A pena acessória de proibição de conduzir não pode ser cumprida por forma descontínua, fora do horário laboral, sendo que a natureza do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com a inerente perigosidade decorrente da conduta nele pressuposta, surge como adequada e proporcional à sanção de proibição de conduzir, mesmo que dela possa decorrer, eventualmente, a perda de emprego por parte do arguido.
Não se suscitam quaisquer outras questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso.
Profere-se, desde já, decisão sumária – art. 417º n.º 6 alínea d) do CPP.
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DECISÃO SUMÁRIA – art. 417º n.º 6 alínea d) do CPP
I.–RELATÓRIO:
Nos presentes autos de processo sumário foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, em 02/03/2021, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), perfazendo a quantia total de 400,00 euros (quatrocentos euros).
Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, de qualquer categoria, pelo período de 7 (sete) meses, ao abrigo do disposto no art.º 69.º, nºs 1, al. a) e 2, do Código Penal;
E condenado, ainda, a pagar as custas do processo, fixando-se em 2 UC´s a taxa de justiça, reduzida a metade, por força do disposto no art.º 344.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, e art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais.
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Inconformado com a sentença condenatória, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes.
CONCLUSÕES:
I.–O recorrente foi condenado como autor material na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º n.º1, º 1, do Código Penal, na pena de 400 euros de multa e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 7 (sete) meses.
II.–Resultou provado em sede de audiência de julgamento o Recorrente desempenha funções de serralheiro civil e técnico de automatização, competindo-lhe conduzir viatura para exercer a sua função profissional, necessitando da mesma imperativamente.
III.–Ao não poder exercer a sua actividade e profissional durante 7 (sete) meses, a entidade patronal manifestou intenção de proceder ao seu despedimento, sendo despedido com justa causa, este deixará de ter rendimentos de trabalho, dos quais carece para viver e para o seu agregado do familiar, composto por companheira e filha de 18 anos, ambas desempregadas e dependentes do vencimento do Arguido.
IV.–A ser executada a pena acessória, nos seus precisos termos, poderemos estar a atravessar a boundary line para a violação do direito constitucional ao trabalho e à sua vivência individual individua e familiar.
V.–As finalidades das penas, prevenção geral e especial, encontram-se asseguradas pela pena principal: a protecção dos bens jurídicos fundamentais e consciencialização e socialização do arguido, sendo que a pena acessória de inibição de conduzir, nos seus precisos termos, retirará ao arguido a possibilidade de se manter socializado, frustrando o efeito da prevenção especial, desta feita o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir durante os períodos não laborais mostra-se suficiente e adequado para cumprir as finalidades da pena acessória, contribuindo, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, uma vez que lhe causará constrangimento, funcionando com o efeito de prevenção geral de protecção dos bens jurídicos fundamentais e com o princípio da prevenção especial, consciencializando--o da sua conduta errada.
VI.–Como forma de cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir, o Arguido não conduziria veículos aos fins-de-semana, entregando para o efeito a sua carta de condução, no posto da polícia da sua área de residência, à sexta--feira, e iria levantá-la após as 20h de domingo, assim como a entregaria durante o seu período de férias, pena acessória esta que se mostrará suficiente e adequada, tanto mais que, de outra forma, estará a ser colocado em crise o direito constitucionalmente protegido ao trabalho, nos termos do art. 58.º da Constituição da República Portuguesa.
VII.–A douta sentença em recurso fez errada interpretação e aplicação do:
-art. 40.º n.º1, do Código Penal;
-art. 69.º do Código Penal;
-art. 71.º, do Código Penal;
-art. 58.º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes estes termos e nos melhores de direito que V.Exa doutamente suprirá deverá o presente recurso ter provimento por provado e, consequentemente ser a sentença proferida em primeira instância substituída por outra, que reduza o período da sanção acessória de inibição de condução para os legais os mínimos legais e que seja cumprida a referida sanção em fins-de -semana e períodos de férias do Recorrente na senda da sempre pretendida JUSTIÇA!
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Na 1.ª instância o Ministério Público apresentou resposta ao recurso, na qual pugna pela sua improcedência, tendo formulado as seguintes
CONCLUSÕES:
a)-A aplicação da pena acessória de proibição de conduzir não viola os direitos do arguido, designadamente o direito ao trabalho, apenas comportando uma proibição temporária do exercício da condução, de forma alguma desproporcionada e desadequada.
b)-A definição e aplicação das penas está norteada pelo princípio da legalidade e o catálogo das penas e o seu modo de execução é taxativo e estabelecido, necessariamente, por lei, sendo certo que o regime jurídico das penas acessórias,regulado nos art.º 65º a 69º do Código Penal, não prevê a possibilidade do seu cumprimento em regime que não seja contínuo.
Por todo o exposto, bem andou a Mm.ª Juíza a quo ao proferir a douta sentença recorrida, não se mostrando violada qualquer norma ou princípio jurídico.
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O Sr. Procurador Geral Adjunto, nesta instância, teve vista do processo e pronunciou-se pela improcedência do Recurso.
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II–FUNDAMENTAÇÃO:
A. –Com interesse para a presente decisão temos como provado
que:
- O arguido confessou os factos constantes da acusação pública.
Atento o seu CRC, verifica-se que:
- Por factos praticados em 16/2/2012, por sentença transitada em julgado em 20/9/2012, o arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência na pena de 70 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses (desobediência pela recusa de se submeter a exame para quantificação de álcool no sangue, como se depreende da condenação em pena acessória);
- Por factos praticados em 28/3/2010, por sentença transitada em julgado em 7/5/2015, o arguido foi condenado pela prática de mais um crime de desobediência e outro de condução perigosa de veículo rodoviário na pena de 100 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 7 meses.
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D.– APRECIAÇÃO DO RECURSO:
Em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, cremos ser caso de decisão sumária, nos termos do artigo 417º/6 alínea d) C P Penal, devendo “o recurso ser rejeitado”, por “ser manifesta a sua improcedência”, artigo 420º/1 alínea a) C P Penal.
Senão vejamos.
Nos expressivos dizeres de Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 5ª ed., 2002, pág. 111, a improcedência é manifesta quando, “atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos Tribunais Superiores, é patente a sem razão do recorrente, sem necessidade de ulterior e mais detalhada discussão jurídica em sede de alegações”.
Como se está face a caso de rejeição de recurso por ser manifesta a sua improcedência, artigo 420º/1 C P Penal, identificados que estão, já, nos termos do artigo 420º/3 C P Penal, o tribunal recorrido, o processo e os sujeitos, importa agora, especificar sumariamente os fundamentos da decisão.
- Resta, então, apreciar, a questão que vem colocada no presente recurso, que se traduz (“en passant” referido nas conclusões do Recorrente) na circunstância de o tempo de cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir dever ser reduzido.
Dispõe o artigo 40° C Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, nº. 1 e, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, nº. 2.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas: a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições, cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.
A norma do artigo 40° condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: proteção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de “antagonista por excelência da prevenção”, em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
“O modelo do C Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de proteção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40° determina, por isso, que os critérios do artigo 71° e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no atual programa político do C Penal e, de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção, porque de proteção de bens jurídicos, acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa proteção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada”, cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências do crime, 227 e ss.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71° do C Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral, a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente, cfr. Ac STJ de 28.9.2005, in CJ, S, III, 175.
Dispõe o nº. 1 do artigo 71º C Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
A propósito desta operação tão complexa, ensina Figueiredo Dias que “há uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; medida pois que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo. Mas, abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é efectiva e consistente e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se sem que esta perca a sua função primordial; até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar”.
Assim, “dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídico - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena”.
A culpa funcionará sempre como limite máximo absolutamente inultrapassável, de acordo com o n.º 2 do artigo 40º C Penal, enquanto que o limite mínimo deverá ser encontrado tendo em conta aquela pena que responda à necessidade de tutela dos bens jurídicos e à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada ou reafirmação contra-fáctica da norma.
“As penas, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador e são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”, cfr. Ac STJ de 2.10.97, no site da dgsi.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídica do crime, 227, “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A medida da pena há-de ser dada pela tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz nas expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”.
Voltando ao caso concreto.
Atento o registo criminal do arguido e a taxa de álcool que resultou provada, sem esquecer que o arguido confessou os factos (e certo é que seria difícil negá-los) é patente que 7 meses de inibição de conduzir é um limite perfeitamente adequado às circunstâncias do caso.
Não se vislumbrando motivos para reduzir tal limite já próximo do mínimo, sendo justo e adequado ao caso concreto.
A segunda questão e aquela que o Recorrente efetivamente esgrime nas suas motivações de recurso prende-se com a forma que pode assumir, o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir e concretamente, a de saber se pode a sua execução ser descontínua.
Pretende o recorrente cumprir tal sanção durante o período das férias, e em fins de semana, segundo resulta da sua proposta de calendarização.
Dispõe o artigo 147º/1 do Código da Estrada que, “a sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir”.
Como inquestionavelmente decorre do artigo 138º/5, do atual Código da Estrada, “as sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos”.
Por sua vez o artigo 182º do mesmo diploma sob a epígrafe de “cumprimento da decisão” dispõe que:
1.–a coima e as custas são pagas no prazo de 15 dias úteis a contar da data em que a decisão se torna definitiva, devendo o pagamento efectuar-se nas modalidades fixadas em regulamento;
3.–sendo aplicada sanção acessória, o seu cumprimento deve ser iniciado no prazo previsto no número anterior do seguinte modo:
a)-tratando-se de inibição de conduzir efetiva, pela entrega do título de condução à entidade competente”.
Por sua vez, preceituam, quer o artigo 69º/3 C Penal, quer o artigo 500º/2 C P Penal, que, “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo se não encontrar já apreendido no processo”.
Na interpretação das normas jurídicas, o argumento literal, não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, na tarefa, por vezes árdua, de procurar o sentido da norma querido pelo legislador.
O texto é o ponto de partida da interpretação, quando o sentido para que nos remete não seja paradoxal.
Por um lado, apresenta-se com uma função negativa:
- a de eliminação daqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, correspondência ou ressonância nas palavras da lei, e, por outro,
- com uma função positiva, nos seguintes termos:
“primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redação do texto atraiçoou o pensamento do legislador;
quando, como é de regra, as normas, fórmulas legislativas, comportam mais que um significado, então a função positiva do texto produz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis; e que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita; ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto, nem sempre exacto, de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”, cfr,. João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, 2000, pág. 182.
Em termos de regras de interpretação, dispõe o artigo 9º/1 C Civil, que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos jurídicos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Por outro lado, dispõe o nº. 2 da mesma norma que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, nº. 3 da mesma norma.
Ora, no caso, não só se deve eliminar o sentido apontado pelo recorrente, por não ter qualquer apoio nas palavras da lei, como, porque o texto da norma comporta apenas o afirmado sentido constante da decisão recorrida e, outras normas se não conhecem que apontem para que o pensamento do legislador se tenha exprimido, digamos, que, por defeito.
Cremos que da conjugação destas normas, decorre, a impossibilidade de, quer a sanção acessória prevista no Código da Estrada, quer a pena acessória, prevista no C Penal, poder ser cumprida de uma forma descontinuada no tempo.
À mesma conclusão chegamos se tivermos presentes os fins preconizados com tal sanção: com efeito, as penas e sanções acessórias não visam os mesmos fins das penas, destinando-se, antes a acautelar, a prevenir, pela introdução de mais um quid, situações anti-jurídicas levadas a cabo pelo infractor e colhem a sua justificação na verificação de uma actuação ilícita e reprovável, ético-juridicamente, ajustando-se na sua medida à pena que lhe serviu de fundamento e de acordo com os princípios da necessidade de prevenção.
A aplicação de uma pena ou de uma sanção acessória não pode considerar-se como meramente simbólica e de eficácia de prevenção insuficiente, pois pode induzir à conclusão de que o crime ou a contra-ordenação, podem ser punidas de forma muito branda, pondo em crise as finalidades visadas com a sua aplicação.
A Jurisprudência designadamente da 2ª Instância, vem pronunciando-se, de forma uniforme e reiterada sobre a questão, de que constituem exemplo, os arestos seguintes:
Ac. Do TRP de 10.12.97, in CJ, V, 239, relator, Dias Ferreira, “a pena acessória de inibição de conduzir tem de ser cumprida de forma contínua no tempo, sem qualquer interrupção”;
Ac. Do TRP de 3.2.99, relator Veiga Reis, in site da dgsi, “o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis decorrerá de forma contínua a partir da entrega ou da apreensão da licença de condução, sendo legalmente inadmissível o seu cumprimento por períodos”;
Ac. RC de 4.2.99, in CJ, II, 40, relator Anjos Catarino, “não é possível a substituição do cumprimento da sanção acessória da faculdade de conduzir, de modo contínuo, por um cumprimento descontínuo, em fins de semana ou durante as férias”;
Ac. RC de 29.11.2000, in CJ, V, 49, relator Gomes Alexandre, “a inibição de conduzir tem de ser cumprida em dias seguidos, não podendo o seu cumprimento ser deferido nem sendo possível cumpri-la aos fins de semana”;
Ac. RG de 10.3.2003, in CJ, II, 285, relator Miguez Garcia, “a pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor tem que ser cumprida de modo seguido e ininterrupto, não podendo o seu cumprimento suspender-se durante os fins de semana”;
Ac. RL. de 10.3.2005, relator Cid Geraldo, in CJ, II, 128, " o cumprimento da sanção acessória de proibição de conduzir não pode ser efectuado de forma descontínua”;
Ac. RL de 26.4.2006, relator Varges Gomes, in pgdlisboa.pt, "a proibição de conduzir imposta ao arguido, tem de ser cumprida de forma contínua no tempo, sem qualquer interrupção... não sendo possível o seu cumprimento de um modo descontínuo, em fins de semana ou nas férias";
Ac. RE de 26.4.2005, relator Martinho Cardoso, in site da dgsi, "a sua execução não pode ser diferida ou fraccionada no tempo para, por exemplo, ser cumprida no período de férias do condenado ou aos fins de semana”;
Ac. RL de 17.5.2007, relator Ribeiro Cardoso, in site da dgsi, “o tempo de inibição deve ser cumprido de forma contínua, sem qualquer hiato temporal”;
Ac. RL de 12.9.2007, relator Telo Lucas, in site da dgsi, “a pena acessória de proibição de conduzir não pode ser cumprida em períodos descontínuos ou intermitentes”.
Há, então, que assumir ser incontroverso, no regime legal vigente, que, quer a pena acessória, prevista no C Penal, quer a sanção acessória prevista no Código da Estrada, devem ser cumpridas de forma contínua.
Não vemos razões para contrariar, o que vem sendo decidido, no sentido de a sanção acessória de inibição de conduzir não poder ser cumprida “em prestações”.
Daí que, façamos nossas as razões comuns a todas aquelas decisões, segundo as quais não é legalmente possível, cumprir, quer a pena acessória, quer a sanção acessória de inibição de conduzir, de forma que não seja contínua.
Nem a letra, nem o espírito da lei, comportam outra interpretação.
Nem a argumentação aduzida pelo recorrente, é de molde a demonstrar o erro do sentido que a jurisprudência vem assumindo.
Em suma, podemos proclamar o princípio da execução contínua, continuada no tempo, das sanções penais e contra-ordenacionais.
Princípio que, porém, sofre excepções, (atente-se no pagamento da multa em prestações, na prisão por dias livres e no regime de semidetenção). Excepções expressamente previstas e onde se não pode, seguramente, incluir a pena ou sanção acessória de proibição ou inibição de condução.
Esta interpretação também não é de molde a comprometer seriamente o direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado.
Da mesma forma não se vislumbra ofensa a qualquer norma de cariz constitucional, nem norma constante da Declaração Universal dos Direitos do Homem. A pena acessória de proibição de conduzir não pode ser cumprida por forma descontínua, fora do horário laboral, sendo que a natureza do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com a inerente perigosidade decorrente da conduta nele pressuposta, surge como adequada e proporcional à sanção de proibição de conduzir, mesmo que dela possa decorrer, eventualmente, a perda de emprego por parte do arguido.
Com efeito, o facto de necessitar do título de condução para o exercício da sua actividade profissional, é, recorde-se, algo comum a muitos cidadãos e os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afectar o seu emprego, são próprios das penas, que só o são, se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena acessória pretende prevenir. Nem se diga, em desabono deste entendimento – que é o único que encontra apoio na lei – que o mesmo coloca em xeque o direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado no Artº 58 da Constituição da República Portuguesa.
A norma constante do Artº 69 do Código Penal, na interpretação segundo a qual a execução da pena acessória aí prevista tem de ser contínua, não viola qualquer disposição da Constituição da República Portuguesa.
Como o próprio Tribunal Constitucional já referiu, no seu Acórdão 440/2002, acessível no respectivo site «O direito ao trabalho, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia e, por outro, se impõe ao e constitui o Estado no cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa, quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos ... Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.»
Conclui-se assim, que o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados não contende com o direito ao trabalho, mau grado, o evidente sacrifício que pode envolver para a vida profissional e familiar do condenado, como consequência necessária da própria pena.
A chamada à colação da sua actividade profissional e da necessidade de conduzir veículos automóveis para o seu desenvolvimento, não pode, assim, ter acolhimento. O argumento do recorrente quanto ao transtorno que lhe acarreta o cumprimento da pena acessória, porque necessita de conduzir veículo automóvel para exercer a sua actividade profissional, não é atendível, pois não constitui critério para a determinação da medida da pena acessória, inexistindo qualquer norma ou princípio jurídico que torne menos censurável a condução em estado de embriaguez por quem tem essa necessidade, sendo que a circunstância de poder ter problemas profissionais não é razão suficiente para a desvirtuar.
Além de que, não é a primeira vez que o arguido se vê privado de conduzir em virtude da aplicação de pena acessória de proibição de conduzir.
Em conclusão:
A pretensão do arguido, à luz do direito atualmente vigente e aplicável aos factos em causa, não é, de todo, legalmente possível; o que tem vindo a ser decidido unanimemente pela Jurisprudência.
Veio o recorrente, assim, colocar em crise, - de forma manifestamente infundada, nos termos e para os efeitos do artigo 420º/1 C P Penal -, a decisão de não autorização de cumprimento da sanção acessória de forma descontinuada.
O recurso, não só, está votado ao insucesso, como resulta, mesmo, ser o mesmo, manifestamente improcedente, pois que através de uma avaliação sumária da sua fundamentação, em face do texto legal e do que tem vindo a ser a Jurisprudência unânime, se pode concluir, sem margem para dúvida, que está claramente votado ao insucesso. Os seus fundamentos são inatendíveis, pois que deduziu o recorrente, pretensão, manifestamente contra legem, pretendendo fazer valer uma interpretação da lei, contra o que vem sendo decidido de forma reiterada e uniforme, pela Jurisprudência (inclusive do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL).
Ou por outras palavras, pelas razões expostas, atenta a letra da lei, os factos provados e a Jurisprudência, o recurso revela-se num exame perfunctório, manifestamente improcedente
Nestes termos, sumariamente se decide, ao abrigo do disposto nos artigos 420º/1 alínea a) e 417º/6 alíneas d) C P Penal, pela rejeição do recurso.
III.–Dispositivo
Nestes termos e com os fundamentos mencionados, rejeita-se, por manifestamente improcedente, o recurso interposto pelo arguido AA.
Custas a cargo do Recorrente.
Nos termos do artigo 420º/4 C P Penal, condena-se, ainda o recorrente, na taxa
de justiça, que se fixa, no equivalente a 4 UC,s.
Notifique.
Tribunal da Relação de Lisboa, em 23 de Setembro de 2021
Paula Cristina Jorge Pires - (Relatora)