DOCUMENTOS
NOTIFICAÇÃO À PARTE
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
INCUMPRIMENTO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário

I- A falta de junção pela autora, em acção não contestada, de documentos relativos à prova dos factos da acção, após notificada para o fazer, não deve sancionada com a deserção da instância.
II- A parte que alega factos que interessam à sua pretensão tem o ónus de os provar (art.342º, nº, do CC) – pelos meios mais adequados, mormente documentais, quando se trata de prova vinculada a tal forma probatória -, vendo naufragar a sua pretensão caso o não faça, podendo ser-lhe aplicada multa e sendo a sua conduta apreciada livremente pelo tribunal (art. 417.º, n.º 1 CPC).
III-A deserção da instância ocorre quando a parte não impulsiona os autos em circunstâncias diferentes daquelas que se relacionam com a prova dos fundamentos da acção ou da defesa (ex., quando nos autos se ignore o domicílio do citando e o autor, notificado, não procure esclarecer tal ponto, assim impedindo o prosseguimento dos autos com a devida citação).
IV- Na situação dos autos, os documentos solicitados à Autora têm natureza probatória e interessam apenas ao julgamento de mérito, não sendo aqui aplicáveis as regras da deserção da instância.
III -A sanção para a omissão do dever de colaboração é, pois, também ela de mérito – cifrada na avaliação das demais provas em conjugação com as regras do ónus probatório – e, eventualmente, tributária, devendo para tal, os autos prosseguir os seus termos.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
M., viúva, titular do Cartão de Cidadão nº…., e do NIF….., residente na Rua B B, nº…, , Vialonga, veio propor acção declarativa de condenação contra,
Grupo D, titular do NIPC nº…., com sede em Rua N S A, nº., Vialonga
Alegando o seguinte:
-A Autora trabalhou durante 14 anos de 08/04/2000, até 2014, para a Ré.
-Durante esse período foram efetuado os competentes descontos junto da Segurança social, conforme os recibos de vencimento que se juntam sob documento n.º1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais assim como os demais que se venham a juntar.
-No decurso desta relação laboral existiram dois acidentes de trabalho, em 2008 e 2011, conforme documentos 2 e 3.
-Pelo que existiria sempre um seguro de acidentes de trabalho a que a Autora pudesse recorrer, e cuja apólice lhe foi solicitada no Hospital de Vila Franca de Xira. Documento 4.
No entanto e muito embora tivessem existido duas ações em tribunal com vista a composição dos litígios referentes aos créditos salariais em dividas, designadamente salários em atraso, férias e subsidio de ferias, e subsidio de natal que nunca foram pagos. Cujas certidões já foram solicitadas para junção posterior aos autos.
Ainda assim,
Nunca a entidade patronal, ora Ré, procedeu à inscrição da autora na Segurança Social, pelo que a 6/06/2012, a ora Autora denunciou esta situação junto à Segurança Social. Conforme documento 5.
Em consequência da denúncia apresentada foi instaurada ação contra o g. d. de Vialonga, por abuso de confiança fiscal, e condenada a ora também Ré, a pagar os valores referentes aos valores retidos e não entregues à segurança Social. Documento 6.
A Autora trabalhou durante 14 anos como empregada de limpeza, teve dois acidentes de trabalho, que implicaram embates frontais, e em virtude de um desses acidentes, ocorrido a 13/11/2011, a Autora perdeu um dente da frente.
Devido ao acidente de trabalho que teve a autora perdeu o dente da frente, e como não havia qualquer apólice de seguro contratada, como já sobejamente visto nos documentos anteriores, teve e tem ainda aos dias de hoje de viver com essa situação.
Mas pior, é que a Autora ainda teve que suportar o pagamento do episodio de urgência, conforme documento 7, tendo posteriormente exigido judicialmente esse valor, como única forma de obter esse ressarcimento.
Mas até ao dia de hoje, e muito embora a Ré, saiba do sinistro e das consequências que este teve para a autora, ainda hoje nenhum dos membros da ré., teve a humanidade de proceder ao pagamento da reparação do dente partido com o acidente, pois o custo é de 1000,00€. Documento 8.
Em Dezembro de 2012, a autora sofreu de uma depressão, que foi incapacitante para poder laborar, como o fazia até então.
Como seria expectável o seu médico de família, emitiu o competente certificado de incapacidade para o trabalho, a 21/12/2012. Documento 9.
Pensou a autora e a sua família que poderia recuperar com a medicação adequada no sossego da sua casa, mas estava novamente enganada, pois o seu pedido de concessão de baixa médica foi recusado.
Ora a Segurança Social recusou o seu pedido com o motivo de que a Autora não se encontrava inscrita, conforme documento 10 e 11.
Assim a Autora não pode mais trabalhar, devido à grave depressão que sofre, nem pode usufruir do pagamento de baixa médica como seria expectável, legitimamente por parte da autora.
Assim a Autora não pode recorrer a um direito laboral, violando assim um principio constitucional, o direito à saúde tale quale, consagrado no Artigo 64.º CRP.
A Autora também não tem direito a reforma por velhice, conforme seria expectável, pois faltam anos e anos de descontos, uma vez que a sentença no âmbito do processo de abuso de confiança fiscal, apenas ficou limitada a 1/01/2009 e 15/12/2011, estando os restantes prescritos.
A autora neste momento tem 69 anos de idade, e não tem qualquer fonte de rendimentos.
Pois a Ré, não quis realizar os seus descontos, pois a Ré, descontava do seu já mísero salário, mas optou por não o entregar, nem de proceder à inscrição da autora junto da Segurança Social.
Ora a autora sente-se desprotegida, melindrada e injustiçada, com a situação, e como consequência, o seu estado de saúde tem se vindo a degradar.
A Autora foi considerada como incapaz de trabalhar, conforme relatório médico. Documento 12.
A autora tem dores crónicas com as quais tem de viver para o resto da sua vida, derivadas ao desgaste provocado pela profissão.
Padecendo também de “depressão reactiva à situação com a sua entidade patronal.”
A Autora tem o direito de ser ressarcida pelas dores físicas e pelos danos morais que sofreu e sofre ainda aos dias de hoje.
A Autora toma e terá que tomar medicação durante vários anos, conforme documento 13.
No plano do direito, refere ser entendimento da jurisprudência dominante que existe e merecem tutela os danos não patrimoniais, ainda que no âmbito da responsabilidade contratual, senão vejamos:
A aplicação analógica à responsabilidade contratual do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, expresso no capítulo da responsabilidade extracontratual, há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente, carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante.
Face ao supra exposto, deve a Autora ser ressarcida dos danos que sofreu, condenando a Ré ao seu pagamento na seguinte medida:
a) 1.000,00€ pagamento da reparação dentária em virtude do acidente de trabalho.
b) 1.337,40€ resultante da soma dos valores pagos mensalmente pela Autora com medicação resultante dos danos provocados pela entidade patrimonial.
c) 15.000,00€ referente aos danos morais, que sofreu e sofre ainda aos dias de hoje.
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Citado o Réu e apresentada contestação, veio a ser junto aos autos documento de indeferimento do pedido de apoio judiciário solicitado pelo Réu, por parte da Segurança Social.
Foi emitida guia para pagamento de multa, nos termos do art.570º, nº3, do CPC.
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Na falta de pagamento, foi proferido o seguinte despacho, a 01-10-2019:
Convido o R. a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa com o limite mínimo de 5 U.C., sob pena de desentranhamento da contestação, nos termos do artº 570º, nºs 5 e 6 do C.P. Civil.
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A. , notificado, na qualidade de Réu, relativamente ao processo supra identificado, para efectuar o pagamento da conta de custas da sua responsabilidade, vem, mui respeitosamente, requerer a V. Exa. se digne admitir o pagamento em 12 prestações mensais e sucessivas, porquanto o Réu não tenho forma alguma de pagar este montante na sua totalidade dado que tem mais um outro processo onde também tem de pagar custas nesse mesmo processo, por isso requer o pagamento em 12 prestações mensais e sucessivas.
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Indefiro o requerido dado que o disposto no artº 33º do Regulamento das Custas Processuais aplica-se às custas e não à taxa de justiça e multa a que aludem os nºs 3 e 5 do artº 570º do C.P. Civil e cuja omissão de pagamento tem como consequência o desentranhamento da contestação, deixando de ser devida a multa – cfr. nºs 6 e 7 do preceito.
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Nos termos do supra mencionado artº 570º, nº 6 do C.P. Civil determino o desentranhamento da contestação.
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Notifique a A. para, em 10 dias, juntar as certidões referidas no artº 5º da petição inicial e os documentos nºs 5 a 13, bem como certidão do seu assento de nascimento em face do por si alegado no artº 23º da petição inicial.
Deverá em igual prazo pronunciar-se, querendo, quanto à incompetência material deste Tribunal para apreciação do pedido formulado em a).
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M, tendo sido notificada do despacho veio expor e requerer quanto segue.
1.º No concernente ao pedido identificado como a) 1.000,00€ pagamento da reparação dentária em virtude do acidente de trabalho. A autora desiste do mesmo, sendo que a ação pode prosseguir quanto aos demais conforme descrita.
2.º Solicita-se ainda o prazo de 10 dias, para poder proceder a junção dos demais documentos em falta. Pelo que os mesmos ainda não foram entregues.
Juntou com este requerimento, os documentos correspondentes a três Atas, numerados como documento nº 11, nº22 e nº33, respectivamente.
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Por despacho de 10-2-2020 foi decidido:
Defere-se o requerido prazo de 10 dias, devendo ainda a Ilustre Mandatária da A. juntar nesse prazo procuração com poderes especiais contemporânea da desistência parcial do pedido”.
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A Autora veio requerer a junção aos autos da procuração forense com poderes especiais e ratificada assinada.
Veio ainda requerer a junção aos autos das certidões dos processos supra mencionados. Sendo que os mesmos não são suportados pelo apoio jurídico na modalidade de dispensa total, tendo sido por isso custeados pela própria.
FLGX-YJUH-KCTI-92SE
RE3T-6G3E-ITGC-51Y7
Juntou: 2 comprovativos do pagamento das certidões.
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Em 23-6-2020, foi proferida a seguinte decisão:
Nos presentes autos veio a Ilustre Mandatária da A., com poderes especiais conferidos pela procuração ora junta, declarar desistir do pedido formulado na alínea a) contra o R. quanto ao pedido de pagamento da reparação dentária no montante de € 100,00.
É lícito ao A. desistir do pedido, no todo ou em parte, em qualquer altura, podendo a desistência fazer-se por documento autêntico ou particular ou por termo no processo, nos termos dos artºs 283º, nº 1 e 290º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Nos termos ainda do disposto nos artºs 285º, nº 1 e 286º, nº 2 do Código de Processo Civil, a desistência do pedido é livre e extingue o direito que se pretendia fazer valer.
Pelo exposto, julgando-a válida, quer pela disponibilidade do objecto, quer pela qualidade da interveniente e observância da forma legal, ao abrigo do disposto nos artºs 277º, al. d), 283º, nº 1, 289º a contrario e 290º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, homologo pela presente sentença a desistência do pedido acima referido e, em consequência, declaro extinto o direito que a A. pretendia fazer valer com o mesmo.
Custas pela A. nesta parte – artº 537º, nº 1 do C.P. Civil.
Registe e notifique.
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Aguardem os autos a junção ordenada em 25.11.2019 das certidões e documentos, sem prejuízo do disposto no artº 281º do C.P. Civil.
Dê baixa.
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Em 18-01-2021, foi proferida a seguinte decisão:
Ao abrigo do artº 281º, nºs 1 e 4 do C.P. Civil julgo extinta a instância por deserção.
Valor da causa: € 17.337,40 (artºs 297º, nºs 1 e 2 e 306º, nº 2 do C.P. Civil).
Custas pela A. – artº 527º, nº 1 do C.P. Civil.
Notifique.
Dê baixa.
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Por requerimento de 1-2-2021, a Autora veio expor e requerer o seguinte:
1.ºA Autora requereu junção aos autos da procuração forense com poderes especiais e ratificada assinada, bem a junção aos autos das certidões dos processos supra mencionados. Sendo que os mesmos não são suportados pelo apoio jurídico na modalidade de dispensa total, tendo sido por isso custeados pela própria.
FLGX-YJUH-KCTI-92SE
RE3T-6G3E-ITGC-51Y7
2.º A Autora foi forçada a juntar apenas os comprovativos de pedido das certidões, e não as mesmas, pois tentou junto do tribunal não tendo o mesmo pedido sido aceite.
3.º Ao juntar o código dos pedidos concluiu que o exigido pelo tribunal estava concluído.
4.º Em momento algum foi indicado que o requerido não se encontra satisfeito.
5.º Assim não enviou mais documentação.
6.º Pois foi levada a acreditar que tinha cumprido o demandado.,
7.º Em abono da verdade se dirá que nem foi comunicado essa deficiência, nem estas podem relevar para a decisão final. Pois refere-se a uma parte do pedido que foi objeto de desistência por parte da Autora.
8.ºAssim,
Também podia ter sido informada a Autora, que estavam os autos a aguardar o envio das certidões, e que o havia sido enviado não era o suficiente.
9.º Pois logo que o tribunal tivesse disponibilizado a certidões então teria junto as mesmas.
10.º Pelo que somente por mero lapso se poderia considerar como deserta a instância.
11.º Assim e tendo em consideração o principio da economia processual e da colaboração entre as partes, requer que seja admitido à junção aos autos das certidões, ora emitidas e bem assim, da prossecução dos autos e da emissão da sentença final.
Junta: 2 certidões.
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Em 2-3-2021 foi proferido o seguinte despacho:
Encontra-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal e a A. foi previamente notificada do despacho de 23.06.2020, pelo que nada mais há ordenar.
*
A Autora veio interpor recurso da decisão que julgou deserta a instância, concluindo da forma seguinte:
A. Entendeu o tribunal a quo que em virtude das certidões de processos transitados em julgado, e cuja cópia já estava nos autos, digitalizadas, não terem sido juntas em papel mas apenas pelos links deveria a instância ser considerada deserta.
B. A Recorrente não se conformou tendo explanado a situação e apresentado os seus argumentos, que cumpriu o demandado, designadamente a junção dos comprovativos de pagamento e ainda dos links de acesso, e que aguardou.
C. O Tribunal a quo, não emitiu qualquer despacho em que informasse os autos que faltaria qualquer elemento de prova, que teria sido protestado juntar.
D. A Recorrente e a sua mandatária ficaram a aguardar a tramitação dos autos e a decisão final, pois a contestação da parte contrária fora desentranhada por extemporânea. Levando assim a confissão dos factos.
E. Pois é essa a conclusão legal da falta de contestação em processo civil.
F. A Recorrente tentou obter as certidões com recurso ao pagamento do apoio jurídico, o que veio a compreender que não era aceite para fins de apoio jurídico, pelo que as mesmas foram custeadas, pela sua mandatária afim de cumprir o prazo estipulado no despacho.
G. Assim que as certidões foram pagas, os comprovativos de pagamento das mesmas, e os seus links de acesso, bem como a procuração com poderes especiais ratificadas, foram juntas aos autos.
H. Até à presente data, não obteve qualquer resposta, nem qualquer pedido de documentos e /ou de esclarecimentos por parte do Tribunal a quo.
I. Ficou a recorrente a aguardar que o seu processo fosse assim tramitado e emitida a decisão final, que em face às circunstancias seria de condenação da Ré, por falta de contestação.
J. Embora esperando ansiosa, pois é muito idosa e conta com a ajuda dos filhos para sobreviver, ainda assim pacientemente esperou pois acreditou que devido à pandemia, e ao confinamento as dificuldades em laborar são maiores.
K. No entanto vem a recorrente ser surpreendida pela sentença de deserção da instância.
L. E com esta decisão não se pode contentar, pois nada do que foi pedido não foi entregue, e em obediência ao principio de colaboração entre as partes, se foi mal cumprido, ou insuficientemente cumprido deveria o Tribunal A quo, disso dar conhecimento.
M. Ora a Recorrente é autora e apresentou uma Petição inicial, juntou a documentação necessária, a parte contraria para todos os efeitos não contestou, e muito embora tivesse junto todos os documentos, em tempo, o que foi extremamente difícil de conseguir devido ao confinamento.
N. Ainda assim viu a instância deserta.
O. O Tribunal nem se manifestou sobre a necessidade de aperfeiçoar o requerimento, ou que algo faltasse para que existisse sentença.
P. Nesse sentido escreveu Miguel Teixeira de Sousa, “A "forma pela forma" impôs-se e serviu de parâmetro de decisão. Em contraste com os referidos acórdãos, bem andou o STJ 26/5/2015 (1426/08.7TCSNT.L1.S1), ao defender o seguinte:
Q. "No âmbito da impugnação sobre a matéria de facto, a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, [...] do CPC [...] não funciona, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação."
R. Processo é, naturalmente, forma. Mas a forma deve ser um instrumento para a obtenção da tutela requerida, não um obstáculo à obtenção da tutela, nem, muito menos, um pretexto para a não obtenção da tutela.
S. 3. O legislador não tem de referir artigo a artigo o dever de cooperação do tribunal com as partes. O dever de cooperação é um princípio estruturante do processo civil português (não certamente por acaso constante de um dos artigos iniciais do CPC (cf. art. 7.º)), o que implica que os artigos do CPC devem ser aplicados em consonância com esse mesmo dever. Em vez de uma leitura atomizada dos artigos do CPC, o que naturalmente se impõe é uma aplicação do CPC em consonância sistemática com os seus princípios estruturantes, nomeadamente com o dever de cooperação do tribunal.
T. Neste sentido, o que se pode desejar é que uma jurisprudência que desrespeita o princípio da cooperação e, em especial, o dever de colaboração do tribunal não se torne dominante. Se isso suceder, o disposto no art. 7.º CPC tornar-se-á letra morta e o tão criticado formalismo processual voltará a imperar. É este o futuro que se quer para o processo civil português? Pulicado in InVerbis - O dever de colaboração do tribunal está a ser cumprido?
U. A nossa jurisprudência designadamente o Supremo Tribunal de Justiça, também tem entendido que “- Deve ser anulada a decisão que decreta a deserção da instância, que, por inobservância do dever de consulta e do dever de prevenção das partes – cujo cumprimento se impunha face às circunstâncias concretas do processo –, integra violação do princípio da cooperação (art. 7.º do CPC)-http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e623a78cb415ef9c802582960031305e
V. E ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que “I - Circunscrevendo-se a alegação do recorrente à matéria da violação das normas de direito probatório processual que presidiram à decisão sobre a alteração da matéria de facto empreendida pela Relação, no âmbito dos pressupostos da reapreciação da matéria de facto, e não, propriamente, à modificação, pura e simples, da mesma matéria de facto, e não, propriamente, à modificação, pura e simples, da mesma matéria de facto, em razão do questionamento que o STJ pudesse realizar quanto ao princípio, tendencialmente, soberano, da livre apreciação de prova pela Relação, inexiste fundamento legal para rejeitar a admissibilidade do recurso de revista.
W. II - A exigência de conclusões na alegação cumpre uma missão importante de levantamento das questões controversas, procurando evitar a impugnação geral, vaga e indefinida, mas, também, a viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.
X. III - No âmbito da impugnação sobre a matéria de facto, a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria da alínea b) do n.º 2 do art. 640.º do CPC, a propósito da “exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso”, não funciona, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação.
Y. IV - Deve ser defendido, indistintamente, idêntico entendimento, em relação à previsão legal do convite ao aperfeiçoamento, quanto à matéria de facto e à matéria de direito, na decorrência do preceito geral comum, contido no n.º 1 do art. 639.º, do CPC, não obstante inexistir uma disposição legal específica sobre a impugnação da decisão quanto à matéria de facto, onde, textualmente, se consagre a possibilidade da prolação do despacho de aperfeiçoamento, porquanto, faltando aquelas especificações quanto aos factos e aos meios probatórios, as conclusões revelam-se deficientes, o que confere cobertura legal ao sobredito convite de aperfeiçoamento, ainda com base no preceituado pelo art. 639.º, n.º 3, 1.ª parte, uma vez que, então, as conclusões são deficientes, considerando o princípio da promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, a que se reportam os arts. 6.º, n.ºs 1 e 2 e 411.º, do CPC.
Z. V - A entender-se que as sobreditas especificações, em relação aos pontos de facto impugnados e aos meios de prova, deveriam, desde logo, constar do corpo das alegações, o convite ao aperfeiçoamento que o n.º 1, ao contrário do n.º 2, do art. 640.º, do CPC, consente, estaria sempre coberto pelos princípios da cooperação, do poder de direção do processo pelo juiz e do inquisitório, do contraditório e da proibição da indefesa, não se mostrando provido de bom senso e razoabilidade que, então, convidado o recorrente a pronunciar-se sobre a omissão e pretendendo supri- la, convenientemente, o tribunal determinasse a rejeição do recurso.
AA. VI - Mas, quando as alegações do recorrente permitam conhecer os pontos de facto que o mesmo considera mal julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e o sentido da decisão defendida, se o Tribunal «ad quem» e a parte contrária conseguem apreender as questões suscitadas pelo recorrente, já não se justifica o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, a fim de não retardar o andamento do processo com um ato reprovado pelo princípio da economia processual.
BB. VII - Se o recorrente não alegar, ou alegando, não concluir, o requerimento de interposição do recurso é indeferido, nos termos do estipulado pelo art. 641.º, n.º 2,  b), do CPC, mas se alegar e concluir, faltando as especificações quanto à exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, o mesmo é, imediatamente, rejeitado, mas se, apenas, faltar a indicação dos concretos pontos de facto que considera, incorrectamente, julgados, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida, ou sobre o sentido da decisão que defende ou a indicação das normas jurídicas violadas, o sentido em que as mesmas deveriam ser interpretadas e aplicadas ou, em caso de erro, a norma jurídica que deveria ser aplicável, a rejeição do recurso só pode ser determinada, atento o estipulado pelos arts. 640.º, n.ºs 1 e 2 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, após prévio convite inconclusivo quanto ao aperfeiçoamento das alegações, exceto se o Tribunal «ad quem» e a parte contrária conseguem apreender as questões suscitadas pelo recorrente.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e623a78cb415ef9c802582960031305e
CC. Em conformidade com o supra exposto, deverá o Douto Despacho ser revogado, impedindo a cominação legal da deserção da instância.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Vistos os autos, cumpre decidir:
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QUESTÃO A DECIDIR:
Se a não junção pela autora de documentos relativos à prova dos factos da ação é sancionada com a deserção da instância.
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FUNDAMENTAÇÃO:
OS FACTOS RELEVANTES SÃO OS QUE CONSTAM DO RELATÓRIO SUPRA:
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DE DIREITO:
A deserção constitui uma das formas de extinção da instância previstas no artigo 277.º, alínea c), do CPC.
Na perspetiva de uma justiça célere e cooperante, prevê a lei mecanismos para obstar à eternização dos processos em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo (cf. acórdão do TRL de 9.9.2014, p. 211/09.3TBLNH-J.L1-7, in www.dgsi.pt).
A extinção da instância não está previamente dependente da sua interrupção, como sucedia, anteriormente, no Código de Processo Civil de 1961 (artigo 285.º).
Opera quando a instância fique paralisada por mais de seis meses, por negligência da parte.
A conduta negligente que conduz à figura da deserção traduz-se numa situação de inércia imputável à parte. Está em causa a assunção pela parte de um ato ou de uma atividade unicamente dependente da sua iniciativa, como por exemplo o ato de requerer a habilitação de herdeiros em face do óbito de uma das partes.
Tal conduta omissiva e negligente só «cessará com a prática do ato que, utilmente, estimule a instância, ou com a superveniência de uma circunstância que subtraia à vontade da parte a possibilidade da sua prática» (Paulo Ramos de Faria, O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial, abril de 2015, p. 6, in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf).
Precisamente porque a noção de negligência das partes não se harmoniza facilmente com a ausência de uma decisão do juiz que a aprecie, «a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator» (artigo 281.º, n.º 4, do CPC) – produzindo-se, pois, o seu reconhecimento ope judicis, e não ope legis (Paulo Ramos de Faria, obra citada, p. 9).
Em suma:
- A deserção da instância não é automática pelo simples decurso do prazo, ao contrário do que sucedia na lei anterior («independentemente de qualquer decisão judicial» - artigo 291.º, n.º 1, do CPC de 1961). Para além da falta de impulso processual «há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento» (acórdão do TRP de 2.2.2015, p. 4178/12.2TBGDM.P1,in www.dgsi.pt);
- O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do artigo 281.º é meramente declarativo, limitando-se o tribunal a constatar que a deserção se verificou por ter havido inércia negligente durante mais de seis meses da parte onerada com o impulso processual, não significando sequer que só na data desse despacho a deserção se tenha completado.
Sufragamos o entendimento de Paulo Ramos de Faria, para quem «Quando nos referimos a um efeito declarativo do julgamento da deserção, fazemo-lo dando à expressão o sentido adotado pela jurisprudência que aqui se recupera, adiante desenvolvido. Do que se trata é de saber se o facto jurídico processual extintivo da instância é interpretado (praticado) pelo juiz, ou se, diferentemente, este se limita a declará-lo. No primeiro caso, a decisão é verdadeiramente constitutiva, sendo a causa da extinção da instância, isto é, produzindo a sua extinção com efeitos processuais ex nunc – é o que ocorre com o julgamento da causa (al. a) do art. art. 277.º).
No segundo caso, a decisão diz-se meramente declarativa, embora, em rigor, estejamos perante um efeito processual constitutivo ex tunc» (cf. obra citada, p. 9).
Rematando com a conclusão de que estamos perante um decisão de natureza declarativa e efeito processual constitutivo ex tunc, prossigamos na análise do caso.
Emerge dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º do CPC um dever de o juiz gerir o processo, desde logo promovendo o seu andamento célere em colaboração com as partes.
Não obstante o princípio da autorresponsabilidade das partes perdure no atual código (cf. artigos 6.º, n.º 1, ressalva, e 7.º, n.º 1, do CPC), quando se está perante um caso em que o impulso apenas cabe à parte, o juiz deve clarificá-lo nos autos, ficando a parte notificada plenamente consciente de que a demanda aguarda o seu impulso pelo prazo de deserção - cf. acórdão do TRG de 15.1.2015, p. 990/14.6T8BRG.G1, in www.dgsi.pt.
Ancorando-se o encerramento do processo no julgamento da verificação dos dois pressupostos da deserção, não pode ela ser declarada sem que as partes tenham oportunidade de se pronunciarem sobre a questão, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Porém, a necessidade do contraditório é de geometria variável, não sendo curial adotar soluções redundantes que o princípio do contraditório não exige.
Do exposto resulta que, não se poderá dizer, sem mais, que devem as partes ser ouvidas depois de se verificarem os pressupostos da deserção, mas antes do seu julgamento. Tudo dependerá do grau de concretização pelo tribunal do princípio da cooperação, do dever de prevenção e do dever de gestão processual, antes de se ter completado o prazo de deserção.
Em sentido contrário, destacando a importância do esclarecimento das partes após o termo do prazo para a sua ocorrência, pronunciou-se Miguel Teixeira de Sousa [in Blogue do IPPC, «Jurisprudência (75)», nota 16, e «Jurisprudência (85) – Deserção da instância; aplicação da lei no tempo; dever de prevenção do tribunal», em comentário ao acórdão do TRP de 10.2.2015, p. 3936/08.7TJCBR.C1, publicado em 25.2.2015].
Tendo presentes as considerações expostas, vejamos a situação dos autos.
 Há que centrar o olhar no despacho proferido que determina “Notifique a A. para, em 10 dias, juntar as certidões referidas no artº 5º da petição inicial e os documentos nºs 5 a 13, bem como certidão do seu assento de nascimento em face do por si alegado no artº 23º da petição inicial.
Deverá em igual prazo pronunciar-se, querendo, quanto à incompetência material deste Tribunal para apreciação do pedido formulado em a).
A Autora veio a desistir do pedido formulado em a), desistência que foi homologada por sentença.
Foi junta aos autos cópia das certidões referidas no art.5º da p.i., que, em rigor, se reportam a matéria que não está em causa nos presentes autos.
E foi em torno destas certidões que a Autora centrou a sua actuação, juntando posterior acesso às mesmas, mas descurando o pedido de junção dos documentos nºs 5º a 13º, bem como a certidão de nascimento solicitadas.
O certo é que em 23-6-2021, foi determinado que os autos aguardem a junção ordenada em 25.11.2019 das certidões e documentos, sem prejuízo do disposto no artº 281º do C.P. Civil.
Sendo posteriormente proferido despacho a declarar deserta a instância nos termos daquele art..281º do CPC.
Daí que não esteja em causa apenas o cumprimento de dever de colaboração processual em relação á junção das certidões, contendo homologação de acordos de outros processos.
 Para que a omissão da atividade processual não seja negligente será necessário a invocação pela parte de dificuldades concretas que se deparem e também esta situação está prevista no art. 7.º, relativo à colaboração processual.
Com efeito, o seu n.º 4 prevê exatamente a colaboração do tribunal na remoção de tais dificuldades, desde que a parte, como é seu ónus, alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual.
É certo que o tribunal nada disse, nem sabemos se diligenciou por visionar as certidões referidas no art.5º.
Mas já salientamos que existiam outros documentos cuja junção fora solicitada e sobre os quais a Autora não se pronuncia em momento posterior à data em que pede a prorrogação do prazo de 10 dias, concedido pelo tribunal, em tempos.
Dai que seja manifesto que, em termos globais, houve negligência da Autora quanto à junção dos documentos solicitados pelo tribunal.
Questão diferente é saber se a falta de junção dos documentos que a Autora alegou juntar para servirem como meio de prova dos factos alegados na acção, é motivo para declarar deserta a instância.
Estava o andamento processual in casu dependente da iniciativa estrita e vinculada da Autora, numa acção em que nem sequer foi admitida a contestação?
É evidente que não.
Está em causa a junção de documentos que respeitam à prova de factos alegados na petição inicial.
A parte que alega factos que interessam à sua pretensão tem o ónus de os provar (art.342º, nº, do CC) – pelos meios mais adequados, mormente documentais, quando se trata de prova vinculada a tal forma probatória -, vendo naufragar a sua pretensão caso o não faça, podendo ser-lhe aplicada multa e sendo a sua conduta apreciada livremente pelo tribunal (art. 417.º, n.º 1 CPC).
Em qualquer caso a omissão é cominada com a deserção da instância a qual só ocorre quando a parte não impulsiona os autos em circunstâncias diferentes daquelas que se relacionam com a prova dos fundamentos da ação ou da defesa (ex., quando nos autos se ignore o domicílio do citando e o autor, notificado, não procure esclarecer tal ponto, assim impedindo o prosseguimento dos autos com a devida citação).
A solução foi muito claramente explicitada no acórdão do STJ, de 3.5.2018 (Proc. 217/12.5TNLSB.L1.S1), publicado in www.dgsi.pt,  Relator Conselheiro Tomé Gomes, que refere: O incumprimento da parte em sede do dever de apresentação de documento probatório poderá ter como consequência a condenação da parte faltosa em multa e ainda a livre apreciação do valor da recusa para efeitos probatórios, incluindo a inversão do ónus da prova. E, se o documento se destinar a demonstrar factos cujo ónus probatório incumba à própria parte que o não junte, será esta desfavorecida pela falta de prova -desse facto, sem prejuízo de poder ser condenada como litigante má-fé instrumental, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPC. Assim, salvo tratando-se de documento de que a lei faça depender o prosseguimento da ação, o incumprimento do dever da parte no tocante à apresentação de documentos probatórios para que foi notificada não se reconduz a inobservância do ónus de impulso processual especialmente imposto por lei nem se inscreve sequer na economia do desenvolvimento da instância, não sendo portanto, determinativo da sua deserção nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do CPC, sendo, quando muito, suscetível de se repercutir no plano probatório do julgamento de mérito.
Os documentos solicitados à Autora têm esta natureza probatória e interessam apenas ao julgamento de mérito, não sendo aqui aplicáveis as regras da deserção da instância.
A sanção cogitável para a omissão de colaboração é, pois, também ela de mérito – cifrada na interpretação da demais prova em concatenação com as regras do ónus probatório – e, eventualmente, tributária, pelo que não se vislumbram aplicáveis as regras da deserção da instância, conforme defende, entre outros, o Ac. da RP de 4/2/2019, Proc. nº 1082/10.2TBMCN-CN-C.P1, também publicado in www.dgsi.pt.
Em face da posição que assumimos e com este fundamento, impõe-se julgar procedente o recurso, prosseguindo os autos os seus termos normais.
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DECISÃO:
Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a Apelação, revogando o despacho recorrido, a substituir por outro que ordene o prosseguimento dos autos para a ulterior fase processual.
- Custas pela parte vencida a final.

Lisboa,16/9/2021
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Maria do Céu Silva