CONTRATO DE MÚTUO
VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA
PRESCRIÇÃO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Sumário


I- Os créditos emergentes de contratos de mútuo em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no art.º 310.º, al, e), do Código Civil.
II- O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
III- Ocorrendo a interrupção da prescrição, começa a correr novo prazo a partir do acto interruptivo ou, resultando a mesma de notificação ou acto equiparado, após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo.
IV- A suspensão da prescrição determinada pela sentença de declaração de insolvência, estende-se até à decisão final relativa ao incidente de exoneração do passivo restante.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“X, Sucursal da Sociedade Anónima Francesa X”, deduziu ação declarativa contra M. P. pedindo que o réu seja condenado a pagar à autora a quantia de € 31.149,50, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos até à data da propositura da ação – no valor de € 10.653,17 – bem como dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento, tudo proveniente de dois contratos de abertura de crédito e um contrato de reestruturação de dívida, celebrados entre ambos e incumpridos pelo réu.
O réu contestou, excecionando a prescrição das obrigações emergentes dos contratos em causa e, sem prescindir, a prescrição da obrigação de juros na parte que exceda cinco anos.
Respondeu a autora, pugnando pela improcedência das exceções invocadas.
Teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual foi proferida decisão que julgou a ação procedente, condenado o réu no pedido.

O réu interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

I – A questão nuclear em causa neste recurso, o seu thema decidendum, é a de se saber se no caso sub judice, está, ou não, verificada a invocada excepção peremptória da prescrição dos créditos peticionados pela autora, ora recorrida, nesta acção.
Como decorre da contestação apresentada pelo recorrente, que aqui se reproduz, este invocou a prescrição desses créditos, face ao disposto na alínea e), do artº 310º, do Código Civil.
II – Alegou, ainda, o recorrente (sem prescindir), na sua contestação, que, caso viesse a ser julgado que não teria ocorrido essa excepção da prescrição, então sempre a obrigação de juros, na parte que excedesse o prazo de cinco anos estaria extinta por prescrição, face ao preceituado na alínea d), do artº 310º, do Código Civil.
Todavia, o Tribunal a quo, na sua decisão ora recorrida, não se pronunciou sobre esta alegação, quando, salvo o devido respeito, o devia ter feito, pois a recorrida, na sua petição inicial e correspondente pedido, igualmente autonomiza o pedido de pagamento dos juros do pedido de pagamento do capital.
III – Assim sendo, devia o Tribunal a quo ter-se pronunciado autonomamente sobre essa questão suscitada pelo recorrente, subsidiariamente (sem prescindir), isto é, se viesse a ser decidido pela não verificação da prescrição da obrigação de capital, se a obrigação de juros estava, ou não, extinta por prescrição relativamente aos últimos cinco anos, nos termos do preceituado na alínea d), do artº 310º, do Código Civil, tanto mais que as partes trataram de forma autónoma essa questão.
Essa omissão de pronúncia gera a nulidade da sentença ora recorrida, prevista na alínea d), 1ª parte do nº 1, do artº 615º, do Código de Processo Civil, nulidade essa que ora se argui para os devidos efeitos e com as legais consequências.
IV – Da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, os valores dos financiamentos efectuados pela recorrida ao recorrente deviam ser feitos em prestações – cfr. pontos iii.,vi. e vii dessa matéria de facto.
O recorrente deixou de cumprir esses planos de pagamento em, respectivamente, Maio de 2009, Junho de 2009 e Outubro de 2011 – ponto x. dessa matéria de facto, antes do transito em julgado (19 de Março de 2012) da sentença que declarou a insolvência do recorrente, pelo que se conclui que a declaração de insolvência não teve efeito algum sobre os créditos em causa nesta acção, porquanto os mesmos já se encontravam vencidos, por incumprimento, muito antes da data dessa mesma declaração de insolvência.
V – Nessa perspetiva, sempre tais créditos estariam extintos por prescrição, uma vez que, sendo os mesmos, por via de contrato a tal dirigido celebrado pelas partes, liquidáveis em prestações, decorreram muito mais de cinco anos entre o seu vencimento e a citação do recorrente para esta acção.
VI – Assente está que, nos três contratos de abertura de crédito de abertura de crédito (dois) e de reestruturação de divida (um), identificados nesses pontos da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, o reembolso de todos esses créditos seria pago em prestações mensais, que englobavam capital, juros, despesas e impostos.
Essas prestações consubstanciam ou têm a natureza das “quotas” a que alude a alínea e), do artº 310º, do Código Civil, as quais extinguem-se por prescrição decorrido que seja o prazo de cinco anos após o seu vencimento, tal como está previsto no artº 310º desse Código, como é o caso em apreço em relação aos referidos três contratos, já que, como resulta dos autos já passaram muito mais de cinco anos desde o seu vencimento e a citação do recorrente para esta acção.
VII – Todas as obrigações emergentes desses acordos de pagamento dos créditos invocados pela recorrida nesta acção acham-se extintos por prescrição, a qual é extintiva, isto é, opera os seus efeitos pelo simples decurso do prazo, contrariamente às prescrições ditas de curto prazo ou presuntivas, previstas nos artigos 312º, 316º e 317º, todos do Código Civil, que se baseiam na presunção do cumprimento pelo decurso do prazo. Neste sentido o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2003, procº nº 03B3894, in www.dgsi.pt.
VIII – Que as obrigações emergentes de quotas ou prestações de amortização mensal prescrevem no prazo de cinco anos a contar do seu vencimento, tem sido defendido pela jurisprudência citada na sentença recorrida como sendo a primeira das correntes jurisprudenciais nela citadas e, ainda, os Acórdãos citados no artº 14º da contestação, orientação jurisprudencial esta que é maioritária.
IX – Os factos dados como provados no ponto x. da matéria de facto da sentença recorrida determinaram o vencimento de todas as prestações acordadas pelas partes nos planos de pagamentos aludidos em iii., vi. e vii dessa matéria, face ao disposto no artº 781º do Código Civil, vencimento esse que ocorreu muito antes do transito em julgado da sentença de declarou a insolvência do recorrente.
X – Desta forma, a sentença recorrida fez uma errada aplicação e interpretação das supracitadas normas legais aplicáveis, violando, entre outras, as dos artigos 310º e 781º, do Código Civil e artigos 576º, 579º e 615º do Código de Processo Civil, pois devia ter considerado procedente a invocada excepção peremptória da prescrição dos créditos peticionados e, dessa forma, em face do disposto no artº 310º, alínea e), do Código Civil, declarado a extinção desses créditos, com as legais consequências, mormente a da absolvição do ora recorrente dos pedido formulados pela recorrida nesta acção, pelo que, não tanto pelo alegado como pelo que Vossas Excelências doutamente suprirão:
a) deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, ser a sentença recorrida revogada e, por isso, ser declarada a extinção dos créditos peticionados pela recorrida nesta acção por força da prescrição extintiva operada, com as legais consequências,
b) Sem prescindir, sempre se dirá que, caso assim não vier a ser entendido, o que se não concede nem concebe, apenas se aludindo por mera hipótese e para efeito de raciocínio, deve ser julgada procedente, por provada, a invocada excepção peremptória da prescrição da obrigação de juros na parte que exceda os cinco anos, com a consequente extinção da respectiva obrigação;
c) Ainda sem prescindir: ocorre, como decorre do supra alegado e do vertido em III destas conclusões, omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença recorrida, o que ora se argui para os devidos efeitos e com as legais consequências;
seguindo-se os ulteriores termos processuais até final, assim se fazendo, como sempre, a melhor e a mais perfeita J U S T I Ç A!

A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e com a prescrição dos créditos e/ou dos juros.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

i. Em 07.03.2003 a A. acordou com o R. disponibilizar-lhe, em conta por este indicada para o efeito, um financiamento no montante de € 2.000;
ii. No âmbito do acordo referido em i. a A. disponibilizou ao R. outros dez financiamentos, pelo valor total de € 7.410;
iii. O R. vinculou-se ao reembolso das quantias identificadas em i. e ii. em 24 prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 107;
iv. Em 08.02.2008 a A. acordou com o R. disponibilizar-lhe, em conta por este indicada para o efeito, um financiamento no montante de € 1.000;
v. No âmbito do acordo referido em iv. a A. disponibilizou ao R. outro financiamento, no valor de € 183;
vi. O R. vinculou-se ao reembolso das quantias identificadas em iv. e v. em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 40;
vii. Em 01.10.2010 a A. acordou com o R. reestruturar a dívida que este detinha para com a demandante, no valor de € 19.748,71, vinculando-se o demandado ao pagamento de tal quantia em 120 prestações mensais e sucessivas no valor de €261,04;
viii. O R. apresentou-se à insolvência, tendo sido declarado insolvente por sentença datada de 07.02.2012, transitada em julgado em 19.03.2012, proferida no âmbito do processo que sob o n.º 242/12.6TBGMR correu termos pelo 2.º juízo cível deste tribunal;
ix. Ante o mencionado em viii. a A. procedeu à resolução dos contratos identificados em i., iv e vii, encontrando-se em dívida, em tal data, as quantias, respectivamente, de € 9.550,65, mas tendo entretanto sido efectuado um pagamento de € 600, € 1.118,79 e € 21.080,06;
x. O R. havia deixado de cumprir os planos de pagamentos mencionados em iii. vi. e vii. respectivamente em Maio de 2009, Junho de 2009 e Outubro de 2011;
xi. A A. reclamou créditos no âmbito do processo identificado em viii;
xii. Por despacho datado de 09.04.2013, proferido no âmbito do processo identificado em viii, foi liminarmente admitido o incidente de exoneração do passivo restante espoletado pelo aqui R.;
xiii. Por despacho datado de 12.11.2018, transitado em julgado em 30.11.2018, foi recusada a exoneração do passivo restante requerida pelo aqui R.

A primeira questão colocada pelo apelante prende-se com a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, em virtude de a sentença não se pronunciar sobre a questão da prescrição dos juros de mora.
Ora, se é um facto que a sentença não refere a questão dos juros de mora autonomamente, a verdade é que não tinha que o fazer, uma vez que concluiu que, à data em que foi instaurada a presente ação, apenas havia decorrido 1 ano e 7 meses do prazo prescricional, não se verificando, assim, a excecionada prescrição (quer para a obrigação principal – alínea e) -, quer para os juros – alínea d), ambas do artigo 310.º do CC -, acrescentamos nós).
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença.

A questão principal prende-se com a prescrição deste tipo de obrigações, averiguando-se se as mesmas se enquadram na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil – “prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” – assistindo ao réu o privilégio de poder recusar o cumprimento da prestação.
Como é sabido, a razão da “prescrição” vai-se buscar à praticada negligência do titular de determinado direito, consubstanciada na omissão do seu exercício durante certo tempo, que o legislador contabiliza e durante o qual se faz presumir a renúncia ao direito, ou, torna aquele indigno de protecção jurídica (Prof. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica; II; pág. 445-446); constituindo a prescrição um facto extintivo do direito, tem o seu fundamento específico na situação antijurídica de negligência (Aníbal de Castro; a caducidade; pág. 28) – citados no Acórdão do STJ de 27/03/2014, processo n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), in www.dgsi.pt.
A prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador (Ac. STJ de 19.06.2012, citado no já referido Acórdão).
Ora, como já vimos, apesar do prazo ordinário de prescrição ser de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil) prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil – pretendendo-se obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de reduzido quantitativo, deixe amontoar o seu crédito a tal ponto que torne demasiado dificultada a prestação do devedor.
“Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285, citado no Acórdão do STJ de 18/10/2018, processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 (Olindo Geraldes), in www.dgsi.pt).
“…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida – Ana Filipa Morais Antunes, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia”, volume III, pág. 47
Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.

No caso dos autos, a autora disponibilizou ao réu diversas quantias, através de financiamentos a ele concedidos, obrigando-se este ao reembolso das mesmas em prestações mensais iguais e sucessivas, que incluíam o capital, juros diários vencidos, prémios de seguro e impostos e encargos – cláusula 6.ª dos contratos.
Ou seja, o débito do réu concretizou-se, desde a subscrição dos financiamentos, em quotas de amortização mensal de prestações iguais e sucessivas de capital e juros. O direito de crédito da autora é, assim, composto por capital e juros de mora, nomeadamente os vencidos a partir de maio de 2009, junho de 2009 e outubro de 2011, respetivamente, integrados em prestações iguais e sucessivas.
E, se assim é, trata-se de prestações enquadradas na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil, assistindo ao réu o privilégio de poder recusar o cumprimento das mesmas, ultrapassado que se mostre o prazo de cinco anos aí previsto.

Veja-se, neste mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 29/09/2016, processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt:
“No caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais (…) o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º”
Esta interpretação da referida alínea é praticamente uniforme no Supremo Tribunal de Justiça, podendo citar-se, para além dos já indicados acórdãos, os seguintes:

- Acórdão do STJ de 12/11/2020, processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado): “Ora, no caso dos autos, é precisamente esta a situação que vem retratada, na medida em que a obrigação de reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos. É, assim, de concluir pela aplicação do regime previsto no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil”.
- Acórdão do STJ de 28/04/2021, processo n.º 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 (Graça Amaral): “desde há muito, que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspetivada de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos, para a verificação da prescrição, estando aqui em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos”.
- Acórdão do STJ de 29/04/2021, processo n.º 723/18.8T8OVR-A.P1.S1 (João Cura Mariano), 14/07/2021, processo n.º 1249/18.5T8MMN-A.E1.S1 (Ilídio Sacarrão Martins), 09/02/2021, processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), 14/01/2021, processo n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), 10/09/2020, processo n.º 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1 (Rijo Ferreira), 06/07/2021, processo n.º 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1 (Fátima Gomes), 26/01/2021, processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2 (Maria João Vaz Tomé)

Por outro lado, tem sido igualmente entendido no Supremo Tribunal de Justiça que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição – cf. neste sentido o ac. de STJ de 4.5.1993, in Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, T.II, pág 82 (Santos Monteiro), de 18.10.2018, proc. nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 (Olindo Geraldes), de 23.1.2020, proc. nº 4518.17.8T8LOU.A.P1.S1 (Nuno Pinto de Oliveira) e de 10/09/2020, processo n.º 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1 (Rijo Ferreira).
A tal propósito explica o acórdão do STJ de 09-02-2021(Processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1), referenciando o acórdão de 10-09-2020, Processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1, que “a perda do benefício do prazo traduzida no vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas não altera a natureza da dívida, mas repristina “a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (in DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento (…) O fundamento da prescrição quinquenal não deixa de subsistir com tal vencimento, continuando a verificar-se a necessidade da sua aplicação, por forma a evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.”.
Não há dúvida, portanto que a obrigação assumida pelo réu nos contratos referidos nos autos, compartimentada num mútuo e respetivos juros, converteu-se numa prestação mensal de quantia global fraccionada que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento. Ora, esta facticidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil.

A questão que a sentença equacionou e que aqui importa apreciar, foi a da eventual interrupção do prazo por virtude da declaração de insolvência do réu, entretanto ocorrida.
Na contagem do prazo, a regra é começar a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido (artigo 306.º, n.º 1, do CC).

No caso dos autos, os planos de pagamento entraram em incumprimento, respetivamente, em maio de 2009, junho de 2009 e outubro de 2011.
O réu foi declarado insolvente em 07/02/2012 e o processo de insolvência foi encerrado em 09/04/2013. Com esta mesma data – 09/04/2013 – foi liminarmente admitido o incidente de exoneração do passivo restante requerido pelo réu, tendo a decisão final de recusa da exoneração, sido proferida a 12/11/2018.
O artigo 100.º do CIRE determina a suspensão do prazo de prescrição com a declaração de insolvência e durante o decurso do processo.
Por outro lado, a prescrição interrompe-se, também, pelo reconhecimento do direito efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido – artigo 325.º, n.º 1 do Código Civil – o que, indubitavelmente aconteceu, uma vez que a autora reclamou os seus créditos e o réu não os impugnou (o que terá, contudo, acontecido em data anterior a 09/04/2013, pois o despacho de admissão liminar do incidente de exoneração do passivo faz referência à reclamação de créditos e, portanto, sem interesse para o nosso caso, uma vez que, reiniciado o prazo, teriam já decorrido mais de cinco anos até à citação do réu para esta ação).
A autora, como credora da insolvência, estava limitada a exercer os seus direitos no próprio processo de insolvência – artigo 90.º do CIRE – o que fez, reclamando os seus créditos que, contudo, não obtiveram pagamento (a junção da lista de credores reconhecidos por parte do Administrador da Insolvência, equivale, neste caso, à notificação do insolvente, que tem o prazo de 10 dias para impugnar o crédito – artigos 129.º e 130.º do CIRE).
Após o termo do processo de insolvência, a autora só podia, de novo, exercer o seu direito, a partir do momento em que foi proferida a decisão final de recusa da exoneração do passivo restante – 12/11/2018.
Deve considerar-se que, tendo o réu sido notificado da reclamação de créditos, com a consequente interrupção do prazo prescricional em curso – artigo 323.º, n.º 1 do CC - começou a correr novo prazo de prescrição após o trânsito em julgado daquela decisão final – artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil.
Se não tivesse havido recusa da exoneração, após o período de cessão, o crédito da autora ter-se-ia extinguido, conforme decorre do disposto no artigo 245.º do CIRE.
Ainda que se considerasse apenas a suspensão do prazo de prescrição, por virtude da declaração de insolvência, decorrente do artigo 100.º do CIRE, não estariam ainda decorridos os cinco anos, pois se a autora não podia exercer os seus direitos durante o processo de insolvência, de acordo com o já referido artigo 90.º do CIRE, também não os podia exercer durante o período de cessão do rendimento disponível, relativo à exoneração do passivo restante, conforme decorre do disposto no artigo 242.º, n.º 1 do CIRE (como não podia executar bens do devedor, também não teria qualquer utilidade em intentar ação declarativa, podendo mesmo concluir-se que a mesma se teria que extinguir por inutilidade superveniente da lide, por aplicação do AUJ 1/2014), pelo que, só com o trânsito em julgado da decisão final de recusa da exoneração, começou a correr novo prazo de prescrição (caso se considere que o mesmo foi interrompido por virtude da notificação do réu) ou se reiniciou a contagem do mesmo (caso se considere que o prazo apenas esteve suspenso por virtude do processo de insolvência). Em ambos os casos e, conforme resulta dos autos, não tinha ainda decorrido o prazo de cinco anos quando o réu foi citado para esta ação, em 30/06/2020.
Assim, pese embora o apelante tenha razão quanto ao prazo prescricional a aplicar relativamente aos créditos peticionados, a verdade é que a apelação improcede, uma vez que, em face, quer da suspensão, quer da interrupção da prescrição ocorrida em virtude do processo de insolvência, não tinha ainda decorrido o prazo de cinco anos quando o réu foi citado para a presente ação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

***
Guimarães, 16 de setembro de 2021

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho