RECURSO PENAL
Sumário

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 17/19……, do Juízo Central Criminal …., foi proferido acórdão cumulatório de penas a condenar o arguido AA na pena única de prisão de 5 anos e 2 meses.

Inconformado, recorreu o arguido, concluindo:

“a) Ao arguido foi efectuado em cúmulo jurídico das penas aplicadas, a pena unitária de 5 anos e dois meses de prisão efectiva.

b) Em abstrato, o cúmulo jurídico referente aos processos 649/19….. e 17/19….., estaria compreendido entre os 3 anos (a mais elevada pena concretamente aplicada) e os 8 anos (soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes).

c) A natureza dos crimes praticados, furto e condução sem habilitação legal, não tornam forçoso a aplicação da pena nesta medida.

d) São crimes inseridos na denominada pequena criminalidade, cuja prevenção geral e especial se deve assegurar, mas de forma a permitir ao arguido a possibilidade de ressocialização.

e) O que se mostra incompatível, com penas de prisão longas, como a que lhe foi aplicada.

f) O cumprimento duma pena desta envergadura, fará o arguido perder o contacto com as pessoas com que se relaciona e, que quando da sua saída terão previsivelmente criado outras redes sociais.

g) Perdendo-se a oportunidade de ressocializar o arguido, a pena não será mais que um mero castigo.

h) entende-se por isso que a pena unitária, proporcional à gravidade dos crimes praticados se deveria situar em não mais de 3 anos de prisão.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“1 - A matéria da determinação da medida concreta da pena tem merecido a atenção por parte da doutrina e da jurisprudência, através do estabelecimento de critérios interpretativos adequados que permitam ao julgador a aplicação da pena justa e proporcional ao caso concreto.

2 - Os critérios a atender resultam do disposto no art.º 71.º do Código Penal, onde se estabelecem os “módulos de vinculação” da medida da pena.

3 - Tais critérios impõem-se ao julgador, o qual através da ponderação a partir do caso concreto, dos factos relevantes expressos na decisão, fundamenta a escolha e dosimetria da pena.

4 - No caso em apreço para a determinação da moldura do cúmulo jurídico, temos o limite máximo desta pena que será de 8 anos (soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) e o limite mínimo de 3 anos de prisão (a mais elevada das penas concretamente aplicadas).

5 - Deverá fazer-se uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado.

6 -Concretamente, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, numa ótica de conjunto, é elevada.

7 - As concretas exigências de prevenção geral são elevadas.

8 - O grau de ilicitude refletido no facto é elevado;

9 - A intensidade do dolo, é elevada porque o arguido atuou sempre com dolo direto.

10 - Relativamente a ambos os crimes, as exigências de prevenção especial, mostram-se igualmente elevadas, tendo em consideração o passado criminal do arguido.

11 - De realçar que não foi esquecida a circunstância atenuante do bom comportamento prisional do arguido.

12 - Nestes termos, ponderando os critérios legais, as circunstâncias da ação e a moldura penal aplicável, consideramos adequadas as penas individuais aplicadas, bem como a pena única resultante do cúmulo jurídico daquelas.”

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu desenvolvido parecer no sentido da improcedência do recurso, sufragando a confirmação do acórdão.

Não houve resposta ao parecer e, não tendo sido requerida audiência, teve lugar a conferência.

1.2. O acórdão recorrido, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:

“(…) AA, também conhecido por “AA.…”, filho de BB e de CC, natural ……-..…., nascido a 18.04.1983, solteiro, desempregado, titular do Cartão de Cidadão n.º ……, residente na Rua ….., …., em cumprimento de pena à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional …..;

condenado por acórdão datado de 24/11/2020, transitado em julgado em 28/12/2020, pela prática, em concurso efectivo de:

– Três crimes de furto simples na forma consumada, p. e p. nos artºs. 202 als. c) e d), 203º nº 1 e 204º nº 1 al. b) e nº 4 do Cod. Penal na pena de 10 meses de prisão por cada um dos 3 crimes, por factos praticados em …/09/2019, …/09/2019 e de … para …/09/2019;

– Um crime de furto simples na forma consumada, p. e p. nos artºs. 202 als. c) e d), 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e) e nº 4 do Cod. Penal, na pena de 15 meses de prisão, por factos praticados de …/09/2019 para …/10/2019;

– Um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no artº 3º nº 2 do Dec. Lei nº 2/98, de 03/01, na pena de 9 meses de prisão, por factos praticados em 01/09/2019;

– Um crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. nos artºs. 202 al. e), 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e) do Cod. Penal, na pena de 3 anos de prisão, por factos praticados em …/11/2019.

Operando o respectivo cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena única de 5 anos de prisão, efectiva.

Tendo o arguido sido condenado noutros processos, verificando-se uma situação de conhecimento superveniente de concurso de penas, nos termos do disposto nos artºs. 77º nºs 1 e 2 e 78º nºs 1 e 2 do Cod. Penal, impõe-se a realização do cúmulo jurídico, sendo que este Tribunal Colectivo e Juízo Central Criminal é o competente para proferir a decisão, nos termos dos artigos 14º, nº 2, al. b) e 471º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, por ser o da última condenação.

(…)

a) Factos provados

Pela discussão da causa, atentas as declarações prestadas pelo arguido no decurso da audiência de cúmulo, e feita a análise do teor do relatório social actualizado junto aos autos, do teor das diversas certidões judiciais juntas aos autos, e do CRC actualizado do arguido, formaram os Juízes que integram este Tribunal Colectivo a convicção que permite julgar provados os seguintes factos:

- Nos presentes autos CC nº 17/19……, por acórdão datado de 24/11/2020, transitado em julgado em 28/12/2020, o arguido AA foi condenado pela prática, em concurso efectivo de:

– Três crimes de furto simples na forma consumada, p. e p. nos artºs. 202 als. c) e d), 203º nº 1 e 204º nº 1 al. b) e nº 4 do Cod. Penal na pena de 10 meses de prisão por cada um dos 3 crimes, por factos praticados em …/09/2019, …/09/2019 e de … para …/09/2019;

– Um crime de furto simples na forma consumada, p. e p. nos artºs. 202 als. c) e d), 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e) e nº 4 do Cod. Penal, na pena de 15 meses de prisão, por factos praticados de …/09/2019 para …/10/2019;

– Um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no artº 3º nº 2 do Dec. Lei nº 2/98, de 03/01, na pena de 9 meses de prisão, por factos praticados em …/09/2019;

– Um crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. nos artºs. 202 al. e), 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e) do Cod. Penal, na pena de 3 anos de prisão, por factos praticados em 05/11/2019.

Operando o respectivo cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena única de 5 anos de prisão, efectiva.

A referida condenação assentou nos seguintes factos:

« (…) Apenso S - 619/19……

a.3) No dia … de Setembro de 2019, entre as 00h30 e 2h30, os arguidos AA e DD, em conjugação de esforços e intenções, dirigiram-se ao veículo marca …, modelo ...…., de matrícula …-…-RZ, pertencente a EE, que estava estacionado na Rua …., com o propósito de retirarem do seu interior o que de valor encontrassem e pudessem levar com eles, conforme haviam previamente combinado entre todos.

a.4) Para lograrem os seus intentos e em execução do plano traçado, os arguidos AA e DD acederam ao interior do veículo, partindo para o efeito o vidro da porta do lado direito, e daí retiraram e levaram com eles, fazendo-os seus, um Auto-rádio Pionner, dois pares de óculos de sol, uma Pen-Drive e um MP3, no valor global de € 50 (cinquenta euros), sem autorização e contra a vontade do seu dono, provocando-lhe estragos no valor de € 50 (cinquenta euros).

a.5) Os referidos bens foram recuperados cerca das 5h00 do dia …/09/19, na posse dos arguidos, na …., pelas autoridades policiais e entregues ao seu dono.

a.6) Os arguidos AA e DD sabiam que os bens acima identificados não lhes pertenciam e que ao apoderarem-se deles, com o propósito de os fazerem seus, tal como ao acederem ao interior do veículo da forma por que o fizeram, agiam sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.

a.7) Sabiam, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Apenso T - 620/19……

a.8) Entre as 23h00 do dia … de Setembro e as 2h00 do dia … de Setembro de 2019, os arguidos AA e DD, em conjugação de esforços e intenções, dirigiram-se ao veículo marca …., modelo …, de matrícula …-LO-…, pertencente a FF, que estava estacionado na Rua ….., com o propósito de retirarem do seu interior o que de valor encontrassem e pudessem levar com eles, conforme haviam previamente combinado entre ambos.

a.9) Uma vez aí, os arguidos AA e DD, para lograrem os seus intentos e em execução do plano traçado acederam ao interior do veículo, partindo para o efeito o vidro da porta do lado direito e o pára-brisas, e daí retiraram e levaram com eles, fazendo-os seus, um par de óculos de sol, um carregador de telemóvel, um aparelho de Bluetooth, no valor global de € 50 (cinquenta euros), sem autorização e contra a vontade do seu dono, fazendo-os coisas suas.

a.10) Os referidos bens foram recuperados cerca das 5h00 do dia …/09/19, na …., pelas autoridades policiais, na posse dos referidos arguidos.

a.11) Os arguidos AA e DD sabiam que os bens acima identificados não lhes pertenciam e que ao apoderarem-se deles, com o propósito de os fazerem seus, tal como ao acederem ao interior do veículo da forma por que o fizeram, agiam sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.

a.12) Sabiam, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

(…)

Apenso G - 691/19……..

a.35) Entre as 20h24 do dia … de Setembro e as 7h45 do dia … de Setembro de 2019, os arguidos AA, DD e GG, em comunhão de esforços e intenções, dirigiram-se ao veículo marca ……, modelo ….., preto, de matrícula ...-...-BX, no valor de € 500 (quinhentos euros), pertencente a HH, que estava estacionado na Rua ….., em ….., para se apoderarem do mesmo, conforme haviam combinado entre todos.

a.36) Uma vez aí, os arguidos AA, DD e GG, de forma não apurada, acederam ao interior do veículo, colocaram-no em funcionamento e abandonaram local, sem autorização e contra a vontade do seu dono, fazendo-o coisa, apoderando-se do mesmo.

a.37) O veículo de matrícula ...-...-BX foi recuperado na tarde de 26/09/2019, no Largo ….., em ….., pelas autoridades policiais, por indicação do arguido AA.

a.38) Os arguidos sabiam que o veículo acima identificado não lhes pertencia e que ao apoderarem-se dele, com o propósito de o fazer seu, agiam sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.

a.39) Sabiam, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

(…)

a.52) No dia … de Outubro de 2019, cerca das 4h40, o arguido AA conduziu o veículo de matrícula NQ-...-... pela Avenida ….., em ……, sem ser titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que a habilitasse a conduzir aquele veículo; no veículo seguiam como passageiros os arguidos GG e DD.

a.53) A viatura de matrícula NQ-...-... foi recuperada pela autoridade policial pelas 04h43 de 01 de Outubro.

a.54) O arguido AA conhecia a natureza e as características da viatura e dos locais onde conduziu, bem sabendo que não estava legalmente habilitado a conduzir aquele veículo e, não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias.

a.55) Sabia igualmente, que essa sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

(…)

Apenso H - 370/19…….

a.58) Na madrugada de … de Setembro para 1 de Outubro de 2019, os arguidos AA, GG e DD, em conjugação de esforços e intenções, dirigiram-se ao restaurante “…..”, sito na Rua …., na ….., ….., explorado por II, com o propósito de dali retirarem o que de valor encontrassem e pudessem levar com eles, conforme haviam previamente combinado entre todos.

a.59) Para lograrem os seus intentos, os arguidos estragaram e forçaram uma janela do estabelecimento, por aí entrando e daí retirando e levando com eles diversos bens alimentares, entre os quais nove pacotes de batatas fritas pequenas, marca …., dez garrafas de cerveja ….., de 0,20ml e 2kg de bananas, tudo no valor de € 50 (cinquenta euros).

a.60) Os arguidos sabiam que os bens supra referidos não lhes pertenciam e que ao apoderarem-se deles, com o propósito de os fazerem seus, tal como ao entrarem no estabelecimento da forma por que o fizeram, agia sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.

a.61) Sabiam, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Apenso A - 681/19…..

a.62) Na madrugada de … de Novembro de 2019, cerca das 4h20, o arguido AA, em conjugação de esforços e intenções com outros indivíduos não identificados, dirigiram-se ao bar do complexo desportivo da associação …., em …, representada por JJ, com o propósito de dali retirarem o que de valor encontrassem e pudessem levar com eles, conforme haviam previamente combinado entre todos.

a.63) Para lograrem os seus intentos, o arguido AA e os outros indivíduos não identificados subiram por uma janela da associação, por aí entrando na mesma e daí retirando e levando com eles uma televisão, no valor de € 530 (quinhentos e trinta euros), moedas no valor de € 30 (trinta euros), rebuçados e chocolates, no valor de € 30 (trinta euros), uma câmara de videovigilância, no valor de € 233,70 (duzentos e trinta e três euros e setenta cêntimos) e um extintor.

a.64) A câmara de videovigilância e o extintor foram recuperados a 05/11/19, cerca das 22h00, pelas autoridades policiais, na posse do arguido AA.

a.65) O arguido AA e os indivíduos não identificados sabiam que os bens supra referidos não lhe pertenciam e que ao apoderarem-se deles, com o propósito de os fazerem seus, tal como ao entrarem no estabelecimento da forma por que o fizeram, agiam sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.

a.66) Sabiam, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

(…)

a.75) Do CRC actualizado do arguido AA constam averbadas as condenações nos seguintes processos:

- Na pena de 7 (sete) meses de prisão, aplicada no Proc. nº 165/05….. do … Juízo do TJ  …., por sentença transitada em julgado em 3/03/2006, pela prática de um crime de furto simples, cometido em Fevereiro de 2005;

- Na pena de 8 (oito) meses de prisão, aplicada no Proc. nº 346/05……, do … Juízo Criminal do TJ ….., por sentença transitada em julgado em 5/07/2006, pela prática de um crime de burla informática, cometido em Novembro de 2004;

- Na pena única de 9 (nove) anos e 2 (dois) meses de prisão, aplicada no Proc. nº 956/04….., por acórdão transitado em julgado a 12/08/2008, pela prática de dezoito crimes de furto, simples e qualificados, de um crime de burla informática e de um crime de condução sem habilitação legal, cometidos em Janeiro, Fevereiro e Outubro de 2005;

- Na pena de 19 meses de prisão, aplicada no proc. 100/12….. do …º JC de …., por sentença transitada em julgado 13/05/2013, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, cometido em Fevereiro de 2012.

- O arguido esteve sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, no processo nº 956/04….., entre …/02/2005 e …/03/2006.

- O arguido cumpriu sucessivamente essas penas desde 31/03/2006, tendo lhe sido concedida liberdade condicional a 2/12/2015, até 24/01/18, altura em que foi considerada cumprida a totalidade das penas.

- O arguido foi ainda condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, aplicada no processo nº 134/19….. do Juízo Local Criminal de …. – J…, por sentença datada de 24/09/2019, transitada em julgado em 16/12/2019, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, cometido em …/09/2019.

(…)

a.79) Em consequência da descrita conduta em 05/11/2019 do arguido AA e dos outros indivíduos não identificados nas suas instalações, a “…..” sofreu um prejuízo no valor total de € 1.000,00, relativo ao custos dos bens subtraídos e não recuperados, e ao custo da reparação dos danos causados.

(…)

a.81) O arguido AA é natural …. e fruto de um curto relacionamento entre os pais, que entrou em rutura ainda durante o período de gestação do arguido. A mãe tinha 16 anos de idade quando o arguido nasceu e o pai apesar de o ter perfilhado, nunca assumiu os seus deveres parentais.

a.82) O arguido viveu com a mãe até aos 3 anos de idade no Bairro …., altura em que esta o rejeitou e maltratou, porque este seria um obstáculo ao seu modo de vida, essencialmente noturno. Devido às situações de negligência a que esteve sujeito, com essa idade, foi entregue por decisão judicial aos cuidados dos avôs maternos.

a.83) No final da infância passou a apresentar comportamentos disruptivos e a revelar serias dificuldades em cumprir com as orientações dos avós. Assim, em 1994 foi institucionalizada na Escola Profissional ….. No entanto, no período em que aí permaneceu, revelou sérios problemas comportamentais, nomeadamente uma postura agressiva, fugas e práticas anti-sociais, pelo que em 1996 foi expulso da instituição e regressou a casa dos avós. Porém, voltou a apresentar uma postura disruptiva e a manter consumos de estupefacientes.

a.84) Na sequência de processos tutelares educativos, por crimes contra a propriedade, em 1997, foi internado no Cento Educativo …., em …. onde permaneceu até aos 18 anos de idade.

a.85) Durante alguns períodos de férias escolares ou fins-de-semana, regressava a casa dos avós.

a.86) AA apresenta um percurso escolar com várias retenções. Frequentou o 1º ciclo na escola  ….., onde concluiu o 4º ano de escolaridade. Depois, em contexto institucional, concluiu o 7º ano de escolaridade apesar de ter apresentado acentuadas dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento.

a.87) Quando saiu do Centro Educativo integrou o agregado familiar da mãe, que residia em …... No entanto, AA alega que apresentou sérias dificuldades de entendimento com a mesma, pois não existia qualquer vinculação afetiva entre ambos. Desde modo, passados poucos meses mudou residência para casa de familiares que se dispuseram a acolhê-lo.

a.88) Em 2003 ingressou no Serviço Militar e prestou serviço em …. e no …. com a especialidade de artilheiro. Porém, as dificuldades em manter uma conduta consentânea com as normas institucionais e sociais persistiam, pelo que, em 2004 foi expulso do exército.

a.89) Nesta altura voltou a integrar o agregado familiar dos avós e iniciou uma relação de namoro com uma jovem de menor idade, passando a viver com a mesma no agregado dos avós. Deste relacionamento, que durou poucos meses, o arguido tem um filho, atualmente com 16 anos de idade.

a.90) Presentemente a ex-companheira e o filho encontram-se a viver em …. e o arguido nunca assumiu as suas responsabilidades parentais.

a.91) AA apresenta anteriores contactos com o sistema de justiça penal. Com 19 anos de idade cumpriu uma pena de 6 meses de prisão. Em 2005, foi preso novamente para cumprir 10 anos e 9 meses de prisão, pela prática de crimes de roubo, furto e tráfico de estupefacientes.

a.92) Em dezembro de 2015 foi colocado em liberdade condicional e fixou residência novamente em casa dos avós que se dispuseram a acolhê-lo. Porém, aí permaneceu apenas alguns dias e pediu alteração de residência para casa da mãe que vivia em ….. Neste agregado também se manteve durante um curto período de tempo devidos às dificuldades de entendimento que mantinha com a figura materna.

a.93) Nesta altura voltou a recair nos consumos de estupefacientes (haxixe e cocaína) e passou a contar com o apoio de grupo de pares identificados com os mesmos hábitos. Sabendo desta situação, uma tia materna - LL, residente em ….. interveio, e convidou o arguido a ir residir com ela para …... Inicialmente o arguido mostrou resistência em aceitar o apoio, no entanto, devido à situação em que encontrava, sem condições para trabalhar, sem possuir recurso económicos para se sustentar e com dificuldades em cumprir as obrigações inerentes à liberdade condicional, resolveu aceitar a proposta da tia e foi residir para a cidade de ……., no …….

a.94) Em ……., com ajuda da tia foi encaminhado para um programa de desintoxicação que cumpriu. Após alta clínica passou a ser acompanhado em consulta bissemanais num organismo de apoio a toxicodependentes. Ainda no …., habilitou-se também com um curso de …... Em …. viveu sempre às expensas da tia e nunca se mostrou motivado para exercer qualquer atividade profissional.

a.95) Em agosto de 2018, AA voltou para Portugal e retornou a casa dos avôs maternos que se dispuseram a acolhê-lo. O avô tem atualmente 79 anos de idade e a avó 74 anos. Residem em casa própria, que apresenta adequadas condições de habitualidade. A habitação situa-se numa zona isolada e de características rurais. Neste agregado mante-se a viver apenas durante 2 meses.

a.96) O arguido apresentava uma postura agressiva e intimidatória para com avós e era frequente exigir-lhes valores monetárias para fazer face a satisfação das suas necessidades pessoais. Depois, terá mudado residência para um quarto, numa casa que partilhava com um amigo, onde se manteve cerca de 3 meses.

a.97) AA alega que nesta altura conseguiu colocação laboral numa fábrica  ….., onde se manteve a trabalhar cerca de 5 meses. Auferia um salário que rondava os 600€ mensais, com o qual assegurava o seu sustento e pagava a renda do quarto, num valor de 110 € mensais.

a.98) Posteriormente, o arguido AA conheceu uma jovem (MM) com quem encetou uma relação de namoro. Por sugestão da mesma mudou residência para o Bairro ….. em …. e passaram a viver maritalmente em casa dos pais da namorada. Deste relacionamento tem uma filha que nasceu já após a atual prisão do arguido. Refere que o relacionamento amoroso já terminou, não conhece a filha, não a perfilhou, nem tem intenção de o fazer.

a.99) AA menciona que após ter voltado para Portal se desorganizou e voltou a recair nos consumos de estupefacientes. No período que antecedeu a prisão preventiva apresentava um modo de vida caracterizado pela desvinculação social e ocupacional. Mantinha convívio com pessoas com vidas desestruturadas e mantinha consumos de estupefacientes (cocaína), adição que terá iniciado na adolescência.

a.100) AA é uma pessoa impulsiva e instável a nível emocional e demonstra fraca capacidade para antever as consequências dos seus atos. Quando foi preso apresentava grande dependência aditiva. Foi encaminhado para acompanhamento médico, mas não reconheceu necessidade de fazer protocolo para a síndrome de abstinência.

a.101) Presentemente, refere que deixou os consumos de cocaína, mas assume que mantem consumos de haxixe.

a.102) Em meio prisional tem apresentado um comportamento consentâneo com as normas e regras institucionais. Encontra-se a trabalhar como faxina no Estabelecimento Prisional.

a.103) No Estabelecimento Prisional de …… nunca teve visitas de familiares ou amigos.

a.104) O arguido desde muito cedo manteve uma postura de impulsividade e desobediência. A avó do arguido não consegue lidar com os comportamentos desajustados do arguido, não lhe consegue impor limites, verbalizando um sentimento de impotência, principalmente devido à postura impulsiva e disfuncional que o neto apresentava. No futuro não se mostra disponibilidade para o acolher, uma vez que não reconhece ascendência sobre o mesmo e não reúne condições para lhe prestar o acompanhamento. Os avós não se mostram disponíveis para o visitar no estabelecimento prisional, nem para lhe prestar qualquer outro tipo de apoio.

a.105) O arguido reconhece a sua situação jurídica como legítima, mas tende a adotar atitudes de minimização perante práticas similares às que lhe são imputadas, desvalorizando os danos nas eventuais vítimas de condutas desta natureza.

a.106) Manifesta uma postura pouco intimidada relativamente à sua reclusão e evidencia uma atitude pouco favorável em relação ao desfecho do presente processo, devido ao facto de ter antecedentes criminais.»

- Nos autos de processo sumário nº 134/19……. do Juiz …. do Juízo Local Criminal  ….., por sentença datada de 24/09/2019, transitada em julgado em 16/12/2019, o arguido AA foi condenado, pela prática, em …/09/2019, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.

- Nos autos de processo comum singular nº 649/19…… do Juiz … do Juízo Local Criminal ……, por sentença datada de 28/07/2020, transitada em julgado em 30/09/2020, o arguido AA foi condenado, pela prática, em …/09/2019, de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208º do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.

Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão do presente cúmulo jurídico.

(…)

Para a determinação da moldura do cúmulo jurídico, o limite máximo desta pena será de 8 anos (“soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”): sendo o limite mínimo de 3 anos de prisão (“a mais elevada das penas concretamente aplicadas”).

Tal como já foi referido, a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão entre os factos concorrentes se verifique, revelando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta .

No entanto, em princípio, os fatores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo fator concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre o agente .

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) há que fazer uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.

Em qualquer dos casos, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, numa ótica de conjunto, enquanto imagem global, é elevada tendo em conta a amplitude do leque de danosidade abrangido pelos comportamentos do arguido.

Ponderando, assim, o caso concreto:

- as exigências de prevenção geral são elevadas,

- o grau de ilicitude refletido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica é elevado;

- a intensidade do dolo, é elevada porque o arguido atuou sempre com dolo direto porquanto representou os factos criminosos e atuou com intenção de os realizar;

No tocante a todos os crimes, quanto às exigências de prevenção especial, mostram-se igualmente elevadas, considerando, desde logo, o passado criminal do arguido.

Já em favor do arguido foram consideradas as seguintes circunstâncias:

- Em contexto prisional o arguido tem apresentando uma postura adequada.

Tudo ponderado, atenta a gravidade e reiteração das condutas ilícitas-típicas perpetradas pelo arguido, e a danosidade e alarme social associados a tais condutas, e as consequentes exigências de prevenção geral associadas (que são relevantes, em ambos os casos); atendendo ainda ao percurso pessoal do arguido, e a sua insensibilidade à data da prática dos factos, aos valores e normas penais, sociais e éticas por ela anteriormente manifestadas; e tendo por reporte a moldura do cúmulo de penas, acordam os Juízes que integram este Tribunal Colectivo na condenação do arguido AA na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão, que se entende justa, adequada, proporcional e merecida. (…)”


2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (sem prejuízo do conhecimento, sempre oficioso, de eventuais vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP - AFJ nº 7/95 de 19.10.95), a questão a apreciar circunscreve-se à medida da pena (única), pugnando o arguido pela redução para três anos de prisão, de modo a permitir-lhe “um mais leve contacto com o sistema prisional”.

O Ministério Público, na 1.ª instância e no Supremo, pronunciou-se no sentido da confirmação da pena única, por se revelar em concreto necessária às finalidades que esta visa prosseguir.

As penas correspondentes a crimes que se encontrem numa relação de concurso efectivo e/ou real devem ser cumuladas juridicamente, e isto independentemente de o conhecimento desse concurso poder vir a ser superveniente, como sucede no caso presente. Daí que o art. 78.º do CP mande aplicar as regras do art. 77.º (regras da punição do concurso) ao conhecimento superveniente do concurso.

Dá nota Figueiredo Dias que “a generalidade das legislações manda construir para a punição do concurso uma pena única ou pena do concurso, desde logo justificável à luz da consideração – necessariamente unitária – da pessoa ou da personalidade do agente; e politico-criminalmente aceitável à luz das exigências da culpa e da prevenção (sobretudo de prevenção especial) no processo de determinação e de aplicação de qualquer pena” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 280).

Ainda segundo o Professor, a mera adição mecânica das penas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional e abre a possibilidade de ser deste modo ultrapassado o limite da culpa. Pois se a culpa não deixa de ser sempre referida ao facto (no caso, aos factos), a verdade é que, ao ser aferida por várias vezes, num mesmo processo, relativamente ao mesmo agente, ela ganha um mesmo efeito multiplicador. (…) Por outro lado, uma execução fraccionada (…) opõe-se inexoravelmente a qualquer tentativa séria de socialização” (Jorge de Figueiredo Dias, loc. cit.).

Razões de culpa, de prevenção e da personalidade da pessoa justificam, pois, o cúmulo de penas. E lembra Cavaleiro de Ferreira que o cúmulo material de penas não só não é adoptado na lei vigente, como nunca o foi por nenhum dos códigos penais precedentes (Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, II, 2010, p. 156).

O condenado tem assim direito à pena única, resultante da soma jurídica das penas parcelares correspondentes aos crimes por si cometidos, desde que estes concorram efectivamente ou realmente entre si. Assim é, independentemente de o concurso ser conhecido num mesmo ou em vários processos, desde que todas as penas correspondam a crimes cometidos antes do trânsito em julgado da primeira condenação.

Na pluralidade de infracção, a regra é pois a de que o concurso de crimes dará lugar ao concurso de penas, por contraposição à sucessão de crimes que dará lugar à sucessão de penas (na nomenclatura de Cavaleiro Ferreira quanto ao “concurso de penas” – v. Lições de Direito Penal, II, 2010, pp. 155 e ss).

A pena única determina-se dentro de uma moldura penal de cúmulo, casuisticamente encontrada após fixação de todas parcelares integrantes de uma determinada adição jurídica de penas. E na fixação da pena única, aditiva das penas correspondentes aos crimes concorrentes, o tribunal procede à reavaliação dos factos em conjunto com a personalidade do arguido (art. 77.º, n.º 1, do CP). O que exige uma especial fundamentação na sentença, a fixar “em função das exigências gerais de culpa e de prevenção (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, loc. cit. p. 291).

Em suma, a decisão sobre o cúmulo de penas pressupõe a prévia identificação do concurso efectivo de crimes e a fixação das correspondentes penas parcelares, de acordo com os critérios legais e constitucionais de determinação da pena.

No caso presente, o recorrente limitou-se a impugnar a medida da pena única, o que não dispensa o tribunal de recurso de observar a legalidade das operações jurídicas precedentes. E consigna-se que não se detecta questão precedente de que cumpra conhecer oficiosamente, nada mais se justificando assim, em concreto, sindicar.

Na impugnação estrita da pena única, o recorrente não traz ao recurso motivo ou razão relevante que justifique a peticionada alteração. Na verdade, limita-se a observar que  “o cumprimento duma pena desta envergadura, fará o arguido perder o contacto com as pessoas com que se relaciona”, que  se perde “a oportunidade de ressocializar o arguido” e “a pena não será mais que um mero castigo”. E conclui que

“a pena unitária, proporcional à gravidade dos crimes praticados se deveria situar em não mais de três anos de prisão”. Ou seja, peticiona o mínimo de pena, o que, atentas as razões de prevenção, desde logo especial, nada no caso justificaria.

Olhando o acórdão recorrido, a sua fundamentação de facto e de direito, constata-se que, no iter aplicativo da pena, a tudo se procedeu correctamente. Observou-se a selecção e descrição de todos os factos relevantes para a decisão, procedeu-se a completa e correcta fundamentação da pena única, nada se vislumbrando de censurável.

Na fixação da pena única, aditiva das penas correspondentes aos sete crimes concorrentes, o colectivo de juízes procedeu a uma avaliação autónoma dos factos em conjunto com a personalidade do arguido (art. 77.º, n.º 1 do CP), procedendo a uma especial fundamentação desta pena, fixando-a em função das exigências gerais de culpa e de prevenção que, concretamente, se diagnosticavam (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, loc. cit., p. 291).

Na avaliação do ilícito global perpetrado, ponderou a conexão e o tipo de conexão entre os factos concorrentes, e a sua relação com a personalidade do arguido, evidenciando efectivamente o conjunto dos factos (o grande facto) um ilícito global medianamente desvalioso, é certo. Mas a personalidade do arguido revelada nos factos (agora no facto global) evidencia um grau de culpa muito elevado.

Como se sabe, as considerações que possam fazer-se sobre a personalidade do arguido cingem-se sempre à sua personalidade revelada no facto. “O agente deve ser punido pelo que fez, não por aquilo que é como pessoa, ou aquilo em que se tornou por sua culpa” (Vaz Patto, Os Fins das Penas e a Prática Judiciária, www.tre.pt).

Respeitando à culpa, tais considerações não puderam deixar de ter sido já incluídas no processo, precedente, de determinação das penas parcelares. Mas a sua reponderação na determinação da pena única respeita o princípio da proibição da dupla valoração (art. 72.º, n.º 2 do CP), pois como princípio extensível a todas as operações de determinação da pena, ele deve repercutir-se ao longo de todo o processo aplicativo da pena. “Aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 292).

E essa culpa revelada no facto, como se adiantou, apresenta-se aqui muito elevada. Na verdade, se bem que o grau da ilicitude do “grande facto” não seja particularmente acentuado – trata-se de factos que na sua globalidade realizam um crime de furto de uso de veículo, quatro crimes de furto simples, um crime de furto qualificado e um crime de condução sem habilitação legal – as condutas criminosas, reiteradas no contexto de vida do arguido, do seu apurado percurso delituoso, revelam uma personalidade acentuadamente desvaliosa, com uma elevada propensão para o crime.

O arguido revela assim uma acentuada falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada nos factos que quis praticar, e nos seus expressivos antecedentes criminais, devendo essa falta ser censurada através da aplicação da pena concretamente aplicada, atento o efeito previsível desta no comportamento futuro do arguido.

Em suma, numa moldura abstracta de três a oito anos de prisão (art. 77.º, n.º 2, do CP), a pena única mostra-se fixada um pouco abaixo do ponto médio, sendo de considerar não só proporcionada ao concreto “ilícito global perpetrado”, como à personalidade do arguido revelada nos factos, no justo equilíbrio da decisão do acórdão.

A pena de cinco anos e dois meses de prisão mostra-se, assim, manifestamente necessária às exigências de prevenção geral e especial. Nada justifica, e não o justificam seguramente as parcas razões apresentadas pelo recorrente, a redução da pena aplicada.

Refira-se, por último, que o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena, que a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

Por tudo, impõe-se reconhecer que a pena de cinco anos e dois meses de prisão é a adequada às exigências de prevenção geral e especial, e está contida no limite da culpa do arguido.


Esgotado o conhecimento do objecto do recurso, consigna-se uma nota final.

No acórdão recorrido procedeu-se à identificação do arguido do modo seguinte: “AA, também conhecido por “AA...”, filho de BB e de CC, natural  …-…, nascido a … .04.1983, solteiro, desempregado, titular do Cartão de Cidadão n.º …., residente na Rua …., em cumprimento de pena à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional ……” (itálico nosso).

Em processo penal, a identificação do arguido deve fazer-se com o nome, filiação, naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, local de trabalho e residência. Assim o determinam os arts. 342.º e o art. 141.º, n.º 3, do CPP.

O art. 283.º, n.ºs 1 e 3-a), do CPP fala em “indicações tendentes à identificação”, mas estas indicações visam “resolver aqueles casos em que não se sabe ao certo qual é a identificação do arguido” (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 2009, p. 682) e nenhuma situação de indefinição de identificação ocorre aqui.

Assim, não fazendo a “alcunha” parte dos elementos de identificação do arguido, o qual se encontra, no caso, exaustivamente identificado através de todos os elementos legais de identificação, deve a expressão também conhecido por AA...” ser eliminada do excerto do acórdão em que se procede à identificação do condenado.


3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, mas determinando-se que a expressão “também conhecido por AA...” seja retirada da identificação do arguido.

Custas pelo recorrente que se fixam em 6 UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).


Lisboa, 29.09.2021


Ana Barata Brito (relatora)


Tem voto de conformidade da Sra. Conselheira Adjunta Maria Helena Fazenda