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ANOMALIA PSÍQUICA
INTERDIÇÃO
TUTOR
Sumário
- Não é pelo facto da pessoa maior, aqui requerida, estar internada que o director dessa instituição deve ser, sem mais, nomeado acompanhante, quando a mesma tem familiares que podem até exercer tal incumbência. - Quando este Tribunal Superior não tem ao seu dispor todos os elementos de facto e de Direito, que lhe permitam tomar posição quanto à nomeação do acompanhante, deve o mesmo, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do C.P.C., anular a sentença proferida em 1ª instância, de modo a que seja ampliada a matéria de facto referente a quem está em melhores condições para assumir as funções de acompanhamento legal da beneficiária, aqui requerida. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 4/21.0T8RMZ.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
O Ministério Público, com a legitimidade que lhe é conferida pelos arts. 1.º, 3.º, n.º 1, alínea p), 5.º, n.º 1, alínea g) do Estatuto do Ministério Público e 138.º, 141.º, n.º 1, e 142.º do Cód. Civil, veio instaurar a presente acção especial de acompanhamento de maior relativamente a (…).
Alegou, em síntese, que a requerida nasceu em 07/03/1932, sofre de Alzheimer e perturbação depressiva desde, pelo menos, 2009, e síndrome demencial desde 2013, encontrando-se totalmente incapaz de governar a sua pessoa e bens. Em virtude da doença, a requerida não consegue realizar actividades básicas, como alimentar-se, vestir-se ou cuidar da higiene sozinha, e necessita de supervisão permanente. Não sabe ler nem escrever. Apenas consegue efetuar cálculos aritméticos elementares. Não tem noção do valor do dinheiro nem consegue fazer nenhuma operação com ele. Não tem noção do espaço e do tempo. Não tem capacidade de crítica. Não há indicação que a requerida tenha filhos. Vive num lar para pessoas idosas. Requereu, por isso, que seja decretado o acompanhamento da requerida, propondo como medidas de acompanhamento a aplicação do regime da representação geral e administração total dos bens da requerida, com limitação dos direitos pessoais de casar, constituir união de facto, procriar, perfilhar ou adoptar, e de testar, e propondo que seja designado para desempenhar as funções de acompanhante, (…), Presidente da Direcção da Associação de Solidariedade Social de (…), instituição essa onde a requerida se encontra a viver.
Foi cumprido o disposto no art. 892.º do C.P.C. e ordenada a citação da Requerida, nos termos dos arts. 893.º e 894.º do C.P.C.
Não foi possível a citação pessoal da Requerida em virtude de a mesma se apresentar incapaz de perceber o acto que teria de levar a efeito, conforme consta da certidão negativa.
Foi então nomeado defensor oficioso à requerida e efectuada a posterior citação do mesmo para, querendo, contestar a presente acção, o que este fez, apresentando a respectiva contestação, na qual admitiu os factos descritos na petição inicial e indicando uma sobrinha da requerida, (…), como familiar próxima e que a visita regularmente, sendo pessoa idónea para exercer o cargo de acompanhante daquela. Para prova de tal factualidade arrolou testemunhas.
Procedeu-se à realização de exame pericial, tendo sido levado a cabo pela Dra. (…), perita médica designada nos autos, a qual veio a examinar a requerida, tendo elaborado o respectivo relatório.
Considerando a informação clínica constante dos autos (documentos juntos com a petição inicial) e estando mencionado no relatório do exame pericial que a requerida padece de demência com componente neurodegenerativa associada a componente vascular, e que comunica quase só por monossílabos, foi dispensada, pelo M.mo Juiz “a quo”, a audição da requerida, por se afigurar absolutamente inútil para a boa decisão da causa, mas não se tendo tomado posição expressa relativamente à inquirição das testemunhas arroladas na contestação.
De seguida, pelo M.mo Juiz “a quo” foi proferida sentença que veio a decidir o seguinte: 1 – Decretar a medida de acompanhamento a (…), nascida a 07/03/1932, residente na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas da Associação de Solidariedade Social de (…), sita na Rua (…), n.º 57, em (…), cometendo-se ao Acompanhante os seguintes regimes: a) representação legal geral, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 145.º do Código Civil; e b) administração total de bens, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 145.º do Código Civil. 2 – A Beneficiária manterá o livre exercício dos direitos pessoais enumerados no artigo 147.º, n.º 2, do Código Civil, com excepção dos direitos de adoptar, de exercer responsabilidades parentais e de testar; 3 – A Beneficiária não poderá livremente celebrar negócios da vida corrente. 4 – Fixa-se a data de início da conveniência das medidas de acompanhamento decretadas no dia 01/11/2019. 5 – Nomeia-se para desempenhar o cargo de Acompanhante da Beneficiária (…), Presidente da Direcção da Associação de Solidariedade Social de (…), onde a Beneficiária está integrada. 6 – Fica dispensada a constituição de conselho de família.
Inconformada com tal decisão dela apelou a requerida, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença que decretou o acompanhamento de maior da recorrente, designando como acompanhante o Presidente da Direção da Instituição onde se encontra internada, Dr. (…).
2. Na douta sentença recorrida além de uma deficiente decisão sobre a matéria de facto, fez-se uma errada aplicação do direito aos factos.
3. O Ministério Público peticionou, na ação especial de acompanhamento de maior, que fosse decretado o acompanhamento da recorrente e designado como acompanhante o presidente da direção da Instituição onde aquela se encontra internada, Dr. (…), com base numa declaração onde alegadamente a beneficiária disse pretender que fosse nomeado acompanhante o presidente da instituição ou a sua esposa, e que se impugnou em sede de contestação.
4. A Recorrente admitiu os factos descritos na Petição Inicial, contudo discordou da proposta do MP no que diz respeito à nomeação do acompanhante, indicou como acompanhante a sua sobrinha, (…) e requereu a inquirição dos sobrinhos para apurar quem reunia melhores condições para desempenhar o cargo de acompanhante.
5. A Recorrente foi sujeita a perícia médico legal tendo o MMº Juiz notificado as partes para se pronunciarem quanto às medidas de acompanhamento e mais uma vez, discordou da nomeação do acompanhante por não o considerar pessoa idónea para o exercício do cargo.
6. Apesar das diligências de prova requeridas que, salvo melhor entendimento, seriam absolutamente imprescindíveis para que o cargo de acompanhante fosse cometido a pessoa idónea, o MMº Juiz não as realizou, decidindo, sem mais designar como acompanhante o presidente da direção.
7. Ainda que não tenha considerado a declaração junta com a petição inicial, e na qual o MP fundamentou a sua escolha quanto ao acompanhante, por entender que a beneficiária “não tem capacidade para compreender o alcance da escolha que sobre si impenderia em primeira linha, razão pela qual competirá ao Tribunal designar a pessoa que deverá ocupara tal cargo”.
8. Da matéria de facto provada nada consta acerca dos pressupostos de designação do acompanhante, nomeadamente os que dizem respeito à ponderação da pessoa que melhor salvaguarda o interesse da beneficiária, mormente as condições e aptidões dos familiares da beneficiária para o exercício da função.
9. Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 1243/19.9T8FAF.G1, que relativamente à não inclusão na matéria de facto dos pressupostos relativos à pessoa que melhor salvaguarda o interesse imperioso do beneficiário, nos diz que:
10. “I- Não tendo sido manifestada pelo requerido qualquer vontade pessoal, expressa ou presumível, quanto à opção ou escolha do seu acompanhante, a única questão com pertinência para à decisão respeitante à designação judicial do acompanhante do beneficiário no âmbito do acompanhamento já decretado prende-se com a aferição dos pressupostos fácticos subjacentes à ponderação da pessoa que revela melhores condições para salvaguardar o interesse imperioso do beneficiário, enquanto único critério legal atendível.
II- Daí que a aferição e densificação de tal critério passe pelo apuramento de todo um conjunto de factos atinentes às condições e à aptidão de cada um dos familiares do requerido, especialmente da sua esposa e do filho (…), para o exercício de tal função em face do circunstancialismo que no caso delimita o interesse imperioso do acompanhado e do seu bem-estar e recuperação.
III- A não inclusão de tal matéria de facto na sentença recorrida, bem como a omissão de diligências probatórias adequadas ao suficiente apuramento da mesma, implica a respetiva anulação, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, por deficiência da decisão sobre a matéria de facto, de forma a permitira ampliação da matéria de facto relevante para a decisão da causa.”
11. No caso sub judice, além de não incluir tal ponderação na matéria de facto, foram omitidas diligências de prova fundamentais para o seu apuramento.
12. Há, assim, uma deficiente decisão sobre a matéria de facto, devendo a douta decisão ser anulada e a matéria de facto ampliada, nos termos no disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC.
13. Existem, quanto à fundamentação de direito, duas questões a apreciar, a primeira prende-se com a interpretação do artigo 143º, nº2, al. g) que, segundo o MMº Juiz, sendo o beneficiário utente interno de uma instituição o cargo de acompanhante é atribuído ao presidente da direção da instituição.
14. Com o devido respeito, que é muito, não decorre do citado artigo que quando o beneficiário é utente interno de uma instituição o cargo de acompanhante é cometido ao presidente da instituição, por aquele ser inerente à titularidade deste. O supracitado artigo elenca, nas suas várias alíneas, quem pode ser designado acompanhante, mas de uma forma exemplificativa e não ordenadora.
15. Parece-nos que este entendimento do tribunal a quo não tem qualquer sustentação legal, havendo por isso uma errada aplicação do direito.
16. Em segundo lugar, entendemos que, havendo familiares, a estes deve ser cometido o cargo de acompanhante e, só em última ratio, ser designado o presidente da direção da instituição.
17. Veja-se a propósito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 887/18.0T8PVZ.P1 que a este respeito nos diz “(...) Todavia, não deixa de ser uma situação a desaconselhar a nomeação do Director do Hospital. Se bem vimos, essa nomeação deve ser, sempre, a última solução a equacionar, a solução que só deve ser levada em conta quando se esgotar por completo a possibilidade de nomear alguém do círculo pessoal e familiar do acompanhado e a escolha tenha obrigatoriamente de se fazer com estranhos, sem ligação pessoal ou afectiva ao acompanhado.”
18. No caso dos autos, a beneficiária tem família, pessoas que se preocupam com ela, que lhe prestam assistência, que lhe dão carinho e afeto (o que é da vida sem carinho e afeto?), é a sobrinha (…) que trata das questões relacionadas com o pagamento mensal da instituição, a idoneidade do presidente da direção da instituição foi posta em causa, pelo que não se consegue, de todo, compreender esta decisão.
19. Com o devido respeito, que é muito, só poderia ser equacionada a nomeação do presidente da direção da instituição quando todas as restantes possibilidades de nomear alguém do círculo familiar da beneficiária estivessem esgotadas, e era neste sentido que deveria ter sido interpretada e aplicada a norma.
20. Sem falar no conflito de interesses que nos parece evidente. Como referido em sede de resposta constou aos sobrinhos que o presidente da direção da instituição pretendia construir uma extensão da mesma na habitação da requerida.
21. Fora outras situações que poderiam ter sido melhor relatadas caso os sobrinhos da beneficiária tivessem sido ouvidos e que confirmariam a falta de idoneidade daquele para o exercício do cargo e para a salvaguarda do imperioso interesse da beneficiária.
22. A douta decisão só veio dar força a alguém que não quer, de todo, salvaguardar o melhor interesse a beneficiária, mas sim salvaguardar o seu próprio interesse, aliás assim que foi notificado da sentença apressou-se a dar um prazo de 24h à sobrinha da beneficiária, (…), para que as chaves da habitação lhe fossem entregues.
23. Citando mais uma vez o suprarreferido acórdão do Tribunal da Relação do Porto: “Por conseguinte, com todo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que a decisão de nomear o Director deve ser revogada por não estarem preenchidos os requisitos necessários para uma nomeação tão afastada das relações familiares e pessoais do acompanhado e tão impessoal.”
24. Termos em que, deve o presente recurso proceder e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida na parte em que nomeia como acompanhante o presidente da direção da instituição, Dr. (…) e retomadas as diligências para, entre os familiares da recorrente, se determinar qual deverá ser nomeado acompanhante ampliando-se, assim, a matéria de facto a tal respeito.
25. E, só assim, se fará a costumada Justiça.
Pelo Ministério Público foram apresentadas contra-alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1][2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3][4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela requerida, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber quem deverá ser nomeado como acompanhante daquela (a sua sobrinha, (…), a qual, além de sua familiar, é pessoa que a visita regularmente, sendo totalmente responsável e idónea para o cargo, mas já não o Presidente da ISS onde a requerida se encontra a residir, o qual não poderá ser considerado como pessoa completamente idónea e desinteressada para o exercício de tal cargo).
Antes de nos pronunciarmos sobre a questão supra referida importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo”, a qual, de imediato, passamos a transcrever: 1. A Requerida (…) nasceu em 07/03/1932, é natural de (…), (…), e filha de (…) e de (…), residindo na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas da Associação de Solidariedade Social de (…), sita na Rua (…), n.º 57, em (…). 2. Sofre de demência com componente neurodegenerativa associada a componente vascular e depressão major desde o ano de 2013, com especial agravamento a partir do ano de 2019. 3. A Requerida não tem filhos, vive num lar para pessoas idosas desde Junho de 2015. 4. A extensão da incapacidade da Requerida é grave e na prática condiciona a sua autonomia absoluta, a sua capacidade de decisão e a sua capacidade crítica e de julgamento. 5. Não faz a sua higiene diária sem ajuda. 6. Tem muitas dificuldades em comunicar devido à sua debilidade física. 7. Não sabe ler nem escrever. 8. Tem limitações ao nível dos cuidados com a sua pessoa, necessitando de terceiros na supervisão ou ajuda para a realização de tarefas diárias, tais como vestuário e confecção das suas refeições. 9. A Requerida não é capaz de ir a consultas médicas sem o apoio de terceiros. 10. A Requerida já não reconhece o valor do dinheiro, nem é capaz de fazer qualquer tipo de operação com o mesmo. 11. Não tem noção do tempo e do espaço. 12. Foi exarado parecer médico em sentido favorável à instituição de um regime de representação geral. 13. Recebe uma reforma de € 363,57 e uma pensão de sobrevivência pela morte do seu marido no montante de € 189,87. 14. Não se encontra registado testamento vital em nome da Requerida.
Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela requerida, ora apelante – saber quem deverá ser nomeado como acompanhante daquela (cfr. art. 143º do Cód. Civil) – importa, desde já, referir a tal propósito que a Lei 49/2018, de 14/8, veio criar o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação previstos no Código Civil.
Na verdade, tal regime veio dar concretização a vários princípios internacionais, designadamente consagrados na Convenção das Nações Unidas de 30/3/2007, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada em Nova Iorque (aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 56/2009, de 7/5, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30/7) em cujo artigo 1.º se estipula que o seu objecto é “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, comprometendo-se os Estados Partes nos termos do artigo 4.º “a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência”.
Ora, este novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela citada Lei 49/2018, veio a afastar-se do sistema dualista até então consagrado na interdição/inabilitação, tendo introduzido um regime monista e flexível norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível” e da “subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns”, e por um “modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade” (cfr. a Proposta de Lei nº 110/XIII).
Estabeleceu-se, assim, no artigo 140.º do Código Civil que o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença (n.º 1) e que a medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (n.º 2).
Além disso, conferiu-se ao futuro acompanhado a escolha do acompanhante, sujeita, porém, a confirmação pelo Tribunal, conforme resulta do estipulado no n.º 1 do artigo 143.º do Código Civil.
Com efeito, nos termos do disposto no citado artigo 143.º o acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente (n.º 1) e, na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:
a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores;
f) A qualquer dos avós;
g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;
h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;
i) A outra pessoa idónea.
Por sua vez, o art. 146º do Cód. Civil estabelece que no exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada, mantendo um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.
Todavia, no que tange à escolha do acompanhante por parte da requerida (cfr. n.º 1 do citado artigo 143.º), não podemos olvidar que, no caso em apreço, o documento junto com a petição inicial tem data de Janeiro de 2020, quando resultou apurado que, naquela data, a requerida já sofria de demência com componente neurodegenerativa associada a componente vascular e depressão major desde o ano de 2013, com especial agravamento a partir do ano de 2019 (cfr. ponto 2. dos factos provados)!
Ora, a dignidade da requerida, como pessoa, implica que se respeite a sua vontade quanto aos aspectos da sua vida privada, salvo se se mostrar que a pessoa, em relação a esse acto de vontade, já não tem capacidade para compreender, discernir e avaliar a realidade que a cerca, o que, indubitavelmente, se verificou no caso dos presentes autos.
Por isso, o Julgador “a quo”, afirmou, a tal propósito, na sentença recorrida, que a requerida “não tem capacidade para compreender o alcance da escolha que sobre si impenderia em primeira linha, razão pela qual competirá ao Tribunal designar a pessoa que deverá ocupara tal cargo”.
Como vimos, não se questiona, “in casu”, a necessidade de decretar o acompanhamento da requerida e nem a medida de acompanhamento decretada, mas, isso sim, a nomeação de acompanhante que foi decidida pelo Julgador “a quo”, pois sustenta a recorrente que devia ter sido nomeada como acompanhante a sua sobrinha, (…).
Ora, atento o estipulado no referido artigo 143.º, n.º 2, do Código Civil, será de concluir, pelo menos em abstracto, que o cargo de acompanhante poderia ser atribuído, designadamente, a pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado ou a qualquer pessoa idónea, nomeadamente a sobrinha acima indicada, devendo ser nomeado, em concreto, aquele que melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
É este – o interesse imperioso do beneficiário – que deverá ser tido em conta como critério primordial para a nomeação de acompanhante.
Todavia, sobre tal matéria fáctica – as razões que sustentam a nomeação do Presidente da instituição onde a requerida está internada como seu acompanhante – o Julgador “a quo” nada apurou, nomeadamente a factualidade que diz respeito à ponderação da pessoa que melhor salvaguarda o interesse da beneficiária, mormente as condições e aptidões dos familiares da requerida para o exercício da função.
Com efeito, da fundamentação da sentença recorrida inexiste qualquer justificação que permita perceber qual foi o critério que presidiu à nomeação do Presidente da instituição onde a requerida está internada como seu acompanhante, em detrimento de um familiar próximo daquela (como, por exemplo, a sua sobrinha …).
Por outro lado, é nosso entendimento que, não podendo ser considerada como válida a escolha do acompanhante efectuada pela requerida – pelas razões já acima expostas – deverá ser nomeado, em regra, alguém do seu círculo pessoal e familiar que reúna condições para o exercício do cargo, sendo que, só nessa impossibilidade, a escolha deverá recair sobre estranhos sem ligação pessoal ou afectiva à requerida, ora acompanhada.
No entanto, ainda que a escolha recaia sobre alguém do círculo familiar do acompanhado, a sua nomeação deverá ser sempre precedida da realização de diligências que permitam aquilatar e perceber se os mesmos reúnem condições idóneas para exercerem o cargo de acompanhante e, “in casu”, qual dos familiares, designadamente dos sobrinhos, reúne as melhores condições para o exercício de tal cargo, considerando que, conforme dispõe o já citado artigo 146.º, no exercício da sua função, o acompanhante deve sempre privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, mantendo um contacto permanente com o mesmo, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada, e tendo sempre presente o interesse do beneficiário.
Neste sentido, pode ver-se o Ac. da R.G. de 29/10/2020, disponível in www.dgsi.pt, no qual veio a ser afirmado o seguinte: - A única questão com pertinência para a decisão respeitante à designação judicial do acompanhante do beneficiário no âmbito do acompanhamento já decretado prende-se com a aferição dos pressupostos fácticos subjacentes à ponderação da pessoa que revela melhores condições para salvaguardar o interesse imperioso do beneficiário, enquanto único critério legal atendível. - Daí que a aferição e densificação de tal critério passe pelo apuramento de todo um conjunto de factos atinentes às condições e à aptidão de cada um dos familiares do requerido para o exercício de tal função, em face do circunstancialismo que no caso delimita o interesse imperioso do acompanhado e do seu bem-estar e recuperação. - A não inclusão de tal matéria de facto na sentença recorrida, bem como a omissão de diligências probatórias adequadas ao suficiente apuramento da mesma, implica a respetiva anulação, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, por deficiência da decisão sobre a matéria de facto, de forma a permitir a ampliação da matéria de facto relevante para a decisão da causa.
Em sentido idêntico ou similar veja-se o recente Ac. da R.P. de 28/2/2021, também disponível in www.dgsi.pt, no qual se afirmou o seguinte: - A designação judicial do acompanhante deve estar centrada na pessoa maior que em concreto, e não em abstracto, vai ser legalmente acompanhada, concluindo-se que aquela está em melhor posição para assumir as funções de acompanhamento legal, o que passa por: (i) assegurar as medidas de apoio que foram determinadas pelo tribunal; (ii) prestar-lhe os cuidados devidos, atento o respectivo contexto pessoal, social e ambiental; (iii) participar juridicamente na representação legal determinada pelo tribunal; (iv) assegurar em todos os domínios a vontade e os desejos da pessoa acompanhada, tanto a nível pessoal, como patrimonial, que não foram judicialmente reservados ou restringidos. - Ou seja, não é pelo facto da pessoa maior estar internada que o director dessa instituição deve ser, sem mais, nomeado acompanhante, quando a mesma tem familiares que podem até exercer tal incumbência. - Neste tipo de processos mostra-se relevante a realização de um relatório social quanto às condições de vida da requerida, no qual se precise os apoios que a mesma tem, designadamente a nível familiar. - Quando a Relação não tem ao seu dispor todos os elementos de facto e de Direito, que nos permitam tomar posição quanto ao objecto do recurso, nomeadamente quanto à nomeação do acompanhante, deve a mesma ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662.º, n.º 2, alínea c), n.º 3, alínea c), do CPC, anular a decisão proferida em 1.ª instância, de modo a ampliar a matéria de facto referente a quem está em melhores condições para assumir as funções de acompanhamento legal da beneficiária.
Por outro lado, no que respeita ao critério primordial na escolha do acompanhante da requerida, pode ver-se, ainda, o Ac. da R.P. de 24/10/2019, também disponível in www.dgsi.pt, no qual, a dado passo, é afirmado o seguinte: - O acompanhante é designado judicialmente mas, em regra, deve corresponder ao escolhido pelo próprio acompanhado ou pelo seu representante legal. - A lei não define regras formais ou materiais para a formulação pelo maior dessa escolha. Por isso, ela poderá resultar de um documento escrito redigido antecipadamente pelo maior em momento em que se encontre em plenas condições para exercer por si mesmo os seus direitos e para acautelar a possibilidade futura da necessidade de acompanhamento, como poderá resultar da audição do beneficiário no decurso do próprio processo se o tribunal concluir que o mesmo mantém capacidade para fazer de modo consciente essa opção. E, cremos, poderá ainda resultar da vontade presumível do beneficiário, se houver elementos para a determinar, isto é, para reconstituir a ideia que o beneficiário formularia se fosse confrontado com a necessidade da escolha à luz do seu modo de ver, pensar e se relacionar com as pessoas do seu convívio. - Na falta de escolha – ou, cremos, se o tribunal julgar a escolha inconveniente por não reconhecer ao acompanhante escolhido idoneidade para o exercício das funções – a nomeação deve recair sobre a pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário. - Este é o critério supletivo a observar pelo tribunal, o que significa que o rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 143.º do Código Civil é meramente exemplificativo – «designadamente» refere o texto da norma – e, sobretudo, que a sequência pela qual eles são indicados não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o tribunal. - A nomeação do «director» da instituição como acompanhante do maior deve ser a última solução a equacionar, só devendo colocar-se quando estiver totalmente arredada a possibilidade de nomear alguém do círculo pessoal e familiar do acompanhado e a escolha não possa senão recair em estranhos, sem ligação pessoal ou afectiva ao acompanhado.
Assim sendo, forçoso é concluir que, no caso em apreço, mostra-se fundamental a realização de diligências para determinar se os familiares da requerida, ora acompanhada, reúnem condições para o exercício do cargo de acompanhante, e qual deles reúne as melhores condições para o exercício desse cargo, ou se, pelo contrário, a pessoa que reúne melhores condições para o exercício do cargo de acompanhante é o Presidente da instituição onde a requerida está internada, o que pode e deve ser feito, nomeadamente, com a inquirição, no tribunal “a quo”, das testemunhas que foram arroladas, quer na petição inicial, quer na contestação, isto sem prejuízo de outras diligências que aquele tribunal entenda necessárias levar a cabo para o efeito.
Na verdade, a não inclusão da factualidade acima referida na sentença recorrida, bem como a omissão de diligências probatórias adequadas ao suficiente apuramento da mesma, implica que a dita sentença não se possa manter – de todo – anulando-se a mesma em conformidade, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil.
***
Finalmente, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)
Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pela requerida e, em consequência, anula-se a sentença recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados.
Sem custas.
Évora, 09 de Setembro de 2021
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás
__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, pp. 286 e 299).