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OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
PENA DE PRISÃO
NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário
I – A circunstância de se encontrar provado na sentença, na decorrência do vertido no relatório social, que o arguido “reconhece em abstrato a censurabilidade da conduta”, significa tão só que ele verbaliza juízo crítico sobre a prática, em abstrato, do tipo de ação criminosa em apreço, mas já não, necessariamente, que o faça relativamente à conduta por si concretamente adotada no caso sub judice; é o que sucede in casu porquanto o arguido demonstrou em audiência ausência de arrependimento e de sensibilização para a gravidade do seu comportamento. II – Não é de aplicar suspensão da execução da pena de prisão se fundadamente se concluir que as finalidades da punição, de prevenção geral, na perspetiva de a comunidade não encarar a suspensão como um sinal de “impunidade”, de falta de proteção do bem jurídico violado, e de prevenção especial, na vertente positiva de apoio e promoção à reinserção social do condenado, não seriam asseguradas por via da aplicação dessa pena [autónoma] de substituição. III – No caso vertente, para além das intensas necessidades de prevenção geral associadas ao tipo de criminalidade em apreço – ofensa à integridade física grave –, pesam, vincadamente, os antecedentes criminais do arguido, consubstanciados, entre o (muito) mais, na prática de crimes da mesma tipologia (crime-base), cujas penas aplicadas, de multa e de prisão suspensa na sua execução, se revelaram insuficientes e inidóneas para promover a reintegração social do condenado, o qual, podendo e devendo inverter o seu comportamento, conformando-o com o normativo vigente em sociedade, e, particularmente, com as mais elementares regras de convivência intercomunitária, continuou a enveredar pelo censurável caminho do crime, o que enfatiza sobremaneira as necessidades de prevenção especial e de reeducação do arguido. IV - Não deve ser conferida ao arguido nova oportunidade de, em meio livre, poder maltratar fisicamente outros membros comunitários ou ofender outros bens jurídicos relevantes, como a segurança rodoviária e a autoridade pública, uma vez que não mereceu as anteriores chances que lhe foram concedidas de conservar a sua liberdade. V - E não obsta a essa conclusão as circunstâncias favoráveis ao condenado de se encontrar inserido, ainda que de modo ténue, familiar, social e laboralmente, as quais não assumem força suficiente para servir de contrapeso ao restante circunstancialismo que funciona fortemente em desabono daquele, tanto mais que já se verificavam à data dos factos e não serviram para desmotivar o arguido da sua prática.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 85/16.8GCVRL, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz 1, por sentença proferida a 25.02.2021 e depositada no mesmo dia (fls. 356 a 411 e 414, respetivamente; referências 35264587 e 35266312, respetivamente), foi decidido, na parte que ora releva:
“Condenar o arguido A. J. pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, n.º 1, al. a), do Código Penal,na pena de 3 (três) anos e 9 (meses) de prisão efectiva.”
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▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido A. J. interpor o presente recurso, que, na sua motivação, após dedução das alegações, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 425 a 429 – ref. 2542703) - transcrição:
“1º- A pena de prisão imposta ao ora recorrente revela-se excessiva e consequentemente deve ser reformada;
2º- A douta sentença deverá ser revogada, na parte em que decretou a pena de prisão efetiva, suspendendo-a na sua execução, conforme art. 50º do Código Penal;
3º- Ou, caso não entendam, deverá aquela pena de prisão efetiva ser reduzida para o limite mínimo legal, atentos os circunstancialismos atenuativos;
4º- Foram, assim, violados os artigos 70º e 71º do Código Penal, assim como foi desrespeitado o disposto no artigo 30º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente Recurso deve, em consequência e por tudo o que ficou exposto, ser alterada a douta sentença do Tribunal a quo, sendo a pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão suspensa na sua execução, sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, ou a regime de prova ou, se assim não se entender, sempre se mostrará devida a redução da pena de prisão aplicada ao limite mínimo, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA no caso concreto!!!”
▪ Na primeira instância, o Digno Magistrado do MP, notificado do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que pugna pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida (fls. 435 a 437 - referência 2547885).
Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
“A. O recorrente não se conforma com a sentença porquanto considera que a aplicação de uma pena de 3 anos e 9 meses de prisão efectiva se revela excessivo, pugnando, ao invés, pela suspensa da sua execução, mediante sujeição ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, ou a regime de prova. Subsidiariamente defende que a pena de prisão deverá ser reduzida ao limite mínimo.
B. Ora, a finalidade da pena é a protecção dos bens jurídicos e, se possível, a ressocialização do agente do crime, pelo que a opção por uma pena alternativa ou de substituição não pode colocar em causa as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
C. No presente caso, a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva impõe-se não só por força da extrema gravidade dos factos praticados – cujas sequelas físicas e psicológicas ainda hoje o assistente padece – mas também em virtude dos traços altamente desvaliosos da personalidade do agente.
D. Com efeito, para além das catorze condenações de que já foi alvo, reveladores de uma persistente atitude contrária ao dever-ser jurídico penal, o arguido voltou nestes autos a evidenciar uma personalidade desvaliosa, na medida em que não manifestou o mínimo arrependimento pelos seus actos, tendo inclusivamente chegado ao ponto de apesar de ter optado por não prestar declarações sobre os factos, ter ainda assim querido manifestar ao tribunal que tinha razão quanto à pretensão de substituição da bomba de direcção, como se isso, perante a gravidade dos factos em julgamento, tivesse alguma importância.
E. Este comportamento evidencia que o arguido não interiorizou o desvalor da sua conduta, nem a gravidade da mesma, sendo demonstrativo de uma total indiferença e insensibilidade do arguido em face da integridade física/saúde de terceiros.
F. Neste quadro, só a aplicação de uma pena de prisão efectiva poderá ter a virtualidade de fazer interiorizar no arguido a gravidade das suas condutas e a necessidade de passar a comportar-se de acordo com as normas vigentes.
G. No que concerne à medida da pena, a mesma também não nos merece qualquer reparo, porquanto pondera de forma adequada a extrema gravidade dos factos, o elevado grau de culpa do arguido e as prementes necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, sendo certo que ainda assim a medida da pena fica abaixo do meio da moldura penal abstracta.”
▪ Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que aduziu o seu entendimento de que o recurso deve ser julgado improcedente (fls. 446 e 447 - referência 7532855).
Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C. P. Penal, não houve resposta ao sobredito parecer.
▪ Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.) (1).
Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir, seguindo uma ordem lógica no que concerne à operação de determinação da medida concreta da pena e subsequente (e eventual) substituição da mesma, reportam-se a: A – Excessividade da medida concreta da pena de pena de prisão aplicada. B – Suspensão da execução da pena de prisão.
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III – APRECIAÇÃO:
III.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada.
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
1. O assistente nasceu em -/02/1978.
2. Entre Outubro de 2010 e Março de 2016 o assistente exerceu as funções de mecânico na empresa X – Desmontagem de Peças de Veículos, Lda. (com instalações na Rua da …, Zona Industrial de …, Vila Real).
3. No dia 08/03/2016, pelas 15h30m, o assistente encontrava-se a prestar trabalho no balcão de atendimento ao público da empresa X, quando o arguido, que trazia consigo uma bomba de direcção de um veículo automóvel, entrou nas instalações da empresa e dirigiu-se ao balcão de atendimento ao público.
4. O arguido foi atendido pelo assistente e deu-lhe conta que no dia anterior havia comprado naquela loja a bomba de direcção e que pretendia devolvê-la em virtude de esta não se encontrar em condições, por ter algum defeito.
5. O assistente observou a peça e disse ao arguido que a mesma não tinha sido ali comprada, tendo esclarecido que todas as peças que são vendidas por aquela empresa são marcadas, pelo que não ia proceder à troca da peça.
6. Acto contínuo, quando o assistente se preparava para atender outro cliente que ali se encontrava, o arguido, sem que nada o fizesse esperar, vibrou com a bomba de direcção uma pancada no crânio do assistente e colocou-se em fuga de imediato.
7. Como consequência necessária e directa desta conduta o assistente sofreu uma ferida inciso-contusa do couro cabeludo na região frontal-parietal esquerda com cerca de 6 cm, estrelada com hemorragia activa.
8. Pelas 15h57m, do dia 08/03/2016, o assistente deu entrada no serviço de urgências do C.H.T.M.A.D., e, no dia 09/03/2016, pelas 00h12m, foi transportado para o Centro Hospitalar do Porto, onde permaneceu internado até ao dia 10/03/2016, pelas 09h46m.
9. Após a realização dos exames clínicos verificou-se que o assistente havia sido vítima de um traumatismo crânio-encefálico com fractura-afundamento do frontal esquerdo.
10. No dia 02/01/2017 o assistente foi submetido a tratamento cirúrgico (cranioplastia com metilmetacrilato) no Centro Hospitalar do Porto, para correcção do afundamento fronto-parietal.
11. Verifica-se que em consequência do sinistro o assistente:
· padeceu de um défice funcional temporário total nos períodos compreendidos entre 08/03/2016 e 10/03/2016 e entre 02/01/2017 e 03/01/2017, num total de 4 dias;
· padeceu de um défice funcional temporário parcial nos períodos compreendidos entre 11/03/2016 e 01/01/2017 e entre 03/01/2017 e 29/05/2017, num total de 444 dias;
· apresentou repercussão temporária na actividade profissional total entre 08/03/2016 e 20/06/2016 e entre 03/01/2017 e 29/05/2017, num total de 252 dias;
· apresentou repercussão temporária na actividade profissional parcial entre 21/06/2016 e 02/01/2017, num total de 196 dias;
· apresentou um quantum doloris de grau 4;
· apresenta um deficit funcional permanente da integridade física-psíquica de 10 pontos, por evidenciar um stress pós-traumático;
· apresenta uma repercussão permanente na actividade profissional de compatibilidade com o exercício da actividade profissional habitual, mas sendo necessários esforços suplementares;
· apresenta um dano estético permanente de grau 3;
· apresentou a consolidação médico-legal das lesões em 29/05/2017;
· apresenta as seguintes sequelas: afundamento fronto-parietal esquerdo ao nível do crânio, cefaleia frequente, irritabilidade, dificuldade em tolerar barulho, perda de concentração e memória.
12. O arguido agiu de forma consciente, livre e deliberada, com o propósito de ofender o corpo e a saúde do assistente e de lhe produzir lesões, bem sabendo que o objecto que usou era um meio especialmente idóneo a provocar lesões graves e representando a possibilidade, com a qual se conformou, de que o assistente poderia ficar desfigurado de forma grave e permanente e ver afectada, de maneira grave a sua capacidade de trabalho, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
13. Em Março de 2016 o assistente auferia uma remuneração mensal de € 530,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 5,12 por cada dia útil, tendo ainda de suportar o pagamento da taxa social única de 11 %, auferindo ainda subsídio de férias e subsídio de natal.
14. Até 08/03/2016 o assistente era saudável, enérgico, de porte atlético e alegre.
15. Até Outubro de 2019 o assistente não se sentiu em condições de trabalhar como mecânico, e, a partir daí, passou a trabalhar a tempo parcial, por um período de 20 horas semanais, ao serviço da C. M. – Reparação de Pesados, Unipessoal, Lda., auferindo uma remuneração mensal de € 300,00, tendo ainda de suportar o pagamento da taxa social única de 11 %, auferindo ainda subsídio de férias e subsídio de natal.
16. (…) por o assistente não se sentir em condições de trabalhar a tempo inteiro.
17. O assistente sente dificuldades em conciliar o sono, sentindo nervosismo, cansaço e ansiedade.
18. Mediante a apólice n.º ……01 encontrava-se transferida pela X para a demandante, a responsabilidade por acidentes de trabalho que os trabalhadores sofressem no exercício da actividade desenvolvida por aquela empresa e nos demais termos que constam dessa apólice (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
19. No dia 11/03/2016 a X participou à demandante a ocorrência de um acidente de trabalho nos termos que constam dessa participação (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
20. Correu termos sob o n.º 1322/16.4T8VRL, processo especial emergente de acidente de trabalho, no âmbito do qual em 22/11/2017 foi proferida sentença, na qual se decidiu, no que ora releva: “Nestes autos emergentes de acidente de trabalho a tentativa de conciliação gorou-se, porque a aqui demandada seguradora, não aderiu ao resultado do exame realizado pelo perito médico deste Tribunal (…) Na fase conciliatória, sinistrado e seguradora puseram-se de acordo quanto à existência e caracterização do acidente como de trabalho, no nexo causal respectivo, na retribuição e na transferência de responsabilidade. No prazo que consta do artº. 138º. nº.2 do Código de Processo do Trabalho, a competente junta médica, fixou ao sinistrado, a desvalorização de 6,9% (…) declaro, ao abrigo do disposto no artº. 140º do Cód. Proc. de Trabalho, que o sinistrado F. C., sofreu um acidente de trabalho, por via do qual ficou afectado de uma I.P.P. de 6,9% desde 25/08/2016. À luz do regulamento nas disposições aplicáveis, condeno a Y, Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao referido sinistrado a quantia de € 63,12 (sessenta e três euros e doze cêntimos) a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; a pensão anual e vitalícia de € 418,23 (quatrocentos e dezoito euros e vinte e três cêntimos), a partir de 26/08/2016, sendo que, esta pensão, é obrigatoriamente remível, acrescidas estas quantias dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre o capital de remição a calcular e desde o dia seguinte ao da alta clínica supra fixada e dos vincendos até integral pagamento. Condeno, ainda, a seguradora pagar ao sinistrado a quantia de € 10,00 a título de despesas de transportes (…)”
21. No âmbito do processo n.º 1322/16.4T8VRL, em 09/03/2018 a demandante procedeu ao pagamento ao assistente da quantia global de € € 6.570,81, a título de capital de remição.
22. A demandante procedeu ao pagamento, para além do valor indicado em 21, do montante global de € 5.163,64, que compreende:
- € 63,12, a título de acertos de indemnização;
- € 395,00, a título de despesas de ambulância;
- € 887,40, a título de despesas judiciais;
- € 1.268,08, a título de despesas com S.N.S.;
- € 861,60, a título de indemnização pelos períodos de I.T.A.;
- € 241,24, a título de indemnização pelos períodos de I.T.P.;
- € 310,00, a título de despesas com juntas médicas;
- € 407,12, a título de despesas com juros;
- € 65,01, a título de despesas com medicamentos;
- € 283,11, a título de despesas de medicina física e reabilitação;
- € 155,90, a título de despesas com subsídios;
- € 92,06, a título de despesas com táxi.
23. Desde o ano de 2009 não existem registos de descontos em nome do arguido, para efeitos de Segurança Social.
24. Resulta do registo automóvel que se mostra inscrita a propriedade dos veículos de matrícula MQ (Fiat Tempra 16, do ano de 1991, movido a gasolina, 1581 c.c.) e CH (Opel Astra, do ano de 1993, movido a gasolina, 1389 c.c.)
25. O arguido não apresentou declaração de rendimentos, para efeitos de I.R.S., nos anos de 2017, 2018 e 2019, não tendo sido apurado pela Administração Tributária que nesses períodos tivesse percepcionado rendimentos susceptíveis de tributação.
26. O arguido cresceu e viveu em P., onde decorreu o seu processo de desenvolvimento junto do seu agregado familiar, sendo o mais velho de uma fratria de sete descendentes.
27. A dinâmica familiar do arguido é descrita como positiva e com transmissão de valores, subsistindo o agregado do trabalho que os progenitores desenvolviam como caseiros e posteriormente como proprietários de uma pequena quinta em P..
28. O arguido iniciou a escolaridade aos seis anos de idade, tendo finalizado o 4.º ano aos onze anos, referindo não ter prosseguido os estudos por dificuldades económicas da família e tendo, posteriormente, concluído o segundo ciclo de estudos à noite.
29. Por volta dos doze anos o arguido começou a trabalhar com os pais na agricultura e mais tarde por conta de outrem, exercendo actividade agrícola até à sua incorporação no serviço militar, de onde saiu com a idade de vinte e dois anos.
30. O arguido emigrou para a Suíça, tendo casado aos 23 anos se casado e passado o cônjuge também a viver naquele país, trabalhando o arguido numa vacaria e na área florestal e dedicando-se o cônjuge ao cuidado de crianças.
31. Em 2001 o casal divorciou-se, havendo da relação uma filha, já adulta, com quem o arguido diz manter contactos.
32. O arguido regressou a Portugal, onde se manteve cerca de onze anos a trabalhar na área florestal e como manobrar de máquinas, tendo e refeito a sua vida afectiva, relação que já terá cessado.
33. Seguiu-se mais um período de cerca de quatro anos na Suíça, onde exerceu a mesma actividade laboral, até ao seu regresso definitivo a Portugal.
34. Já a viver no país, exerceu actividade agrícola em P., mantendo residência na habitação cedida pela mãe, situada em ....
35. Após regresso ao meio livre, o arguido manteve o mesmo enquadramento habitacional e laboral.
36. O arguido é associado à problemática etílica, tendo sido acompanhado por um médico particular.
37. Em 08/03/2016, o arguido vivia sozinho na casa que lhe foi cedida pela mãe, sem encargos, habitação situada em ....
38. O arguido mantinha actividade laboral de madeireiro, trabalhando sempre que lhe eram solicitados os seus trabalhos, apresentando condição económica frágil.
39. O arguido registava no meio social de inserção problemática aditiva com atitude de agressividade e de conflito quando alcoolizado, sendo presentemente identificado como um elemento com conduta adequada e sem consumo de bebidas alcoólicas, não sendo percecionados sinais de rejeição à sua presença.
40. O arguido beneficia de apoio da mãe e família alargada, que funciona como factor de protecção essencial nas suas vivências.
41. O arguido reconhece em abstracto a censurabilidade da conduta, revelando raciocínio que lhe permite posicionar-se criticamente face à natureza dos factos, contudo, o discurso percepciona-se como pouco consistente.
42. O arguido apresenta as seguintes condenações:
- no processo n.º 390/00.2GTVRL, do Tribunal Judicial de Sabrosa, por factos praticados em 15/08/2002, que integram crimes de injúria agravada, por sentença proferida em 01/04/2003, transitada em julgado em 24/04/2003, na pena única de 150 dias de multa, à razão diária de € 2,50;
- o processo n.º 46/01.1GBALJ, do Tribunal Judicial de Sabrosa, por factos praticados em 08/09/2001, que integram um crime de ofensa à integridade física e um crime de detenção de arma proibida, por sentença proferida em 11/11/2004, transitada em julgado em 03/12/2004, na pena única de 185 dias de multa, à razão diária de € 2,50;
- no processo n.º 39/05.5GASBR, do Tribunal Judicial de Sabrosa, por factos praticados em 14/04/2005, que integram um crime de ofensa à integridade física, por sentença proferida em 12/06/2007, transitada em julgado em 28/06/2007, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
- por decisão das autoridades judiciais suíças, proferida em 31/01/2012, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, em concurso efectivo, de um crime condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena única de 520 horas de trabalho;
- por decisão das autoridades judiciais suíças, proferida em 30/10/2012, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, em concurso efectivo, de um crime condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena única de 180 dias de multa, à razão diária de 30 francos suíços;
- no processo n.º 133/13.3GASBR, deste Juízo, por factos praticados em 31/08/2013, que integram um crime de ofensa à integridade física, por sentença proferida em 25/06/2015, transitada em julgado em 10/09/2015, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de € 5,00;
- no processo n.º 208/14.1GBPRG, do Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua, por factos praticados em 18/07/2014, que integram um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença proferida em 01/07/2015, transitada em julgado em 16/09/2015, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de condução pelo período de 3 meses e 15 dias;
- no processo n.º 34/16.3GASBR, deste Juízo, por factos praticados em 24/03/2016, que integram um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 11/04/2016, transitada em julgado em 21/11/2016, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, com sujeição a regime de prova e na pena acessória de proibição de condução pelo período de 5 meses;
- no processo n.º 59/16.9T9PRG, do Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua, por factos praticados em 29/02/2016, que integram um crime de desobediência, por sentença proferida em 16/06/2016, transitada em julgado em 16/06/2016, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 5,00;
- no processo n.º 22/16.0GASBR, deste Juízo, por factos praticados em 24/02/2016, que integram um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 30/06/2016, transitada em julgado em 20/09/2016, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, com sujeição a regime de prova e na pena acessória de proibição de condução pelo período de 8 meses;
- no processo n.º 1796/17.6JAPRT, do Juízo Criminal da Instância Central de Vila Real, por factos praticados em 18/06/2017, que integram um crime de incêndio florestal, por acórdão proferido em 18/09/2018, transitado em julgado em 18/10/2018, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova;
- no processo n.º 74/17.5GASBR, deste Juízo, por factos praticados em 18/06/2017, que integram um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 13/12/2018, transitada em julgado em 25/01/2019, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, com sujeição a regime de prova;
- no processo n.º 76/18.4GASBR, deste Juízo, por factos praticados em 20/06/2018, que integram um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 29/01/2019, transitada em julgado em 04/03/2019, na pena única de 8 meses de prisão, a ser executada no regime de permanência na habitação e na pena acessória de proibição de condução pelo período de 2 anos e 6 meses;
- no processo n.º 68/18.3GASBR, deste Juízo, por factos praticados em 16/05/2018, que integram um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 30/05/2019, transitada em julgado em 01/07/2019, na pena única de 9 meses de prisão, a ser executada no regime de permanência na habitação e na pena acessória de proibição de condução pelo período de 1 ano e 6 meses.
III.2 – Quanto à análise das sobreditas questões suscitadas pelo arguido neste recurso:
A – Da alegada excessividade da medida da pena aplicada:
O tribunal recorrido condenou o arguido A. J. pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva.
Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão desta concreta questão suscitada pelo ajuizado recurso, importa verter aqui os factores de determinação da medida concreta da pena que o Tribunal a quo considerou e valorou na fundamentação de direito.
Assim, a tal propósito, o Tribunal a quo expendeu o seguinte (transcrição):
“De acordo com o disposto no artigo 40.º do Código Penal a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa. Decorre deste preceito o conjunto de finalidades associadas à aplicação das sanções penais, mormente a necessidade de prevenção geral e de prevenção especial, estabelecendo a culpa um limite inultrapassável. No caso concreto, o crime praticado pelo arguido é punido, em abstracto, com pena de prisão de 2 (dois) a 10 (dez) anos – cfr. artigo 144.º, al. a), do Código Penal Impõe-se, pois, determinar a medida da pena de prisão. A determinação da pena, de acordo com o previsto no artigo 71.º, do Código Penal, deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente. A medida da pena há-de assim de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva, cujo limite máximo é dado pelo ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, e cujo limite mínimo, traduz o ponto abaixo do qual já não são realizadas essas necessidades de prevenção, sendo que serão as necessidades de prevenção especial, que vão, em última análise determinar em concreto a medida da pena (Cfr. Anabela Rodrigues, “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida da Pena”, R.P.C.C, 2002, T-2, pág 177-182). Pela via da culpa, cabe valorar a circunstância do arguido ter actuado com dolo directo, excepto quanto à circunstância agravativa, pois aí agiu com dolo eventual – cfr. artigo 14.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal. No que concerne às exigências de prevenção geral positiva associadas ao crime de ofensa à integridade física grave, estas mostram-se de monta, atendendo à frequência com que condutas desta natureza se verificam e à elevada repercussão negativa na segurança comunitária que estas suscitam. No que respeita às exigências de prevenção especial positiva, devem ser consideradas diversas circunstâncias. Assim, importa ter presente que a conduta do arguido, ao ser motivada por um diferendo associado à aquisição de um equipamento para um automóvel, revela especiais exigências preventivas, pois agiu movido por sentimentos mesquinhos e gratuitos, e, não obstante, causou lesões de grande impacto no assistente. Ademais, o arguido optou por não prestar declarações, mas ainda assim quis manifestar que tinha razão na pretensão de substituição da bomba de direcção, como se isso fosse o mais importante, alheando-se de tudo o resto, mormente as graves consequências vivenciadas pelo assistente, o que denota qualquer ausência de arrependimento e de sensibilização para a gravidade da sua conduta. Por outro lado, o arguido evidencia uma ténue inserção sócio-profissional, é referenciado como tendo tido consumos etílicos exagerados e não denota possuir uma personalidade suficientemente consolidada conforme as regras do Direito. Cumpre também salientar que o arguido foi previamente condenado por factos anteriores aos que se encontram sob análise nestes autos por cinco crimes estradais, quatro crimes contra as pessoas, incluindo três crimes de ofensa à integridade física e um crime de detenção de arma proibida, para além de ter sido condenado por onze vezes posteriormente. Tudo ponderado, considera-se adequado fixar a pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.”
Apreciemos se tal apreciação feita pelo Tribunal a quo é ou não suscetível de censura/correção.
Conforme decorre do art. 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2 do art. 40º do C.P.).
Segundo Figueiredo Dias (2), quanto aos fins das penas, predomina «a ideia de que só as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas. Num contexto em que a prevenção geral assume o primeiro lugar, como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação, do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, em suma, na expressão de Jackobs, como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida».
O mesmo insigne autor, após expor a teoria penal por si defendida no que tange ao problema dos fins das penas, conclui do seguinte modo (3):
«…(1) Toda a pena serve as finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».
O mesmo ensinamento é veiculado por Maria João Antunes, in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2020 (reimpressão), p. 45, nos seguintes termos:
«A medida da pena tem de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, em face do caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um critério de necessidade da pena que não fornece, contudo, um quantum exato de pena. Fornece somente a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico. Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura legal, podendo situar-se acima dele. Neste sentido, é a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece uma moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena. Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas – em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nº2, do CP) -, a culpa fornece somente o limite máximo da pena.»
Assim:
Na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
No caso concreto, a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.
Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há de ser casuisticamente prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, como vimos, nos termos do art. 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.
A operação de fixação da pena, dentro dos sobreditos limites, faz-se, segundo o art. 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:
- Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a);
- À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);
- Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);
- Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);
- À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e
- À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).
No caso vertente, no que tange à determinação da medida da pena, atendeu o tribunal a quo às sobreditas circunstâncias concretamente aplicáveis, que valorou corretamente enquanto agravantes ou atenuantes.
Igualmente ponderou as elevadas exigências de prevenção geral associadas ao ilícito criminal perpetrado pelo arguido.
As exigências de prevenção geral associadas a este tipo de criminalidade são acentuadas atento o relevante bem jurídico protegido pela incriminação, porquanto a integridade física da pessoa humana é um bem constitucionalmente protegido (cf. art. 25º, nº1, da Constituição da República Portuguesa), e o indesejável nível de frequência que apresenta, tratando-se de fenómeno que, como bem observado pelo Mmo. Julgador, contende com a segurança comunitária.
O tribunal a quo considerou ainda as elevadas exigências de prevenção especial positiva, de modo que merece a nossa integral concordância.
Com efeito, acentuou a censurável motivação, pelo seu caráter “mesquinho” e “gratuito”, subjacente à prática dos factos cometidos pelo arguido, que vieram a causar lesões de grande impacto no ofendido.
Por outro lado, deu relevo à ausência de arrependimento e de sensibilização para a gravidade da conduta demonstrada pelo arguido.
A este propósito, contrapõe o recorrente que está provado na sentença que ele “reconhece em abstrato a censurabilidade da conduta”. Este facto, extraído do relatório social elaborado pela DGRSP, consta efetivamente dos factos provados (ponto 41); contudo, importa sublinhar que do mesmo apenas resulta que o arguido verbaliza juízo crítico sobre a prática, em abstrato, deste tipo de ações criminosas, mas não que o faça relativamente à conduta por si concretamente adotada no caso sub judice.
Valorou ainda o Tribunal a quo a circunstância de o arguido apresentar “ténue” inserção socioprofissional. A adjetivação afigura-se-nos adequada.
Com efeito, apesar de o arguido/recorrente manter a atividade profissional de madeireiro, não dispõe de vínculo laboral fixo, desenvolvendo serviços esporádicos, sempre que os mesmos são solicitados.
Ademais, apresenta frágil condição económica, vivendo sozinho em casa que lhe foi cedida pela mãe, sem encargos associados à ocupação; beneficia de apoio da mãe e da família alargada, que funciona como fator de proteção essencial na sua vivência, o que sendo positivo na vertente de apoio concedido, revela uma certa incapacidade do arguido para se autonomizar social e economicamente do agregado familiar, mantendo-se dependente da sua ajuda, mormente da progenitora, apesar de ele contar praticamente com 50 anos de idade – cfr. factos provados nos nºs 31 a 35, 37, 38 e 40. Aliás, o enquadramento social, familiar e profissional que o arguido atualmente apresenta não é distinto daquele de que beneficiava na altura do cometimento do ajuizado crime, o qual, desse modo, não se revelou suficiente para o motivar a abster-se de praticar factos ilícitos de relevo.
Acresce que, apesar do louvável esforço que o arguido aparenta estar a desenvolver para ultrapassar a sua problemática aditiva associada ao consumo imoderado de bebidas alcoólicas, com associada adoção de condutas agressivas e conflituosas, não é ainda possível afirmar que tal adição se encontra perenemente afastada, sem risco de recidivas, tanto mais que o arguido não é presentemente acompanhado medica ou terapeuticamente.
Por último, na ponderação do Tribunal recorrido intervieram ainda os relevantes e elucidativos antecedentes criminais do arguido, por crimes cometidos antes e depois dos factos ajuizados nos autos, corporizados em 14 condenações judiciais, pela prática de 22 crimes, trajeto criminógeno iniciado já no remoto ano de 2001, com factos ilícitos cometidos quer em território português quer em território suíço, e onde avulta a prática de cinco crimes contra as pessoas, três deles por ofensas à integridade física, ou seja, da mesma natureza do cometido nos autos, a par de reiterados crimes atentatórios da segurança rodoviária (associados ao consumo de álcool) e, bem assim, da autoridade pública (por violação de proibições impostas em diversas sentenças criminais condenatórias).
Entre essas condenações conta-se o cumprimento de penas de multa e de penas de prisão suspensas na sua execução, as quais se vieram sucessivamente a revelar infrutíferas quanto ao desiderato de afastar o arguido da delinquência.
Ressuma do exposto que o arguido denota uma personalidade tendencial e marcadamente avessa ao Direito, desprezando continuamente as condenações e injunções judiciais proferidas, e isto apesar dos distintos enquadramentos sociais, familiares e profissionais que vivenciou ao longo do tempo.
Consequentemente, ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial as atinentes à intensidade da culpa e, sobretudo, à necessidade das penas, ressuma que a pena aplicada pelo tribunal de primeira instância, situada abaixo de ¼ da moldura penal abstrata, adequa-se e revela-se idónea à satisfação das necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como à finalidade de procurar que o arguido não volte a delinquir.
A pena concretamente aplicada coincide, pois, com o exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, pelo que a redução da mesma, como preconizado pelo arguido, não é sustentável, sob pena de se colocar em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
Aliás, como ensina Figueiredo Dias a propósito da controlabilidade da pena em sede de recurso, na determinação do seu quantum, a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada (4).
Em suma, tendo sido corretamente observados pelo tribunal a quo os critérios legais aplicáveis, não se vislumbrando qualquer distorção na determinação da medida da pena por si levada a cabo, improcede, nesta parte, o recurso.
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B – Da execução efetiva ou suspensa da pena de prisão aplicada:
Nos termos do art. 50º, nº 1, do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que da simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como resulta deste normativo legal, a suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de dois pressupostos: um formal, que exige que a pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão; e um pressuposto material.
A este propósito, ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 341 e sgts.: “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto” (5).
Acrescentando, assertivamente, o mesmo Autor:
“A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanóia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...). Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (...).” (sublinhado nosso)
Expende ainda o conceituado mestre:
“Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.
Há que referir, também, na esteira de Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal” Anotado e Comentado, 14ª edição, Almedina, 2001, pág. 191, que a suspensão da execução da pena de prisão não se traduz numa faculdade jurídica, consubstanciando, antes, um verdadeiro poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a medida em causa, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos.
Inexiste um dever de suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, mas há um poder-dever, funcional e vinculado, de determinar essa suspensão com fundamento nos factos decorrentes do prognóstico favorável que o julgador tenha efetuado.
No caso sub judice, o Mmº Juiz a quo fundamentou a não suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos seguintes termos (transcrição):
«No caso concreto, face às carências consideráveis ao nível da prevenção especial positiva que o arguido denota, afigura-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena, mesmo que acompanhada da sujeição a regras de conduta ou a deveres, será manifestamente insuficiente para afastá-lo da criminalidade, pois apresenta um número muito elevado de condenações anteriores, incluindo pela prática do mesmo crime matricial (v.g. ofensa à integridade física), revela uma personalidade avessa ao dever-ser comunitário (v.g. sem efectiva integração sócio-profissional e ausência de sensibilização para a gravidade da sua actuação) e agiu movido por motivos mesquinhos e gratuitos, tendo causado consequências muito graves para o assistente, que vão perdurar para sempre (v.g. o afundamento craniano revela uma gravidade muito elevada, pois denota uma acção extremamente violenta).
Nesta decorrência, consideram-se não verificados os pressupostos que habilitam o Tribunal a suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.»
Concordámos, na íntegra, com a fundamentação aduzida pelo tribunal a quo para não suspender a execução da pena de três anos e nove meses de prisão aplicada ao arguido.
As finalidades da punição, de prevenção geral, na perspetiva de a comunidade não encarar a suspensão como um sinal de impunidade, e de prevenção especial, na vertente positiva de apoio e promoção à reinserção social do condenado, não seriam asseguradas por via da pretendida suspensão.
Para além das intensas necessidades de prevenção geral associadas ao tipo de criminalidade em apreço – já acima abordadas –, pesam in casu, vincadamente, os antecedentes criminais do arguido, consubstanciados, entre o (muito) mais, na prática de crimes da mesma tipologia (crime-base), cujas penas aplicadas, de multa e de prisão suspensa na sua execução, se revelaram insuficientes e inidóneas para promover a reintegração social do condenado, o qual, podendo e devendo inverter o seu comportamento, conformando-o com o normativo vigente em sociedade, e, particularmente, com as mais elementares regras de convivência intercomunitária, continuou a enveredar pelo censurável caminho do crime.
A suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes.
Destarte, ao tempo da condenação em primeira instância, já não era viável formular um juízo imbuído da probabilidade de que o arguido iria sentir a condenação como uma solene advertência, mostrando-se a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (mesmo com imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova).
Logo, não era possível concluir pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
A condenação do arguido em pena efectiva funda-se no comportamento concreto por ele adotado, demonstrativo de que as condenações anteriores em penas não detentivas não foram bastantes para conter o seu desiderato, reiterado, do cometimento de novos factos, mormente de igual natureza a outros antes perpetrados, o que enfatiza sobremaneira as necessidades de prevenção especial e de reeducação do arguido.
Não deve ser conferida ao arguido nova oportunidade de, em meio livre, poder maltratar fisicamente outros membros comunitários ou ofender outros bens jurídicos relevantes, como a segurança rodoviária e a autoridade pública, uma vez que não mereceu as anteriores chances que lhe foram concedidas de conservar a sua liberdade.
E não obsta a essa conclusão as circunstâncias favoráveis ao condenado de se encontrar inserido, ainda que de modo ténue, familiar, social e laboralmente, as quais não assumem força suficiente para servir de contrapeso ao restante circunstancialismo que funciona fortemente em desabono do comportamento daquele, tanto mais que já se verificavam à data dos factos e não serviram para desmotivar o arguido da sua prática.
Por conseguinte, a pena de prisão efetiva é a única capaz de assegurar as finalidades de prevenção geral e especial que se verificam in casu.
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Destarte, não se mostrando violado pela decisão recorrida qualquer normativo, designadamente os invocados artigos 50º, 70º e 71º, todos do Código Penal, e artigo 30º, nº4, da Constituição da República Portuguesa [aliás, notoriamente inaplicável ao caso concreto, uma vez que a pena de prisão cominada não acarreta a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos do condenado], e não merecendo aquela qualquer censura, cumpre mantê-la e negar provimento ao douto recurso deduzido pelo arguido.
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IV - DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A. J. e, consequentemente, manter a douta sentença recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (cf. fls. 422 e 423).
Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
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Guimarães, 13 de setembro de 2021,
Paulo Correia Serafim (relator)
[assinatura digital]
Pedro Freitas Pinto (adjunto)
[assinatura digital]
(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)
1. Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2. “Direito Penal Português II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pp. 72-73.
3. “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pp.78-85.
4. “Direito Penal Português II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, p. 197.
5. No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/2001, in CJ(STJ), ano IX, 2001, II, p. 202, entendendo que pressuposto material da suspensão “é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um «prognóstico favorável» relativamente ao comportamento do delinquente; trata-se de um juízo para o qual concorrem, necessariamente e em conjugação, a personalidade do arguido e as circunstâncias do facto; prognóstico que terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, antes a do momento da decisão”.