DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
CONTRATO DE SEGURO
FOLHA DE FÉRIAS
Sumário


I – A regra especial de recorribilidade das decisões prevista no art. 629.º, n.º 2, al. c), do CPC (recurso de decisão contra jurisprudência uniformizada) apenas tem aplicação quando as decisões se encontrem em oposição frontal com o decidido em AUJ e exista identidade substancial relativamente à questão de direito objecto de apreciação, sendo irrelevante para este efeito a contradição meramente implícita ou pressuposta.
II – A caracterização dessa contradição impõe que, em ambos os processos, se verifique uma relação de identidade quanto à questão de direito essencial, no âmbito de um quadro normativo substancialmente idêntico e que a resposta dada pela Relação a essa questão tenha sido diversa e frontal à que foi assumida no AUJ.
III – Não ocorre contraditoriedade entre o decidido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 10/2001, de 21.11.2001, segundo o qual “no contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador pelo contrato de seguro”, e no acórdão recorrido, segundo o qual o não envio das folhas, a omissão pura e simples de envio de folha de férias, sem que a seguradora tivesse reagido a esse facto e mantendo-se o contrato válido e eficaz, não pode esta invocar esse facto para excluir a sua responsabilidade relativamente ao sinistrado.

Texto Integral




Proc.º nº 1680/17.3T8VRL.G1.S1

4ª Secção

LCR/JG/CM

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - Relatório

1. Os presentes autos de acção especial de acidente de trabalho iniciaram-se na sequência de “Participação de Acidente de Trabalho” apresentada, em 3.10.2017, por AA nos serviços do Ministério Público junto juízo do Trabalho ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., comunicando um acidente, ocorrido no dia 24.2.2017, quando trabalhava para o seu empregador BB.

2. No decurso dos autos, na fase conciliatória, notificado para se pronunciar sobre a participação apresentada pelo sinistrado o identificado empregador informou que “o sinistrado não faz nem nunca fez parte do nosso quadro de pessoal. Posto isto julgo não ter nada a declarar”, e a seguradora, notificada para juntar a folha de férias, informar se o contrato de seguro se encontrava válido e vigente à data do participado acidente e esclarecer qual a remuneração que no seu âmbito se encontra transferida, informou que não obstante o contrato de seguro se encontrar válido e vigente à data do alegado acidente dos autos, nunca a Entidade Patronal, apesar de solicitado, procedeu à entrega das folhas de férias, pelo que lhe não era possível a junção da folha de férias nem esclarecer qual a remuneração do sinistro transferida.

3. Prosseguindo os autos foi designada data para tentativa de conciliação, à qual compareceram o sinistrado e a sua mandatária, o empregador BB, que declarou desconhecer a existência do participado acidente de trabalho e não aceitar nenhuma responsabilidade pelo participado acidente, enquanto o sinistrado não aceitou o resultado do exame médico realizado nos autos, tendo, em conformidade sido lavrado autor auto de não conciliação. Subsequentemente,


4. AA propôs, no Juízo do Trabalho ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção especial emergente de acidente de trabalho contra BB, pedido a condenação do réu no pagamento de:
a) Compensação por ITA para o trabalho desde 25.2.2017 a 9.3.2018, no montante de € 7 630,48.
b) Um capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia por IPP, que lhe vier a ser fixada de acordo com o resultado da junta médica, com início em 9.3.2018;

c) Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias reclamadas, calculados à taxa legal de 4%.
5. Alegou para tanto, em síntese, que no dia 24/02/2017, quando trabalhava por conta e sob as ordens e direcção do réu foi vítima de um acidente de trabalho, do qual lhe resultaram as lesões descritas no auto de exame médico, em resultado das quais lhe foi atribuída uma IPP de 2%, a partir de 9.3.2018, com a qual não concorda, acrescentando que participou o acidente à  entidade empregadora na parte da tarde desse dia, a qual, contudo, não participou o sinistro à sua seguradora, que, por sua vez, declinou qualquer responsabilidade pelo sinistro.
6. O réu apresentou contestação, aceitando que o autor lhe prestava alguns dias de trabalho por mês, em função das necessidades e das obras da sua empresa, e alegando não ter tido conhecimento de qualquer acidente de trabalho sofrido pelo autor e não corresponder à verdade que este o tivesse comunicado a algum responsável hierárquico.
7. Foi seguidamente determinada a intervenção da seguradora “Generali Companhia de Seguros, S.A.”, ao abrigo do disposto no artigo 127º, nº 1, do C.P.T., a qual, por seu turno, apresentou contestação, na qual invocou, em síntese, que o empregador detinha um contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice nº 012/…, do qual o A. não fazia parte integrante dado que o  tomador do seguro, nunca enviou à seguradora qualquer folha de férias em que o seu nome constasse, acrescentando que o sinistro não lhe foi participado pelo tomador do seguro e que as lesões sofridas pelo A. são resultado duma queda sofrida fora do seu tempo e local de trabalho.
8. Na sequência da notificação requerida pela ré “Generali, S.A., na sua contestação, o empregador informou que “não dispõe nos seus arquivos quaisquer comprovativos dos mapas de férias enviados à contestante (…) no entanto vem informar (…) apesar de não dispor de comprovativos dos envios dos mapas de férias, a contestante nunca deixou de proceder ao pagamento de indemnizações aos seus trabalhadores em consequência de acidentes de trabalho. conforme se poderá constatar nas declarações emitidas pela ‘Generali – Companhia de Seguros, S.A.” (…), pelo que o motivo da ré não enviar o mapa de férias, nunca foi causa de exclusão da responsabilidade (…)”, juntando documentos relativos a pagamentos pela Ré de indemnizações por acidente de trabalho a três seus trabalhadores.
Notificada deste requerimento respondeu a ré “Generali, S.A.” referindo que; “conforme a própria ré afirma – e sempre tem afirmado ao longo do processo – o sinistrado não era, à data dos factos aqui em causa, seu trabalhador… foi por esta razão - para além da não aceitação de qualquer acidente de trabalho propriamente dito - que não foi participado à interveniente qualquer acidente de trabalho relativamente ao mesmo.  A defesa da ré quanto à não inclusão do sinistrado na apólice de seguro de acidentes de trabalho sempre se baseou, pois, nesta posição da entidade patronal, pois que não sendo o sinistrado seu funcionário o mesmo não poderia, de forma alguma, encontrar-se incluído no seguro celebrado nem constaria, necessariamente, de quaisquer folhas de férias...”
9. Proferido despacho saneador, fixada a base instrutória e realizada a audiência de discussão e julgamento, em 13.5.2020 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo o R. BB dos pedidos e condenando a Ré “Generali, Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao A. os montantes, acrescidos de juros de mora até integral pagamento, de € 1.127,56 (mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelo período total de ITA, e a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no montante de € 21.000,00 x 70% x 2,00% = € 294,00 (duzentos e noventa e quatro euros).
A final fixou à causa o valor de € 5 262,08.
Tendo considerado assente a existência e caracterização do acidente como de trabalho a decisão fundou-se no entendimento de que a responsabilidade pela reparação das consequências do mesmo se encontrava transferida para a seguradora, mediante contrato de seguro válido, dizendo:
“A versão apresentada pela demandada seguradora de que o sinistrado não se encontrava incluído neste mesmo contrato de seguro não pode ter qualquer acolhimento, dado que a circunstância de que o mesmo não constava das folhas de férias, não se demonstrou, já que o R. empregador nunca remeteu qualquer folha de férias, com a indicação dos nomes dos trabalhadores a seu cargo e ali incluídos, tendo a demanda seguradora mantido este contrato   válido e eficaz e aceitando o pagamento de quantias indemnizatórias (ao abrigo deste mesmo acordo contratual) a outros trabalhadores.
Tal como decorre do entendimento adoptado uniformemente “I - O número 1 da Condição Especial 01 da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem estabelece o âmbito contratual dos seguros a prémio variável, contemplando os trabalhadores da unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador.
É a folha de retribuições, e não qualquer outro documento ou declaração, que delimita o alcance da responsabilidade infortunística transferida. II - A não inserção de um trabalhador nessa folha, ou a inclusão tardia do mesmo, provoca a sua não cobertura, sem que haja qualquer repercussão na validade do contrato ou no quantum do prémio. III - Distinta é a situação da recepção tardia pela empresa de seguros da folha de retribuições respeitante a todo o pessoal, por incumprimento por parte do tomador do seguro da obrigação de envio.
Com efeito, este facto não afasta os trabalhadores do âmbito contratual, antes concede ao operador a possibilidade de resolver o contrato e de cobrar um prémio não estornável equivalente a 30% do prémio provisório anual, podendo ainda exigir o complemento do prémio que se apurar ser devido em função das retribuições que realmente deviam ter sido declaradas (número 4 da Condição Especial 01 da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem).”.
Salienta-se ainda que estamos perante um contrato celebrado em benefício de terceiro (os trabalhadores ao serviço do R. empregador) e que não tendo sido enviada qualquer folha de férias a demandada seguradora tinha fundamentos mais do que suficientes para determinar a cessação do contrato, pelo que a sua manutenção não decorre sequer de má-fé do empregador mas da inépcia e inércia de ambos, o que é em absoluto alheio ao aqui demandante e não merece qualquer protecção jurídica, em nosso entender”.
10. Inconformada com a decisão dela apelou a R., invocando o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 10/2001, de 21.11.2001, e a errada interpretação e aplicação da clª 5ª, al. b), da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, sustentando, em síntese, que na modalidade de seguro em causa, a prémio variável, a não inclusão do A. nas folhas de férias remetidas pelo empregador à seguradora torna tal contrato ineficaz em relação ao autor, e não o cobre como pessoa segura, sendo responsável o empregador.
11. Por acórdão de 3.12.2020 foi o recurso julgado improcedente e confirmada a decisão de 1ª instância, no entendimento, em síntese, de que a situação em apreço, em que nunca as folhas de férias foram enviadas pelo empregador à seguradora, é diversa da apreciada no acórdão uniformizador, e que, mantendo-se o contrato válido sem que a seguradora tivesse reagido, a invocação desse facto atenta contra a boa-fé na execução dos  contratos e constitui abuso de direito, uma vez que a seguradora receberia e cobraria prémios sem suportar qualquer risco, atentando contra a legitima expectativa da empregadora no sentido de ter transferida a sua responsabilidade infortunística, bem como as legítimas expectativas dos trabalhadores, e considerando que, tendo a seguradora aceite a sua responsabilidade em idêntica situação, não pode a mesma escolher os trabalhadores que considera abrangidos, devendo tratar de forma igual todos os trabalhadores do segurado. Por fim, considerou o acórdão não haver que ter em conta a circunstância, invocada pela seguradora, de não ter sido aceite a responsabilidade pela reparação do acidente, pelo facto de a empregadora não ter comunicado o acidente e de referir que o sinistrado não é seu trabalhador, pelo que este nunca constaria das folhas de férias, porquanto o que releva é o envio das folhas de férias e estas são enviadas ou não, não cabendo ficcionar um hipotético envio e muito menos no sentido de que o trabalhador em causa delas não constava.
12. Deste acórdão interpõe a ré seguradora recurso de revista, fundamentando a admissibilidade do recurso no disposto no artigo 629º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil, invocando que o mesmo contraria jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão nº 10/2001, publicado no Diário da República, Iª Série -A, nº 298, de 27 de Dezembro de 2001, e sustentando, em síntese, que a omissão do trabalhador por falta de envio de folha de férias tem o mesmo efeito da omissão do mesmo trabalhador em folha de férias enviada, a da não cobertura do trabalhador sinistrado pelo seguro, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:.
“I. Ficou provado nos autos que o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a recorrente era da modalidade de prémio variável e, pela Relação, que: “A entidade patronal nunca procedeu e desde o início do contrato de seguro, ao envio de qualquer “folha de férias”, nunca tendo indicado o sinistrado ou qualquer outro, como seu trabalhador.”
II.O tribunal recorrido considerou o trabalhador sinistrado coberto pelo contrato de seguro em apreço.
III. No que contrariou frontalmente o acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência n.º 10/2001, de 21.11.2001, publicado, após trânsito, no Diário da República nº 298/01, de 27.12.2001 e que prevê que “6.5 - A responsabilidade infortunística da entidade patronal foi, nos presentes autos, transferida para a seguradora, através de um contrato de seguro na modalidade de prémio variável ou folha de férias. § Não tendo a empregadora incluído o sinistrado, seu trabalhador, nas folhas de férias que remeteu (ou devia ter remetido) nos termos das obrigações contratualmente assumidas e decorrentes da lei (cláusula 5.ª, n.º 4, da apólice uniforme), conclui-se, face ao exposto, que se está perante uma situação de não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro. § Assim, e consequentemente, deverá a ré empregadora ser responsabilizada pelas consequências, reconhecidas e determinadas, do acidente de trabalho que afectou o autor.” e, a final, uniformiza a jurisprudência no seguinte sentido: “No contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias, remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro.”
IV. Aquele acórdão uniformizador foi proferido, substancialmente, no domínio da mesma legislação que o acórdão ora recorrido, a prevista na base XLIII da LAT (Lei 2127, de 3 de Agosto), hoje reproduzida no artº 81º da actual LAT (Lei 98/229, de 4 de Setembro), sendo, como tal, invocável para efeitos dos preceitos atrás invocados (ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 47) e foi ainda proferido sobre a mesma questão de direito, a de saber qual a consequência jurídica da omissão de trabalhador sinistrado nas folhas de férias de contrato de seguro de acidentes de trabalho de modalidade de prémio variável, que ali, no acórdão-fundamento, se fixa na de não cobertura do seguro e aqui, no acórdão recorrido, se fixa na de cobertura do seguro, sendo, como tal, aquela questão essencial e oposta em cada um dos arestos.
V. No caso dos autos ficou provado que a entidade patronal não indicou o recorrido em quaisquer folhas de férias que, de resto, nunca enviou à seguradora, sendo irrelevante a consideração do acórdão recorrido, visando o afastamento da aplicação daquele dito acórdão uniformizador, de que, no caso, O que ocorre é um “atraso” no envio das folhas, de todas as folhas, o que constitui uma situação diversa da apreciada naquele acórdão uniformizador” (sic), porquanto o que juridicamente releva é que o trabalhador sinistrado nunca foi incluído em quaisquer folhas de férias, não se podendo considerar de atrasado o que nunca sequer chegou a ser enviado.
VI.O facto do tribunal recorrido ter também dado como provado que “Não obstante tal falta [a do envio das folhas de férias] a seguradora tem aceitado a sua responsabilidade e procedido ao pagamento de indemnizações, o que fez pelo menos em relação a três irrelevante, porquanto em nada impede o efeito da omissão do trabalhador sinistrado, aqui recorrido, das folhas de férias, remetidas à seguradora.
VII.Não se podendo afastar aquele facto objectivo, de não inclusão em folhas de férias – o único juridicamente a ponderar – com a pretensão de que a seguradora agiu com alegada má fé contratual, por ter antes aceitado a cobertura do contrato para outros trabalhadores também não incluídos, pois que, em face da lei e do contrato, acima explanados, nada se lhe impunha que o fizesse em relação ao recorrido, tanto mais quanto, em relação a este, ao contrário dos outros, a entidade patronal sempre recusou a existência de qualquer relação laboral, apenas dali se podendo concluir, quando muito, que ela tinha agido mal, na execução do contrato, ao aceitar a cobertura para aqueles outros trabalhadores, que, porventura não deveria ter aceite, mas já não ao recusar a cobertura para o aqui recorrido.
VIII.A omissão do trabalhador por falta de envio das folhas de férias tem o mesmo efeito da omissão do mesmo trabalhador em folhas de férias enviadas, a da não cobertura do trabalhador sinistrado pelo seguro.
IX.É o que determina o acórdão uniformizador acima invocado, não devendo, como tal, o acórdão recorrido contrariá-lo, como o faz, devendo, como tal, ser revogado e substituído por aresto que, reconhecendo que o recorrido não estava coberto pelo seguro celebrado com a recorrente, absolva esta do pedido e, em face dos mais factos provados nos autos e do previsto no artº 79º da LAT, condene antes o empregador no mesmo”.
13. Não foram apresentadas contra-alegações.

14. Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência da revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, não foi objeto de resposta.

Admitido o recurso com o adequado efeito e regime de subida, cumpre proferir decisão quanto ao seu mérito.

II

2. Delimitação objectiva do recurso

Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação das que são de conhecimento oficioso, (artigo 608º, nº 2 do CPC), a questão jurídica trazida à apreciação deste Supremo Tribunal é a de saber se o acórdão recorrido contraria o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 10/2001, publicado no Diário da república, 1ª série – A, nº 289, de 27 de Dezembro de 2001, ao considerar o trabalhador sinistrado coberto pelo contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, celebrado entre a Ré e a entidade patronal daquele, apesar de o mesmo não constar nas folhas de férias, pelo facto de estas nunca terem sido enviadas à seguradora.

III

3. Fundamentação de facto

O acórdão recorrido considerou provada a seguinte factualidade:

 -  O R. entidade empregadora, BB era titular, como segurado de contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a R. seguradora, correspondente à apólice nº 012/1… – cfr. doc. de fls. 19 cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

- O A. prestava, pelo menos, alguns dias de trabalho por conta do R. empregador.

- O A. em data não determinada foi admitido ao serviço do R. BB, mediante contrato de trabalho verbal, para exercer as funções de pedreiro, sob as ordens e instruções daquele.

- A remuneração então acordada foi de € 50,00 por cada dia de trabalho e que ascendia, em média, a € 750,00/mês, sendo-lhe paga semanalmente.

 - O A. exercia as suas funções nas obras levadas a cabo pelo R., a decorrer nos locais por este indicados, sobretudo na construção de muros em pedra de xisto, em média 15 dias por mês.

- O A. cumpria um horário de trabalho, ao serviço do R. de 2ª a 6ª feira, 8 horas por dia.

- No dia 24/02/2017 pelas 11h30 horas, na obra adjudicada ao R. sita no lugar ..., ..., ..., enquanto ao serviço daquele mesmo demandado, o A. ao executar as suas funções de pedreiro, encontrava-se a colocar pedra solta para a construção do muro, quando ao puxar uma pedra sofreu um esticão no braço e ombro direitos, sentindo dores no pescoço e naquele mesmo braço, tendo sofrido lesões.

- O A. sofreu, como consequência necessária deste acidente as lesões descritas no relatório do GML de fls. 29 a 31, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, as quais lhe determinaram um período de ITA de 25/02/2017 a 24/03/2017, num total de 28 dias, e a partir daquela mesma data de alta clínica (24/03/2017) ficou a padecer dum grau de IPP de 2%.

- Durante a tarde do dia 24/02/2017 o A. informou o filho do R. (seu superior hierárquico) de que havia sofrido um acidente, mas o demandado recusou-se a preencher a respetiva participação.

- O A. insistiu junto do R. empregador para que fosse feita a participação à demandada seguradora, mas como tal não sucedeu o demandante recorreu à assistência médica junto do serviço nacional de saúde.

- O A. comunicou à aqui demandada seguradora este acidente em 10/08/2017, a qual declinou a sua responsabilidade.

- O A. sente diariamente dores no braço direito.

Factos aditados pelo Tribunal da Relação:

- A entidade patronal nunca procedeu e desde início do contrato de seguro, ao envio de qualquer “folha de férias”, nunca tendo indicado o sinistrado ou qualquer outro, como seu trabalhador.

- Não obstante tal falta a seguradora tem aceitado a sua responsabilidade e procedido ao pagamento de indemnizações, o que fez pelo menos em relação a três trabalhadores da segurada, em consequência de acidentes de trabalho.

4. Fundamentação de direito

a) O recurso de revista de decisão proferida contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.

A recorrente interpõe o presente recurso de revista ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, preceito nos termos do qual, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso das decisões, proferidas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.

Trata-se de uma regra especial de admissibilidade do recurso, em accão de valor inferior à alçada da Relação,  que tem por finalidade potenciar, ainda que de modo indirecto, a obediência aos acórdãos de uniformização de jurisprudência e a sua aplicabilidade depende, além da verificação de requisitos de carácter formal, da legitimidade e tempestividade, de um requisito de carácter substancial, o da verificação de uma contradição no acórdão da Relação que se pretende impugnar e jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

 Na caracterização dessa contradição impõe-se:

- que respeite a questão de direito essencial para o resultado em ambos os processos (no aresto uniformizador e no acórdão recorrido), i. e., tem de integrar a ratio decidendi dos acórdãos em confronto, no domínio de um quadro normativo substancialmente idêntico;

- que se verifique uma relação de identidade entre a questão de direito que foi objecto de uniformização e a que foi objecto da decisão no acórdão recorrido, i.e., que em cada uma das causas tenha sido apreciada e decidida a mesma questão de direito, não se mostrando necessária a verificação de uma identidade integral entre o objecto de cada um dos processos em que foi proferido o acórdão de uniformização e a decisão recorrida;

- que a resposta a essa questão tenha sido diversa e frontal (não meramente implícita) da que foi assumida no AUJ, e que a oposição respeite à própria decisão e não aos seus fundamentos.

Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em  recurso de decisão contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em caso de contornos algo semelhantes, de 2.10.2002, Procº nº 2083/2002, é de exigir que ocorra uma contradição entre a decisão que se pretende impugnar e a decisão uniformizadora genericamente formulada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que se diz desrespeitado, inscrita na parte dispositiva desse acórdão, abstraindo do caso concreto que precedeu essa formulação.

Em suma, segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça e de acordo com a doutrina,  (cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo regime, Almedina, pág. 57 a 60, e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, pág. 558, 559) a caracterização dessa contradição impõe que, em ambos os processos, se verifique uma relação de identidade quanto à questão de direito essencial, no âmbito de um quadro normativo substancialmente idêntico e que a resposta dada pela Relação a essa questão tenha sido diversa.

Enunciados os pressupostos do recurso de decisão contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, importa apreciar da sua verificação no caso vertente.

b) Pressupostos formais

Relativamente aos pressupostos formais nada obsta ao prosseguimento do recurso uma vez que a recorrente, tendo ficado vencida, tem legitimidade para o recurso (artº 631º, nº 1, do CPC), e o recurso, interposto em 10.12.2020 do acórdão proferido em 3.12.2020, e respectiva notificação, é tempestivo (artºs 26º, nº 1, al. c), e 80º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho na redacção da Lei nº 107/2019, de 9.9.).

c) Pressuposto substancial – a oposição de julgados

Sustenta a recorrente que o acórdão recorrido, ao considerar o trabalhador sinistrado coberto pelo contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, celebrado entre a Ré e a entidade patronal daquele, apesar de o mesmo não constar nas folhas de férias, está em frontal oposição com o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 10/2001, publicado no Diário da República, 1ª Série-A, nº 289, de 27 de Dezembro de 2001, que uniformizou jurisprudência no sentido de que “no contrato de seguro de acidentes de trabalho de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias, remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro”, alegando que aquela uniformização é aplicável a todos os casos em que haja a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias, quer estas tenham sido remetidas quer não, i.e., que a omissão do trabalhador por falta de envio de folha de férias tem o mesmo efeito da omissão do mesmo trabalhador em folha de férias enviada, a da não cobertura do trabalhador sinistrado pelo seguro.

De notar que o acórdão recorrido não assumiu qualquer divergência com a referida jurisprudência uniformizada, antes entendeu que a mesma não é aplicável ao caso concreto, que entendeu não lhe ser subsumível, considerando que se verifica in casu uma situação diversa da apreciada no acórdão uniformizador, porquanto, enquanto o AUJ se reporta à situação em que se verifica a omissão do trabalhador na folha de férias enviada à seguradora, enquanto a situação aqui é diversa uma vez que o empregador nunca enviou à seguradora qualquer folha de férias, ocorrendo, segundo o acórdão recorrido, um “atraso” no envio das folhas, de todas as folhas, pelo que, mantendo-se não obstante, e sem qualquer reacção por parte da seguradora, que não se escusou a receber os prémios do seguro, o contrato válido e eficaz, a invocação desse facto atenta contra a boa-fé na execução dos contratos, uma vez que a seguradora receberia e cobraria prémios sem suportar qualquer risco, daí concluindo pela responsabilidade da seguradora pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho sofridos pelo sinistrado.

d) O contrato de seguro de acidentes de trabalho de prémio variável – enquadramento

O artigo 79º, nº 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (Lei dos Acidentes de Trabalho, abreviadamente LAT), em vigor à data do acidente dos autos, que corresponde sem alterações significativas aos regimes anteriores das pretéritas Leis dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 100/97, de 13.9. (artº 37º, nº 1), regulamentada pelo Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril , e Lei 2127, de 3.8.1965 (Bases XLIII, nº 1), regulamentada pelo Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto), impõe às entidades empregadoras a obrigação de transferir para entidades legalmente autorizadas a realizar seguros de acidentes de trabalho a responsabilidade pela reparação de tais acidentes, e o artigo 81º, nº 1, do mesmo diploma, cometeu ministros responsáveis pela área das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal a aprovação da apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho adequada às diferentes profissões.

O contrato de seguro é um contrato de direito privado celebrado entre uma seguradora, ou entidade devidamente autorizada para o efeito, e a entidade empregadora, estando sujeito a uma forma específica, materializada na apólice uniforme de seguros de acidente de trabalho, actualmente aprovada por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal, e, no regime anterior, pelo Instituto de Seguros de Portugal.

Na data em que ocorreu o acidente estavam em vigor as condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem aprovadas pela Portaria nº 256/2011, de 5.7, correspondentes, no essencial - ainda que com alterações, designadamente as que resultam do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, em que se destacam a revogação de normas do Código Comercial, v.g., do seu artigo 429º, e o diverso regime de invalidade em caso de declarações inexactas, constante dos artigos 25º e 26º - aos regimes anteriores mais recentes constantes da Norma nº 12/99-R, de 8.11.1999 (Regulamento nº 27/99, publicado no Diário da República nº 279, II Série, de 30.11.1999), com as alterações introduzidas pelas Normas nºs 11/2000-R, de 13.11. (Regulamento nº 32/2000, publicado no Diário da República, IIª Série, nº 276, de 29.11.2000), nº 16/2000-R, de 21.12. (Regulamento nº 3/2001, Diário da República, IIª Série, nº 16, de 19.1.2001), nº 13/2005, de 18.11. (Regulamento nº 80/2005, Diário da República, IIª Série, nº 234, de 7.12.2005), e Norma Regulamentar nº 1/2009-R, de 23.1.2009, publicada no Diário da República, 2ª Série, nº 16, de 23.1.2009. 

O contrato de seguro de acidentes de trabalho pode ser celebrado nas modalidades de seguro a prémio fixo ou seguro a prémio variável, previstas nas alíneas a) e b), respectivamente, da cláusula 5ª das condições gerais da apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovadas pela Portaria nº 256/2011, de 5.7.
Na modalidade de seguro a prémio variável (ou de folha de férias) o empregador segura a sua responsabilidade pelos danos sofridos por um número variável de pessoas, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e a retribuição identificada nas folhas de vencimento, rectius “cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior”, que lhe são remetidas pelo tomador do seguro.
A variabilidade de pessoal implica necessariamente uma variação da massa salarial, com repercussão no montante dos prémios a cobrar, sendo que o âmbito do contrato de seguro nesta modalidade se restringe às pessoas e às retribuições mencionadas naquelas folhas, que o tomador do seguro está obrigado, por força do disposto na cláusula 24ª, nº 1, a), das condições gerais da apólice, a enviar ao segurador periodicamente, até ao dia 15 de cada mês, sendo através dessas folhas de retribuições que se efectua a actualização do contrato, a que corresponde a actualização do prémio, por parte da seguradora..

O âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável (ou de folha de férias) restringe-se, portanto, às pessoas e às retribuições mencionadas nas referidas declarações de remunerações, sendo através destas.

Estes traços característicos,  desta modalidade de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, decorrentes do regime jurídico aprovado pelo Decreto-lei nº 72/2008, de 16.4., e Portaria nº 256/2011, de 5.7., são idênticos aos consagrados nos regimes anteriores consagrados nas disposições das apólices uniformes que se sucederam no tempo anteriormente referenciadas, nomeadamente o regime da Portaria nº 633/71, de 19 de Novembro, editada em observância do disposto na Base XLIV da Lei 2127 e artº 83º do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto, que veio a ser alterada pela norma nº 96/83, publicada no Diário da República, IIIª Série, de 19.12.83, (posteriormente substituída norma nº 22/95, publicada no Diário da República, 3ª Série, nº 268, de 20.11.1995), e no Código Comercial, quadro normativo no âmbito do qual foi proferido o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 10/2001, de 21.11.2001, questão que este  Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de apreciar em diversos arestos, designadamente nos acórdãos de 28.1.2016, Procº nº 1403/10.8TTGMR.G1.S1, 21.4.2016, Procº nº 401/09.9TTVF.P1.S1 e 11.2.2015, Procº nº 620/11.8TTLSB.L1.S1, em que afirmou que as alterações legislativas verificadas no enquadramento do contrato de seguro decorrentes da entrada em vigor do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, não afectam os fundamentos da mencionada jurisprudência, conforme se alcança da disciplina estabelecida nos artigos 24º e seguintes daquele regime, nomeadamente sobre os deveres que oneram as partes no contrato e sobre as consequências do incumprimento desse deveres decorrentes dos artigos 25º e 26º do mesmo regime, havendo, consequentemente, a concluir pela verificação do requisito da contradição relevante para esta espécie de recurso, da identidade substancial do quadro normativo à luz do qual foram proferidos o acórdão de uniformização de jurisprudência e o acórdão recorrido.

Verificados os apontados, de carácter formal e substancial, é tempo de enfrentar a questão da existência de contradição de julgados entre o acórdão uniformizador de jurisprudência e o acórdão recorrido.
e) O acórdão uniformizador de jurisprudência nº 10/2001, de 21.11.2001 e acórdão recorrido – oposição de julgados.

O Acórdão uniformizador de Jurisprudência nº 10/2001, de 21.11.2001, publicado no Diário da República, Iª Série-A, nº 298, de 27.12.2001, dirimiu o conflito jurisprudencial que então se verificava entre duas correntes jurisprudenciais perfilhadas pelo Supremo Tribunal de Justiça,  uma no sentido de que de “a omissão do nome do trabalhador nas folhas de férias remetidas pela entidade patronal à seguradora não obsta a que o acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador fique coberto pelo respectivo contrato de seguro, a não ser que se apure que tal omissão visava induzir em erro a seguradora, nomeadamente quanto à avaliação do risco assumido, podendo esta arguir a nulidade do mesmo”, e outra no sentido de que, salvo qualquer lapso que possa ser relevado ao abrigo da boa-fé contratual,  “a omissão do trabalhador na folha de férias se traduz na sua não cobertura pelo contrato de seguro, não constituindo nulidade deste último”, fixando jurisprudência no sentido de que “no contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador pelo contrato de seguro”

Tendo enunciado como seu objecto a questão de saber se “no caso do contrato de seguro de prémio variável, a omissão do nome do sinistrado na folha de férias não afecta a validade do contrato, importando a responsabilização da seguradora, ou determina a exclusão do trabalhador/sinistrado omitido do âmbito do seguro, o acórdão uniformizador centrou a solução da questão de direito enunciada no plano da interpretação e definição do alcance do contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, acentuando a particular relevância das declarações do tomador, já que são elas que “estabelecem a medida exacta do risco que a seguradora assume com a celebração do contrato”,
Quanto a estas, sublinhando  que não obstante a relevância das declarações do tomador para efeitos de validade do contrato -em que é fundamental a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir eventuais tentativas de fraude, sancionando com a invalidade as declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato - apenas opere no momento da celebração do negócio, considerou esse regime aplicável sempre que se verifique qualquer modificação que altere (aumente) o risco, ou seja, sempre que estiverem em causas circunstâncias ou elementos relevantes para determinação do conteúdo concreto do contrato, no caso da sua permanente actualização. 

E, quanto à questão de direito de saber qual a consequência jurídica da omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias no contrato de seguro de acidente de trabalho na modalidade de prémio variável, no entendimento de que o objecto do seguro de prémio variável depende da declaração periódica do empregador, concluiu que o incumprimento por parte do tomador do seguro da obrigação consubstanciada na inclusão do(s) trabalhadore(s) ao seu serviço na folha de férias a enviar à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao do início das funções do(s) respectivo(s) trabalhador(es) determina a não assunção de responsabilidade, por parte da seguradora, pelos danos sofridos pelo trabalhador omitido, verificando-se uma situação de não cobertura, decorrente do não preenchimento das condições necessárias estabelecidas pelas partes, para a assunção da responsabilidade, tendo a entidade patronal de suportar o pagamento do que for devido ao trabalhador.

À luz da doutrina que emerge deste acórdão uniformizador é actualmente pacífico o entendimento de que o contrato de seguro de acidente de trabalho a prémio variável é ineficaz em relação aos trabalhadores não incluídos nas folhas de retribuições, sem que isso afecte a validade do próprio contrato de seguro relativamente aos demais.

No caso vertente o acórdão recorrido, configurando a situação em apreço, em que o empregador e tomador do seguro desde o início do contrato de seguro nunca procedeu ao envio à seguradora qualquer folha de férias, nunca tendo indicado o sinistrado ou qualquer outro como seu trabalhador, como de “atraso” no envio da folha de férias, de todas as folhas de férias,  distinta da apreciada no acórdão uniformizador de jurisprudência que versou sobre a omissão do trabalhador nas folhas de férias enviadas à seguradora, entendeu não ser aqui aplicável a jurisprudência fixada nesse acórdão uniformizador.

A recorrente contrapõe que o único facto juridicamente relevante é o facto objectivo de o trabalhador sinistrado nunca ter sido incluído em quaisquer folhas de férias, sustentando não se poder considerar atrasado o que nunca sequer chegou a ser enviado, e que a omissão do trabalhador por falta de envio de folha de férias tem o mesmo efeito da omissão do mesmo trabalhador em folha de férias enviada, a da não cobertura do trabalhador sinistrado.

Na verdade, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal já citado, proferido em recurso de proferido em recurso de decisão contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 2.10.2002, Procº nº 2083/2002, o envio tardio da folha de férias onde o sinistrado é mencionado não foi objecto de apreciação e decisão pelo acórdão de uniformização de jurisprudência, que respeita às hipóteses de omissão do sinistrado na folha de férias, pelo que o AUJ não é aplicável.
Em situação de envio da folha de férias em que o trabalhador é mencionado em momento posterior ao acidente, sendo omitido em anteriores folhas de retribuições relativas a períodos de tempo em que se encontrava já ao serviço do empregador, tem sido entendimento deste Supremo Tribunal que a orientação firmada no acórdão uniformizador de jurisprudência em causa lhe extensível (cf. acórdãos de 21.4.2016, Procº nº 401/09.9TTVFX.P1.S1, 28.1.2016, Procº nº 1403/10.8TTGMR.G1.S1,  11.2.2015, Procº nº 620/11.8TTLSB.L1.S1., 14.11.2007, Procº nº 07S2903, 9.12.2004, Procº nº 04S2954, 12.12.2001, Procº nº 01S2857), só assim não sucedendo se a omissão do nome do trabalhador for devida a circunstâncias juridicamente relevantes, face aos princípios gerais de. direito, nomeadamente ao princípio da boa fé que deve presidir à formação e execução dos contratos (cf. acórdãos de 11.7.2012, Procº nº 443/06.6TTGDM.P21.S1 e 3.12.2008, Procº nº 08S2323).

Não é esta última, nem a hipótese configurada pelo acórdão recorrido de atraso no envio de folha de férias, uma vez que desde o início do contrato tal envio da folha de remunerações dos seus trabalhadores por parte do empregador e tomador do seguro nunca teve lugar, inexistindo, consequentemente, qualquer demora no envio dessas folhas de férias, mas o seu não envio puro e simples, a situação dos autos.

Alega a recorrente, como se referiu, que aquela uniformização é aplicável a todos os casos em que haja a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias, quer estas tenham sido remetidas quer não, e, portanto, que o acórdão recorrido contraria frontalmente o AUJ nº 10/2001, sendo esta a questão objecto do recurso.
Ora, o que decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de uniformização de jurisprudência em questão foi que “no contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias, remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro”.

E a solução assumida nestes autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães, da qual a seguradora discorda e que pretende ver alterada, é que nunca tendo o tomador do seguro enviado à seguradora qualquer folha de férias, nem relativamente ao trabalhador sinistrado nem relativamente a qualquer outro trabalhador ao seu serviço, que o acórdão recorrido configurou como um “atraso” no envio das folhas, de todas as folhas, sem que a  seguradora  tivesse reagido a esse facto e mantendo-se o contrato válido e eficaz, não pode esta invocar esse facto para excluir a sua responsabilidade relativamente ao sinistrado, tanto mais que noutros casos (3) [ – que resulta dos autos terem ocorrido no período compreendido entre Março de 2016 e Junho de 2018 -]  relativamente a outros trabalhadores sinistrados aceitou, por tal atentar contra a boa-fé na execução dos contratos, constituindo abuso de direito, na medida em que a seguradora receberia  e cobraria prémios sem suportar qualquer risco, não lhe sendo, ademais possível, nestas condições escolher os trabalhadores que considera abrangidos, todos devendo tratar de igual forma.

O acórdão uniformizador pressupõe para a sua aplicação que tenham sido enviadas folhas de férias, não abrangendo a situação, nele não equacionada, em que tais folhas nunca foram enviadas.

Não existe, pois, entre as duas decisões a desconformidade invocada pela recorrente: o decidido no acórdão uniformizador de jurisprudência respeita às hipóteses de omissão do sinistrado nas folhas de férias enviadas à seguradora pelo tomador do seguro enquanto o decidido no acórdão recorrido respeita não à omissão do sinistrado nas folhas de férias enviadas à seguradora propriamente dita mas às consequências do não envio puro e simples, durante todo o período de execução do contrato, das folhas de férias, de qualquer folha de férias, relativamente a todos os trabalhadores do tomador do seguro, o que é diverso e distinto da omissão do sinistrado em folha(s) de férias enviada(s), estando em causa situações e questões jurídicas distintas e diversas, e, consequentemente, distintas as soluções jurídicas alcançadas pelo acórdão de uniformização de jurisprudência e pelo acórdão recorrido, e respectiva ratio decidendi.

Não se verifica, por conseguinte, a necessária identidade substancial entre a concreta questão de direito tratada no aludido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência e o decidido no acórdão recorrido susceptível de caracterizar a indispensável contradição frontal relativamente a tal questão, que facultaria à recorrente o acesso ao recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

Impõe-se, assim, concluir que não se verifica a situação prevista no artigo 629º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil, nem qualquer outra excepção à regra de que não é admissível recurso ordinário nas causas cujo valor não exceda a alçada do tribunal de que se recorre, o que conduz ao não conhecimento do objecto do presente recurso.

4. Decisão
Em face do exposto, acordam em não conhecer do objecto do presente recurso, por inadmissibilidade deste.
Custas pela recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 29 de Setembro de 2021



Leonor Cruz Rodrigues (Relatora)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Joaquim António Chambel Mourisco