integral




Processo n. º 92/19.9TELSB-A.L1-A.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. AA e BB, interpõem recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 4 de maio de 2021, por se encontrar em oposição com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1005/19.3TELSB-C-L1-9, com data de 25 de fevereiro de 2021.

2. Apresentaram as seguintes conclusões (transcrição):

2.l. No presente processo foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com data de 4 de maio de 2021, que decidiu que a decisão judicial que determina congelamento de contas bancárias que o Tribunal Federal do Rio de Janeiro não determinou, no âmbito de um pedido de cooperação judiciaria, constitui mera irregularidade, nos termos do disposto no artigo 118.°, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, a qual deve ser arguida pelos interessados de acordo com o disposto no artigo 123.°, n.° 1, do Código de Processo Penal.

2.2. O Acórdão aqui proferido está em oposição com o Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (9.ª Secção), no âmbito do processo n.º 1005/19.3TELSB-C-L1-9, com data de 25 de fevereiro de 2021 que entendeu que o ampliamento do pedido, por parte das autoridades Portuguesas, a pessoa diversa a quem se dirigia o requerido, constitui a prática de atos não permitidos no âmbito do pedido rogado, constituindo a prática de nulidade insanável, prevista nas alíneas d) e e) do artigo 119.°, do Código de Processo Penal.

2.3. É manifesta a oposição adotada nos dois Acórdãos supra indicados uma vez que para a mesma questão fundamental de Direito (ou seja, a determinação por Tribunal Português no âmbito de um pedido rogado de congelamento de bens não requeridos pelo Tribunal Rogante), o Acórdão proferido no presente processo considera tratar-se de mera irregularidade processual enquanto que o Acórdão proferido no processo n.º 1005/19.3TELSB-C-L1-9, já transitado em julgado, decidiu que tal ato constitui nulidade insanável prevista nas alíneas d) e e) do artigo 119.°, do Código de Processo Penal.

2.4.O presente Recurso deverá ser admitido, ao abrigo do disposto no artigo 437.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, tendo sido ambos os Acórdão contraditórios proferidos ao abrigo da mesma legislação (artigo 437.°, n.° 3, do Código de Processo Penal).

3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu sustentando em conclusão:

3.1. Na situação objeto do acórdão recorrido o TRL não conheceu da pretensa ampliação (objetiva e subjetiva) do pedido de cooperação judiciária.

3.2. Rejeitou pura e simplesmente a aplicação dos arts. 119.°, als. d) e e), do CPP, por entender não se estar perante a nulidade de falta de inquérito ou de instrução nem perante a nulidade por violação das regras de competência, e inaplicável o disposto art. 279.°, n.°s 1, al. c), e 2, do CPP, por em causa estar um despacho e não uma sentença ou um acórdão.

3.3. Enquanto no acórdão fundamento o TRL conheceu da verificação da ampliação (objetiva e subjetiva) do pedido de cooperação e concluiu pela sua existência e pela nulidade insanável do despacho judicial que determinou a apreensão, de acordo com o disposto nas alíneas d) e e) do artigo 119.°, do C.P.P..

3.4. Ainda se dirá que na situação objeto do acórdão fundamento as autoridades portuguesas extravasaram o solicitado no pedido de cooperação judicial que era bem claro e incisivo quanto à titularidade por BB dos bens e ativos cujo "sequestro" se pretendia.

3.5. Enquanto na situação em causa no acórdão recorrido [que não foi conhecida], a nosso ver, as autoridades portuguesas limitaram-se a cumprir o pedido de cooperação judicial que lhes foi dirigido pelas autoridades brasileiras.

3.6. As situações jurídicas e de facto em causa nos dois acórdãos são diferentes, pelo que não existe oposição de julgados para os efeitos do art. 437.°, n.°s 1 e 2, do CPP.

3.7. Tal situação constitui motivo de rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos conjugados dos arts. 414.°, n.° 2, 420.°, n.° 1, al. b), e 437.°, n.°s 1 e 2, todos do CPP.

4. Neste Supremo Tribunal de Justiça a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela rejeição do recurso. Refere, entre o mais, que «o acórdão recorrido não se debruçou sobre a situação concreta objecto do pedido de cooperação judiciária, nem analisou o despacho que determinou a sua execução e não se pronunciou sobre a questão de saber se essa execução se conteve dentro dos limites do pedido ou se o extravasou. Limitou-se a analisar as normas invocadas e a referir as situações abrangidas pelas mesmas, situações que não incluíam o eventual alargamento do pedido. Assim é forçoso concluir no sentido de que os acórdãos em causa não decidiram de forma oposta a mesma questão de direito. Em conformidade com o exposto, consideramos não estar preenchido o pressuposto substantivo de oposição de julgados, previsto no artigo 437, nº 1, do CPP, pelo que somos de parecer que o recurso deve ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 440, n.ºs 3 e 4 e 441, n.º 1, do Código de Processo Penal».

5. Reiteraram os recorrentes que a questão analisada em ambos os acórdãos é a mesma e que, não obstante, tiveram solução jurídica manifestamente contraditória.

6. Colhidos os vistos e após conferência cumpre decidir, decisão que na fase preliminar do recurso se circunscreve a aquilatar da sua admissibilidade ou rejeição (art. 441.º, CPP).

II.

1. Os arts. 437.º/1/2/3 e 438.º/1/2, CPP, assim como a jurisprudência pacífica deste STJ (PEREIRA MADEIRA, Código de Processo Penal, Comentado, 2021, 1402), fazem depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência dos seguintes pressupostos:

a) Formais:

1. Legitimidade do recorrente;

2. Interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido;

3. Identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão fundamento), com menção do lugar da publicação, se publicação houver;

4. Trânsito em julgado do acórdão fundamento.

b) – Substanciais:

1. Que os acórdãos respeitem à mesma questão de direito;

2. Sejam proferidos no domínio da mesma legislação;

3. Assentem em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto;

4. Que as decisões em oposição sejam expressas.

2. Quanto a estes dois últimos requisitos - soluções opostas a partir de idêntica situação de facto; decisões em oposição expressas -, constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que só havendo identidade de situações de facto nos dois acórdãos é possível estabelecer uma comparação que permita concluir, quanto à mesma questão de direito, que existem soluções jurídicas opostas, bem como é necessário que a questão decidida em termos contraditórios seja objeto de decisão expressa, isto é, as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. STJ 11.12.2014, proc. 356/11.0IDBRG.G1-A.S1 – 5.ª) acrescendo que, de há muito, constitui também jurisprudência pacífica no STJ que a oposição de soluções entre um e outro acórdão tem de referir-se à própria decisão, que não aos seus fundamentos (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. de 13.02.2013, Proc. 561/08.6PCOER-A.L1.S1).

3. Aos recorrentes assiste legitimidade e interesse em agir, dado que a decisão recorrida, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de maio de 2021, apreciou o recurso por eles interposto da decisão judicial de 1.ª instância que determinou o «congelamento das suas contas bancárias», julgando-o improcedente (art. 401.º/1/b, CPP).

4. A interposição do presente recurso ocorreu dentro do no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido (art. 438.º/1, CPP). No requerimento de interposição do recurso os recorrentes identificam o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão fundamento), mencionando o lugar da publicação.

5. Quanto ao trânsito em julgado do acórdão fundamento, consta agora dos autos que transitou em julgado no dia 11.03.2021.

6. Os requisitos substanciais são, como vimos, (1) Que os acórdãos respeitem à mesma questão de direito; (2) Sejam proferidos no domínio da mesma legislação; (3) Assentem em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto; (4). Que as decisões em oposição sejam expressas.

7. O iter processual do acórdão recorrido:

Inicialmente foi proferida decisão sumária que decidiu:

«O único fundamento do recurso é o seguinte: Ao decidir nos termos em que decidiu e ao determinar o congelamento de contas que não constam do pedido efetuado por parte do Tribunal Federal Brasileiro (ou do pedido do Ministério Público Federal), a decisão é nula nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP (o que se argui nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo), por ter determinado o que não foi solicitado, nomeadamente de acordo com a decido do Tribunal Federal do Rio de Janeiro que consta dos autos».

«O recorrente limita-se a arguir a nulidade do despacho que decretou a apreensão das contas bancárias, com fundamento no art.º 379.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do CPP. Este artigo prevê as nulidades das sentenças e importa referir o que é evidente, o despacho recorrido não é uma sentença. E, assim, não se tratando de sentença, é inaplicável o disposto no art.º 379.º, do CPP».

«Aqui chegados, a se verificar o vício apontado pelo recorrente (determinar o congelamento de contas que não constam do pedido efetuado por parte do Tribunal Federal Brasileiro ou do pedido do Ministério Público Federal), quais as consequências então para o despacho recorrido?»

«Não sendo nulidade, o vício do despacho recorrido só pode constituir uma mera irregularidade. É o que se retira do artigo 118.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, que determina que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular». (…)

«IV – Decisão

Nestes termos, profiro a presente decisão sumária de rejeição do recurso, por manifesta improcedência, ao abrigo dos artigos 417º, nº 6, al. b) e 420.º, n.º 1. al. a), ambos do Código do Processo Penal».

8. Após reclamação para a Conferência foi proferido o acórdão recorrido:

«No requerimento de reclamação para a conferência, vieram os recorrentes invocar uma nulidade insanável prevista nas als. d) e e) do art. 119.º, do CPP, que, não tendo sido invocada [no recurso], deve, no entanto, ser oficiosamente declarada (…)».

«Em primeiro lugar, não se verifica falta de inquérito ou instrução, nos caos em que a lei [não] determinar a sua obrigatoriedade (al. d). O tribunal português não tinha que desenvolver qualquer atividade de investigação ou de comprovação judicial, apenas cumprir o pedido pelo Tribunal Federal brasileiro. Se o tribunal a quo decidiu para além do que lhe foi pedido, não há falta de inquérito ou de investigação, mas tão só excesso de pronúncia (…)».

«Do que trata o fundamento do recurso interposto pelos recorrentes não é a falta de inquérito ou de instrução, nem de violação das regras de competência, mas de uma outra questão (que foi a invocada no recurso): o tribunal a quo determinou o que não foi solicitado, apreciando e conhecendo questões que não devia ter conhecido».

E de seguida o acórdão passa a reproduzir por concordância a fundamentação da decisão sumária.

9. Já no acórdão fundamento considerou-se:

«É que, muito embora se refira no Relatório da P.J. a verificação de elementos relacionados com outro ilícito de crime de branqueamento, praticado por outros agentes em Portugal e, eventualmente com ligações ao processo brasileiro que originou a carta rogatória, tal não concede competência às autoridades Portuguesas para ampliar o pedido de cooperação em execução da carta rogatória. Aliás esse parece ter sido o entendimento do MºPº. acima citado, quando refere, a propósito do relatório e informações da PJ: Importa, igualmente, ter em consideração que os factos descritos são suscetíveis de configurar a prática de crime de branqueamento, p. e p. pelo art.368° A do Cód. Penal por BB e AA em Portugal, ilícito que possui total autonomia relativamente aos que são objeto das investigações brasileiras. Não obstante, procedeu a apreensões que não faziam parte do objecto da carta rogatória e contra quem, nem tão pouco, ali figurava como destinatário do arresto solicitado».

«É certo que posteriormente encontramos um aditamento proveniente das autoridades brasileiras, mas, aditamento este simples, ou seja, sem que se fundamente a ligação dos novos destinatários do arresto em complemento, com o processo original brasileiro, em clara violação da disposição do artigo 9º da Resolução, acima transcrita».

«Se podemos dizer que, inicialmente foram confirmados os requisitos do pedido (art. 9.° da Convenção), que não há motivos para recusa e que a diligência é processualmente admitida pela lei portuguesa para os fins consignados no pedido, nada obstando à realização das diligências pedidas pelas autoridades brasileiras, o mesmo não aconteceu a quando da execução do pedido pelas autoridades portuguesas, já que o mesmo foi ampliado no seu objecto e alargado a pessoa diversa da inicial a quem se dirigia a diligência. E, foi nessa execução do pedido e à luz do nosso Código de Processo Penal (diploma aplicável ao caso), que verificamos a prática de actos não permitidos no âmbito da carta rogatória proveniente das autoridades brasileiras no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Entendemos assim ter sido praticada nulidade insanável, prevista nas alíneas d) e e) do artigo 119 do C.P.P. que atinge o despacho recorrido e faz proceder o recurso».

«E, assim se concluindo, pela nulidade insanável do despacho que atingiu o património dos recorrentes, consideramos prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas sob recurso».

10. A questão de facto sobre que se pronunciou o acórdão fundamento e a sua qualificação jurídica:

«Aquando da execução do pedido pelas autoridades portuguesas, (…) o mesmo foi ampliado no seu objecto e alargado a pessoa diversa da inicial a quem se dirigia a diligência. E, foi nessa execução do pedido e à luz do nosso Código de Processo Penal (diploma aplicável ao caso), que verificamos a prática de actos não permitidos no âmbito da carta rogatória proveniente das autoridades brasileiras no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Entendemos assim ter sido praticada nulidade insanável, prevista nas alíneas d) e e) do artigo 119 do C.P.P. que atinge o despacho recorrido e faz proceder o recurso».

11 No acórdão recorrido a dinâmica decisória é diversa:

O fundamento do recurso é o de que «ao determinar o congelamento de contas que não constam do pedido efetuado por parte do Tribunal Federal Brasileiro (ou do pedido do Ministério Público Federal), a decisão é nula nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP».

Em decisão sumária, o relator não abordou sequer a questão de o pedido de congelamento de contas ter sido corretamente executado ou ilegalmente ampliado pelas autoridades portuguesas. Para o relator, respondendo à questão jurídica posta no recurso «a nulidade do despacho que decretou a apreensão das contas bancárias, com fundamento no art.º 379.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do CPP», «(…) é evidente, o despacho recorrido não é uma sentença. E, assim, não se tratando de sentença, é inaplicável o disposto no art.º 379.º, do CPP». «Do que só se pode concluir pela rejeição do recurso, por manifesta improcedência – art. 420.º, n.º 1, al. a) do CPP». Foi o recurso rejeitado por manifesta improcedência porque o vício atribuído à decisão recorrida não se verificava.

12. Após reclamação para a Conferência foi proferido o acórdão recorrido que perante a invocação da «nulidade insanável prevista nas als. d) e e) do art. 119.º, do CPP» decidiu «não se verifica falta de inquérito ou instrução, nos casos em que a lei não determinar a sua obrigatoriedade (al. d)».

13. Aqui chegados, importa deixar registo de que não se ajusta à realidade processual a afirmação dos recorrentes de que «no presente processo foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com data de 4 de maio de 2021, que decidiu que a decisão judicial que determina congelamento de contas bancárias que o Tribunal Federal do Rio de Janeiro não determinou, no âmbito de um pedido de cooperação judiciaria, constitui mera irregularidade…». No acórdão recorrido a Relação de Lisboa não decidiu se a decisão judicial de 1.ª instância foi além do pedido pelo Tribunal Federal do Rio de Janeiro. Aqui os recorrentes apartam-se da realidade processual. A circunstância de estarem convencidos disso, esse convencimento não torna o respetivo facto como assente. Por mais óbvio que fosse esse facto o recurso devia ter como finalidade a demostração dessa realidade e não dar a mesma por adquirida.

14. Enquanto no acórdão fundamento a situação de facto é, tal como referem os recorrentes, «aquando da execução do pedido pelas autoridades portuguesas, (…) o mesmo foi ampliado no seu objecto e alargado a pessoa diversa da inicial a quem se dirigia a diligência», no acórdão recorrido isso não ocorre. Na decisão sumária o recurso foi rejeitado por manifesta improcedência, considerando-se que o art. 379.º, do CPP, não era aplicável a mero despacho. Em sede argumentativa apenas se aventou a possibilidade de «a se verificar o vício apontado pelo recorrente» (determinar o congelamento de contas que não constam do pedido efetuado…), caso em que, se concluiu que ocorria irregularidade já sanada por falta de arguição.

15. Decidindo a reclamação da decisão sumária, o acórdão recorrido, «reproduziu a fundamentação da decisão sumária, que, por concordância acolheu na íntegra»; além disso, afastou que o despacho recorrido pudesse ser taxado como nulo (art. 119.º, als. d) e e), CPP, como agora na reclamação para a conferência inovatoriamente sustentavam os requerentes. Entendeu o acórdão não se verificar falta de inquérito pois, no caso, a lei não determina a sua obrigatoriedade. E diz mais o acórdão recorrido, convergindo e em consonância com o essencial da solução normativa do acórdão fundamento, «O tribunal português não tinha que desenvolver qualquer atividade de investigação ou de comprovação judicial, apenas cumprir o pedido pelo Tribunal Federal Brasileiro». E rematou «Se o tribunal a quo decidiu para além do que lhe foi pedido, não há falta de inquérito ou de investigação, mas tão só excesso de pronúncia (…)». E afastou também a violação das regras de competência.

16. Recordemos quanto aos requisitos - soluções opostas a partir de idêntica situação de facto; decisões em oposição expressas -, que constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que só havendo identidade de situações de facto nos dois acórdãos é possível estabelecer uma comparação que permita concluir, quanto à mesma questão de direito, que existem soluções jurídicas opostas, bem como é necessário que a questão decidida em termos contraditórios seja objeto de decisão expressa, isto é, as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. STJ 11.12.2014, proc. 356/11.0IDBRG.G1-A.S1 – 5.ª) acrescendo que, de há muito, constitui também jurisprudência pacífica no STJ que a oposição de soluções entre um e outro acórdão tem de referir-se à própria decisão, que não aos seus fundamentos (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. de 13.02.2013, Proc. 561/08.6PCOER-A.L1.S1).

17. Resulta do exposto que, pese embora a pertinácia dos requerentes, a realidade factual do acórdão recorrido é a que é, como acima se deixou descrita, diversa da alegada pelos requerentes e também diversa da decidida no acórdão fundamento. Neste último, como refere o Ministério Público, foi decidido que no cumprimento do pedido de cooperação pelas autoridades judiciárias portuguesas, ocorreu uma ampliação (objetiva e subjetiva), enquanto no acórdão recorrido nem sequer foi analisada ou decidida a questão da ampliação, afirmando o acórdão recorrido de modo expresso e muita sugestivamente que «o tribunal português não tinha que desenvolver qualquer atividade de investigação ou de comprovação judicial, apenas cumprir o pedido pelo Tribunal Federal Brasileiro». É certo que abordando no mundo das hipóteses essa eventualidade e como mero obter dictum, o tribunal diz que a ter ocorrido então ocorreu excesso de pronúncia. E só como argumentação subsidiária, de segunda ordem, aparece a referência a irregularidade.

18. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, de carácter normativo, destina-se a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei. Colocados lado a lado os dois acórdãos, o seu percurso argumentativo e decisório, conclui-se que não há oposição ou contradição entre os dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, pois não há identidade, mas diversidade nas situações de facto nos dois acórdãos, razão pela qual não foi a mesma a questão de direito decidida.

19. Finalmente, num juízo hipotético – «a se verificar o vício apontado pelo recorrente» (determinar o congelamento de contas que não constam do pedido efetuado…), enfatiza-se questão que o acórdão não conheceu –, o acórdão recorrido, concluiu em primeira linha pelo excesso de pronúncia e não pela falta de inquérito ou de investigação, como sustentavam os requerentes, não cuidando sequer de averiguar a consequência dado que se tratava de mero exercício argumentativo para afastar o vício alegado pelos requerentes. Só como argumentação subsidiária, de segunda ordem, aparece a referência a irregularidade. Esta alusão em sede argumentativa, irreleva pois não estamos perante um fundamento jurídico do núcleo decisório, mas um obter dictum marginal.

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III.

Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto por AA e BB.

Custas pelos recorrentes com a taxa de justiça de 4 UC.

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Lisboa, 23 de setembro de 2021.

António Gama (Relator)

Helena Moniz