I - Os poderes do STJ são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (art. 674.º, n.º 3, in fine, e art. 682.º, n.º 2, do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682.º, n.º 1, do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.
II - Contudo, o STJ, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do art. 662.º do CPC, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.
III - Segundo o artigo 240.º, n.º 1, do CC, “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergências entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
IV - Para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar).
V - O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.
VI - A simulação é absoluta sempre que sob o negócio simulado não exista qualquer outro que as partes tenham querido realizar.
VII - Para os defensores de uma tese mais restrita na interpretação do art. 243.º do CC, a função do artigo 243.º é atribuir e garantir um direito ao adquirente de boa fé unicamente em relação aos simuladores aos quais a lei proíbe a invocação da nulidade proveniente da simulação contra este. O direito adquirido, com base no art. 243.º pode, em seguida, vir a ser protegido nos termos do art. 291.º desde que se verifiquem todos os pressupostos deste.
VIII - O art. 243.º protege qualquer adquirente de boa-fé contra qualquer interessado. Para o art. 243.º a inoponibilidade da acção de nulidade protege o terceiro, quer a título oneroso, quer a título gratuito, e protege-o desde o momento em que adquiriu e que o protege contra quaisquer interessados e não apenas contra os simuladores.
IX - Estando a 4.a ré de boa-fé, por ignorar, quando celebrou a compra e venda com o 3.º réu, que o contrato pelo qual o 3.º réu declarou comprar o imóvel era simulado, não lhe pode esta nulidade ser oposta pelo tribunal, uma vez que também os simuladores a não podiam opor, sob pena de se desvirtuar a limitação prevista no n.º 1 do art. 243.º do CC.
I - RELATÓRIO
AA, casada no regime da comunhão de adquiridos com BB, intentou acção declarativa, sob a forma comum, contra:
1º - CC,
2º - DD,
3º - EE, casado no regime de separação de bens com FF,
4º - RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., e
5º - MOITA & MONTE – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA.,
Pedindo que fosse:
a) Declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre o co-réu CC e a autora AA, a 5 de Dezembro de 2005, formalizado pela escritura junta a fls.77-78, que teve por objecto a metade indivisa dos seguintes prédios:
- Prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ……, …, União das Freguesias de …. e …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …87 e descrito na Conservatória do Registo Predial …… sob o n.º …19;
- Prédio urbano, com a área total de 600m2, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar …, União das Freguesias …. e …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …...57 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..….. sob o n.º …...20
b) Declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus CC e EE, a 11 de Março de 2014, formalizado pela escritura pública junta a fls.80v.º-82, que teve por objecto os seguintes prédios:
- Prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar …, ……, União das Freguesias ..…. e …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..87 e descrito na Conservatória do Registo Predial …… sob o n.º ……19;
- Prédio urbano, com a área total de 600m2, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar …., União das Freguesias ….. e ……, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..57 e descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º .…..20
c) Declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus EE e a sociedade RODRIGO ESCRIVÃES –UNIPESSOAL, LDA., a 26 de Fevereiro de 2016, formalizado pela escritura pública junta a fls.121- 123, que teve por objeto o prédio urbano, com a área total de 600m2, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar ….., União das Freguesias …. e ….., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..57 e descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º …..20
d) Subsidiariamente, em relação ao pedido referido na alínea c), para a hipótese de não se provar a simulação, declarar que a compra e venda é inoponível à autora por força do disposto no artigo 291.º, n. º 2 do Código Civil;
e) Declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus EE e a sociedade MOITA & MONTE – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., a 4 de Março de 2016, formalizado pela escritura pública junta a fls.128v.º-130, que teve por objecto o prédio urbano, com a área total de 900 m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ….., Pinhal …., União das Freguesias …. e …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..87 e descrito na Conservatória do Registo Predial ….. sob o n.º …...19
f) Subsidiariamente, em relação ao pedido referido em e), para a hipótese de não se provar a simulação, declarar que a compra e venda é inoponível à autora por força do disposto no artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil.
g) Ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados com base nas compras e vendas simuladas indicadas em a), b), c), e e).
h) O réu CC condenado a reconhecer que a autora AA é, conjuntamente consigo, comproprietária dos seguintes imóveis:
- Prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar …., ….., União das Freguesias ….. e ……, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial …… sob o n.º ….19;
- Prédio urbano, com a área total de 600m2, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar …., União das Freguesias …. e ….., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …...57 e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º …..20
i) O réu EE condenado a reconhecer que a autora AA e o réu CC são, enquanto comproprietários, os únicos donos e legítimos possuidores e proprietários dos imóveis melhor descrito na antecedente alínea h).
j) A ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. condenada a reconhecer que a autora AA e o réu CC são, enquanto comproprietários, os únicos donos e legítimos possuidores e proprietários do imóvel melhor descritos na antecedente alínea c).
k) A ré MOITA & MONTE – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA condenada a reconhecer que a autora AA e o réu CC são, enquanto comproprietários, os únicos donos e legítimos possuidores e proprietários do imóvel melhor descrito na antecedente alínea e).
l) Os réus EE e RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA condenados, solidariamente, a restituir à autora AA, livre de pessoas e coisas, o imóvel identificado na antecedente alínea c).
m) Os réus EE e MOITA & MONTE – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., solidariamente, condenados a restituir à autora AA, livre de pessoas e coisas, o imóvel identificado na antecedente alínea e).
n) Os réus EE e RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., solidariamente, condenados a indemnizar a autora AA na quantia que se liquidar, ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativamente aos prejuízos que a autora venha a sofrer até à restituição efectiva do imóvel identificado na antecedente alínea c), prejuízos discriminados nos
artigos 259.º a 268.º da petição inicial, incluindo os danos que resultem de uma utilização anormal do imóvel.
o) Os réus EE e MOITA & MONTE – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., solidariamente, condenados a indemnizar a autora AA na quantia que se liquidar, ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativamente aos prejuízos que a autora venha a sofrer até à restituição efectiva do imóvel identificado na antecedente alínea e), prejuízos discriminados nos artigos 254.º a 258.º da petição inicial, incluindo os danos que resultem de uma utilização anormal do imóvel”
Em síntese, alegou o seguinte:
Com o 1º réu, seu irmão, divorciado da 2º ré, simulou que vendia e este comprava a metade indivisa de dois prédios que lhe haviam sido doados por seus pais, apenas para furtar tais bens ao conhecimento dos credores, o que foi registado em 2005, mantendo-se ambos com a posse de tais imóveis, à vista de todos e sem oposição de ninguém até pelo menos 2014, o que era do conhecimento dos 3º., 4º e 5º réus.
Em 11/03/2014, o 1º réu declarou vender ao 3º réu e este comprar tais imóveis, o que também foi sujeito a registo, mas nenhum declarou a sua vontade real, executaram sim um acordo conjunto, para enganar o banco a favor de quem aquele réu havia prestado garantia, por crédito concedido à sociedade ... .
No dia 26/02/2016, após a autora ter anunciado que ia avançar com a presente acção judicial, o 3º réu, com o intuito de tentar frustrar o seu resultado, declarou vender o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ……57 à 4ª ré, o que não correspondia à vontade real e teve em vista, por acordo de ambos, que a casa fosse “aparcada” no património desta, tendo ocorrido situação semelhante em relação ao outro imóvel e à 5ª ré, a 04/03/2016.
Todos os Réus contestaram. Os dois primeiros réus assumiram a maior parte dos factos invocados. Os demais impugnaram a maior parte da factualidade invocada e pugnaram pela validade dos contratos de compra e venda que a autora alega terem sido simulados; o 3º réu defendeu que o contrato que celebrou com o 1º réu foi um negócio fiduciário, sem intenção dissimulatória.
Foi proferida SENTENÇA, que julgou a acção parcialmente procedente e:
a) Declarou a nulidade do negócio de compra e venda celebrado entre o réu CC e a autora AA, a 5 de Dezembro de 2005, formalizado pela escritura junta a fls.77-78, quanto à metade indivisa do prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ...…, …, União das Freguesias ...... e …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..87 e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ….19.
b) Declarou a nulidade do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus CC e EE, a 11 de Março de 2014, formalizado pela escritura pública junta a fls. 80v.º-82, quanto ao prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ......, ........, União das Freguesias ...... e ......, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……87 e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ..…..19.
c) Ordenou o cancelamento dos registos relativos às aquisições referidas nas acima alíneas a) e b), efectuados através da Ap…… de 2005/12/06 [factos provados n.º 23] e da Ap.13/03/2014 [factos provados n.º 33], com base nas compras e vendas indicadas nas alíneas a) e b).
d) Condenou o réu CC a reconhecer a autora AA, conjuntamente consigo, comproprietária do prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ......, ........, União das Freguesias ...... e …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..87 e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º …19.
e) Condenou o réu EE a reconhecer a autora AA e o réu CC, enquanto comproprietários, como únicos donos e legítimos possuidores e proprietários do prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ......, ........, União das Freguesias ...... e …..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..87 e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ……19
f) Condenou o réu EE a restituir à autora AA, livre de pessoas e coisas, o prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ......, ........, União das Freguesias ...... e …..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ……19.
g) Absolveu os réus CC, EE e RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA do demais peticionado.
A autora e o terceiro réu apelaram e a Relação, por ACÓRDÃO de 05.11.2020, decidiu nos seguintes termos:
“(…) julgam-se todas as apelações parcialmente procedentes e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença e
A - mantém-se a declaração de nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre os 1º e 3º réus, CC e EE, a 11 de Março de 2014, formalizado pela escritura pública junta a fls. 80v.º- 82, quanto ao a) Prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés- do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ......, ........, União das Freguesias ...... e ....., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......87 e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ……19; Mas
B - Declara-se tal contrato nulo também quanto:
b) ao prédio urbano, com a área total de 600m2, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar ……, União das Freguesias ...... e ....., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .......57 e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º …..20, sendo a mesma, quanto a este prédio, inoperante perante a adquirente aqui 4º Ré, RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., pelo que se
C - ordena o cancelamento do registo referente à aquisição pelo 3º réu EE, do prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ......, ........, União das Freguesias ...... e ....., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .....87. e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ….19, efectuado através da Ap….. de 13/03/2014 [factos provados n.º 33],
D - mais se condenando o 3º réu a restituir ao 1º réu o prédio referido em a) e o valor correspondente ao prédio referido em b).
E - Absolvem-se os 1º, 3º e 4º réus, CC, EE e RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. Do demais peticionado e
- não se condena a autora e o 1º réu como litigantes de má-fé em multa ou indemnização a favor das demais partes.
Custas da apelação interposta pela autora, por esta na proporção de 2/3 e o restante pelos apelados 3º e 4º réus.
Custas das demais apelações pelos respetivos apelantes, na proporção de 1/3 e pela autora apelada na proporção de 2/3”.
Não se conformando com o acórdão da Relação, dele recorreram a autora e o terceiro réu EE.
CONCLUSÕES DA AUTORA:
1ª) O acórdão objecto de recurso julgou improcedentes os pedidos formulados pela autora/recorrente porque alterou a matéria de facto, considerando não provados os factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28 (e, por uma questão de coerência, os factos nºs 30, 35 e 40), com base na afirmação de que a confissão produzida pelo réu CC não era eficaz, por existir uma situação de litisconsórcio necessário.
2ª) A autora/recorrente não concorda com o modo como foi aplicada a regra de direito probatório material consignada no art. 353.º do Código Civil, pretendendo que esta questão seja reapreciada por V. Exas., como permite o art. 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil, considerando-se provados os factos nºs 22, 25, 26, 27, 28, 30, 35 e 40.
3ª) A confissão consiste na admissão da realidade de um facto com relevância jurídica (porque gerador de uma alteração jurídica), que prejudica o confitente e que beneficia a parte contrária (art. 352.º do Código Civil).
4ª) Os factos confessados pelo réu CC – tanto no seu articulado de contestação, como em sede de depoimento de parte – e que foram sintetizados sob os nºs 22, 25, 26, 27 e 28 da matéria de facto constituem os pressupostos da simulação absoluta do contrato de compra e venda de 5 de dezembro de 2005 (art. 240.º do Código Civil), onde aquele figurava, falsamente, como comprador e a autora/recorrente figurava, falsamente, como vendedora.
5ª) A admissão, por parte do réu CC, da veracidade destes factos é a admissão dos efeitos da nulidade associada à simulação negocial, ou seja, da obrigação de restituir à autora tudo o que recebeu (art. 289.º n.º 1 do CC).
6ª) O réu CC é a única pessoa que pode confessar a realidade da simulação negocial, porque, além da autora, foi o único a ter intervenção na escritura que formalizou a compra e venda, sendo também o único que pode constituir na sua esfera jurídica a obrigação de devolver à autora o seu direito de compropriedade (ou, subsidiariamente, o valor correspondente).
7ª) A simulação absoluta vicia o negócio no seu momento formativo, impedindo que venha a produzir quaisquer efeitos na esfera das partes contratuais (tudo se passando como se não existisse no mundo jurídico), independentemente da sua eventual oponibilidade a terceiros.
8ª) Neste sentido, o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda de 5 de Dezembro de 2005 só teria de ser formulado contra o réu CC, não havendo uma situação de litisconsórcio necessário passivo, porque o efeito útil da declaração de nulidade sempre se produziria, de modo definitivo, numa acção em que apenas fossem partes a autora e este réu (art. 33.º n.º 3 CPC).
9ª) Exigir a intervenção de terceiros (que não tiveram intervenção no negócio simulado) para a plena eficácia da confissão da simulação seria exigir a oponibilidade do negócio nulo a terceiros para que fosse possível declarar a nulidade, quando esta opera "ipso jure" (isto é, pela mera verificação dos pressupostos da simulação); solução que seria incompreensível, quando é requisito do regime de inoponibilidade a declaração prévia de uma determinada nulidade (arts. 243.º e 291.º do CC).
10ª) Com o devido respeito, o Tribunal da Relação ...... confundiu o pedido de declaração de nulidade com o pedido de condenação de terceiros na entrega dos imóveis objecto do negócio nulo, pois só relativamente a este segundo pedido é que é relevante a intervenção processual dos réus EE e “Rodrigo Escrivães”; confundiu, assim, um pedido que almeja uma decisão declarativa com um pedido que almeja uma decisão condenatória.
11ª) Defender o contrário seria defender que a autora não pode ver reconhecida a nulidade do negócio de 2005, quando o próprio réu simulador CC a admite.
12ª) Por isso, a simulação negocial absoluta foi, válida e eficazmente, confessada pelo réu CC, tendo força probatória plena, por estarem em causa confissões judiciais escritas (tanto no articulado de contestação como na assentada constante da acta da audiência final, sessão de 13 de Setembro de 2018 (com a referência eletrónica n.º ….) (art. 358.º do Código Civil).
13ª) O respeito da força probatória plena destas confissões judiciais escritas obriga a dar como provados os factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28, impugnando-se a matéria de facto com fundamento na errada aplicação dos arts. 353.º e 358.º do CC.
14ª) Ainda que a confissão não fosse válida e eficaz, a demonstração dos mesmos factos poderia ser realizada através de prova testemunhal (como aconteceu neste caso), uma vez que foi junto ao processo um documento escrito assinado pelo réu CC (com data de 16 de Setembro de 2008, bem anterior ao início dos presentes autos) que consubstancia uma confissão extrajudicial escrita – cfr. emails juntos aos autos a 13 de setembro de 2018 (e disponíveis na plataforma informática CITIUS com a referência eletrónica n.º …….).
15ª) A prova da genuinidade deste documento (maxime da sua autoria) pode ser realizada por testemunhas, não se aplicando a proibição do art. 394.º n.º 2 do Código Civil, que se refere apenas ao acordo simulatório.
16ª) Tendo sido provada a genuinidade deste documento escrito, a Relação ...... estava obrigada a apreciar a prova testemunhal produzida no sentido da simulação do negócio de 2005, por se verificar uma excepção ao art. 394.º n.º 2 do Código Civil.
17ª) Como não foi apreciada a prova testemunhal no acórdão recorrido, teria – no caso de se considerar ineficaz a confissão do réu CC – de ser ordenada a descida do processo, para que a Relação ...... procedesse agora à análise em falta (art. 682.º n.º 3 do CPC).
18ª) O regresso dos factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28 ao elenco dos factos provados obriga a igual regresso dos factos nºs 30, 35 e 40, já que apenas foram dados como não provados por uma questão de coerência.
19ª) A alteração da matéria de facto provada impõe, por sua vez, a alteração da decisão final, declarando, desde logo, a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda de 5 de Dezembro de 2005, entre a autora e o réu CC – cfr. pedidos formulados na petição inicial sob os n.ºs I) e VI).
20ª) Como já foi dito, a nulidade deste negócio resulta da divergência intencional entre a vontade declarada e a vontade real, por acordo entre as partes e com o intuito de enganar terceiros (factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28).
21ª) A nulidade do negócio de 5 de Dezembro de 2005 é oponível ao réu EE, por não ser considerado um terceiro para efeitos dos arts. 243.º e 291.º do Código Civil, já que, conforme foi decidido no acórdão recorrido, o contrato de compra e venda de 11 de Março de 2014 é também simulado - cfr. pedido formulado na petição inicial sob o n.º II) e já julgado procedente.
22ª) A protecção dos arts. 243.º e 291.º do Código Civil apenas é conferida a quem realizou um negócio verdadeiro e não a quem nunca quis adquirir qualquer direito de propriedade, como é o caso do réu EE.
23ª) Por esta razão, torna-se irrelevante apurar se o réu/recorrido EE tinha, ou não, conhecimento da simulação do negócio de 2005 (muito embora os factos nºs 30, 35 e 40 devam ser dados como provados, como já referimos).
24ª) O réu EE está, ilegitimamente, na posse do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º …19., freguesia …. e a autora, na sua qualidade de comproprietária, tem a possibilidade de exigir a sua restituição (art. 1405.º n.º 2 do Código Civil), devendo ser julgados procedentes os pedidos formulados na petição inicial sob os nºs VII) e XI).
25ª) No que diz respeito ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º …...20, freguesia …, encontra-se na posse da ré “Rodrigo Escrivães”, posse que é titulada pelo contrato de compra e venda celebrado, a 26 de fevereiro de 2016, com o réu EE e relativamente ao qual não se provaram os pressupostos da simulação absoluta.
26ª) Não se provando estes pressupostos, a ré “Rodrigo Escrivães” terá de ser considerada terceira para efeitos dos arts. 243.º e 291.º do Código Civil, não lhe sendo oponível a nulidade do negócio de 2005 entre a autora e o réu CC.
27ª) Porém, a nulidade do negócio de 11 de Março de 2014 já será oponível à ré “Rodrigo Escrivães”, porque a presente acção judicial foi instaurada a 17 de Março de 2016 e registada a 18 de Março de 2016, ou seja, antes de decorridos 3 (três) anos desde a realização daquele negócio – cfr. acórdão recorrido, pois acrescentou estes factos à matéria de facto provada.
28ª) A ré “Rodrigo Escrivães” só poderia beneficiar da inoponibilidade prevista no art. 291.º n.º 1 do Código Civil se tivessem decorrido mais de 3 (três) anos (art. 291.º n.º 2), o que não é o caso.
29ª) A eficácia do art. 291.º n.º 2 do Código Civil sobre o caso concreto não foi apreciada no acórdão recorrido, porque, julgando não provada a simulação de 5 de Dezembro de 2005, considerou-se que a autora não tinha legitimidade para invocar a nulidade do negócio de 11 de Março de 2014.
30ª) Portanto, a ré “Rodrigo Escrivães” também deverá ser condenada a devolver à autora, enquanto comproprietária, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ….., freguesia ….., julgando-se procedentes os pedidos formulados sob os nºs III (apenas quanto ao pedido subsidiário), VIII e X.
31ª) Na hipótese – que se coloca a título subsidiário – de se entender que a ré “Rodrigo Escrivães” beneficia da proteção conferida pelo art. 291.º n.º 1 do Código Civil, o réu EE estará impedido de cumprir a sua obrigação de restituição em espécie, imposta pelo art. 289.º n.º 1, mas sempre estará obrigado a restituir o valor correspondente ao imóvel referido na conclusão anterior.
32ª) Assim, nesta hipótese que se coloca por mera precaução, o réu EE deveria ser condenado a restituir à autora e ao réu CC – e não só a este último, como se entendeu no acórdão recorrido - o valor correspondente ao imóvel descrito na conclusão 30.ª.
33ª) Em conclusão, os pedidos formulados na petição inicial sob os nºs I, II, III (pedido subsidiário), V, VI, VII, VIII, X e XI (a título parcial) terão de ser julgados procedentes, conforme se passa a transcrever:
“I – Seja declarada a nulidade, por simulação absoluta (art. 240.º do Código Civil), do negócio de compra e venda celebrado entre o co-réu CC com a autora AA, a 5 de Dezembro de 2005, e formalizado pela escritura junta como documento n.º 8 e que teve por objecto a metade indivisa dos prédios que passam a identificar:
(...)
II – Seja declarada a nulidade, por simulação absoluta (artigo 240.º do Código Civil) do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus CC e EE, a 11 de Março de 2014, e que foi formalizado pela escritura junta como documento n.º 10, e que teve por objecto os prédios que se passam a identificar:
(...)
III – Declarada a nulidade, por simulação absoluta (artigo 240.º do Código Civil) do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus EE e a sociedade Rodrigo Escrivães – Unipessoal, Lda., a 26 de Fevereiro de 2016, e que foi formalizado pela escritura junta como documento n.º 23, e que teve por objecto o prédio urbano que se passa a identificar:
a) Prédio urbano, com a área total de 600 metros quadrados, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar …., União das Freguesias ...... e ....., inscrito na matriz predial urbana sob o art. …... e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º …….
SUBSIDIARIAMENTE, em relação ao pedido referido em iii, para a hipótese especulativa de não se provar a simulação, declarado que a compra e venda é inoponível à Autora por força do disposto no artigo 291.º, n.º 2 do Código Civil;
(...)
V – Ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados com base nas compras e vendas simuladas indicadas em i), ii) (…);
VI – O Réu CC seja condenado a reconhecer que a Autora AA é, conjuntamente consigo, comproprietária dos imóveis que se passam a identificar:
(...)
VII – O Réu EE seja condenado a reconhecer que a Autora AA e o Réu CC são, enquanto comproprietários, os únicos donos e legítimos possuidores e proprietários dos imóveis melhor descritos no antecedente n.º VI;
VIII – A Ré Rodrigo Escrivães – Unipessoal, Lda. seja condenada a reconhecer que a Autora AA e o Réu CC são, enquanto comproprietários, os únicos donos e legítimos possuidores e proprietários do imóvel melhor descritos no antecedente n.º V, alínea B);
(...)
X – Os Réus EE e Rodrigo Escrivães – Unipessoal, Lda. sejam condenados, solidariamente, a restituir à Autora, AA, livre de pessoas e coisas, o imóvel identificado na alínea B) do item VI deste pedido;
XI – O Réu EE seja condenado a restituir à Autora, AA, livre de pessoas e coisas, o imóvel identificado na alínea A) do item VI deste pedido.”
34ª) Não decidindo desta forma, o acórdão recorrido não aplicou correctamente os arts. 243.º n.º 1, 286.º, 289.º n.º 1, 291.º nºs 1 e 2, 352.º, 353.º, 358.º n.º 1, 394.º n.º 2 e 1405.º n.º 2 do Código Civil e os arts. 33.º n.ºs 2 e 3, 465.º n.º 1, 555.º n.º 1, 607.º n.º 5 e 682.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
Termina, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso de revista e, revogando-se o acórdão recorrido, se substitua por outro que julgue procedentes os pedidos formulados pela autora na petição inicial, sob os nºs I, II, III (pedido subsidiário), V, VI, VII, VIII, X e XI (parcialmente).
A quarta ré “Rodrigo Escrivães – Unipessoal Ldª” contra-alegou, com as seguintes CONCLUSÕES:
1. A decisão de facto do Tribunal da Relação ...... relativa aos pontos 22, 25, 26, 27, 28, 30, 35 e 40 da decisão de facto não padece de erro de julgamento ou de qualquer vício, não tendo o referido tribunal deixado de aplicar, nem tendo aplicado incorrectamente qualquer norma de direito probatório.
2. Os poderes do STJ, em sede de apreciação/alteração da decisão de facto, são muito residuais, limitando-se, como decorre do artigo 682.º/2 do CPC, ao caso excepcional do n.º 3 do artigo 674.º do mesmo diploma legal.
3. Ora, no caso dos autos, e em especial na decisão que levou o tribunal recorrido a julgar os factos dos pontos 22, 25, 26, 27, 28, 30, 35 e 40 da decisão de facto do modo como julgou, não foi violada nenhuma disposição expressa da lei que exigisse qualquer espécie de prova para os factos em causa ou que fixasse um determinado meio de prova.
4. Em conformidade com o exposto, deve manter-se inalterável tal decisão de facto.
5. Da matéria de facto julgada provada e definitivamente assente, decorre não constar provado que o 2.º réu, CC, ao transmitir para o 3.º réu, EE, por efeito de contrato de compra e venda, o direito de propriedade dos prédios em causa nos autos, o tenha feito com a intenção, a vontade ou o propósito de enganar terceiros ou prejudicar quem quer que seja.
6. Na verdade, da conjugação da matéria de facto levada aos pontos 39, 56 e 57 dos FP decorre que a intenção dos referidos contraentes ao celebrarem a escritura pública de compra e venda do dia 11 de Março de 2014, foi de proteger (cfr. ponto 39 dos FP) os prédios ali identificados, tendo sido pago ao Banco Popular os créditos garantidos por hipoteca que incidia sobre esses prédios.
7. Consequentemente, relativamente a tal contrato de compra e venda não se verificam os requisitos do artigo 240.º do Código Civil e, consequentemente, não se verifica o vício de simulação de tal negócio.
8. Mas mesmo que esse requisito (intenção de enganar terceiros) estivesse preenchido e que se verificasse o vício de simulação – hipótese que não se admite e que apenas aqui se coloca para mero efeito de raciocínio -, então, face ao facto da autora não ter legitimidade substancial para formular os pedidos que faz na presente acção deveria, por arrastamento, ser julgados improcedentes todos os pedidos.
9. Ao conhecer oficiosamente da nulidade, por simulação, da referida escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 11 de Março de 2014, levada ao ponto 32 dos FP, cuja certidão se encontra junta a fls. 80v.º-82, o tribunal recorrido teve que assumir ou julgar previamente ser o 2.º réu, CC, o dono da totalidade do direito de propriedade – causa de pedir e pedido que, respectivamente, não é alegada nem formulado nos autos.
10. E ao condenar o 3.º réu, EE, a restituir ao 2.º réu, CC, em espécie, relativamente a um prédio, e em valor, quanto a outro prédio, o tribunal condenou para além do que é pedido, pois a autora pede que a restituição lhe seja feita a ela e não que seja efectuada ao 2.º réu.
11. Mesmo que não se decida ou julgue em conformidade com as conclusões 5.ª, 6.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.º desta resposta, sempre a nulidade, por simulação, da referida escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 11 de Março de 2014, nos termos do art. 243.º do Cód. Civil, seria inoponível á ré “RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL LDA.”.
12. Ao julgar de facto e de direito do modo como julgou, o TR........ violou ou aplicou devidamente o art. 240.º do Código Civil e os artigos 609.º e 615.º/1/al. e) do CPC, mas não violou as normas dos arts. 243.º n.º 1, 286.º, 289.º n.º 1, 291.º nºs 1 e 2, 352.º, 353.º, 358.º n.º 1, n.º 2 e 1405.º n.º 2 do Código Civil e os arts. 33.º n.ºs 2 e 3, 465.º n.º 1, 555.º n.º 1, 607.º n.º 5 e 682.º n.º 3 do Código de Processo Civil, mas antes lhes deu cabal cumprimento.
Termina, pedindo que seja julgada totalmente improcedente a acção, com custas e encargos pela autora.
CONCLUSÕES DO 3º RÉU EE
1. Tendo o Tribunal da Relação reconhecido que a autora, em face da improcedência do primeiro pedido de declaração de nulidade por simulação, não tinha legitimidade substantiva para formular todos os pedidos subsequentes, deveria ter julgado imediatamente a acção improcedente, estando-lhe vedado prosseguir a subsunção jurídica dos factos com vista a aferir da eventual nulidade de negócios jurídicos ulteriormente praticados por alguns réus.
2. A falta de legitimidade substantiva da autora para formular os pedidos que configuram o objecto da acção impedia que o tribunal apreciasse oficiosamente a validade de negócios jurídicos que a autora afinal não tinha legitimidade para trazer a juízo.
3. O acórdão uniformizador nº 4/95 admite que o tribunal lance mão do artº 289º do Código Civil para conhecer oficiosamente de nulidades, mesmo que não invocadas pelas partes, mas tão só quando isso permita resolver definitivamente o diferendo jurídico entre as partes, balizado no objecto do processo.
4. O tribunal julga com critério e razoabilidade, não aprecia questões laterais ao thema decidendum por diletantismo, nem lhe é permitido modificar o objecto do processo na segunda instância.
5. Por conseguinte, ao declarar ex officio a nulidade da compra e venda celebrada entre o 1º e o 3º réus – sendo que a autora não tinha legitimidade substantiva para suscitar essa questão – o acórdão recorrido violou o preceituado no artº 609º nº 1 do CPC, incorrendo na nulidade prevista no artº 615º nº 1 al, e) do CPC.
Para além disso,
6. Mesmo que se admitisse a declaração oficiosa de nulidade – no que se não concede – a 2ª instância nunca poderia condenar oficiosamente os réus contraentes na restituição das prestações efetuadas, porque o tribunal não pode condenar em objecto diverso do peticionado, nem pode condenar no que pura e simplesmente não foi pedido.
7. Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº 1 do art. 661º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de novembro de 2009, processo 308/1999.C1.S1.
8. Ainda que o Tribunal da Relação pudesse estribar-se no pedido formulado pela autora contra os réus para de alguma forma condenar um réu em benefício de outro réu – e manifestamente não o podia fazer! – mesmo assim decidiu ostensivamente além do pedido, tal qual a autora o configurou.
9. Na verdade, tendo a autora peticionado que o 3º réu fosse condenado a reconhecer que ela era comproprietária de metade indivisa dos imóveis e o 1º réu era comproprietário da outra metade, a Relação acabou por condenar o 3º réu a reconhecer que o 1º réu seria o proprietário pleno e exclusivo dos imóveis, assim extrapolando manifestamente do que fora peticionado.
10. E, tendo a autora peticionado que o 3º réu lhe entregasse – a ela, autora – os mencionados imóveis, a Relação ordenou que o 3º réu entregasse um imóvel ao 1º réu, também desta forma extrapolando daquilo que lhe fora pedido.
11. Acresce que, relativamente ao outro imóvel, a Relação ordenou que o 3º réu entregasse ao 1º réu o respetivo valor – pedido que em momento nenhum havia sido sequer aflorado nos autos.
12. É assim flagrante e indesmentível que a Relação alterou completamente o objecto do processo, condenando além do pedido, praticando também por este motivo uma nulidade integrada no artigo 609º nº 1 do CPC, sancionada pelo artº 615º nº 1, e) do mesmo diploma.
13. A doutrina do Acórdão Uniformizador 4/95 de 28/03/1995 foi alvo de clarificação ao longo dos tempos, estando firmado o entendimento jurisprudencial segundo o qual pode ser determinada a restituição em consequência da declaração de nulidade oficiosamente declarada, mas apenas se essa restituição tiver sido peticionada, e sempre na exacta medida do pedido efetivamente formulado nos autos – v. por todos o aresto supra citado e ainda o Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de abril de 2016, processo 842/10.9TBPNF.P2.S1 (ambos relatados pelo Insigne Conselheiro Lopes do Rego), assim como, entre outros, o Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Maio de 2003, processo 03A1402.
Acresce que ...
14. Mesmo que por absurdo tais condenações pudessem manter-se qua tale, ou seja, que não tivesse sido praticada uma flagrante nulidade decisória, ainda assim entendemos que não haveria lugar a anulação da 2ª compra e venda – a celebrada entre o 1º réu e o 3º réu em 2014 – por inverificação do requisito simulatório do intuito de enganar ou prejudicar terceiros, uma vez que a matéria do ponto 39 dos Factos Provados, por si só, não é suficiente para que se possa considerar preenchido tal requisito.
15. Ao considerar que os contraentes dessa escritura tiveram o intuito de enganar o Banco Popular, S.A. (e apenas este), a Relação desconsiderou a circunstância de esse Banco ter conhecido e autorizado a alienação, conformando-se com a diminuição de garantias daí resultante para si, enquanto credor hipotecário e titular de fiança do 1º réu.
16. A matéria dos pontos 51 a 58 dos Factos Provados atesta precisamente que não ocorreu nenhum engano da instituição bancária, antes pelo contrário, tudo tendo sido feito mediante negociação com esse Banco, que aceitou diminuir o património que estava adstrito ao cumprimento do empréstimo em contrapartida de uma amortização do capital mutuado, a qual foi negociada por ambos os réus e realizada pelo 3º réu, concomitantemente com a alienação dos imóveis.
17. O Banco distratou voluntariamente e de forma consciente as hipotecas sobre os imóveis em apreço, para que os mesmos fossem transaccionados, nesse mesmo dia, mediante uma amortização do capital em dívida.
18. Forçoso é concluir que neste caso o Banco Popular não foi enganado, embora a operação tenha sido montada, efectivamente, para que mais tarde o Banco, se algo corresse mal na amortização do empréstimo da R........, tivesse de se cobrar apenas pelos demais imóveis hipotecados, não podendo lançar mão destes bens pessoais do fiador, com o que o Banco inegavelmente se conformou.
19. Mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria uma manifesta contradição entre o ponto 39 e os pontos 51 a 58 dos Factos Provados, a exigir que o Supremo Tribunal de Justiça lançasse mão do normativo do artº 682º nº 3 do Código de Processo Civil para ordenar às instâncias que clarificassem a contradição, uma vez que a mesma inviabiliza uma decisão conscienciosa sobre a questão do requisito intuito de enganar terceiros do artº 240º do código civil.
Por outro lado...
20. Ao decidir de forma surpreendente e sem suporte nos pedidos formulados na acção, no sentido de que o 3º réu haveria de devolver ao 1º réu a casa A), a Relação fê-lo em clara violação, além do princípio do pedido, também do basilar princípio do contraditório, consagrado no artº 3º nº 3 do CPC.
21. Na verdade, ao longo do processo, o 3º réu nunca teve oportunidade de se defender relativamente a essa decisão anómala, estando designadamente impedido de fazer valer contra o 1º réu todos os argumentos, fundamentos e direitos que, por estarem no âmbito das relações entre ambos os réus, não fazia sentido nem tinha cabimento invocar num litígio exclusivo contra a autora.
22. Ao decidir, já em 2ª instância, por uma solução totalmente imprevista e imprevisível, o Tribunal recorrido violou as regras de certeza e segurança jurídicas e precludiu o direito de tutela efectiva da posição do 3ºréu, impedindo-o de se defender em relação ao conteúdo concreto desta decisão.
23. Muito em especial, o 3º réu não pôde invocar os direitos que para si emergem dos factos provados dos itens 71, 72 e 75 dos Factos Provados, nem o Tribunal os reconheceu oficiosamente, ficando assim precludido o seu direito de compensação por quantias elevadas, por si despendidas em favor do 1º réu e em benefício do imóvel a restituir.
E finalmente...
24. Tendo o Tribunal da Relação ...... condenado “...o 3º réu a restituir ao 1º réu o prédio referido em A) e o valor correspondente ao prédio referido em B)”, não se consegue lobrigar, com base na matéria de facto apurada nos autos e/ou com base na fundamentação do acórdão recorrido, qual o montante desta condenação, ou seja, que valor entende o Tribunal que corresponde ao prédio, porque na verdade não o refere.
25. Como tal, o Tribunal não fixou o objecto e a quantidade da restituição, nem relegou essa fixação para momento ulterior, com o que mais uma vez violou o comando normativo do artº 609º do CPC, desta feita o seu nº 2, em concurso com a já assinalada violação do nº 1, formulando uma condenação totalmente incerta, indeterminada e indeterminável.
26. Por tudo o exposto, verifica-se que o acórdão recorrido violou o preceituado nos artºs. 242º, 286º e 289º do código civil e nos artºs 3º e 609º do código de processo civil, com o que incorreu em nulidade prevista no artº 615º nº 1, al. e) deste último diploma.
Termina, pedindo que deverá o acórdão recorrido ser considerado nulo e, reapreciando-se juridicamente a causa, deverá a acção ser julgada inteiramente improcedente.
A autora, notificada das alegações do recurso de revista interposta pelo réu EE, veio apresentar as suas contra-alegações, nas quais requereu, ao abrigo do art. 636.º n.º 2 do Código de Processo Civil, a ampliação do âmbito do recurso, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto (por violação de uma regra de direito probatório material, ao abrigo do art. 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil), formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1ª) O recurso de revista autónomo apresentado pela autora AA assume precedência lógica face ao recurso de revista apresentado pelo réu EE, porque visa a alteração da matéria de facto, com o regresso dos factos nºs 22, 25, 26, 27, 28, 30, 35 e 40 ao elenco dos factos provados.
2ª) Se estes factos forem considerados provados, como defende a autora, por não haver qualquer situação de litisconsórcio necessário natural passivo imposta pelos arts. 240.º e 289.º do Código Civil, terá de ser declarada a nulidade, por simulação absoluta, do contrato de compra e venda formalizado, a 5 de dezembro de 2005, entre a autora e o réu CC.
3ª) Se estes factos não forem considerados provados, por se entender que existe uma situação de litisconsórcio necessário natural passivo imposta pelos arts. 240.º e 289.º do Código Civil, os mesmos terão sempre de ser dados como provados, para efeitos de responsabilidade civil extracontratual (art. 483.º n.º 1 do Código Civil).
4ª) O réu CC confessou que nunca quis comprar à autora o seu direito de compropriedade e que nunca lhe pagou qualquer preço, tendo assumido o compromisso de manter a aparência de que era titular deste direito, não o transmitindo para terceiro – cfr. assentada constante da acta da audiência final, sessão de 13 de Setembro de 2018 (com a referência eletrónica n.º …..), acima transcrita sob o ponto n.º 4.
5ª) O reconhecimento da veracidade destes factos é contrário ao interesse do réu CC, pois, a 11 de Março de 2014, transmitiu, simuladamente, o direito de compropriedade da autora para o réu EE, em violação do acordo anteriormente estabelecido.
6ª) O réu CC admitiu, assim, que praticou um acto ilícito, violador do direito real de compropriedade da autora, que nunca autorizou a transmissão do seu direito para terceiro.
7ª) Ainda que se entendesse – o que não se admite – que o réu CC não ofendeu o direito de compropriedade da autora, teria sempre ofendido a confiança e a expectativa criadas na sua consciência, porque fez com que acreditasse que nunca iria transmitir para terceiro o referido direito real, sem que fosse devidamente autorizado.
8ª) O acto ilícito confessado pelo réu CC provocou danos na esfera patrimonial da autora, por perder as faculdades inerentes ao direito de compropriedade sobre os dois imóveis, isto é, os direitos de uso, fruição, disposição e oneração (arts. 1305.º e 1405.º n.º 1 do Código Civil).
9ª) A perda dos direitos de compropriedade tem uma expressão patrimonial concreta, que nunca seria inferior a metade - uma vez que o quinhão, enquanto comproprietária, ascendia a metade dos imóveis (cfr. factos provados sob os nºs 11, 14 e 15) - do valor global dos dois imóveis (€ 532.285,00 (quinhentos e trinta e dois mil, duzentos e oitenta e cinco euros)) (conforme provado sob o ponto 29 da matéria de facto provada), isto é, € 266.142,50 (duzentos e sessenta e seis mil, cento e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos).
10ª) Este dano de carácter patrimonial é consequência directa do acto ilícito praticado pelo réu CC (compra e venda simulada de 11 de Março de 2014), tendo sido por si representado e desejado em clara actuação dolosa.
11ª) Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no art. 483.º n.º 1 do Código Civil foram, assim, confessados pelo réu CC, estando obrigado a indemnizar os prejuízos causados à autora.
12ª) O reconhecimento destes factos favoráveis à autora e prejudiciais ao próprio réu CC consubstancia uma confissão judicial escrita – formalizada na sua contestação, bem como em sede de depoimento de parte reduzido a escrito (assentada constante da acta da audiência final, sessão de 13 de setembro de 2018 (com a referência eletrónica n.º ……) –, que faz prova plena dos factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28.
13ª) O Tribunal da Relação ...... não ponderou a relevância dos factos confessados pelo réu CC para efeitos do art. 483.º n.º 1 do Código Civil, pelo que, a título subsidiário face ao recurso de revista apresentado pela autora – para a hipótese de se entender que os factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28 não podem ser considerados para efeitos da simulação absoluta do negócio formalizado a 5 de dezembro de 2005 – requer-se a V. Exas. a ampliação do objecto do recurso de revista agora contra-alegado (ao abrigo do art. 636.º n.º 2 do Código de Processo Civil), com a intenção de serem considerados provados os factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28 (e, por uma questão de coerência, os factos nºs 30, 35 e 40, conforme foi alegado no recurso de revista autónomo da autora).
14ª) Na qualidade de credora do réu CC, a autora tem legitimidade para invocar a nulidade (art. 286.º, 1.ª parte e art. 605.º n.º 1 do CC), por simulação absoluta, do negócio formalizado, a 11 de março de 2014, entre os réus CC e EE e para opor os seus efeitos à sociedade “Rodrigo Escrivães”.
15ª) A nulidade do negócio formalizado a 11 de Março de 2014 é oponível à sociedade ré “Rodrigo Escrivães”, porque a presente acção judicial foi proposta a 17 de Março de 2016 e registada a 18 de Março de 2016, ou seja, antes de decorridos 3 (três) anos desde a realização daquele negócio (art. 291.º n.º 2 do CC) – cfr. facto provado sob o n.º 76 no acórdão recorrido.
16ª) Ainda que se entendesse que a autora, enquanto credora do réu CC, não tinha legitimidade para invocar a nulidade acima referida, o Tribunal sempre deveria declará-la oficiosamente, pois foram dados como provados os factos constitutivos da simulação absoluta – cfr. factos provados sob os nºs 36, 37 e 39.
17ª) A declaração de uma vontade diferente da vontade real com o intuito de enganar terceiros viola valores fundamentais da nossa comunidade e não pode merecer tutela jurídica, devendo ser declarada oficiosamente a nulidade, como determina o art. 286.º, 2.ª parte do Código Civil.
18ª) O conhecimento da nulidade – seja a título oficioso, seja por se reconhecer legitimidade à autora – obriga o Tribunal a conhecer dos seus efeitos e a condenar na restituição do que tenha sido, indevidamente, recebido (art. 289.º n.º 1 do CC), sob pena de ser admitida a perpetuação de uma realidade que é censurada pelo Direito.
19ª) A nulidade do negócio jurídico de 11 de Março de 2014 e nulidade sequencial do negócio 26 de Fevereiro de 2016 (por disposição de bem alheio – art. 892.º do CC) obriga o réu EE e a sociedade ré “Rodrigo Escrivães” a restituir, respectivamente, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial........ sob o n.º ……19, da freguesia ....... e o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ……20, da freguesia ....... à esfera patrimonial do réu CC.
20ª) A sociedade ré “Rodrigo Escrivães” só não estará obrigada a devolver, em espécie, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ........ sob o n.º ….20, da freguesia ......., se se entender que a autora não tem legitimidade para invocar a nulidade do negócio jurídico de 11 de Março de 2014.
21ª) Nesta hipótese - que não se admite e que se coloca a título subsidiário – o réu EE estará obrigado a entregar ao réu CC o valor correspondente ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º .......20, da freguesia ......., fixado em € 117.500,00 (cento e dezassete mil e quinhentos euros) - conforme provado sob o n.º 29 da matéria de facto.
22ª) Mesmo na hipótese de não ser reconhecida legitimidade à autora para invocar a nulidade, mantém-se o interesse na destruição retroactiva dos efeitos do negócio simulado de 11 de Março de 2014, através da condenação no cumprimento das obrigações de restituição, pois assim será possível penhorar os imóveis (ou pelo menos o valor correspondente ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º .......20, da freguesia .......) na esfera patrimonial do réu CC, em satisfação do direito de crédito indemnizatório atrás referido.
23ª) De outro modo, a autora nunca veria satisfeito este direito de crédito indemnizatório, pois o réu CC não é titular de outros bens, sendo beneficiado pela sua conduta ilícita.
24ª) Os pedidos formulados pela autora na petição inicial visaram, exclusivamente, a destruição retroactiva dos efeitos do negócio simulado de 11 de março de 2014, pelo que, se não for possível a declaração de nulidade do negócio de 5 de Dezembro de 2005 (hipótese que se coloca a título subsidiário) e a restituição física dos imóveis à autora, enquanto comproprietária, terá sempre de ser ordenada a restituição a favor do outro comproprietário, isto é, o réu CC.
25ª) A condenação de um réu a entregar a outro réu o que recebeu indevidamente constitui um efeito típico normal da procedência de uma acção de declaração da nulidade, por simulação absoluta, de um determinado negócio jurídico.
26ª) Nesta medida, a condenação constante do acórdão recorrido insere-se no efeito prático-jurídico solicitado pela autora na petição inicial, não havendo, verdadeiramente, uma condenação a título oficioso, embora se entenda que o regime da nulidade não só a admite, como a impõe (arts. 286.º e 289.º do CC).
27ª) O Tribunal da Relação ...... não excedeu os poderes a seu cargo, porque a declaração da nulidade e a condenação no cumprimento das obrigações de restituição são matérias de conhecimento oficioso (art. 608.º n.º 2, 2.ª parte do Código de Processo Civil e art. 286.º do Código Civil), não podendo omitir a sua pronúncia, sob pena de ocorrer a nulidade prevista no art. 615.º n.º 1, al. d), 1.ª parte do CPC.
28ª) Ainda assim, somos da opinião que o Tribunal da Relação ...... deveria ter dado como provados os factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28 (e, por uma questão de coerência, os factos nºs 30, 35 e 40), pelo menos para efeitos da responsabilidade civil por factos ilícitos – posição que se invoca a título subsidiário face ao recurso de revista autónomo da autora – reconhecendo legitimidade à autora para arguir a nulidade do negócio formalizado a 11 de Março de 2014.
29ª) Nesta hipótese subsidiária, o acórdão recorrido teria sempre aplicado, incorretamente, os arts. 353.º e 358.º n.º 1 do Código Civil - não reconhecendo a força probatória plena inerente à confissão judicial escrita do réu CC (o que pode ser corrigido por V. Exas, ao abrigo do art. 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil) – bem como os arts. 286.º, 483.º n.º 1 e 605.º n.º 1 do Código Civil, relativos à legitimidade da autora para arguir a nulidade.
30ª) Não se justifica qualquer outra alteração da matéria de facto, nomeadamente a alteração que o réu/recorrente pretende introduzir ao facto provado sob o n.º 39, que nem sequer é relevante para efeitos dos pressupostos da simulação absoluta.
31ª) O réu EE pretende, com o seu recurso de revista, prevalecer-se dos efeitos de um negócio que admite ter simulado com o réu CC, com o intuito de enganar terceiros, mantendo-se na posse ilegítima de um imóvel que não lhe pertence e enriquecido com a suposta venda à ré “Rodrigo Escrivães” de outro imóvel que também não lhe pertencia.
Termina, pedindo que:
1. Seja julgado procedente o recurso de revista autónomo apresentado pela autora, revogando-se o acórdão recorrido e substituindo-o por outro que julgue procedentes os pedidos formulados pela autora na petição inicial, sob os nºs I, II, III (pedido subsidiário), V, VI, VII, VIII, X e XI (parcialmente);
2. Na hipótese de não ser julgado procedente o recurso de revista da autora, seja admitida a ampliação do âmbito do recurso de revista do réu/recorrente, ao abrigo do art. 636.º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil;
3. Seja julgado improcedente o recurso de revista do réu EE, mesmo na hipótese de não serem atendidos os fundamentos jurídicos objecto de ampliação;
4. Sejam condenados os réus EE e “Rodrigo Escrivães” a cumprir as suas obrigações de restituição do que receberam indevidamente, entregando, respetivamente, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ...…19, da freguesia ....... e o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º .......20, da freguesia ......., ao réu CC, de modo que a autora os possa penhorar em satisfação do seu crédito.
O terceiro réu EE, em resposta à alteração da matéria de facto formulada pela autora, apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
1. Não é admissível o recurso da matéria de facto, por não se enquadrar nos estritos limites do artº 674º nº 3 CPC.
2. As declarações de parte do 1º réu não podem ser consideradas confissão à luz do preceituado no artº 352º CC.
3. A alegada “confissão” do 1º réu não pode ser considerada prova plena, por estarmos perante um litisconsórcio necessário passivo – artºs. 33º nº 2 do CPC, 353º CC e 358º CC.
4. Os sucessivos pedidos de nulidade dos vários negócios jurídicos não são separáveis ou cindíveis na sua apreciação, para a obtenção do efeito útil pretendido pela sentença.
5. A admissibilidade da prova testemunhal com base num documento – aliás validamente impugnado – bem como a força e credibilidade a atribuir a esse documento particular, são matérias que escapam aos poderes de cognição do STJ – artº 682º nº 2 e artº 674º nº 3, este a contrario sensu, do CPC
6. A afirmação de que o documento foi considerado verdadeiro é falsa, porquanto o mesmo foi validamente impugnado e não mereceu acolhimento pela Relação.
7. Falham os pressupostos para a pretendida modificação da decisão, uma vez que os argumentos jurídicos expendidos radicam todos numa alteração da matéria de facto que este Supremo Tribunal não pode legalmente apreciar, nem teria fundamentos para modificar.
Termos em que deve o recurso de revista interposto pela autora ser rejeitado, por inadmissível ou, quando assim se não entenda, sempre deve o mesmo ser julgado inteiramente improcedente, com as inerentes consequências legais.
O terceiro réu EE, em resposta à ampliação do objecto do recurso formulado pela autora, não apresentou conclusões, dizendo, em síntese, que era em sede de apelação que a autora deveria ter requerido a ampliação do âmbito do recurso e não nesta fase, porque agora já não o pode fazer.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto
Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
1. A autora, AA, é casada, sob o regime da comunhão de adquiridos, com BB (artigo 1.º da petição inicial) – cfr. assento de casamento de fls.55v.º-56, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. A autora AA é irmã do réu CC (artigo 2.º da petição inicial) – cfr. assentos de nascimento de fls.57v.º-58, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3. A autora AA e os réus CC e EE são accionistas da sociedade anónima R..., SA, pessoa colectiva n.º 50...54, com sede na ..., Caminho ..., ..., ..., ..., ... (artigo 4.º da petição inicial).
4. À data de 15/02/2016, tal sociedade tinha os seguintes acionistas:
a. o réu EE, titular de 150862 acções, representativas de 39,18% do capital social;
b. o réu CC, titular de 80863 acções, representativas de 21% do capital social;
c. GG (filha da autora), titular de 64267 acções, representativas de 16,69% do capital social;
d. HH (filho da autora), titular de 64267 acções, representativas de 16,69% do capital social;
e. II, titular de 8525 acções, representativas de 2,71% do capital social;
f. a própria sociedade R..., detentora de 8190 acções, representativas de 2,6% do capital social;
g. dez acionistas titulares de 3025 acções, representativas de 0,96% do capital social;
h. ADMINISTRAÇÃO GERAL DE SAÚDE DE BRAGA, titular de 2500 acções, representativas de 0,79% do capital social;
i. JJ, titular de 2500 acções representativas de 0,79% do capital social;
j. a autora AA, titular de 1 acção, representativa de 0,0002% do capital social (artigo 6.º da petição inicial).
5. A participação do réu EE no capital da sociedade R..., SA é resultado da relação de amizade e confiança estabelecida com o co-réu CC, pois foi este que convidou aquele a tornar-se accionista, o que se verificou no ano de 2009 (artigos 7.º, 53.º [parcial] e 76.º [parcial] da petição inicial).
6. (…) adquirindo, de forma progressiva, um número cada vez maior de acções da sociedade R..., SA, mediante sucessivos aumentos de capital subscritos por aquele (artigo 77.º da petição inicial).
7. A ré DD está divorciada do réu CC, com quem foi casada no regime da comunhão de adquiridos (artigo 8.º da petição inicial).
8. A sociedade ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA, dedica-se à construção civil e tem como sócio e gerente único LL (artigo 9.º [parcial] da petição inicial) – cfr. certidão do registo comercial de fls.61-62, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
9. A sociedade MOITA & MONTE – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., actualmente denominada ANDSANDALE - IMOBILIÁRIA, LDA dedica-se à actividade de promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento e administração de imóveis próprios e alheios e tem sede na Rua Manuel Dias, n.º 438, da freguesia Aver-o-Mar, Amorim e Terroso, concelho da Póvoa de Varzim (artigos 10.º [parcial] e 11.º [parcial] da petição inicial) – cfr. certidão do registo comercial de fls.131-134 ou190v.º-193, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
10. O réu EE é gerente e o sócio da sociedade ECOSTEEL, LDA, ……, onde detém quatro quotas, no valor nominal global de €118.800,00, num capital social de €120.000,00, conforme discriminação que segue:
a. Uma quota no valor nominal de €40.000 (quarenta mil euros);
b. Uma quota no valor nominal de €20.000 (vinte mil euros);
c. Uma quota no valor nominal de €40.000 (quarenta mil euros); e
d. Uma quota no valor nominal de €18.800 (dezoito mil e oitocentos euros) (artigos 12.º e 13.º da petição inicial) – cfr. certidão do registo comercial de fls.135-138, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
11. Por escritura pública denominada de “Partilha em Vida”, outorgada no dia 09/08/1999, no lugar …, freguesia....... , concelho........, perante o Notário do concelho, Licenciado SS, em que intervieram como primeiros outorgantes MM e mulher NN, casados no regime da comunhão geral, como segundos outorgantes OO e marido PP, como terceiros outorgantes, AA, ora autora, e marido BB, e como quartos outorgantes CC, ora co-réu, e mulher DD, os primeiros outorgantes declararam:
«Que são donos e legítimos possuidores dos seguintes bens:
(…)
Número dois:
Casa para habitação com dois pavimentos garagem e logradouro, no Lugar ......, ........, da freguesia ......., descrita na indicada Conservatória sob o n.º ….48 do Livro B- trinta e três (…); inscrita na matriz sob o artigo ……11, com o valor patrimonial atribuído de 325.728$00.
Número três:
Casa torre, destinada a habitação, com três divisões no rés-do-chão e cinco no primeiro andar, no dito Lugar ......, ........, …, descrita na indicada Conservatória sob o n.º …16 do Livro B- trinta e seis (…); inscrita na matriz sob o artigo …54, com o valor patrimonial atribuído de 124.675$00.
Número quatro:
Mil cento e oitenta e oito acções nominativas, no valor nominal de três mil escudos cada, representativas do capital social da sociedade comercial anónima R..., SA, com sede no dito Pinhal de Ofir, (…).
Que, pela presente escritura e em ordem à subsequente partilha em vida, fazem as seguintes doações aos seus filhos, por conta das respectivas legítimas:
(…)
b) À filha AA, terceira outorgante, doa metade indivisa dos prédios das verbas números dois e três e ainda quinhentas e vinte e duas acções da verba número quatro, (…).
c) Ao filho CC, quarto outorgante, doa metade indivisa dos prédios das verbas números dois e três e, ainda, as restantes quinhentas e vinte e duas acções da verba número quatro, (…).
Declararam os ditos filhos CC, AA e OO, respectivamente, quarto, terceiro e segundo outorgantes: Que aceitam a presente doação, cada um na parte que a si respeita. (…)» (artigos 19.º e 30.º da petição inicial) – cfr. escritura pública de fls.65-70, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.
12. O prédio urbano identificado sob a verba número dois da escritura pública referida em 11, actualmente, corresponde ao prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de .... e ...... sob o artigo …...57º e descrito na Conservatória do Registo Predial........ sob o n.º........20 (artigo 19.º da petição inicial) – cfr. certidões do registo predial e da caderneta predial de fls.75-76 e 142, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
13. O prédio urbano identificado sob a verba número três da escritura pública referida em 11, actualmente, corresponde ao prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de .... e ..... sob o artigo ……87º e descrito na Conservatória do Registo Predial........ sob o n.º ……..19 (artigo 19.º da petição inicial) - cfr. certidões do registo predial e da caderneta predial de fls.73-74 e 140v.º-141, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
14. Através da Ap…… de 2005/09/13 foi registada na Conservatória do Registo Predial ........, a aquisição em partes iguais, por doação, a favor da autora AA e do co-réu CC, do prédio urbano, sito no Lugar ......, ........, freguesia......., concelho de ........, com a área total de 900m2, composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, a confrontar do norte e poente com R..., SA, do sul com QQ e do nascente com rio …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …..54º e descrito naquela Conservatória sob o n.º ……13 (artigo 20.º da petição inicial) - cfr. certidão do registo predial de fls.73-74, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15. Através da Ap….. de 2005/09/13 foi registada na Conservatória do Registo Predial ........, a aquisição em partes iguais, por doação, a favor da autora AA e do co-réu CC, do prédio urbano, sito em Lugar …., freguesia ....... , concelho ........, com a área total de 600m2, composto de casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, a confrontar do norte, nascente e poente com R..., SA, e do sul com RR, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo …..54º e descrito naquela Conservatória sob o n.º........13 (artigo 20.º da petição inicial) - cfr. certidão do registo predial de fls.75-76, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
16. A autora e o réu CC sucederam na posse de tais prédios aos seus pais (artigo 21.º [parcial] da petição inicial).
17. Desde data não concretamente apurada, mas durante mais de 20 anos e, pelo menos, até ao ano de 2014/2015, por si e antepossuidores, a autora, conjuntamente com o réu CC, administrou os referidos prédios urbanos, tratando da sua conservação, suportando, em partes iguais, as competentes despesas e encargos, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (artigos 22.º [parcial] e 23.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, alterou-se a redação deste ponto para o seguinte:
17. Desde data não concretamente apurada, mas durante mais de 20 anos e, pelo menos, até ao ano de 2014/2015, por si e antepossuidores, o 1º réu administrou os referidos prédios urbanos, tratando da sua conservação, suportando, em partes iguais, as competentes despesas e encargos, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, não se apurando se o fez sozinho ou com a 1ª Autora.
18. A autora sempre se assumiu, conjuntamente com o réu CC, como dona dos sobreditos prédios urbanos perante o réu EE (artigos 24.º e 25.º [parcial] da petição inicial). Eliminado pelos motivos infra referidos.
19. Desde 2001, com autorização e acordo da autora, o corréu CC passou a habitar no prédio urbano acima descrito em 14 (artigo 31.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, alterou-se a redação deste ponto para o seguinte:
19. “Desde 2001, sem que a autora tenha expressado qualquer desacordo, o co-réu CC passou a habitar no prédio urbano acima descrito em 14 (artigo 31.º da petição inicial).”
20. A autora possuía a chave dos dois imóveis (artigo 32.º [parcial] da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, alterou-se a redação deste ponto para o seguinte:
20. A autora possuiu a chave dos dois imóveis.
21. Por escritura pública denominada “Compra e Venda”, lavrada no dia 05 de Dezembro de 2005, perante o notário, Lic. TT, no Cartório sito na Avenida …, em ….., exarada a fls.24-25, do Livro n.º 33-A, em que intervieram como primeiros outorgantes AA e marido BB, e como segundo CC, casado, em comunhão de adquiridos, com DD, declararam os primeiros outorgantes:
«Que, pela presente escritura, pelo preço global de oitenta e cinco mil euros, já recebido, a primeira outorgante mulher, autorizada pelo marido, vende ao segundo outorgante metade indivisa de cada um dos seguintes imóveis sitos na freguesia ........., concelho ........:
UM – Por cinquenta e oito mil oitocentos e noventa e um euros e cinte e cinco cêntimos, metade indivisa do prédio urbano, composto de casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, sito no Lugar ……, descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o número ......20., (…), inscrito na matriz sob o artigo …...11º, com o valor patrimonial correspondente à metade de €3.167,55;
Dois – Por vinte e seis mil cento e oito euros e setenta e cinco cêntimos, metade indivisa do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, sito no Lugar ......, ........, descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o número ……19 (…), inscrito na matriz sob o artigo …...54º, com o valor patrimonial correspondente à metade de €7.144,77.
Que sobre os prédios incide uma hipoteca favor do Banco Comercial Português, SA, registada pela inscrição C-UM.
Declarou o segundo outorgante: que aceita a venda, e que os referidos imóveis destinam-se exclusivamente a habitação. (…)» (artigos 33.º, 35.º, 36.º e 54.º da petição inicial) – cfr. documento de fls.77-78, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22. Não obstante o declarado na escritura pública referida em 21, o réu CC não entregou à autora qualquer quantia, nem esta recebeu o que quer que fosse do réu a título do preço estipulado (artigos 34.º, 38.º [parcial] e 40.º da petição inicial, com correcção do lapso de escrita realizado pelo tribunal a quo na pronúncia sobre nulidades). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi dado como não provado.
23. Através da Ap….. de 2005/12/06 foi registada na Conservatória do Registo Predial ……, a aquisição, por compra, a favor do réu CC, da metade indivisa do prédio urbano, sito no Lugar ......, ........, freguesia......., concelho ........, com a área total de 900m2, composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, a confrontar do norte e poente com R........ – Sociedade de Turismo do Parque do Rio, SA, do sul com QQ e do nascente com rio …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ….54º e descrito naquela Conservatória sob o n.º ……13 (artigo 37.º da petição inicial) - cfr. certidão do registo predial de fls.73-74, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
24. Através da Ap….. de 2005/12/06 foi registada na Conservatória do Registo Predial de ........, a aquisição, por compra, a favor do réu CC, da metade indivisa do prédio urbano, sito em Lugar …., freguesia ....... , concelho ........, com a área total de 600m2, composto de casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, a confrontar do norte, nascente e poente com R..., SA, e do sul com RR, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …..11º e descrito naquela Conservatória sob o n.º.......13 (artigo 37.º da petição inicial) - cfr. certidão do registo predial de fls.75-76, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
25. Não obstante o declarado na escritura pública referida em 21, a autora não pretendeu vender o seu direito de compropriedade, nem nunca teve intenção de abdicar do mesmo em benefício do réu CC, nem este o pretendeu comprar (artigos 38.º [parcial] e 39.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi dado como não provado.
26. Nem o marido da autora, BB, pretendeu autorizá-la a dispor daquele seu direito (artigo 40.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi dado como não provado.
27. As declarações constantes da escritura de compra e venda referida em 21 foram feitas na sequência de um prévio acordo estabelecido entre a autora, o seu marido e o réu CC, em virtude de, na altura, aqueles (autora e marido) estarem a atravessar dificuldades financeiras, provenientes da existência de dívidas, e teve em vista evitar que os credores dos mesmos penhorassem as metades indivisas dos imóveis declarados vender ao co-réu CC, assim os enganando (artigos 43.º, 47.º e 50.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi dado como não provado.
28. A iniciativa da outorga da escritura nesses termos partiu da autora e do seu marido e mereceu a concordância do réu CC, dadas as boas relações que mantinham (artigo 44.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi dado como não provado.
29. No ano de 2012, os referidos prédios urbanos foram avaliados em € 532.285,00 (quinhentos e trinta e dois mil, duzentos e oitenta e cinco euros), conforme a seguinte discriminação:
a. €414.785,00 (quatrocentos e catorze mil, setecentos e oitenta cinco euros), atribuídos ao prédio urbano com a área total de 900 metros quadrados, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ......, ........, União das Freguesias ...... e …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......87º e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º ….19;
b. €117.500,00 (cento dezassete mil e quinhentos euros), atribuídos ao prédio urbano com a área total de 600 metros quadrados, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar ......, União das Freguesias ...... e ....., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .......57º e descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob o n.º.......20 (artigo 46.º da petição inicial).
30. A co-ré DD tinha conhecimento do circunstancialismo acima descrito em 25 a 28 (artigo 55.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi dado como não provado.
31. Em 16/09/2010, o réu CC divorciou-se da co-ré DD e na partilha dos bens efectuada, por escritura pública de 16/09/2010, não foi considerada a metade indivisa dos prédios urbanos objecto da escritura pública mencionada em 21 (artigo 58.º da petição inicial) – cfr. escritura de fls.124v.º-127, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
32. Por escritura pública denominada “Compra e Venda”, lavrada no dia 11 de Março de 2014, perante UU, Notária, com Cartório sito na Rua …..., freguesia e concelho ........, exarada a fls.25-26, do Livro n.º 74-A, em que intervieram como primeiro outorgante CC, divorciado, e como segundo EE, casado com FF sob o regime de separação de bens, o primeiro outorgante declarou:
«Que vende ao segundo outorgante, pelo preço de cento e trinta e oito mil cento e oitenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos, que já recebeu, os seguintes bens imóveis, sitos na freguesia ......., concelho ........:
N.º 1 – Pelo preço de cento e sete mil seiscentos e noventa euros e quarenta cêntimos o prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, andar e logradouro, destinado a habitação, sito no Lugar ......, ........, descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob a ficha o número ….…..19, inscrito na respectiva matriz sob o actual artigo …..87º, da União das Freguesias ...... e ....., com o valor patrimonial de €210.830,38.
N.º 2 – Pelo preço de trinta mil quatrocentos e noventa e quatro euros e sete cêntimos o prédio urbano, composto por casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, sito no Lugar ......, descrito na Conservatória do Registo Predial de ........ sob a ficha número ...........20, inscrito na respectiva matriz sob o actual artigo …...57º, daquela União das Freguesias de ...... e ....., que corresponde ao antigo artigo ….11, da extinta freguesia de ....... , com o valor patrimonial de €58.898,88.
(…)
Declarou, depois, o segundo outorgante:
Que aceita a presente venda nos termos exarados. (…)» (artigos 61.º e 68.º da petição inicial) – cfr. documento de fls.80v.º-82, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
33. Através da Ap…… de 13/03/2014 foi registada na Conservatória do Registo Predial ........, a aquisição, por compra, a favor do réu EE, do prédio urbano sito no Lugar ......, ........, freguesia ......., concelho ........, inscrito na respectiva matriz predial sob o actual artigo ….87.º e descrito naquela Conservatória sob o n.º ….......19 (artigo 70.º da petição inicial) - cfr. escritura de fls.128-130, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
34. Através da Ap…… de 13/03/2014 foi registada na Conservatória do Registo Predial ........, a aquisição, por compra, a favor do co-réu EE, do prédio urbano sito em Lugar ......, freguesia ....... , concelho ........, inscrito na respectiva matriz predial sob o actual artigo …...57º e descrito naquela Conservatória sob o n.º.........20 (artigo 70.º da petição inicial) - cfr. escritura fls.121-130, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
35. O réu CC sempre reconheceu perante o réu EE que a autora era também dona dos prédios em causa, sabendo este último das condições em que foi celebrada a escritura pública acima referida em 21 (artigos 66.º, 67.º da petição inicial e 38.º da contestação dos corréus CC e DD). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi dado como não provado.
36. Não obstante o declarado na escritura pública referida em 32, o réu CC não pretendeu vender os referidos imóveis, nem o réu EE os pretendeu comprar (artigo 71.º [parcial] da petição inicial).
37. Nem o réu CC recebeu do réu EE qualquer quantia a título de preço, nem era suposto que a viesse a receber (artigo 72.º da petição inicial).
38. Após a escritura pública mencionada em 32, o co-réu CC continuou a habitar o prédio nela identificado sob o n.º 1 e a deter as chaves dos prédios nela identificados (artigos 74.º, 174.º da petição inicial e 67.º da contestação dos co-réus CC e DD).
39. As declarações constantes da escritura de compra e venda referida em 32 foram feitas mediante actuação concertada dos réus CC e EE, com o intuito de proteger esses prédios, evitando que, se os negócios da sociedade R..., SA não corressem bem, os mesmos não fossem executados pelo BANCO POPULAR, SA (artigos 71.º [parcial], 75.º, 136.º e 137.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como provado.
40. E ainda de pressionar a autora e os seus filhos a entregarem/cederem as ações de que são titulares na sociedade R..., SA e que lhes permitiam bloquear os aumentos de capital da sociedade (artigo 139.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi dado como não provado.
41. À data da escritura pública referida em 32, havia uma relação de confiança entre os réus CC e EE (artigo 76.º [parcial] da petição inicial).
42. Por escritura pública denominada “Mútuo Com Hipoteca e Fiança”, lavrada no dia 31/05/2007, perante UU, Notária, com Cartório situado na Rua …., freguesia e concelho ........, exarada a fls.5-9, do Livro n.º 5-A, o BANCO POPULAR PORTUGAL, SA concedeu à sociedade R..., SA, para construção, remodelação de estalagem e infraestruturas, um empréstimo no montante de € 675.000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil euros), a ser reembolsado em quarenta e oito prestações mensais de capital e juros, excepto nos primeiros doze meses, nos quais só se venciam juros (artigos 103.ºe 104.º da petição inicial) – cfr. documentos de fls.86-96, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
43. Nessa escritura, a sociedade R..., SA, em garantia do empréstimo, e bem assim dos juros à taxa anual convencionada, acrescido da sobretaxa de 4%, em caso de mora e a título de cláusula penal, das despesas judiciais e extrajudiciais que o BANCO POPULAR PORTUGAL, SA houver de fazer para se ressarcir do seu crédito, constituiu, a favor do BANCO POPULAR PORTUGAL, SA, hipoteca sobre os prédios aí relacionados sob os números um a cinco inclusive (artigo 105.º da petição inicial) - cfr. documentos de fls.86-96, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
44. Ainda através dessa escritura o réu CC, em seu nome, devidamente autorizado pela sua mulher, constitui hipoteca sobre os prédios urbanos acima identificados em 14 e 15 (artigo 107.º da petição inicial) - cfr. documentos de fls.86-96, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
45. Declararam ainda nessa escritura pública, os réus CC e DD «Que em seu nome pessoal se constituem fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco Popular, em consequência do empréstimo que a sociedade “R..., SA” contraiu junto do mesmo Banco e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e alterações de prazo, bem como mudança do regime de crédito, que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e a sociedade devedora, mantendo-se a fiança ora constituída plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma e imputável à referida sociedade» (artigo 106.º da petição inicial) – cfr. documentos de fls.86-96, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
46. Por escritura pública denominada “Hipoteca Genérica e Fiança”, lavrada no dia 31/05/2007, perante UU, Notária, com Cartório situado na Rua …., freguesia e concelho ........, exarada a fls.10-15, do Livro n.º 5-A, a sociedade R..., SA constituiu a favor do BANCO POPULAR PORTUGAL, SA hipoteca sobre os prédios aí identificados e relacionados sob os números um a cinco inclusive, «para garantia do pagamento de todas e quaisquer quantias de que a sociedade “R...” seja ou venha a ser devedora perante o Banco, até ao valor do capital de trezentos e vinte e um mil, cento e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos, provenientes de todas e quaisquer operações em direito permitidas, que derivem de letras, livranças, extractos de facturas, saldos devedores ou descobertos de contas de depósito à ordem ou de contas de qualquer outra natureza, descontos, empréstimos, aberturas de crédito, avales, fianças e garantias bancárias, comissões de qualquer espécie e bem assim, créditos abertos de qualquer natureza, derivados de quaisquer operações bancárias ou títulos» (artigo 111.º da petição inicial) -cfr. documentos de fls.97-102, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
47. Através dessa escritura, o réu CC, autorizado pela sua mulher, constituiu hipoteca, a favor do BANCO POPULAR PORTUGAL, SA, sobre os prédios urbanos acima identificados em 14 e 15, para «garantia do empréstimo nela concedido à sociedade “R..., SA”» (artigo 109.º da petição inicial) – cfr. documento de fls.97-102, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
48. Ainda nessa escritura, os co-réus CC e DD declararam que «Que em seu nome pessoal se constituem fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco Popular, em consequência do empréstimo que a sociedade “R..., SA” contraiu junto do mesmo Banco e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e alterações de prazo, bem como mudança do regime de crédito, que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e a sociedade devedora, mantendo-se a fiança ora constituída plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma e imputável à referida sociedade» (artigo 110.º da petição inicial) - cfr. documento de fls.97-102, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
49. Em meados de 2013, a sociedade R..., SA deixou de pagar ao BANCO POPULAR, SA as prestações estabelecidas no acordo de mútuo firmado na escritura acima mencionada em 42 e incumpriu as obrigações assumidas perante aquele banco e garantidas pelas hipotecas constituídas através da escritura pública referida em 46 (artigos 114.º [parcial] e 115.º da petição inicial).
50. À data de 16/10/2013, as dívidas vencidas da sociedade R..., SA perante o BANCO POPULAR, SA ascendiam ao montante de €238.830,09 (duzentos e trinta e oito mil, oitocentos e trinta euros e nove cêntimos) (artigo 117.º da petição inicial).
51. Com data de 16/10/2013, o BANCO POPULAR, SA, através da sua mandatária, enviou uma carta à sociedade R..., SA, onde concedeu o «prazo máximo de 15 dias, no sentido de ser negociada a forma pretendida de liquidação desta responsabilidade evitando os custos acrescidos e os incómodos provocados pela proposição de um processo judicial» (artigo 118.º da petição inicial) – cfr. documento de fls.103, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
52. Carta com igual conteúdo foi também dirigida aos réus CC e DD, como fiadores (artigos 119.º da petição inicial e 19.º da contestação dos corréus CC e DD).
53. Nessa sequência, os réus CC e EE iniciaram contactos com o BANCO POPULAR, SA, tendo em vista regularizar a situação de incumprimento (artigos 120.º da petição inicial, 21.º da contestação dos corréus CC e DD e 23.º da contestação do co-réu EE).
54. No decurso das negociações, o BANCO POPULAR, SA exigiu que fosse feita uma amortização significativa do empréstimo de modo a expurgar a mora (artigo 121.º da petição inicial).
55. Na altura, a sociedade R..., SA não dispunha de meios financeiros nem de fundos para fazer essa amortização (artigo 122.º da petição inicial).
56. Então, no dia 10/03/2014, o réu EE procedeu ao pagamento ao BANCO POPULAR, SA da quantia total de €138.010,60 (artigos 124.º, 125.º da petição inicial, 28.º e 29.º da contestação dos corréus CC e DD).
57. E no dia 11/03/2014, ao pagamento da quantia de €52.904,20 (artigo 126.º da petição inicial).
58. Com esses pagamentos, o BANCO POPULAR, SA libertou, cancelando-as, as duas hipotecas incidentes sobre os prédios urbanos identificados em 14 e 15, constituídas através das escrituras públicas mencionadas em 42 e 46 (artigos 133.º e 134.º da petição inicial).
59. Os pagamentos acima referidos em 56 e 57 foram contabilizados na sociedade R..., SA como suprimentos do réu EE (artigos 141.º da petição inicial e 52.º da contestação dos co-réus CC e DD).
60. No dia 07/02/2016, o réu EE, com o auxílio de um serralheiro, forçou e trocou por outra a fechadura da porta de entrada do prédio urbano acima identificado em 14, passando a utilizar o imóvel (artigos 168.º e 182.º da petição inicial).
61. Por escritura pública denominada “Compra e Venda e Constituição de Servidão de Passagem”, lavrada no dia 26 de Fevereiro de 2016, perante UU, Notária, com Cartório sito na Rua ……., freguesia e concelho........, exarada a fls.25-26, do Livro n.º 74-A, em que intervieram como primeiro outorgante EE, casado com FF sob o regime de separação de bens, e como segundo LL, casado, o qual interveio na qualidade de único sócio e gerente em representação da sociedade comercial por quotas RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., o primeiro outorgante declarou:
«Que pela presente escritura, e pelo preço de cem mil euros, que já recebeu, vende à sociedade representada do segundo outorgante RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., o seguinte bem imóvel:
Prédio urbano, composto por casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, destinado a habitação, sito no Lugar ......, em ......, actual União das Freguesias ...... e ......, concelho ........, descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob a ficha número ...........20, aí registado a seu favor pela apresentação noventa e seis, de treze de Março de dois mil e catorze, inscrito na respectiva matriz sob o actual artigo …57º, daquela União de freguesias, com o valor patrimonial de €60.224,10.
Que o imóvel ora vendido não constitui a sua casa de morada de família.
Declarou, depois, o segundo outorgante:
Que para a sociedade sua representada aceita o presente contrato nos precisos termos exarados e que o imóvel ora adquirido se destina a revenda.
Mais declararam os outorgantes, nas invocadas qualidades que outorgam:
(…)
B) – Que o primeiro outorgante é ainda dono e legítimo possuidor do seguinte bem imóvel, o qual é contíguo ao ora vendido, o qual também não constitui a sua casa de morada de família, a saber:
Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, andar e logradouro, destinado a habitação, sito no Lugar ......, ........, actual União das Freguesias ...... e ..…., concelho ........, descrito na Conservatória do Registo Predial ........ sob a ficha o número ….....19. (…), inscrito na respetiva matriz sob o atual artigo ……..87º, da União das Freguesias de ...... e ....., com o valor patrimonial de €215.574,06.
Declarou, depois, o primeiro outorgante:
1.- Que, por esta mesma escritura e pelo preço de duzentos e cinquenta euros, que já recebeu, constitui uma servidão de passagem nos termos seguintes:
1.1. – O primeiro outorgante constitui sobre o seu prédio acima identificado na alínea b), que passa a ter a natureza de prédio serviente, e a favor do prédio agora pertencente à sociedade representada do segundo outorgante (artigo ….57 urbano), que passa a ter a natureza de prédio dominante, uma servidão de passagem destinada a permitir a passagem a pé e através de veículos motorizados e não motorizados para o prédio dominante (artigo ….57. urbano), na direcção poente/nascente, por uma faixa de terreno que tem a largura de cinco metros e o comprimento de cinquenta metros, com uma área total de duzentos e cinquenta metros quadrados, parcela essa que confronta do norte com R... e Rodrigo Escrivães Unipessoal, Lda., do sul com RR, do nascente com EE (prédio serviente) e do poente com caminho público.
(…)
Declarou, em seguida, o segundo outorgante:
Que, para a sociedade que presente, aceita a presente constituição de Servidão de Passagem nos precisos termos exarados. (…)» (artigos 186.º, 201.º, 202.º da petição inicial, 23.º, 24.º e 31.º da contestação da ré RODRIGO ESCRIVÃES UNIPESSOAL, LDA.) – cfr. documento de fls.121-123, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
62. O prédio urbano acima identificado em 14 tem 368m2 de área bruta de construção (artigo 254.º da petição inicial).
63. E a casa encontra-se implantada em terreno que tem vistas para o rio e para o mar (artigo 255.º da petição inicial).
64. O prédio urbano acima identificado em 15 tem 99m2 de área bruta de construção (artigo 259.º da petição inicial).
65. (…) encontrando-se a casa implantada em terreno que tem vistas para o rio e para o mar (artigo 260.º da petição inicial).
66. Os valores mencionados na escritura pública acima referida em 61 foram pagos pela ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. ao réu EE através do cheque bancário n.º …….44, sacado da conta bancária n.º …....31, do BANCO SANTANDER TOTTA, SA, de 26/02/2016 (artigo 25.º da contestação da ré RODRIGO ESCRIVÃES UNIPESSOAL, LDA.). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como provado.
67. À data da escritura pública mencionada em 61, o legal representante da ré
RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., LL, desconhecia o circunstancialismo acima descrito em 25 a 28 e 36 a 40. Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como provado.
68. Após a escritura pública referida em 61, a ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. procedeu à construção do acesso ao referido prédio e à colocação de um portão junto do caminho público (artigo 32.º [parcial] da contestação da ré RODRIGO ESCRIVÃES UNIPESSOAL, LDA.).
69. No dia 08/03/2016, a ré RODRIGO ESCRIVÃES - UNIPESSOAL, LDA celebrou, com VV, um contrato-promessa de compra e venda do identificado prédio, pelo preço de €150.000,00 (artigo 34.º da contestação da ré RODRIGO ESCRIVÃES UNIPESSOAL, LDA.).
70. Para pagamento do sinal estipulado nesse contrato, no montante de €25.000,00, a ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. recebeu o cheque n.º …..44, da conta bancária n.º …..31, do Banco BPI S.A., com vencimento em 08/04/2016 (artigo 35.º da contestação da ré RODRIGO ESCRIVÃES UNIPESSOAL, LDA.).
71. O réu CC beneficiou, por mais do que uma vez, de empréstimos do réu EE (artigo 27.º da contestação do corréu EE).
72. O réu EE efectuou obras de conservação no prédio urbano acima identificado em 15 (artigos 58.º e 60.º da contestação do co-réu EE).
73. Para tanto, solicitou ao réu CC que, enquanto ……., elaborasse os projectos necessários para o efeito (artigo 61.º da contestação do corréu EE).
74. O réu CC anuiu à solicitação feita e iniciaram-se os trabalhos, tendo a empreitada em apreço sido adjudicada à empresa A.……, LDA (artigo 62.º da contestação do co-réu EE).
75. Nas obras em causa, o co-réu EE gastou, no mínimo, a quantia de €35.000,00 (artigo 63.º da contestação do corréu EE).
76. A 17 de Março de 2016 foi instaurada a presente acção judicial, por sua vez registada a 18 de Março de 2016, sob a Ap. …. de 2016/03/18 e sobre os prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial ........ sob os n.ºs …..19 e .......20, freguesia ....... .” facto aditado pelos motivos infra explanados.
78[1]. Através de Ap. …., de 2016/02/26, foi registado na Conservatória do Registo Predial ........, a aquisição, por compra, a favor da ré “RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL LDA.”, do prédio urbano sito no Lugar ......, ........, freguesia ....... , concelho ........, inscrito na respetiva matriz predial sob o actual artigo ……57 e descrito naquela Conservatória sob o n.º..........20 facto aditado pelos motivos infra explanados.
FACTOS NÃO PROVADOS
O acórdão da Relação deixou consignado o seguinte:
“Com interesse à boa decisão da causa, ficaram por provar todos os demais factos alegados pelas partes, para além dos não mencionados, por serem conclusivos ou conterem conceitos de direito, não se provou designadamente que:
a) Entre o réu EE e LL existe que uma relação de forte amizade (artigos 9.º [parcial] e 188.º da petição inicial).
b) A sociedade ANDSANDALE – IMOBILIÁRIA, LDA. não possui instalações próprias, nem telefone fixo e a morada da sua sede não tem correspondência com nenhum edifício fisicamente autónomo das instalações da sociedade E……, LDA., que tem sede na Rua ….., ….. (artigo 11.º [parcial] da petição inicial).
c) Os sócios e o gerente da sociedade ANDSANDALE – IMOBILIÁRIA, LDA são amigos do réu EE e um dos sócios fundadores daquela, XX, é há vários anos colaborador da E…… (artigo 14.º da petição inicial).
d) (…) sendo o colaborador de maior confiança e o “braço de direito” do réu EE (artigo 15.º da petição inicial).
e) Os pais da autora e do réu CC construíram as casas identificadas nas verbas números dois e três da escritura pública mencionada em 11 dos “factos provados” em 1958/1959 (artigo 21.º [parcial] da petição inicial).
f) A autora sempre se assumiu, conjuntamente com o réu CC, como dona dos sobreditos prédios urbanos perante LL, gerente da sociedade RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., e ZZ, gerente da sociedade ANDSANDALE – IMOBILIÁRIA, LDA. (artigos 24.º e 25.º [parcial] da petição inicial).
g) LL, como sócio e gerente da sociedade ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., fez diversas obras de reparação para a autora (artigo 27.º da petição inicial).
h) LL sabia que o prédio urbano objeto da escritura pública mencionada em 61 dos “factos provados” pertencia à autora e ao réu CC (artigos 28.º e 190.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
i) ZZ, gerente da sociedade ANDSANDALE – IMOBILIÁRIA, LDA., sabia e sempre soube que os ditos prédios pertenciam, em partes iguais, à autora e ao réu CC (artigo 29.º da petição inicial).
j) A autora disponibilizava, com o acordo do réu CC, o prédio urbano identificado em 15 dos “factos provados” a amigos que quisessem passar alguns dias de férias no local (artigo 32.º [parcial] da petição inicial).
k) À data de 05/12/2005, a metade indivisa dos imóveis identificados na escritura pública descrita em 21 dos “factos provados” tinha um valor aproximado de €400.000,00 (quatrocentos mil euros) (artigo 45.º da petição inicial).
l) Após a escritura pública referida em 21 dos “factos provados”, a ré DD afirmava perante amigos e conhecidos que a autora continuava a ser dona da metade dos dois prédios e que nada tinha a ver com as mesmas (artigo 57.º da petição inicial).
m) O incumprimento a que se alude em 49 dos “factos provados” deveu-se à gestão que o réu EE implementou na sociedade, acolitado pelo réu CC (artigos 114.º [parcial] e 127.º da petição inicial).
n) O réu EE assegurou ao réu CC que, se a autora não cedesse às pressões que este lhe ia fazer, os prédios em causa ser-lhe-iam restituídos (artigo 140.º da petição inicial).
o) LL conhece muito bem a autora e o réu CC (artigo 191.º da petição inicial).
p) Ao outorgar a escritura pública referida em 61 dos “factos provados, LL quis fazer esse favor ao réu EE (artigo 192.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
q) Ao contrário do declarado na escritura pública referida em 61 dos “factos provados”, o réu EE não pretendeu vender à ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA., nem esta pretendeu comprar, o identificado prédio urbano (artigo 193.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
r) Não obstante o declarado na escritura pública referida em 61 dos “factos provados”, a ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. não entregou ao réu EE, nem este recebeu daquela, qualquer quantia a título do preço (artigo 194.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
s) A escritura pública referida em 61 dos “factos provados” foi celebrada com o intuito de frustrar os objetivos desta acção (artigo 196.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
t) A sociedade ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. já prestou serviços à autora e à R..., SA (artigo 197.º [parcial] da petição inicial).
u) (…) e, à data da escritura pública referida em 61 dos “factos provados”, tinha conhecimento do litígio existente com o réu CC (artigo 197.º [parcial] da petição inicial).
v) A sociedade ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA também sabia que os sobreditos prédios urbanos não pertenciam ao réu EE (artigo 198.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
w) Não obstante o declarado na escritura pública referida em 61 dos “factos provados”, nem o réu EE desejava constituir qualquer servidão de passagem, nem a sociedade ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA desejava aceitar e beneficiar dessa servidão (artigo 203.º da petição inicial).
x) Mediante acordo prévio, os réus EE e RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. acordaram fazer as declarações constantes da escritura pública mencionada em 61 dos “factos provados”, com a intenção de enganar e prejudicar os verdadeiros proprietários dos imóveis (artigo 204.º da petição inicial). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
y) A casa referida em 62 dos “factos provados” possui condições de arrendamento para um conjunto de entre seis a nove pessoas, para passarem férias (artigo 256.º da petição inicial).
z) O valor pelo qual essa casa pode ser arrendada é de €19.450,00/ano, consoante seguinte discriminação:
i. Primeira quinzena de junho: €2.000;
ii. Segunda quinzena de junho: €2.500;
iii. Primeira quinzena de julho: €3.000;
iv. Segunda quinzena de julho: €3.500;
v. Primeira quinzena de agosto: €3.500;
vi. Segunda quinzena de agosto: €3.200;
vii. Primeira quinzena de setembro: €1.750 (artigo 257.º da petição inicial).
aa) A casa referida em 64 dos factos provados possui condições de arrendamento para um conjunto de entre três a seis pessoas, para passarem férias (artigo 261.º da petição inicial).
bb) O valor pelo qual essa casa poderá ser arrendada é de €9.725,00, consoante a seguinte discriminação:
i. Primeira quinzena de junho: €1.000.
ii. Segunda quinzena de junho: €1.250.
iii. Primeira quinzena de julho: €1.500.
iv. Segunda quinzena de julho: €1.750.
v. Primeira quinzena de agosto: €1.750.
vi. Segunda quinzena de agosto: €1.600;
vii. Primeira quinzena de setembro: €875 (artigo 262.º da petição inicial).
cc) Nas obras referidas em 68 dos “factos provados”, a ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. despendeu a quantia total de €16.971,00 (artigo 32.º [parcial] da contestação da ré RODRIGO ESCRIVÃES UNIPESSOAL, LDA.).
dd) O negócio titulado pela escritura pública referida em 32 dos “factos provados” foi proposto ao réu EE pelo réu CC em troca do pagamento do valor necessário para regularizar a situação de incumprimento junto do BANCO POPULAR, SA (artigo 40.º da contestação do corréu EE). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
ee) Aquando da outorga da escritura pública referida em 32 dos “factos provados”, ficou combinado entre os réus CC e EE, que este se obrigava a voltar a transmitir a propriedade daqueles bens para aquele ou para quem ele na altura pretendesse, logo que o réu EE recuperasse o dinheiro que havia emprestado à R..., SA, seja através de devolução das quantias que em substituição desta sociedade pagou com o seu património pessoal, seja por transformação das quantias por si despendidas em capital social dessa sociedade (artigos 46.º e 47.º da contestação do corréu EE). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
.ff) Através da escritura pública referida em 32 dos “factos provados”, o réu CC quis transmitir para o réu EE a propriedade dos bens em causa, para desta forma o compensar da quantia que já havia despendido, até essa data, incluindo a que despendeu nesse mesmo dia com o pagamento feito ao BANCO POPULAR, e o réu EE quis adquirir tais bens, para com os mesmos se garantir das quantias que tinha despendido, com a sociedade R..., SA até essa data (artigos 51.º e 52.º da contestação do corréu EE). Infra, pelos motivos apontados, este facto foi mantido como não provado.
B) Fundamentação de direito
As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, são as seguintes:
(i). Erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa
(ii). Nulidades do acórdão.
(iii). A questão de direito.
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS E NA FIXAÇÃO DOS FACTOS MATERIAIS DA CAUSA
Alega a autora, ora recorrente, que acórdão objecto de recurso julgou improcedentes os pedidos formulados pela autora/recorrente porque alterou a matéria de facto, considerando não provados os factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28 (e, por uma questão de coerência, os factos nºs 30, 35 e 40), com base na afirmação de que a confissão produzida pelo réu CC não era eficaz, por existir uma situação de litisconsórcio necessário.
A autora não concorda com o modo como foi aplicada a regra de direito probatório material consignada no art. 353.º do Código Civil, pretendendo que esta questão seja reapreciada por este Supremo Tribunal, como permite o art. 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil, considerando-se provados os factos nºs 22, 25, 26, 27, 28, 30, 35 e 40.
Por isso, a simulação negocial absoluta foi, válida e eficazmente, confessada pelo réu CC, tendo força probatória plena, por estarem em causa confissões judiciais escritas (tanto no articulado de contestação como na assentada constante da acta da audiência final, sessão de 13 de Setembro de 2018 (com a referência eletrónica n.º ……) (art. 358.º do Código Civil).
O respeito da força probatória plena destas confissões judiciais escritas obriga a dar como provados os factos nºs 22, 25, 26, 27 e 28, impugnando-se a matéria de facto com fundamento na errada aplicação dos arts. 353.º e 358.º do CC.
Termina, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso de revista e, revogando-se o acórdão recorrido, se substitua por outro que julgue procedentes os pedidos formulados pela autora na petição inicial, sob os nºs I, II, III (pedido subsidiário), V, VI, VII, VIII, X e XI (parcialmente).
A quarta ré “Rodrigo Escrivães – Unipessoal Ldª” contra-alegou, dizendo, em suma, que a decisão de facto do Tribunal da Relação ...... relativa aos pontos 22, 25, 26, 27, 28, 30, 35 e 40 da decisão de facto não padece de erro de julgamento ou de qualquer vício, não tendo o referido tribunal deixado de aplicar, nem tendo aplicado incorrectamente qualquer norma de direito probatório.
Os poderes do STJ, em sede de apreciação/alteração da decisão de facto, são muito residuais, limitando-se, como decorre do artigo 682.º/2 do CPC, ao caso excepcional do n.º 3 do artigo 674.º do mesmo diploma legal.
Ora, no caso dos autos, e em especial na decisão que levou o tribunal recorrido a julgar os factos dos pontos 22, 25, 26, 27, 28, 30, 35 e 40 da decisão de facto do modo como julgou, não foi violada nenhuma disposição expressa da lei que exigisse qualquer espécie de prova para os factos em causa ou que fixasse um determinado meio de prova.
Conclui que se deve manter inalterável tal decisão de facto.
Cumpre decidir.
A propósito da confissão do 1º réu CC e da sua relevância processual diremos que a mesma não tem o alcance que a recorrente lhe pretende dar.
Nos presentes autos discutem-se vários contratos de compra e venda, sucessivos, relativos a dois imóveis: o primeiro entre a autora e o 1º réu CC (em 5.12.2005 - FP nº 21), um segundo celebrado entre este e o 3º réu EE (em 11.3.2014 – FP nº 32) e outros dois, celebrado por este 3º réu (em 26.2.2016 – FP nº 61) e o 4º réu Rodrigo Escrivães – Unipessoal Ldª (em 26.2.2016 – FP nº 61).
A autora alega que todos padecem de simulação absoluta e pede que seja declarada a sua nulidade, o cancelamento dos registos, a condenação de cada um dos réus a reconhecer que ela, conjuntamente com o 1º réu (o seu irmão CC), é comproprietária do imóvel e a condenação dos últimos compradores a restituírem-lhe o mesmo.
O 1º réu CC confirmou todas as simulações alegadas pela autora e a sentença aceitou como operante contra todos os demais réus a confissão relativamente ao contrato que este celebrara com a autora.
Os restantes réus sustentam, além do mais, que tais afirmações, mesmo que se entendam confessórias (o que não aceitam), não lhes são oponíveis, por força do disposto no artigo 353º nº 2 do Código Civil.
O nº 2 deste artigo preceitua que a confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário.
Assim, importa verificar se o caso integra um litisconsórcio necessário passivo, ou, se se está perante simples cumulação de pedidos, como afirma a autora na petição inicial.
A este propósito, a Relação, aquando da motivação da decisão sobre os factos impugnados, em notável síntese e com muito acerto, teceu considerações nos seguintes termos:
“Em traços largos pode dizer-se que o litisconsórcio é figura processual correspondente ao instituto da contitularidade ou comunhão de direitos do direito substantivo, com uma única relação material que respeita a várias pessoas do lado passivo ou do lado ativo (artigo 32º do Código de Processo Civil).
É sabido que quando o litisconsórcio é necessário, a circunstância de existirem vários autores ou vários réus é uma necessidade para que se verifique o pressuposto processual da legitimidade.
Este verifica-se, quer quando a lei ou o negócio exigem a intervenção de todos os interessados na relação controvertida, sendo então legal ou convencional, respetivamente, quer quando pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, como decorre do º 2 do artigo 33º do Código de Processo Civil (denominando-se, então, litisconsórcio natural).
É fonte do litisconsórcio necessário natural a criação de condições para que a sentença produza um efeito útil normal, de forma que fiquem definitivamente regulados os interesses das partes na relação material controvertida, exigindo todos os interessados para a composição do pleito. A doutrina e a jurisprudência ampliaram o conceito de efeito útil normal para os casos em que razões de coerência na ordem jurídica exigem essa definição conjunta da relação jurídica, evitando decisões divergentes sobre ela.
É por isso que se entende que quando o objecto da ação consiste no apuramento da invalidade de um negócio jurídico em que outorgaram várias partes e com todos contende há que exigir que todos sejam parte na ação, para se obter uma pronúncia que a todos vincule e desta forma regular de modo definitivo a questão submetida a juízo sobre da validade do acto.
«A pedra de toque do litisconsórcio necessário é (...) a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar». «Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças - ou outras providências - inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais».
No presente caso, é pedida a condenação dos últimos réus a reconhecer a autora e o 1º réu como comproprietários dos imóveis (sob os pedidos VII a IX) e a sua entrega à autora, tudo com base, além do mais, na declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrada entre estes.
Ora, tendo-se por claro que para a declaração da nulidade do contrato de compra e venda é necessária a intervenção dos seus intervenientes, por não se poder considerar o contrato válido para uns e inválidos para os outros, também o mesmo ocorre neste caso, em que se pretende opor a nulidade do contrato a terceiros e com base nesta obriga-los à entrega de bens objecto de negócios cuja declaração de nulidade também se pretende.
A autora nunca poderia demandar os últimos réus exigindo a entrega dos imóveis com base na declaração de nulidade do contrato celebrado com o 1º réu, sem que este interviesse nessa declaração. Tão pouco se pode dizer que poderia deduzir primeiramente a acção apenas contra o 1º réu e depois deduzir outra contra os demais, porquanto nunca obteria nessa primeira ação o efeito ora peticionado e cujo pedido formula, de entrega dos prédios, visto que os mesmos já estavam fora da esfera jurídica desse réu[2].
Assim, o pedido de restituição dos bens só pode ser formulado se estiverem nos autos, quer os primeiros simuladores, quer aqueles que os detêm, por não poder ser exigido ao simulador a entrega de um bem que já não possui e não poder ser pedida a terceiros a entrega do bem sem o reconhecimento da simulação[3].
Não está aqui em causa apenas a nulidade do primeiro contrato de compra e venda, mas o seu efeito perante os demais adquirentes a quem a autora pretende impor a restituição do bem com esse fundamento.
É um litisconsórcio necessário, natural passivo, relativamente aos pedidos de declaração da primeira simulação e de entrega dos imóveis, pelo que confissão de um réu não pode produzir efeitos quanto aos demais, nos termos da já citada norma”.
Voltando à questão do julgamento da matéria de facto, como é sabido, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.
Efectivamente, preceitua o nº 3 do artigo 674º do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito[4].
Ou seja, e nas palavras do acórdão do STJ de 06/07/2011[5], “se a este Supremo Tribunal de Justiça lhe é vedado sindicar o uso feito pela Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, já lhe é, todavia, possível verificar se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados pela lei”.
Trata-se, por conseguinte, de verificar se o Tribunal da Relação, ao usar os seus poderes, respeitou a lei processual, o que é inequivocamente, e como também destaca o Acórdão do STJ de 06/07/2011, matéria de direito[6].
O objecto do recurso consiste na deficiência formal de apreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa, ou seja, diz respeito à fundamentação da matéria de facto e à análise crítica da prova.
Se se exige que o Tribunal da Relação forme livremente a sua própria convicção, ainda que a mesma porventura possa coincidir com a (também ela livre) convicção do julgador de 1ª instância, a fundamentação da decisão deve, de modo transparente, mostrar o caminho próprio que o Tribunal da Relação seguiu ao formar essa convicção e ao decidir da matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do STJ de 08.06.2011[7], “motivar é justificar a decisão de modo que possa ser controlada, desde logo, pelo tribunal e, naturalmente, pelos sujeitos processuais e pelas instâncias de recurso”.
Assim, da fundamentação deve resultar, com clareza, o caminho próprio que o Tribunal da Relação seguiu para formar a sua própria convicção, não podendo ser suficiente uma remissão ou concordância genérica com a fundamentação da 1ª instância, como destacou, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/09/2013[8], anotado em sentido concordante por Miguel Teixeira de Sousa[9], e em que se afirma inequivocamente que “a reapreciação das provas não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto”.
Lendo a fundamentação do acórdão da Relação, não vislumbramos que tenha havido grosseira valoração da prova que foi feita na 1ª instância. Pelo contrário, a prova foi apreciada com análise crítica e com o cuidado e atenção devidos, dando o tribunal credibilidade ao que merecia e refutando o que considerou - e bem - espúrio ou sem interesse para a decisão de facto.
O acórdão da Relação procedeu ainda, além da respectiva fundamentação, à análise crítica das provas, com ponderação dos elementos probatórios (fls 1194 a 1195 vº). Esclareceu, explicou e analisou o conteúdo da confissão e extraiu, com acerto, a respectiva conclusão, ou seja, pela ineficácia da confissão.
Do mesmo modo o fez relativamente ao recurso à prova testemunhal e às declarações de parte para a prova da simulação (fls 1196 a 1202).
Terminando, para concluir, como no acórdão do STJ de 06.10.2011[10] “ao STJ compete, fundamentalmente, apreciar da justeza da aplicação do direito, só podendo conhecer da matéria de facto desde que haja ofensa expressa de lei que exija a prova vinculada ou que estabeleça o valor de determinado meio probatório.
Para tanto, não basta que o recorrente nas alegações de recurso diga que se julgou com ou sem prova ou em desrespeito de prova tabelada ou em excesso de livre apreciação: é necessário que indique os elementos fácticos e legais em que tais vícios se consubstanciaram”.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações da recorrente, confirmando-se, nesta parte, o acórdão da Relação, por não haver “deficiência formal da apreciação das provas e da fixação dos factos materiais em causa”.
Notificado daquela ampliação, o 3º réu veio responder, ao abrigo do disposto no artigo 638º nº 8 do Código de Processo Civil, dizendo que a pretensão da autora não encontra fundamento legal, devendo ser liminarmente rejeitada, pois não foi parte vencedora na acção, antes foi parte vencida, uma vez que o acórdão da Relação julgou improcedentes todos os pedidos por si formulados na petição inicial.
Os fundamentos invocados pela recorrida, ora autora, no seu requerimento de ampliação do objecto de recurso, não são relevantes para sustentar a tese que acabou por soçobrar quando foi decidida a questão da relevância da confissão do 1º réu e aí se manteve a matéria de facto apreciada pela Relação, que é praticamente a mesma que a recorrida agora pretende impugnar.
Nesta conformidade, improcedem, de igual modo, as conclusões das alegações da recorrida, ora autora, confirmando-se, nesta parte, o acórdão da Relação, por não haver “deficiência formal da apreciação das provas e da fixação dos factos materiais em causa”.
NULIDADES DO ACÓRDÃO
O 3º réu EE, no recurso de revista (fls 1236 a 1253) invocou a nulidade do acórdão recorrido prevista no artigo 615º nº 1 alª e) do Código de Processo Civil.
Em síntese, alegou que o acórdão, ao declarar ex officio a nulidade da compra e venda celebrada entre o 1º e o 3º réus – sendo que a autora não tinha legitimidade substantiva para suscitar essa questão – o acórdão recorrido violou o preceituado no artº 609º nº 1 do CPC, incorrendo na nulidade prevista no artº 615º nº 1 al, e) do CPC.
Cumpre decidir.
Nos termos do art. 615, nº 1 e) do CPC a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Esta disposição legal está em directa correlação com o que determina o art. 609, nº 1, do mesmo Código: a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Efectivamente, o juiz está limitado pelos pedidos das partes e não pode deles extravasar; a decisão não pode pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa da que foi pedida. Não pode ultrapassar nem em quantidade nem em qualidade os limites do pedido formulado.
Não basta, contudo, que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar, com a cautela de não confundir a causa de pedir com a qualificação ou enquadramento jurídico dado aos factos[11].
«O juiz é soberano na órbita estritamente jurídica, move-se dentro dela com inteira liberdade…bem se compreende que em tudo quanto respeita a operações ou juízos de carácter jurídico ele se encontre inteiramente liberto de quaisquer limitações postas pelas partes … Se é da competência do juiz indagar e interpretar a regra de direito, pertence-lhe evidentemente a operação delicada da qualificação jurídica dos factos. As partes fornecem os factos ao juiz; mas a sua qualificação jurídica, o seu enquadramento no regime legal é função própria do magistrado…» Deste modo, «é livre o tribunal na qualificação jurídica dos factos, contanto que não altere a causa de pedir»[12].
Na Conferência de 09.05.2019, a Relação expôs lapidarmente a solução da nulidade ora em causa e que aqui se reproduz:
“Aplicando de forma cega este preceito, entende o 3º réu que mesmo que se considerasse que o tribunal podia declarar oficiosamente a nulidade, já não poderia decretar oficiosamente a condenação dos contraentes na restituição das prestações efectuadas e muito menos condenar um réu a prestar a outro réu. (Embora tenha formulado tal pedido, ao contrário do que ora defende, no recurso de apelação: nos artigos 51.º a 57.º das conclusões desse recurso pede que, por via da aplicação das regras da nulidade dos actos, seja ordenada, ex officio, a restituição ao recorrente das quantias que despendeu e aplicou nos imóveis).
Diga-se, antes de mais, que a acção, nos termos em que foi exposta na petição inicial, comporta o pedido de restituição dos imóveis ao 1º réu, porquanto a entrega dos mesmos ao 1º réu é pressuposto necessário para que os imóveis sejam restituídos à autora, pedido que formulou expressamente.
Em termos práticos e jurídicos não era possível, sequer, que a autora pedisse que o imóvel lhe fosse restituído, sem ter como implícito o dever de restituição do imóvel pelo 3º ao 1º réu, em função da nulidade do contrato que estes últimos celebraram. Enfim, o seu pedido de restituição pressupõe que o 3º réu tenha, como passo prévio, o dever de restituir os imóveis ao 1º réu, por via da declaração de nulidade do contrato celebrado entre aqueles e que a autora também pediu que fosse declarada, para tal efeito.
Este dever de restituição do imóvel ou seu equivalente está, pois, implícito no pedido que formulou.
É certo que não provou a nulidade do contrato que justificava a entrega do imóvel pelo 1º réu à autora, pelo que, mesmo que não se aceite (como aceitamos) que o tribunal deva, oficiosamente declarada a nulidade, também oficiosamente determinar os seus efeitos, não restava, neste caso, outra solução que declarar a expressamente peticionada declaração de nulidade do contrato celebrado entre o 1º e 3º réus e bem assim condenar na restituição do imóvel ao 1º réu, esta implicitamente peticionada.
Apesar de à primeira vista não parecer, materialmente não ocorreu afastamento do princípio contido no artigo 609º nº 1 do Código de Processo Civil.
Enfim, a condenação operada está implicitamente contida no pedido que formula (tal como uma acção declarativa de condenação tem normalmente implícita a apreciação e declaração do direito que justifica tal condenação).
De qualquer forma, é certo que a regra que ora se discute, plasmada no artigo 609º nº 1 do Código de Processo Civil, é de importância primordial no nosso sistema jurídico, como consequência do princípio do dispositivo, o qual é um pilar essencial no nosso sistema jurídico, sustentando direitos fundamentais. Mas é pacífico que este princípio tem várias excepções.
Não só é no actual Código de Processo Civil cada vez mais reconhecido o poder dever do juiz no apuramento da verdade material e aproximação da justa composição do litígio, como há muito que está consagrado o dever de conhecimento oficioso não só das nulidades, mas das suas consequências, quanto à restituição do recebido, caso no processo se tenham fixado os necessários factos materiais. Este foi o objecto do Assento n.º 4/95 (in DR 114/95 Série I-A, de 1995-05- 17: “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido sido fixados os necessários factos materiais”.
Finalizou ainda a Relação com a citação, também com acerto, do acórdão do STJ de 14.01.2021[13], com o seguinte sumário:
IV- Tendo a autora peticionado apenas a declaração de nulidade, por simulação absoluta, de um contrato denominado de “cessão de ações” e tendo o acórdão recorrido declarado a nulidade deste negócio simulado, nos termos do artigo 240º, nºs 1 e 2 , do Código Civil, a circunstância de o Tribunal da Relação ter ordenado a reintegração das ações na herança do seu primitivo titular não faz enfermar o acórdão recorrido da nulidade prevista na línea e) do nº 1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil, por condenação em objeto diverso do pedido, pois o Tribunal da Relação mais não fez do que fixar os efeitos jurídicos decorrentes daquela declaração de nulidade, de harmonia com o disposto no artigo 289º, nº 1, do Código Civil.”
E ali se explana: “Julgamos, todavia, que o novo modelo de processo civil por nós adotado, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo[14] e no princípio da gestão processual[15], consagrado no art. 6º do CPC e que, nas palavras de Miguel Mesquita[16], “atribui ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer a nível do procedimento propriamente dito, quer ao nível do «coração» do processo, ou seja, do pedido, da causa de pedir e das provas”, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no citado artº 609º, nº1, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação”.
E concretiza “o que se retira da atuação do Tribunal da Relação é que o mesmo mais não fez do que fixar os efeitos jurídicos decorrentes daquela declaração de nulidade, o que, em nosso entender não constitui, manifestamente, condenação em quantidade superior nem em objeto diverso do pedido.
Diremos até que, no caso dos autos, era essa a atuação que se impunha ao juiz, quer em nome do interesse público da boa administração da justiça, quer por força do princípio do dispositivo, consagrado no art. 5º, nº 3 do CPC e que admite a convolação do juiz para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efetivamente adequado à situação litigiosa”.
Também com a mesma ideia se encontram o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo 6604/13.4TBBRG.G1 de 27/10/2016 e do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 2008/10.9TBACB.C1 de 10/05/2016 (além dos citados no acórdão sob análise, todos disponíveis no portal dgsi.pt.).
Enfim, pode afirmar-se que o conhecimento oficioso da nulidade, porque fundada em normas públicas, impõe, pelo menos em regra, a determinação das suas consequências, visto que só com esta se evitam os resultados iníquos e que violam razões de ordem pública que justificam tal conhecimento oficioso. O presente caso é, aliás, paradigmático desta ideia, visto que a consequência oficiosamente decretada estava implicitamente contida no pedido formulado (a restituição do imóvel ao 1º réu era pressuposto da sua restituição à autora.[17])
Cumpre ainda salientar que em parte alguma se condenou “o 3º réu a reconhecer que o 1º réu é proprietário pleno dos prédios”, como foi afirmado neste recurso de revista (e não só por este recorrente).
Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações do recorrente.
Como tal, continua o recorrente, o tribunal não fixou o objecto e a quantidade da restituição, nem relegou essa fixação para momento ulterior, com o que mais uma vez violou o comando normativo do artº 609º do CPC, desta feita o seu nº 2, em concurso com a já assinalada violação do nº 1, formulando uma condenação totalmente incerta, indeterminada e indeterminável.
O artigo 609º do Código de Processo Civil, versando sobre os limites da condenação, preceitua o seguinte:
“1 – A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
2 - Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
O nº 2 do artigo 609º do Código de Processo Civil permite condenações em obrigações ilíquidas.
Tal como bem se decidiu pela Relação, face ao teor do artigo 609º nº 1 e 2, vê-se que o processo civil entende como natural a relegação da determinação do valor concreto do crédito para liquidação posterior, desde que seja apurada a sua existência.
No presente caso é certa a sua existência e não se fez depender a mesma de qualquer condição ou facto, estando apenas dependente de liquidação, que cabe ao seu titular, querendo, accionar.
A obrigação, não estando liquidada, é certa e determinável, pelo que a condenação não padece da apontada nulidade.
Pelo exposto, improcedem, também nesta parte, as conclusões das alegações do 3º réu.
A QUESTÃO DE DIREITO
Pretende a autora a declaração de nulidade, por simulação absoluta:
(i) Da compra e venda celebrada entre a autora AA o seu irmão, o réu CC, a 5 de Dezembro de 2005, formalizado pela escritura junta a fls.77-78 – FP nº 21;
(ii) Da compra e venda celebrada entre os réus CC e EE, a 11 de Março de 2014, formalizado pela escritura pública junta a fls. 80v.º-82 – FP nº 32 e
(iii) Da compra e venda e constituição da servidão de passagem celebradas entre os co-réus EE e a sociedade RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA, a 26 de Fevereiro de 2016, formalizado pela escritura pública junta a fls.121-123 – FP nº 61.
A questão que se coloca nas duas revistas é a de saber se, perante a factualidade provada, ocorrem os elementos consubstanciadores da verificação da simulação nos negócios de compra e venda celebrados a 05.12.2005 e 11.03.2014.
Para o caso em apreço, o exame jurídico às enunciadas revistas (da autora e do 3º réu), perante a factualidade provada, consiste em saber se ocorrem os elementos consubstanciadores da verificação da simulação nos negócios de compra e venda celebrados a 05.12.2005 e 11.03.2014.
A simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico.
Segundo o artigo 240.º, n.º 1, do Cód. Civil, “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergências entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
São três os requisitos, para que haja simulação:
a) Divergência entre a vontade real e a vontade declarada;
b) Acordo simulatório;
c) Intuito de enganar terceiros.
No entendimento do acórdão do STJ de 14.02.2008[18]
“1. Para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar).
2. O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.
3. O terceiro a que se refere o art. 240º não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio, mas antes alguém que seja alheio ao conluio”.
Manuel de Andrade[19], escreve que, por simulação entende-se “a divergência intencional entre a vontade e a declaração, procedente de acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros”.
A simulação é absoluta sempre que sob o negócio simulado não exista qualquer outro que as partes tenham querido realizar.
Nos casos de simulação relativa, isto é, quando as partes quiseram realizar um negócio jurídico diferente daquele que fizeram constar das suas declarações, é aplicável ao negócio o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, observada que seja a competente forma, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado - artigo 241º nº 1 e 2 do Código Civil.
O contrato de compra e venda celebrado entre a autora e o seu irmão, o 1º réu CC por escritura de 05.12.2005 – FP nº 21.
A primeira instância considerou haver simulação absoluta.
A Relação, face à alteração da matéria de facto provada, entendeu que não se efectuou a prova da simulação absoluta concernente a tal contrato de compra e venda, porquanto se não deu como provado qualquer divergência na intencionalidade das partes e logo nenhum pactum simulationis nem intuito de iludir terceiros, face à eliminação dos pontos 22 e 25 a 28 da matéria de facto provada.
Por conseguinte, improcedem as conclusões 18ª a 20ª
Os factos demonstram com nitidez a existência da simulação absoluta no que respeita à mencionada compra e venda celebrada entre aqueles réus, face à à prova dos factos nºs 36 e 37.
Efectivamente, provou-se que:
“36. Não obstante o declarado na escritura pública referida em 32, o réu CC não pretendeu vender os referidos imóveis, nem o réu EE os pretendeu comprar (artigo 71.º [parcial] da petição inicial).
37. Nem o réu CC recebeu do réu EE qualquer quantia a título de preço, nem era suposto que a viesse a receber (artigo 72.º da petição inicial).
No mesmo sentido da verificação dos pressupostos da simulação absoluta, traduzindo o conluio entre estes réus e a intenção de enganar credores, aponta o nº 39º que diz:
“39. As declarações constantes da escritura de compra e venda referida em 32 foram feitas mediante actuação concertada dos réus CC e EE, com o intuito de proteger esses prédios, evitando que, se os negócios da sociedade R..., SA não corressem bem, os mesmos não fossem executados pelo BANCO POPULAR, SA.
A nulidade aqui referida, proveniente da simulação, pode ser alegada por qualquer interessado e conhecida oficiosamente pelo tribunal (artigo 286º do Código Civil).
A simulação pode ser alegada entre simuladores (artigo 242º nº 1 do Código Civil), existindo uma restrição a tal arguição, nos termos do artigo 243º nº 1 do Código Civil, que impede que os primeiros a invoquem perante terceiros de boa-fé.
Decorre do artigo 243º do Código Civil que “A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.” (n.º 1), sendo que “A boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos” (n.º 2).
Mas será assim?
Qual a protecção conferida pelo artigo 243º do Código Civil?
Numa concepção mais ampla, o artigo 243º consagra um regime especial que determina a inoponibilidade da simulação a terceiro de boa fé por qualquer interessado, ficando assim afastado o regime geral do artigo 291º
Sendo a finalidade do artigo 243º a protecção de terceiros de boa fé, o conhecimento oficioso da simulação, com a aplicação do regime geral da nulidade, desvirtua a limitação do artº 243º.
O tema é controvertido e, em sentido contrário se pronunciaram autores de uma tese mais restritiva, segundo a qual, esta inoponibilidade relativa, que apenas opera “inter partes”, garante ao terceiro adquirente de boa fé uma posição jurídica protegida, um direito atribuído por lei contra o alienante, ou seja contra o vendedor, o doador e o simulador – e não contra mais ninguém. É um direito desta natureza que o terceiro adquire em relação ao simulador com base no artigo 243º, nada mais[20].
E continua o mesmo autor, dizendo que devemos concluir que a função do artigo 243º é atribuir e garantir um direito ao adquirente de boa fé unicamente em relação aos simuladores aos quais a lei proíbe a invocação da nulidade proveniente da simulação contra este. O direito adquirido, com base no artº 243º pode, em seguida, vir a ser protegido nos termos do artigo 291º desde que se verifiquem todos os pressupostos deste[21].
Nas relações entre o terceiro adquirente de boa fé e os simuladores, a lei castiga estes ao não lhes permitir nunca[22] a arguição da nulidade e a destruição das aparências que simulada e deliberadamente criaram e em que o terceiro de boa fé confiou.
Os defensores da concepção mais ampla no tocante à aplicação do artº 243º nº 1 afirmam que não tinha sido previsto o caso de a simulação ser arguida por um outro interessado, que não os simuladores, contra um adquirente de boa fé, havendo, deste modo, uma lacuna na lei.
Mota Pinto continua a apoiar-se nos ensinamentos de Manuel de Andrade, defensor desta concepção, ao dizer “no conflito entre credores comuns do simulado alienante e subadquirentes do simulado adquirente parecem dever prevalecer os interesses dos subadquirentes do simulado adquirente – com fundamento na especial protecção que … (estes) merecem[23].
Mota Pinto aforma que o Código Civil consagra dois regimes: “as anulabilidades bem como as nulidades provenientes de causa diversa da simulação, são inoponíveis a terceiro de boa fé, desde que se verifiquem certos requisitos, constantes do artigo 291º; a inoponibilidade da simulação não depende, porém, desses requisitos, pelo que há um regime especial da inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé (artº 243º), em confronto com o regime geral da inoponibilidade das nulidades e anulabilidades (artº 291º)[24].
Orlando de Carvalho também sustenta que o artigo 243º protege qualquer adquirente de boa fé contra qualquer interessado. Afirma o autor que, para o artigo 243º… a inoponibilidade da acção de nulidade protege o terceiro quer a título oneroso, quer a título gratuito, e protege-o desde o momento em que adquiriu….. Ora nós entendemos que o protege contra quaisquer interessados e não apenas contra os simuladores… Daí que defendamos que a inoponibilidade da simulação vale, em geral, para qualquer interessado, não havendo hoje lugar para os conflitos que discutem Manuel de Andrade e, na sua esteira, Mota Pinto[25].
Curiosamente, também Mota Pinto sustenta que o artº 243º protege no mesmo sentido: “os negócios simulados são nulos e, como tal, não produzem quaisquer efeitos. Se o simulado adquirente dum prédio, porém, vender ou doar, por acto verdadeiro, o mesmo prédio a um terceiro e este ignorar a simulação, o terceiro adquire validamente esse objecto (artº 243º)[26].
Esta norma visa defender os terceiros de boa-fé, pelo que, para tal desiderato, bastará impedir o conhecimento oficioso dos efeitos da simulação contra os interesses de terceiros de boa-fé[27].
De tudo o que vem explanado, podemos concluir que a doutrina que defende a concepção ampla acima referida, que atribui ao artº 243º os efeitos de uma inoponibilidade geral aplica-se ao caso concreto e no quadro da lei vigente.
De acordo com o facto provado nº 61, demonstrou-se que as declarações que estes réus verteram na escritura de compra e venda correspondiam ao pretendido entre eles, com o pagamento do preço e transmissão da propriedade, pelo que não ficou demonstrada a simulação.
Assim como se demonstrou que:
“66. Os valores mencionados na escritura pública acima referida em 61 foram pagos pela ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA ao réu EE através do cheque bancário n.º ……..44, sacado da conta bancária n.º ……...31, do BANCO SANTANDER TOTTA, SA, de 26/02/2016 (artigo 25º da contestação da ré RODRIGO ESCRIVÃES UNIPESSOAL, LDA).
67. À data da escritura pública mencionada em 61, o legal representante da ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA, LL, desconhecia o circunstancialismo acima descrito em 25 a 28 e 36 a 40.
68. Após a escritura pública referida em 61, a ré RODRIGO ESCRIVÃES – UNIPESSOAL, LDA. procedeu à construção do acesso ao referido prédio e à colocação de um portão junto do caminho público.
O desconhecimento pela 4ª ré Rodrigo Escrivães – Unipessoal, Ldª da simulação operada pelos 1º e 3º réus, respectivamente, CC e EE.
Do nº 67 da Fundamentação de facto, resulta claramente a prova do desconhecimento, pela 4ª ré, da simulação operada pelos 1º e 3º réus (sendo que não se provou qualquer simulação anterior a esta relativa a este imóvel). Vale, assim, quanto a esta ré claramente o disposto no artigo 243º nº 1 do Código Civil: não lhe é oponível a simulação oficiosamente apurada.
A autora não é aqui terceira de boa-fé, por não ter qualquer interesse jurídico que justifique a alegação da simulação, não havendo qualquer interesse seu a tutelar, pois não se provou o seu direito de propriedade, que fundara na simulação da compra e venda que celebrou com o 1º réu CC.
De acordo com o caso concreto, se do lado do transmitente, o réu EE, não existem os pressupostos para poder alienar, porque lhe faltam a titularidade e a disponibilidade, a adquirente, 4ª ré Rodrigo Escrivães – Unipessoal Ldª não pode adquirir (“nemo plus iuris…”). Só assim não é se do seu lado se verificam pressupostos que, para a lei, superam a falta de titularidade e disponibilidade do lado do transmitente e viabilizam uma aquisição sua. Este pressuposto é, no nosso contexto, a boa fé da adquirente. A boa fé do lado da adquirente substitui-se, por assim dizer, à falta da titularidade e da disponibilidade do lado do transmitente; ela é, por outras palavras, um sucedâneo da titularidade e disponibilidade. Todavia, sem a sua boa fé, a adquirente não adquire rigorosamente direito nenhum. Por isso, a boa fé da adquirente é, como ficou evidente, o elemento constitutivo do seu direito.
De acordo com a matéria de facto provada (Cfr FP nº 61, 66 e 67) não há dúvida que ficou provada a boa fé da 4ª ré ao celebrar o contrato com o 3º réu.
Como bem assinalou a Relação, por a nulidade ser oficiosamente conhecida, não se pode por vias travessas proteger os interesses dos simuladores contra terceiros de boa-fé, como se viu, pelo que não é possível fugir ao regime, mais gravoso para os simuladores, previsto no artigo 243º nº 1 do Código Civil, sob pena de se poder desvirtuar esta norma, como analisado supra.
Fica, assim, afastada a aplicação ao caso do disposto no artigo 291º do Código Civil, visto o artigo 243º nº 1 do Código Civil conter um regime especial (para o caso da simulação alegada por simulador contra terceiro de boa-fé ou, como vimos, conhecida oficiosamente)
Isto posto, quais as suas consequências?
Pretende a autora que ainda assim se declare a nulidade do acto, mesmo que se ressalve a sua inoponibilidade àquela ré, porquanto a nulidade produz efeitos entre os simuladores, não obstante não ser a todos oponível.
O legislador, na letra do artigo 285.º do Código Civil, ressalvou a possibilidade de a aplicação do regime geral da nulidade constante dos preceitos legais sobre a matéria ser excepcionada pela existência de um regime especial, o que aqui se verifica ao impedir a sua oponibilidade a terceiros de boa-fé.
O facto de a simulação do negócio jurídico ser inoponível aos terceiros de boa-fé não faz com que a sanção resultante da mesma seja a mera anulabilidade, tendo a lei, a este respeito, sido peremptória ao afastar esta espécie menos gravosa de invalidade.
Mas será possível a declaração de nulidade, limitada nos seus efeitos?
A lei apresenta tal previsão em caso análogo: esta foi a solução estabelecida no artigo 291.º, n.º 1, do Código Civil, para o caso da venda de bens alheios, o qual dispõe que os direitos adquiridos sobre os bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, a título oneroso, por terceiro de boa fé não são prejudicados pela declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que sobre eles verse. Permite, assim, tal declaração, mas explanando que a mesma não é oponível a todos”.
O acórdão da Relação de Lisboa de 09.12.2015[28], citado no acórdão recorrido, decidiu nos seguintes termos:
“Esta solução original do nosso ordenamento jurídico, no âmbito da oponibilidade da nulidade e anulabilidade, representa um claro compromisso entre os interesses que fundamentam a invalidade dos negócios jurídicos, por um lado, e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico jurídico, por outro. Foi devido à proteção desses interesses legítimos de terceiros e ao tráfico jurídico que, à declaração de nulidade ou anulabilidade de certo negócio, podem opor-se, sob certas condições, terceiros adquirentes de boa fé (C. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2005, por A. PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, págs. 626/7, e RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, IV, 1969, págs. 45 a 50). Efectivamente, o Código Civil de 1966 resolveu, de forma original, o problema da oponibilidade da nulidade e anulabilidade a terceiros, através de um sistema de compromisso entre os interesses que estão subjacentes à invalidade e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico. Estas formas de invalidade são, em princípio, oponíveis a terceiros, salvo o caso especial da simulação, que é inoponível a terceiros de boa-fé, atento o disposto pelo artigo 243º, do CC”.
E o acórdão da Relação continua, em notável acerto, referindo que, conclui-se, assim, que estando a 4ª ré de boa-fé, por ignorar, quando celebrou a compra e venda com o 3º réu, que o contrato pelo qual o 3º réu declarou comprar o imóvel era simulado, não lhe pode esta nulidade ser oposta pelo tribunal, uma vez que também os simuladores a não podiam opor, sob pena de se desvirtuar a limitação prevista no nº 1 do artigo 243º do Código Civil.
Mas nada obsta a que, com tal restrição de efeitos, de forma a proteger os terceiros de boa-fé, a mesma seja declarada, para que se possa repor a verdade à ordem jurídica e impedir o injusto benefício de um simulador à custa do outro, também contrário ao nosso sistema jurídico (mais a mais se causada pelo conhecimento oficioso de uma questão).
Pretendeu o 3º réu que ocorresse nesta sede a “reposição do status quo ante, visto que o negócio nulo não produz efeitos ab initio, conforme se depreende da leitura do artigo 289º, nº ,1 do Código Civil”, citando ainda o assento de 4/95 de 17 de Maio de 1995: “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289º do Código Civil”.
Por se basear na existência de um pacto fiduciário, afirma esse réu que deve ser ordenada ex officio a restituição das quantias “despendidas e aplicadas nos imóveis”.
É certo que não se provou tal pacto, pelo que tal pedido não pode proceder.
Provou-se, sim, ao invés, que lhe foi ficticiamente declarada a transmissão de um bem, sem contrapartidas. Levanta-se, pois, pela sua ordem de raciocínio, a questão de saber se se deve determinar que o 3º réu restitua ao 1º réu o valor correspondente ao que lhe foi prestado, por não ser possível a restituição em espécie, nos termos do artigo 289º nº 1 do Código Civil.
É discutível, ainda, se esta determinação tem as limitações impostas pelo artigo 609º do Código de Processo Civil[29].
Como escrevemos noutro acórdão[30] “não se segue a posição mais restrita quanto à oficialidade do conhecimento dos efeitos da nulidade do contrato, a qual veda a condenação na restituição do entregue se não peticionado pelas partes, face ao princípio do dispositivo. Esta posição mostra-se defendida no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 06/30/2015 no processo 2943/13.2TBLRA.C1 e funda-se no disposto no artigo 609º do Código de Processo Civil. No entanto, não se concorda com a mesma (e com todo o devido respeito, que é muito) por força do princípio da igualdade, pretendendo-se uma decisão que não cause um desequilíbrio entre a posição de ambas as partes.
Se ambas são confrontadas com uma declaração de nulidade com que não contavam, ambas devem sofrer os efeitos (quer positivos, quer negativos) dessa declaração. Caso apenas se tirem as consequências favoráveis dessa declaração para uma das partes (que fez o pedido com outros fundamentos), desprotege-se a contraparte, prejudicando-a.
Visto que todas as partes agiram não tendo em conta essa ocorrência, impor as suas consequências para todas elas não contraria o princípio do dispositivo, antes implica que o tribunal quando determina os efeitos da nulidade, em cumprimento de um dever, as coloca em igualdade de circunstâncias, sem enriquecimentos de umas à custa de outras, afastando desequilíbrios nas suas posições relativas”.
No presente caso, no rigor, não se verificam os pressupostos aludidos no referido assento, porquanto o negócio jurídico em causa não foi invocado no pressuposto da sua validade.
No entanto, negar tal declaração significaria que se poderia salvaguardar os efeitos do contrato nulo, de acordo com a simulação gizada pelas partes, sem ser para a defesa de outros interesses juridicamente tutelados, como os de terceiros de boa-fé, o que vai necessariamente contra a imposição de conhecer oficiosamente dessa nulidade.
A simples declaração da nulidade do acto, sem indicação das consequências que desta resultam, face ao provado nos autos, implicaria desvirtuar tal dever nos casos em que esta tem que ser oficiosamente conhecida, por lhe retirar os seus efeitos. (Declarações estas que têm, sempre, como vimos, respeitar as limitações que a proteção da boa-fé impõe, os factos e elementos trazidos e constantes dos autos).
Assim, não se opõe a nulidade do contrato simulado celebrado entre o 1º e o 3º réus à 4ª ré, mas conhece-se da mesma nos seus efeitos entre ambos (respeitando-se, aliás, o princípio da proibição do reformatio in pejus, visto que também a autora recorreu).
“Parece que se pode afirmar, em tese geral, que, se o tribunal pode condenar na restituição do que foi cumprido em função do contrato quando conhece oficiosamente da sua nulidade, então também o deve poder fazer quando a nulidade tenha sido invocada por uma das partes e esta parte não tenha formulado o pedido correspondente à reposição da situação que existia antes da celebração do contrato…Portanto, alegação da nulidade pela parte e condenação oficiosa pelo tribunal não são realidades incompatíveis… Pode assim concluir-se que a condenação oficiosa respeitante às consequências da declaração de nulidade também cumpre uma importante função garantística da posição das partes em processo. Do processo constam elementos suficientes para o tribunal se pronunciar sobre o dever de restituição do que as partes tenham recebido em cumprimento do acto nulo; o tribunal deve pronunciar, oficiosamente, a condenação das partes na restituição do que tenham recebido em função desse cumprimento; dado que nada obsta ao conhecimento do direito à restituição[31]”.
Nesta conformidade, improcedem as restantes conclusões das alegações da autora.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DO 3º RÉU EE
As nulidades invocadas nas conclusões das alegações deste réu já se mostram decididas no presente acórdão (cfr pág. 60 a 65).
As questões de direito respeitante à verificação ou não do requisito da simulação em relação a cada um dos contratos já se mostra suficientemente decidida no presente acórdão, nada mais havendo a acrescentar (Cfr páginas 66 a 75).
Improcedem, assim, as conclusões das alegações do 3º réu EE.
SUMÁRIO
(i). Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.
(ii). Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.
(iii). Segundo o artigo 240º nº 1 do Cód. Civil, “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergências entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
(iv). Para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar).
(v). O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.
(vi). A simulação é absoluta sempre que sob o negócio simulado não exista qualquer outro que as partes tenham querido realizar.
(vii). Para os defensores de uma tese mais restrita na interpretação do artigo 243º do Código Civil, a função do artigo 243º é atribuir e garantir um direito ao adquirente de boa fé unicamente em relação aos simuladores aos quais a lei proíbe a invocação da nulidade proveniente da simulação contra este. O direito adquirido, com base no artº 243º pode, em seguida, vir a ser protegido nos termos do artigo 291º desde que se verifiquem todos os pressupostos deste.
(viii). O artigo 243º protege qualquer adquirente de boa fé contra qualquer interessado. Para o artigo 243º a inoponibilidade da acção de nulidade protege o terceiro, quer a título oneroso, quer a título gratuito, e protege-o desde o momento em que adquiriu e que o protege contra quaisquer interessados e não apenas contra os simuladores.
(ix). Estando a 4ª ré de boa-fé, por ignorar, quando celebrou a compra e venda com o 3º réu, que o contrato pelo qual o 3º réu declarou comprar o imóvel era simulado, não lhe pode esta nulidade ser oposta pelo tribunal, uma vez que também os simuladores a não podiam opor, sob pena de se desvirtuar a limitação prevista no nº 1 do artigo 243º do Código Civil.
III - DECISÃO
Atento o exposto, nega-se provimento às revistas e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 14 de Setembro de 2021
Ilídio Sacarrão Martins (Relator) (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade).
Nuno Manuel Pinto Oliveira
Ferreira Lopes
_________
[1] No acórdão da Relação não consta o nº 77. Cfr página 51 do acórdão e Vol V a fls 1190.
[2] A questão já teve decisão ainda mais exigente na jurisprudência: cf. Acórdão proferido no processo 5038/ 04 .6 TBSXL .L -2, de 06/17/2010 (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano) “Numa ação em que se pretende a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação de um contrato de compra e venda de um imóvel já registado a favor do comprador e o consequente cancelamento desse registo, deve ser demandado igualmente o terceiro a quem por sua vez o primeiro comprador vendeu o imóvel, o qual também inscreveu no registo a sua aquisição, ainda que o autor declare que não pretende reaver para si o prédio vendido, por entender que o terceiro comprador agiu de boa fé e beneficia da proteção prevista no art.º 291.º do Código Civil.”
[3] cf acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de no processo 04A1054, de 26/10/2004 e no processo 622/05.3TCSNT -A.L1.S1, de 15/ 03/2012, consultados in dgsi.pt, citando-se parte deste último: “II - Sendo a nulidade de um negócio jurídico de compra e venda declarada em ação em que não foi interveniente terceiro juridicamente interessado – titular de hipoteca registada sobre o imóvel e constituída por quem tinha legitimidade em face do negócio ulteriormente anulado - aquela decisão não se lhe impõe.”
[4] Ac STJ de 13/11/2012, in www.dgsi.pt Proc.º nº 10/08.0TBVVD.G1.S1/jstj
[5] Proc.º nº 645/05.2TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[6] Proc.º nº 8609/03.4TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[7] Proc.º nº 350/98.4TAOLH.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[8] Proc.º nº 1965/04.9TBSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt/ jstj
[9] Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia, Cadernos de Direito Privado nº 44, Outubro/Dezembro de 2013, pp. 29 e ss.
[10] Procº nº 5365/03.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[11] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol V, págs. 56 e 57.
[12] Alberto dos Reis, ob cit, Vol V, págs 92 a 94, a propósito da norma constante do artigo 664º do Código de Processo Civil, hoje artigo 5º nº 3.
[13] Procº nº 84/11.6TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[14] Consagrado na revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
[15] Introduzido pela Reforma do Código de Processo Civil, operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[16] “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, in RLJ, ano 143, págs 145.
[17] Sublinhado nosso.
[18] Procº nº 08B180, in www.dgsi.pt/jstj
[19] Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, página 169.
[20] Parecer do Professor Heinrich Hörster, “Nulidade do Negócio e Terceiro de Boa Fé”, in CJ do STJ, Tomo III/2004, pág. 16, emitido para o procº 1054/04, de que foi proferido acórdão neste STJ de 26.10.2004, na p´g 78 da mesma CJ.
[21] Heinrich Hörster, “Efeitos do Registo- terceiros-aquisição “a non domino”, Revista de Direito e Economia, VII (1982), págs. 111, 144 a 151.
[22] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol I, 4ª edição, 1987, anotação 1 ao artº 243º.
[23] Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. Coimbra, 1985, pág. 487.
[24] Op cit pá 483-484.
[25] Orlando de Carvalho, “Teoria Geral do Direito Civil” Sumários Desenvolvidos para uso dos alunos do 2º ano (1ª Turma) do Curso Jurídico de 1980/1981, Coimbra, págs. 66 a 75 e “Direito das Coisas”, Coimbra, 1977, págs 217/8, citado no Parecer do autor referido na nota de rodapé nº 20.
[26] Ob cit, pág. 369.
[27] Cfr Ac STJ de 09.10.2003 e de 07.06.2016, respectivamente nos processos nºs 03B2536 e nº 2835/14.8TCLRS.L1.S1 – “ o desvalor jurídico do negócio simulado é a sua nulidade, vício de vontade que o tribunal pode conhecer oficiosamente”.
[28] Procº nº 425/13.1TMLSB.L1-2, in www.dgsi.pt/jtrl
[29] Isto se se entender que está subjacente à doutrina do Assento nº 4/95 a possibilidade de convolar a causa de pedir que era invocada e de alterar a qualificação da pretensão material deduzida, mas apenas para decretar o efeito prático-jurídico que foi solicitado, ainda que com base noutros fundamentos e sob diferente qualificação jurídica; não é, no entanto, permitido ao Tribunal, sob pena de violação do disposto nos arts. 3º e 609º do CPC, decretar um efeito que não foi, de todo, solicitado e declarar os efeitos da nulidade sem que tenha sido formulada uma qualquer pretensão no âmbito da qual esses efeitos se possam inserir, ainda que sob diversa qualificação” como foi determinado no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 30/06/2015, no processo 2943/13.2TBLRA.C1.
[30] Ac RG de 14.06.2018, no Procº nº 707/17.3T8GMR.G2, in www.dgsi.pt/jtrg
[31] M. Teixeira, de Sousa, “CONSEQUÊNCIAS LEGAIS QUE OPERAM EX LEGE E CONDENAÇÃO OFICIOSA PELO TRIBUNAL” disponível in https://www.academia.edu