PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
PROCESSO PENAL
ABSOLVIÇÃO CRIME
FACTOS RELEVANTES
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
Sumário


I - Os mesmos factos, podendo não preencher os elementos, objetivo e subjetivo, de um tipo de crime, não deixam de ter relevância. Podem relevar para efeitos disciplinares ou fundamento de aplicação de uma medida de promoção e proteção e, os factos provados no processo-crime eram suficientemente graves para colocar a criança em risco e, por isso foram fundamento de aplicação da medida de proteção.
II - Os prazos estipulados no art° 60° da LPCJP reportam-se a cada uma das medidas, individualizadas e em separado.
III - Quando uma medida de proteção não atinge a finalidade que a execução da mesma pressupõe, essa medida de proteção pode/deve ser substituída por outra com a qual se preveja será atingido o objetivo, sempre ponderando o superior interesse da criança.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.



1 - O Ministério Público instaurou Ação de Promoção e Proteção a favor da menor AA, nascida a …. /05/2006, filha de BB e, CC.

Alegou, em síntese, que o progenitor intimida a AA com agressões físicas e, a pretexto de a obrigar a estudar faz-lhe crer que violenta dois hamsters de estimação, controla-lhe a alimentação, apenas permite a prática de qualquer atividades diárias com seu conhecimento e autorização; foi diagnosticada “Tensão Nervosa” à menor o que levou ao seu acompanhamento psicológico, interrompido pelo progenitor por não reconhecer competência às psicólogas e, determinou que ela fosse acompanhada por pedopsiquiatra.

2 - Declarada aberta a instrução, foi designado o dia 03/04/2019 para audição dos progenitores, audição da menor e da sua irmã e das técnicas da CPCJ e da Segurança Social.

Findas as audições, não havendo acordo, foi estabelecida, nos termos dos artºs 35º nº 1, al. a), 37º e 92º da LPCJP, a medida cautelar de apoio junto da mãe, por um período de 6 meses.

Por o progenitor se recusar a sair da casa de morada de família, foi a progenitora quem saiu levando consigo a menor AA e outra filha do casal.

3 - Entretanto, no âmbito do processo criminal instaurado contra o progenitor, por três crimes de violência doméstica, foram-lhe aplicadas – entre outras – as medidas de coação de: (i) proibição de contactos, por qualquer meio ou forma com a menor AA, bem como (ii) proibição de permanência na casa de morada de família.

4 - A EMAT ...... juntou aos autos informação intercalar, datada de 15/05/2019, dando a conhecer, além do mais, que o progenitor continuou a manter contactos com a menor, quer por telefone quer pessoalmente; que aconselhou o progenitor a procurar ajuda psicológica.

5 - Com data de 05/07/2019 foi junto “Relatório de Perícia Médico-Legal, Psicologia” feito à menor AA, com a seguinte síntese:

“- A progenitora é sentida como fonte de suporte emocional contrariamente ao progenitor por quem a examinada não se sente aceite, encarando-o como uma fonte de hostilidade/agressão. Foi relatado pelo menos um episódio que sugere a existência de maus-tratos à criança por parte do progenitor.

Ainda que a examinada não esconda o desejo de voltar a contactar com o pai no futuro, a actual regulação das responsabilidades parentais parece corresponder às necessidades e expectativas da criança.”

6 - Com data de 02/07/2019, foi junto “Relatório de Perícia Médico-Legal, Psicologia”, feito ao progenitor, com as seguintes Conclusões:

“Á data da observação o examinado revela um humor adequado e uma actividade motora normal sem alterações psicológicas visíveis que pudessem afetar o normal decurso da perícia psicológica. Ainda assim, denotou-se alguma preocupação em responder de acordo com a desejabilidade social e não tanto com a realidade pessoal.

Ao nível da personalidade, os resultados obtidos sugerem uma preocupação excessiva com o funcionamento somático, sinalizando características de personalidade relativamente rígidas e resistentes à mudança.

Considera-se existir um risco de violência moderado, nomeadamente através de agressividade verbal, que é agudizada por baixo fator de protecção para o risco de violência. Considera-se estarmos perante um perfil moderadamente psicopata.

No que concerne à parentalidade o progenitor refere preocupar-se com os cuidados da filha e participar ativamente no quotidiano familiar e nas rotinas da criança, mas verifica-se um elevado grau de exigência disciplinar e um reduzido suporte emocional.

Assume-se como pertinente a continuação do acompanhamento psiquiátrico de que o examinando alega ter vindo a beneficiar e recomendando-se adicionalmente a realização de sessões de psicoterapia.

Respostas aos quesitos.

Ainda que se considere desejável um contacto saudável entre o progenitor e as filhas, os dados recolhidos através das diversas fontes utilizadas na presente perícia forense colocam algumas reservas acerca do impacto do progenitor no bem-estar psicológico da criança.

Embora não se considere o progenitor incompetente para o exercício da parentalidade, acredita-se que até à realização de um trabalho terapêutico que permita reduzir o grau de psicopatia, diminuir o risco de violência e aumentar os factores de protecção para risco de violência, o contacto do progenitor com a filha deve realizar-se sobre algumas precauções a estabelecer pelo douto Tribunal.”

7 - Por despacho de 06/09/2019, foi decidido manter a medida aplicada e foi designado o dia 02/10/2019 para realização da Conferência.

8 - A Conferência teve lugar a 02/10/2019, tendo sido ouvida a Técnica da EMAT ......., a progenitora, o progenitor e a menor, tendo esta dito, além do mais, que “Concorda com a celebração do acordo do apoio junto da mãe.”

Não tendo sido aceite a celebração de acordo, foi ordenado o cumprimento do artº 114 da LPCJP.

9 - Foram apresentadas alegações pelo MP e pelo progenitor.

O progenitor juntou aos autos uma “Informação Médico-Psiquiátrica Sumária”, relativa ao progenitor, elaborada pelo Prof. DD, médico psiquiatra, datada de 09/10/2019, na qual conta, além do mais que:

Em termos clínicos considero ser útil o Sr. BB realizar uma intervenção psicoterapêutica diferenciada e adequada.”

10 - Entretanto, por acórdão proferido no processo-crime, datado de 02/12/2019, foi decidido, em síntese:

“- Absolver o arguido, BB, de dois crimes de violência doméstica;

- Condenar o arguido, BB, pela prática de um crime de violência doméstica na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.”

11 - Designado Debate Judicial, teve lugar a 13/01/2020, no âmbito do qual foi celebrado o seguinte Acordo de Promoção e Proteção:

1. A medida terá a duração de 1 (um) ano, sem prejuízo da sua eventual revisão ou prorrogação nos termos da lei.

2. A medida será acompanhada pela Exma. Técnica da Segurança Social Dra. EE, que enviará relatório ao fim do 5º e 11º mês.

3. A AA beneficiará do acompanhamento da especialidade que se vier a revelar necessário.

4. O pai terá de fazer o trabalho terapêutico nos termos constantes do relatório de fls. 110 a 116 dos autos.

5. Os contactos da AA com o pai decorrerão quinzenalmente às quintas-feiras a partir das 15:00 horas nas instalações da Segurança Social e intermediados pela Exma. Técnica, bem como por colega da especialidade de psicologia.

6. Decorridos 3 meses do início de tais contactos a Exma. Técnica reportará aos autos a evolução e o resultado da aproximação da AA ao progenitor ou, se disso for caso em data anterior.

7. CC compromete-se, no interesse da AA, a facilitar e incentivar a aproximação da AA ao pai.

8. O pai poderá igualmente contactar com a AA telefonicamente (telefone fixo) às segundas-feiras e sextas-feiras entre as 19:00 horas e as 20:00 horas para o telefone fixo.

9. Os progenitores comprometem-se a seguir as orientações da Exma. Técnica.”

Esse acordo foi homologado pelo juiz nos termos do artº 113º nº 2 da LPCJP.

12 - Com data de 20/03/2020, foi junto aos autos Relatório de Avaliação, realizado pela EMAT ......, do qual consta, na Conclusão, além do mais, que:

A AA sente-se bem na presença do pai, notando-se que sente carinho pela figura paterna. (…) Durante as quatro sessões notou-se que o pai tentou agradar à filha…(…). Na interação com o pai foi reagindo sempre com boa disposição…(…). O progenitor falou sempre de forma correcta com as técnicas, cumprindo os horários definidos, colaborando no que lhe foi pedido. (…). A nossa intervenção foi suspensa devido á pandemia causada pelo COVID 19…(…). Pensamos que seria importante iniciar o acompanhamento psiquiátrico ao progenitor com a maior brevidade possível…”.

13 - Com data de 07/05/2020, foi junto Relatório de Informação Intercalar, elaborado pela EMAT ....., do qual consta, além do mais:

O progenitor declarou estar bastante aborrecido com a situação, afirmando não perceber o motivo pelo qual não pode conviver com a filha normalmente.” (…) Acerca de passar o dia de anos com a menor, a técnica transmitiu-lhe que a progenitora mostrou disponibilidade para que se efectuasse uma videochamada no dia do aniversário da AA, de cerca de 15 minutos. O progenitor afirmou que iria, então, dirigir-se ao tribunal. Disse ainda estar arrependido de ter assinado o acordo há quatro meses atrás, dizendo que perdeu quatro meses. O progenitor pediu à técnica para esta elaborar um relatório, sugerindo que possa estar com a filha de forma autónoma. Disse-lhe que não iria sugerir o que o progenitor pretendia porque o número de convívios que acompanhou não lhe permite chegar a essa conclusão. Face a esta resposta, o progenitor afirmou que a Segurança Social não é isenta e que iria dirigir-se ao Tribunal para anular o acordo de promoção e protecção.”

14 - Foi junto aos autos Relatório Técnico de Vigilância (electrónica) no âmbito da proibição de contactos por violência doméstica, constando tratar-se do 2º relatório de incidentes, no qual se dá conta que o progenitor no dia 10/05/2020, registou seis violações de zona de exclusão fixa, entre as 13.46h e as 20.00h. Menciona-se nesse Relatório, que:

Com esta atitude BB continua a demonstrar fraca intimidação face ao sentido da medida de coacção a que se encontra sujeito, não interiorizando a advertência efectuada pelo Tribunal, nem cumprindo com rigor as regras a que está sujeito.

15 - Foi junto aos autos Declaração da Psicóloga, FF, que acompanha a menor AA, datado de 27/05/2020, do qual consta, além do mais:

“…mantenho o acompanhamento psicoterapêutico da criança, considerando que este processo deve ser mantido, como forma de minimizar o sofrimento emocional que a mesma vivencia (…) e de menorizar as sequelas que a situação de vida actual lhe poderão deixar (…) encontra-se num contexto de parentalidade muito angustiante para ela… ao que me tem sido possível avaliar, esta criança tem estado sujeita a uma enorme pressão entre o que sente, o que lhe é veiculado que deve sentir (por parte do progenitor) e os sentimentos de lealdade que impõe a si mesma e a que a deixam numa posição de ambivalência bastante fracturante. Ao mesmo tempo que começa a evidenciar comportamentos e sentimentos miméticos face ao progenitor (como forma de aliviar culpabilização induzida que não deve sentir) e que podem comprometer o seu equilíbrio e ajustado desenvolvimento. (…) …tem-se tentado que a AA interiorize…os naturais sentimentos de amor para com ambos os progenitores, sem que interprete esses sentimentos como falhas de lealdade com qualquer dos dois…o processo também tem incidido sobre a compreensão de que as decisões acerca da regulação das responsabilidades parentais não dependem da sua escolha, hipótese que tem vindo a criar grande ansiedade e angústia à AA…causando-lhe perturbações de sono, de atenção/concentração e de humor.”

16 - Com data de 17/06/2020, foi junto Relatório de Informação Intercalar, elaborado pela EMAT ......, do qual consta, além do mais:

A técnica solicitou autorização superior para que fossem retomados os convívios entre a AA e o Progenitor nas instalações da Segurança Social…sugeriu o dia 25 de Junho…o Sr. BB afirmou aceitar esse único convívio, pelo facto de não estar com a filha há meses. Acrescentou que se o Tribunal não se pronunciar favoravelmente relativamente á sua pretensão, o acordo, pela sua parte, terminará.”

17- Com data de 03/07/2020, foi junto Relatório Social elaborado pela EMAT ........, do qual consta relato sobre o convívio entre a AA e o progenitor ocorrido no dia 25/06/2020 em que se menciona, além do mais:

O progenitor referiu não concordar com os convívios naquelas condições, dizendo à AA que, dentro de algumas semanas, os convívios seriam de uma forma normal. O progenitor perguntou à AA se esta já tinha falado com o Juiz, tendo esta respondido negativamente. O pai disse que estava a deixar crescer o cabelo, para ficar do tamanho do cabelo da filha e que talvez o fosse pintar, tendo a AA dito “não faças isso, pai, por favor”. O progenitor perguntou à filha se ela gostaria de ir para o ……., tendo a AA respondido que gostava mais de estar em casa. De seguida o progenitor disse “convém pensares se queres ir para o ……., porque vão-te perguntar.” O progenitor falou sobre a escola, tendo o progenitor perguntado pelas notas. Entre outras, a AA disse que teve 4 a inglês e 3 a francês, tendo o progenitor comentado que “se estivesse lá em casa, tinha-se mandado ao ar com o 3 a francês”.

Conclui o Parecer sugerindo ao Tribunal a manutenção da medida.”

18 - Com data de 29/07/2020, foi junto Relatório elaborado pela Dra. GG, Psiquiatra do Hospital .........., do qual consta, em síntese:

O Sr. BB foi avaliado em consulta de psiquiatria no dia 29/07/20.

Não se apurou psicopatologia relevante, nomeadamente sintomas que sugiram perturbação do humor, perturbação da ansiedade, psicose ou demência. Não foi feita avaliação da personalidade pois tal não é o objectivo da consulta de psiquiatria. O doente tem relatório de psicologia forense que sugere a presença de traços de psicopatia, mas tal não foi evidente na entrevista realizada na consulta. A existirem esses traços não são necessariamente indicação para tratamento em psiquiatria.

De momento não tem indicação para acompanhamento nesta consulta”.

19 - Em 12/10/2020, foram tomadas declarações à Dra. HH, Diretora do Serviço de Psiquiatria do Hospital ......, a qual, em síntese, mencionou:

O utente deveria ter sido remetido para acompanhamento psicológico pelo psiquiatra; este utente terá características de personalidade que justificarão a psicoterapia; o utente, eventualmente, não precisa de consultas de psiquiatria mas sim de psicologia; o utente precisará de sessões de psicoterapia.”

Foram na mesma diligência tomadas declarações à Dra. GG, médica psiquiatra que observou o progenitor a 29/07/2020, a qual, em síntese, disse:

O Dr. II achou que era necessário trabalho terapêutico e não discorda dessa opinião, mas para ser feito este trabalho terapêutico é preciso haver vontade e cooperação do utente. Não é possível impor este acompanhamento terapêutico ao utente; considera que o utente só faz psicoterapia se assim o desejar; concorda com o relatório elaborado pelo psicólogo. O Sr. BB não sofre de nenhuma doença mental grave mas tem sim um distúrbio relacionado com a personalidade.”

20 - Foi junto aos autos Informação Intercalar elaborada pela EMAT ........, com data de 03/12/2020, na qual consta informação sobre o convívio entre a menor e o progenitor ocorrido no dia 26/11/2020, em síntese:

O progenitor disse que queria que a AA explicasse para a técnica ouvir, pelo facto de achar que não tinha havido imparcialidade quanto horário definido para os convívios…”

“O progenitor disse à AA que precisava esclarecê-la sobre questões relacionadas com o Tribunal, começando a falar. A técnica interrompeu o progenitor, dizendo-lhe que não devia falar sobre esses assuntos no convívio, explicando que o objectivo destes convívios seria conversar sobre assuntos agradáveis com a filha e aconselhando o progenitor aproveitar o tempo para o fazer. O progenitor perguntou à técnica onde é que isso estava escrito…”

“O progenitor continuou a falar com a AA, dizendo-lhe que o Juiz está a violar a lei, mas que irá ser avaliado por outros Juízes… A técnica voltou a interromper, dizendo ao progenitor que devia conversar com a filha sobre outros assuntos, que não assuntos de adultos. O progenitor respondeu que a AA tinha 14 anos, era sua filha e falaria com ela sobre os assuntos que entendesse.”

“O progenitor disse à AA que o juiz não a quis ouvir para não ser contrariado. Informou a filha que tinha vindo do Tribunal, onde havia estado a ouvir as gravações da diligência ali realizada… A técnica disse à AA que, se esta não se sentisse confortável ali, poderiam terminar o convívio mais cedo, antes das 17 horas… O progenitor acusou a técnica de estar a pressionar a filha… A técnica disse ao progenitor que ele não estava a ser agradável e o progenitor retribuiu essa afirmação em relação à técnica.”

A AA levantou-se, com a mão na barriga. Disse que estava maldisposta…

A AA voltou a dizer que se sentia enjoada. O Sr. BB perguntou-lhe o que tinha almoçado. A AA respondeu que comeu uma sopa de legumes. O Sr. BB perguntou como é que os legumes apareciam lá em casa. Perguntou se a mãe da AA ia comprar os legumes ao mercado, como ele fazia.

O progenitor disse à AA não saber nada sobre o que as filhas fazem e que quer saber porque afirma ter sido expulso de casa.

O progenitor disse à AA que este será o segundo Natal que passa longe das filhas para as proteger.

O Sr. BB disse à AA que o Juiz mentiu… Disse-lhe, ainda “tens que pensar por ti, no que vais escolher para o próximo ano”.

A caminho da saída das instalações o progenitor aproximou-se da AA, enquanto falava com ela, baixinho, de modo a não ser audível para a técnica. A AA mostrou-se incomodada perante a abordagem do progenitor.

O convívio entre o progenitor e a AA, de 2020/11/26, não ocorreu dentro dos moldes dos convívios anteriores, pelo facto de o progenitor não seguir as orientações da técnica da Segurança Social. O progenitor falou sobre o processo de promoção e protecção, teceu considerações sobre o Sr. Juiz e questionou a AA, de forma insistente, sobre a sua vida escolar e familiar. Embora tenha lamentado o que aconteceu durante o convívio, o progenitor não demonstrou disponibilidade para alterar a sua conduta, tendo salientado considerar importante falar com a filha sobre todos os assuntos.

Assim sendo, coloca-se à consideração desde douto Tribunal, a pertinência da continuidade do acompanhamento dos convívios entre a AA e o progenitor, atendendo à postura apresentada pelo progenitor, não acatando as orientações da técnica desta Equipa e abordando assuntos que não se revelaram adequados para o bem-estar psíquico e emocional da AA.”

21 - Com data de 05/01/2021, foi junto aos autos, Relatório Social elaborado pela EMAT .........., do qual consta, em síntese:

“(…) no dia seguinte ao convívio na segurança social, o progenitor apareceu à AA no caminho entre a escola, tendo começado a falar com ela. Mais referiu, que os colegas da AA, que iam a passar, ficaram preocupados, pararam e perguntaram-lhe se ela precisava de alguma coisa

No convívio realizado a 10/12/2020 Falaram sobre o encontro que tinham tido, na rua, há duas semanas, tendo a AA mostrado o seu desagrado e o progenitor salientado que nunca lhe faria mal.

A AA disse ao progenitor que teve o problema no maxilar porque tinha que estudar da maneira que o pai pretendia. Disse, ainda, que, antes, estudava com raiva e, agora, estuda com calma. Salientou que o problema era a maneira como o pai a obrigava a estudar, tendo o progenitor respondido que o problema era a progenitora. O progenitor perguntou à AA se tem ido visitar museus, tendo esta respondido que, quando ia com o pai, era mau, pelo facto de este a obrigar a ler tudo o que estava na parede. A AA disse que a única vez que gostou de ir a um museu foi quando foi com a mãe e a irmã.

A 2020/12/18, em contacto com a progenitora, esta referiu que o progenitor, na quarta-feira passada, estacionou o carro em frente ao portão da escola e ficou à espera que a AA saísse das aulas, às 13h40m. Disse, ainda, que, a AA lhe contou que ficou bastante envergonhada pelo facto de o pai ter aparecido ali, no local onde passavam todos os seus colegas. Contou-lhe, também, que o pai lhe disse que podia aparecer quando quisesse e lhe apetecesse, porque o processo está cancelado e, depois, convidou-a a entrar no carro, tendo recusado. De seguida, tirou-lhe fotografias da sua “cara de chateada”, dizendo-lhe que iria enviar as mesmas ao Juiz, para que este visse a cara que a filha faz ao vê-lo.

A 2020/12/19, em contacto telefónico com a AA, esta referiu que prefere conviver com o pai na Segurança Social, com o acompanhamento das técnicas, considerando essa uma boa forma de se encontrar com o pai. Acrescentou que, por outro lado, quando o pai aparece de surpresa, fica em choque e é assustador…

Quanto aos telefonemas, AA afirmou que devem continuar, nos mesmos dias e às mesmas horas, e, se não estiver a gostar, pode desligar. Disse, ainda, que, ao princípio, o pai era simpático e agradável, mas, ultimamente, a maior parte das conversas têm sido sobre o Tribunal e a Segurança Social. Mais referiu, já ter desligado a chamada, após ter tentado que o pai mudasse de assunto, sem sucesso.

O progenitor tem tido contactos telefónicos bissemanais com a AA e, desde 2020/11/26, retomou os convívios presenciais quinzenais na Segurança Social.

A cláusula nº 4 do acordo ainda não foi cumprida, pelo facto de o progenitor não se ter mostrado disponível para aderir ao trabalho terapêutico, que poderia ter sido efetuado no Hospital ..... .

Assim sendo, sugerimos, mui respeitosamente, ao Douto Tribunal, a prorrogação da medida de promoção e proteção aplicada, para podermos continuar a acompanhar os contactos entre a AA e o progenitor, o seu acompanhamento psicológico e o seu percurso escolar.”

22 - Por despacho de 13/01/2021, foi decidido prorrogar por seis meses a medida aplicada.

23 - Inconformado, o progenitor interpôs recurso de apelação, sendo decidido pelo Tribunal da Relação  ….. “Em face do exposto, acordam na .. Secção Cível do Tribunal da Relação …..., julgar o recurso improcedente e, por consequência, mantêm a decisão recorrida.


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24 - Inconformado com o decidido pela Relação, o requerido interpõe recurso de Revista excecional para este STJ e, formula as seguintes conclusões:

“a. No caso dos presentes autos, considera o recorrente que o acórdão da Relação ….. sob recurso – semelhantemente com a decisão proferida em primeira instância - errou na interpretação da norma constante do n.º 1 do artigo 3.º da LPCJP, norma que consagra como pressuposto legitimador de um processo de promoção e proteção o perigo a que haja sido exposto um menor;

b. Ignorou o aresto revivendo a absolvição do recorrente da acusação penal pública que contra si foi deduzida, imputando-lhe a autoria de crimes de violência doméstica contra a filha menor AA, absolvição essa que reconheceu que os factos correspondiam a meras manifestações de exercício do poder parental, cuja omissão – essa sim – ditaria a respetiva censura jurídica.

c. O n.º 1 do artigo 3.º da LPCJP exige que instauração de um processo de promoção e proteção e, bem assim, a aplicação das medidas de promoção e proteção legalmente previstas, dependem da sujeição de um menor a uma situação de perigo concreto e real, considerando o n.º 2 do mesmo normativo que o menor estará em perigo, designadamente, quando: está abandonado ou vive entregue a si própria; sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vitima de abusos sexuais; não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e está sujeito, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional.

d. Os presentes autos de promoção e proteção foram intentados com base numa (infundada) participação apresentada pela mãe da menor AA junto da CPCJ ........., alegando que o aqui recorrente infligia maus-tratos psicológicos à menor (bem como à filha maior e a si própria).

e. O Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores ....... limitou-se a reproduzir ipsis verbis o teor da acusação penal deduzida contra o aqui recorrente no processo crime n.º 204/19....... do J.. do Tribunal Central Criminal de ...... – imputando-lhe, inconsistente e infundadamente, a prática de três crimes de violência doméstica contra a menor AA, a sua irmã JJ e a ex-mulher CC - na petição inicial (PI), de fls. […], que dá origem ao presente processo de promoção e proteção.

f. Grosseiramente apreciados os factos, foi aplicada ao recorrente, a título de medida de coação, a total proibição de contactos com as alegadas vítimas, a proibição de continuar a residir na casa de morada de família e a proibição de se deslocar e permanecer na localidade de ...............

g. O Tribunal de Família e Menores de ......... ao aderir ao conteúdo material desta medida de coação reconheceu a dependência factual dos autos de promoção e proteção do processo penal, e aplicou, em 3 de abril de 2019, a medida de apoio da menor AA junto da mãe CC, reconhecendo que o objeto fático do processo de promoção e proteção coincidia (totalmente) com o objeto do processo penal no que à alegada situação de perigo a que a menor AA tinha sido exposta.

h. A 2 de dezembro de 2019, foi conhecido o acórdão penal prolatado no processo penal n.º 204/19....... do J.. da Instância Central Criminal do Tribunal de ......, que, considerando provados parte dos factos constantes da acusação, recusou reconhecer-lhes relevância penal, considerando, antes pelo contrário, que tais factos imputados ao aqui recorrente relativos à menor AA eram não mais do que deveres de parentalidade impostos ao recorrente e cuja inobservância, essa sim, ditaria um juízo de censura do mesmo em matéria de parentalidade.

i. O recorrente, convencido que tal aresto impunha o arquivamento do processo de promoção e proteção, requereu o seu arquivamento.

j. Em sentido contrário alegou o Tribunal de Família e Menores de ......., em termos vagos, imprecisos e desprovidos de qualquer fundamentação, que a decisão penal absolutória não afetava a pendência do processo de promoção e proteção, e que a razão de perigo para a menor AA seria outra, que, concretamente, nunca logrou o recorrente surpreender.

k. O princípio da unidade lógica e sistemática do ordenamento jurídico obsta a que os mesmos factos possam ser, concomitantemente, encarados como lícitos (de prática vinculada até, como são os atos de responsabilidade parental) e, por outro lado, sejam tidos como factos de tal forma ilícitos que justifiquem a suspensão de direitos fundamentais (designadamente previstos no catálogo constitucional), como sucedeu nos presentes autos.

l. Esta evidência é arrasadora do que vem afirmado no acórdão revivendo nos seguintes termos: “a circunstância de o apelante ter sido absolvido da prática do crime de violência doméstica contra a pessoa da menor AA, não tem o alcance que ele pretende. Na verdade, a factualidade pelo qual havia sido acusado, foi praticamente provada no processo-crime. E apesar de o colectivo do tribunal criminal ter entendido que esses factos não tinham relevância criminal, não significa que não possam ser valorados à luz do Direito dos Menores e aferidos sobre se têm relevância para efeitos de determinar se a menor se encontrava em perigo com vista à aplicação das medidas de promoção e proteção adequadas ao caso.”

m. Nessa conformidade, impunha-se que o acórdão da Relação de ….. tivesse reconhecido a inexistência de qualquer situação de perigo na génese dos presentes autos e, bem assim, tivesse interpretado a norma do n.º 1 do artigo 3.º da LPCJP em termos que uma vez promovido processo de promoção e proteção com base nos mesmos factos que determinaram a acusação penal do progenitor a conclusão do julgado penal (i.) acerca da respetiva irrelevância criminal e de que (ii.) eram condutas impostas ao recorrente enquanto poderes-deveres de natureza parental, determinaria, necessariamente, a extinção do processo de promoção e proteção e da medida de apoio da menor AA junto da mãe

n. Considera ainda o recorrente que o acórdão da Relação de ….. sob recurso errou na interpretação da norma constante do n.º 2 do artigo 60.º da LPCJP, ao rejeitar o entendimento do recorrente de que o prazo máximo de vigência da medida de apoio da menor AA junto da mãe, não estava esgotado.

o. O Tribunal de Família e Menores de ....... a 3 de abril de 2019 aplicou a medida de acompanhamento da menor AA junto da mãe, e a 13 de janeiro de 2020 o tribunal de primeira instância fez constar do clausulado do acordo de promoção e proteção que a medida de apoio da menor AA junto da mãe teria a duração de um ano, contado desde essa data.

p. Inexplicavelmente considerou a Relação de ….. que estávamos em presença de medidas de promoção e proteção de “natureza autónoma e diferenciada”.

q. A lei refere que as medidas de promoção e proteção não podem ter duração superior a 12 meses, podendo ser excecionalmente prorrogado este prazo por mais 6 meses, verificados os pressupostos previstos na lei (vide n.º 2 do artigo 60.º da LPCJP).

r. Tal prazo legal de duração máxima das medidas de promoção e proteção (e a sua eventual prorrogação quando justificadamente necessária) deverá ser considerado nas hipóteses de aplicação e sucessivas manutenções da mesma medida, independentemente do respetivo título aplicativo (despacho ou acordo de promoção e proteção).

s. No caso sub judice o Tribunal de Família e Menores de ......... dispensou-se de definir projetos de vida para a menor AA ou de promover qualquer outra iniciativa tendo em vista o seu interesse criando a convicção de que a medida de apoio da menor AA junto da mãe era a única que servia os seus interesses.

t. O prazo de duração máxima previsto no n.º 2 do artigo 60.º da LPCJP esgotou-se no dia 2 de outubro de 2020, conquanto entendeu o Tribunal de Família e Menores de ...... (por despacho de 27.10.2020) que a medida de apoio da menor AA junto da mãe terminaria no dia 21 de janeiro de 2021, ou seja, volvidos mais de 12 meses da data da assinatura do acordo de promoção e proteção (assinado a 13.01.2020), e mais de 3 meses após a excussão do prazo máximo de duração previsto na lei, ignorando, assim, o prazo que anteriormente havia vigorado a mesma medida (idêntico nomen iuris e conteúdo material).

u. Não há, deste modo, razão terminológica, formal, teleológica ou qualquer outra que se sobreponha à idêntica materialidade – designação, natureza e conteúdo - das medidas aplicadas antes e após a celebração do acordo de promoção e proteção, pois que, como acima se referiu, apenas se criará (…) a ilusão de uma intervenção promotora do interesse da menor onde apenas se verifica impotência, inadequação ou inércia.

v. A aplicação e manutenção da mesma medida (material e formalmente a mesma: apoio junto da mãe) é corolário da respetiva adequação e sucesso, pelo que não poderá exceder o prazo máximo legalmente previsto no n.º 2 do artigo 60.º da LPCJP.

w. Consta do sumário elaborado pelo Juiz Desembargador Relator, impresso no acórdão revivendo, que “A exposição da criança a comportamentos de violência doméstica entre progenitores, pelos quais o pai foi condenado criminalmente, é uma das formas de sujeição da criança a situação de perigo, designadamente se essa exposição à violência doméstica afecta o seu equilíbrio emocional e psicológico”.

x. Contudo, o recorrente não foi condenado criminalmente por qualquer crime de violência doméstica contrariamente ao que considerou a Relação de ….. no acórdão sob recurso.

y. A menção à condenação criminal do aqui recorrente por um crime violência doméstica contra a ex-mulher não é um mero lapso é, isso sim, um gravíssimo erro, que contribuiu para a formação de um silogismo judiciário viciado, culminando numa conclusão errada.

z. Com base nesse facto viciado a Relação de ….. ficcionou que a menor AA tivesse presenciado atos de violência doméstica, justificativos do dito perigo a que esta alegadamente tinha sido exposta, e invocou, para o mesmo fim, um relatório da DGRSP respeitante a um alegado incumprimento das medidas de coação indevidamente impostas ao aqui recorrente, reputando-o, com isso, de sujeito indiferente à lei e ao direito.

aa. Assim, é inevitável dizer-se que, contrariamente ao que afirma a Relação de ….., nunca foi a menor AA exposta a comportamentos de violência doméstica perpetrados pelo recorrente, naquele contexto concreto, tal como idónea e oportunamente foi apreciado e julgado.

bb. Dessa forma improcede o argumento expendido pela Relação de ….. de que a menor AA foi exposta a uma situação de perigo – alegadamente justificativa da instauração do processo de promoção e proteção e do decretamento da medida de apoio junto da mãe – por facto imputável ao recorrente: o cometimento de crimes de violência doméstica contra a ex-mulher.

Nestes termos, e nos mais de Direito a suprir doutamente por V. Exas., deve o presente recurso de REVISTA EXCECIONAL ser admitido, por verificados os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, e julgado integralmente procedente, por provado, assim se revogando o acórdão revivendo, proferido pelo Tribunal da Relação de ….., e substituindo-o por outro que:

a) Interprete e aplique corretamente a norma do n.º 1 do artigo 3.º da LPCJP em termos que uma vez promovido processo de promoção e proteção com base nos mesmos factos que determinaram a acusação penal do progenitor a conclusão do julgado penal (i.) acerca da respetiva irrelevância criminal desses mesmos factos e de que (ii.) eram os mesmos condutas impostas ao recorrente enquanto poderes-deveres de natureza parental, determinaria, necessariamente, a extinção do processo de promoção e proteção e da medida de apoio da menor AA junto da mãe.

b) Interprete e aplique corretamente a norma constante do n.º 2 do artigo 60.º da LPCJP, considerando que a sucessiva aplicação da medida de apoio da menor AA junto da mãe, independentemente do respetivo título aplicativo (i. e. despacho judicial ou acordo de promoção e proteção homologado por despacho do juiz do processo de promoção e proteção) não pode ultrapassar a duração máxima de 18 meses, aqui se incluindo a prorrogação de 6 meses para além dos 12 meses iniciais, se verificados os respetivos pressupostos legais.

c) Considere nulo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ….. na medida em que desenvolveu a sua argumentação sobre a ideia de sujeição da menor AA a situações de perigo imputáveis ao aqui recorrente no falso pressuposto de que este havia sido condenado pela prática de crimes de violência doméstica contra a ex-mulher, presenciados pela menor. Tendo sido revogado o acórdão prolatado no processo penal relativo a esses crimes de violência doméstica, considerando que os factos eram penalmente irrelevantes, resulta inexistente essa alegada situação de perigo afirmada no acórdão revivendo.”

Responde o Magistrado do Ministério Público, concluindo:

“1 - Não se vislumbra qualquer razão susceptível de traduzir a relevância jurídica necessária a demandar a intervenção do Supremo para a dirimir, enunciada pelo art. 672º, nº 1 a) do C. Processo Civil.

2 - Assim, o recurso de revista excepcional apresentado não deve ser admitido, por falta de fundamento legal para a intervenção do terceiro grau de jurisdição, em face da situação de «dupla conforme» (art. 671º, nº 3 do C. Processo Civil).

3 - O juízo sobre a verificação de perigo para a criança, decorrente de situações que vivencia, é totalmente distinto e separável do juízo de ilicitude/culpabilidade necessário para a condenação do autor dos factos que conduziram a tal situação, mesmo que entre eles exista ligação.

4 - Tanto mais que, por definição, no processo crime se avaliam condutas passadas, enquanto no processo de promoção e protecção estão permanentemente em causa condutas actuais ou com repercussão na actualidade, de acordo com o princípio da proporcionalidade e actualidade, inscrito no art. 4º e) da LPCJP.

5 - O relatório da perícia psicológica da criança, conjugado com a perspectiva que a própria manifestou, evidenciam que permanece em sofrimento emocional, «num contexto de parentalidade muito angustiante para ela, e sujeita a uma enorme pressão entre o que sente, o que lhe é veiculado que deve sentir por parte do progenitor».

6 - Nestas circunstâncias, não seria adequada a cessação da medida de apoio junto da mãe aplicada em acordo de promoção e protecção, pois tal equivaleria a cortar repentinamente o percurso positivo de reconstituição afectiva e emocional, que já permitira o restabelecimento de contactos entre pai e filha, ainda que acompanhados.

7 - O que se verificava à data da prolação do despacho da primeira instância, como decorre da respectiva fundamentação, é que a situação da AA se configurava ainda como de perigo, à luz do disposto no art. 3º, nºs 1 e 2 e) da LPCJP, pelo que se justificava a prorrogação da medida de apoio junto da mãe.

8 - Não existe um continuum entre a medida aplicada, a 03-04-2019, a título cautelar, e a aplicada a 13-01-2020 na sequência de acordo de promoção e protecção.

9 – Entre as medidas aplicadas a título cautelar e as aplicadas na sequência do encerramento da fase de instrução existe uma diferença substancial – de objectivos, de métodos de execução, de acompanhamento e de monotorização da evolução.

10 - Uma medida cautelar, aplicada nos termos do art. 37º da LPCJP, durante a fase de instrução, destina-se a reagir a uma situação de emergência, acautelando um grave e iminente perigo, e dispensando, por isso, o consentimento – e o envolvimento – das pessoas a que se refere o art. 9º da LPCJP, nomeadamente dos pais.

11 - Já uma medida «definitiva» tem por base uma análise completa da situação da criança ou jovem e por objectivo afastar da maneira mais adequada e com um mínimo de intrusão a situação de perigo subjacente, com carácter duradouro.

12 - No caso dos autos, tal distinção é ainda mais patente porquanto a aplicação da medida de apoio junto dos pais/mãe, datada de 13-01-2020, ocorreu na sequência de celebração de acordo de promoção e protecção, ou seja, com a concordância do ora recorrente.

13 - Tal concordância manifestou-se, desde logo, relativamente à parte do acordo que fixava a duração da medida em um ano, prorrogável por mais seis meses, pelo que não se percebe a sua actual discordância relativamente a este ponto,

14 - Em suma: em Janeiro de 2021, aquando da prolação da decisão da primeira instância, tinham decorrido 12 meses sobre a aplicação à AA da medida de apoio junto da mãe, pelo que a prorrogação da mesma por mais seis meses era legalmente admissível, nos termos do disposto no art. 60º, nº 2 da LPCJP.

15 - E era também a mais adequada ao afastamento da situação de perigo.

16 - Bem andou, pois a decisão recorrida, ao manter a decisão da primeira instância, pelo que deverá ser declarado improcedente o recurso.


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Tribunal da Relação proferiu, em conferência, acórdão em 17/06/2021, a pronunciar-se no sentido do “indeferimento” da arguida nulidade do acórdão recorrido.

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O recurso foi admitido pelo anterior relator de turno, bem como pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.


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Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C.

Alegando o recorrente que, quando prolatado o acórdão recorrido, já se havia esgotado o prazo máximo pelo qual podia vigorar a medida de proteção aplicada, entendendo que se esgotou o prazo previsto na lei, art. 60º, nº 2, da LPCJP, cujo máximo é de 18 meses, já com a prorrogação prevista.

E que a sua absolvição no processo-crime tornava nulo todo o processado posterior, nestes autos.

Estando, assim, em causa a decisão que prorrogou, por seis meses, a Medida de Apoio da Menor junto da progenitora, alcançada em Acordo de Promoção e Proteção, importando decidir se a decisão do acórdão recorrido de manter a decisão de prorrogação foi correta, ou deve ser revogada.

Não está em causa, apenas, o critério de conveniência de manutenção da medida de proteção (e sobre a decisão assim tomada não era admissível o recurso de revista – art. 988, nº 2 do CPC), mas também questão relativa a interpretação e aplicação de normas legais.

Como salienta o Ac. da Formação, que admitiu a revista excecional, em causa estão questões relacionadas com:

“i) - A questão fundamental de erro de interpretação e aplicação da norma constante do n.° 1 do artigo 3.° da LPCJP, uma vez que, promovido o processo de promoção e proteção com base nos mesmos factos que determinaram a acusação penal do progenitor, a conclusão do julgado penal acerca da respetiva irrelevância criminal desses factos e de que se tratava de condutas impostas ao recorrente como poderes-deveres de natureza parental determinaria, necessariamente, a extinção do processo de promoção e proteção e da medida de apoio da menor AA junto da mãe.

ii) - A questão fundamental de erro de interpretação e aplicação da norma constante do n.° 2 do artigo 60.° da mesma Lei, considerando que a sucessiva aplicação da medida de apoio da menor AA junto da mãe, independentemente do respetivo título aplicativo (despacho judicial ou acordo de promoção e proteção homologado por despacho do juiz do processo de promoção e proteção), não pode ultrapassar a duração máxima de 18 meses, aqui se incluindo a prorrogação de 6 meses para além dos 12 meses iniciais, se verificados os respetivos pressupostos legais.

iii) - Acessoriamente, a nulidade do acórdão recorrido por ter desenvolvido a sua argumentação sobre a ideia de sujeição da menor AA a situações de perigo imputáveis ao recorrente no falso pressuposto de que este havia sido condenado pela prática de crimes de violência doméstica contra a ex-mulher, presenciados pela menor, tendo esta decisão sido revogada por acórdão do Tribunal da Relação de ….. quanto a esses crimes de violência doméstica, considerando que os factos eram penalmente irrelevantes, resultando daí inexistente a situação de perigo afirmada no acórdão revivendo”.

A matéria de facto relevante é a constante do relatório supra, a que acrescentamos a constante do acórdão da Relação proferido no Processo crime n.º 204/19.....L1 (referido supra em 3 e 10), nomeadamente:

“24. Desde há cerca de dez anos e com excepção dos fins-de-semana, o arguido passou a cozinhar as refeições para a família, decidindo, quando cozinhava, quais os alimentos e a quantidade de comida que as filhas tinham de comer, sendo ele, inclusivamente, a colocar a comida nos pratos destas, não permitindo que as mesmas elas se servissem.

25. Habitualmente, o arguido não permitia que as filhas JJ e AA consumissem massa, arroz e batatas.

26. Ainda que a ofendida AA não gostasse da comida que o pai lhe colocava no prato, este obrigava a comê-la.

34. Desde o 1º ano de escolaridade da sua filha AA, o arguido obrigava-a a estudar as matérias que ele escolhia e durante o período de tempo que entendesse, ainda que aquela não o pretendesse fazer, sendo que AA, caso não fosse obrigada, não estudava, ocorrendo o acompanhamento levado a cabo pela mãe da menor com uma periodicidade quinzenal.

35. Acresce que, por vezes, ainda que a AA tivesse um teste de uma determinada disciplina no dia seguinte, na véspera o pai obrigava-a a estudar matérias de outra disciplina.

36. Nas ocasiões em que a ofendida AA errava algum exercício ou alguma pergunta e quando tinha resultados negativos nos testes, o arguido apelidava-a de estúpida, parva e burra.

37. Em dia não concretamente apurado, quando a AA tinha cerca de 8 anos de idade e frequentava o 2º ano de escolaridade, por esta não pretender estudar e tentar distrair-se, este desferiu-lhe uma bofetada na face.

38. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, no dia seguinte de manhã, a AA tinha um hematoma num dos olhos.

39. Há cerca de três anos, o arguido ralhou com a sua filha AA, por ela não pretender resolver um exercício de matemática e agarrou num cavalo de brincar da mesma e arremessou-o pela janela.

40. Em Agosto de 2017, o arguido comprou dois hamsters para as filhas, dos quais a AA gostava muito.

41. Após essa data e em três ocasiões distintas, em momentos em que a AA não pretendia estudar, o arguido agarrou na gaiola dos hamsters e colocou-a no parapeito da varanda da sala, dizendo que iria atirar os hamsters pela janela ou que viria uma rajada de vento que iria conduzir à queda dos mesmos, coagindo, dessa forma, a sua filha a estudar.

42. Em datas não apuradas, face ao desempenho escolar da AA e à sua baixa autoestima, a ofendida CC decidiu levá-la a psicólogos e a pedopsiquiatras, os quais procederam à avaliação daquela.

43. No entanto, quando os referidos profissionais transmitiram ao arguido que a causa dos problemas da AA residia no ambiente familiar, aquele retirou o consentimento para a intervenção dos mesmos, alegando tratarem-se de charlatões.

44. Em momento posterior, AA começou a queixar-se de dores nos maxilares que motivou que os seus pais a levassem a uma consulta de Médico Dentista, tendo o mesmo diagnosticado “tensão mandibular”.

45. No dia … de Fevereiro de 2019, à hora do almoço, no interior da casa de morada de família, o arguido começou a repreender a filha AA pelos seus comportamentos e postura, à mesa, o que gerou uma discussão com esta, não tendo a mesma respeitado as ordens do pai e retorquido.

46. A ofendida CC reagiu, desautorizando o arguido perante a menor AA.

47. Nesse contexto, o arguido esticou um dos dedos e disse à sua mulher: “não ouses sequer corrigir-me porque senão nem tu serás poupada.”

48. Num fim-de-semana do final de Março de 2019, o arguido obrigou as filhas e a mulher a acompanharem-no a uma deslocação à ......., não obstante aquelas não o pretenderem fazer.

51. Ao agir como descrito, no ponto 37, o arguido pretendeu atingir a sua filha AA na sua integridade física, o que logrou.

52. Bem sabia que as suas condutas referidas nos dois pontos antecedentes são proibidas e punidas por lei.

65. Com as filhas, actualmente a residirem na morada de família com a mãe, o arguido BB não mantém qualquer relacionamento, estando proibido de qualquer contacto com as mesmas, na sequência das medidas de coacção aplicadas.

67. Sujeito à medida de coacção de proibição de contactos com a vítima, BB incumpriu uma vez em 16/07/2019”.

Entendeu o Tribunal da Relação no acórdão proferido no Processo-crime n.º 204/19........L1: “Somos assim a entender que os referidos factos imputados ao arguido são de “muito baixa gravidade”, não sendo aptos ou idóneas a produzir o efeito degradante e humilhante que exige a subsunção no crime de violência doméstica.”

E decidiu “julgar provido o recurso interposto pelo arguido, revogando-se o acórdão proferido, e absolvendo o arguido do crime de violência doméstica pelo qual vinha acusado”.

É certo que os factos do processo-crime existiram (foram dados como provados) sendo que apenas lhes foi dada uma qualificação jurídica diferente e determinativa da absolvição do arguido.

Mas são factos graves e que também foram determinativos da instauração deste processo de Promoção e Proteção, mas, não tendo sido merecedores de condenação em processo-crime, não deixam de ter relevância nestes autos se interferentes no desenvolvimento e bem-estar da criança.

A questão não deve ser tomada em termos simplistas, como o faz o recorrente, de que são factos do passado e dos mesmos não resultou o preenchimento de qualquer tipo de crime e subsequente condenação.

Os mesmos factos, podendo não preencher os elementos, objetivo e subjetivo, do tipo de crime, não deixam de ter relevância. Podem relevar para efeitos disciplinares ou fundamento de aplicação de uma medida de promoção e proteção e, os factos provados no processo-crime eram suficientemente graves para colocar a criança em risco e, por isso foram fundamento de aplicação da medida de proteção.

Acresce que o que está em causa neste recurso é a prorrogação ou revogação da medida de Proteção da menor.

Estabelecem os art.s 35º e 60º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo:

Artigo 35.º

Medidas

1 - As medidas de promoção e proteção são as seguintes:

a) Apoio junto dos pais;

b) Apoio junto de outro familiar;

c) Confiança a pessoa idónea;

d) Apoio para a autonomia de vida;

e) Acolhimento familiar;

f) Acolhimento residencial;

g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.

2 - As medidas de promoção e de proteção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com exceção da medida prevista na alínea g) do número anterior.

3 - Consideram-se medidas a executar no meio natural de vida as previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 e medidas de colocação as previstas nas alíneas e) e f); a medida prevista na alínea g) é considerada a executar no meio natural de vida no primeiro caso e de colocação, no segundo e terceiro casos.

4 - O regime de execução das medidas consta de legislação própria”.

Artigo 60.º

Duração das medidas no meio natural de vida

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as medidas previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 35.º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial.

2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, cada uma das medidas referidas no número anterior não pode ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos.

3 - Excecionalmente, quando a defesa do superior interesse da criança ou do jovem o imponha, a medida prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 35.º pode ser prorrogada até que aqueles perfaçam os 25 anos de idade”.

No caso em apreço, foi aplicada a medida de apoio junto da mãe, prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. a), da LPCJP, com as finalidades expressas no seu artigo 39º.

Está em causa medida de apoio junto dos pais em que a lei estabelece um prazo máximo de duração (prazo de duração da medida mais prazo de prorrogação).

No caso, está em causa a medida que foi aplicada em resultado do acordo de Promoção e Proteção alcançado no debate Judicial, em 13/01/2020 e foi prorrogada, por mais seis meses por despacho de 13/01/2021.

Apesar de ter sido tomada a medida de apoio à menor, logo em a 03/04/2019, esta tem natureza autónoma em relação ao Acordo de Promoção e Proteção, alcançado entre os progenitores no Debate Judicial levado a efeito em 13/01/2020.

São medidas de proteção aplicadas de forma sucessiva, são duas medidas com natureza autónoma e, o limite temporal imposto pelo art° 60° da LPCJP não se reporta ao conjunto das duas medidas, mas a cada uma delas em separado.

É este o sentido da norma referida sendo que, quando uma medida de proteção não atinge a finalidade que a execução da mesma pressupõe, essa medida de proteção pode/deve ser substituída por outra com a qual se preveja será atingido o objetivo, sempre ponderando o superior interesse da criança.

Assim também entendeu o Ac. da Rel. de Co. de 15-01-2019, no Proc. nº 827/15.9T8CBR-D.C1, ao decidir:

“3.- Findo o prazo estabelecido para a medida de promoção aplicada, se a situação de perigo persistir há que reanalisar a situação que a determinou e, se necessário, partir para a aplicação de outras medidas que, de forma eficaz, salvaguardem o interesse do menor”.

Se se mantiver a situação de perigo para a criança e a necessidade de proteção, após o decurso do prazo da medida de proteção aplicada, deve ser aplicada uma outra que se manifeste eficaz, tendo em conta o superior interesse da criança.

Mas, a medida em causa nos autos teve início em 13-01-2020, quando alcançado o acordo entre os progenitores e, quando foi proferido despacho a decidir prorrogar, por seis meses, a medida decorrente do Acordo de Promoção e Proteção, ainda não haviam decorrido os 18 meses que a lei estabelece, como limite máximo de vigência, no art.° 60.°, n° 2, da LPCJP, ao contrário do que entende o recorrente.

E quando foi proferida a decisão recorrida (acórdão de 08-04-2021), também não tinha, ainda, decorrido o prazo acordado de aplicação da medida acrescido do prazo de prorrogação, assim como ainda não haviam decorrido os 18 meses quando, em 17-06-2021, quando foi proferido o acórdão que apreciou a nulidade arguida.

Por outro lado, verifica-se que quando prolatado o acórdão recorrido se verificavam todos os requisitos para que fosse mantida, sendo a medida justificada face ao teor dos vários relatórios juntos aos autos e cujo teor, no essencial, se reproduziu no relatório supra.

E concorda-se com o fundamento do acórdão recorrido de que a circunstância de o ora requerido ter sido absolvido, no processo-crime onde era arguido, da prática do crime de violência doméstica não significa que os factos praticados, e nesse processo dados como provados, não relevem nestes autos, como já supra se referiu.

Diz-se no acórdão recorrido: “E apesar de o colectivo do tribunal criminal ter entendido que esses factos não tinham relevância criminal, não significa que não possam ser valorados à luz do Direito dos Menores e aferidos sobre se têm relevância para efeitos de determinar se a menor se encontrava em perigo com vista à aplicação das medidas de promoção e protecção adequadas ao caso”.

Eram factos relevantes para a aplicação da medida e a circunstância da absolvição do arguido no processo-crime não os anula, nem é fundamento de nulidade de todo o aqui processado, após o transito dessa absolvição.


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Verificando-se, nesta data, que já decorreu o prazo da medida e prorrogação, pode o recorrente, baixando os autos, requerer que o tribunal se pronuncie sobre a vigência da  medida.

Tendo em conta, sempre, o superior interesse da criança.

Assim que se julgam improcedentes as questões suscitadas pelo recorrente e, consequentemente deve ser julgado improcedente o recurso.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - Os mesmos factos, podendo não preencher os elementos, objetivo e subjetivo, de um tipo de crime, não deixam de ter relevância. Podem relevar para efeitos disciplinares ou fundamento de aplicação de uma medida de promoção e proteção e, os factos provados no processo-crime eram suficientemente graves para colocar a criança em risco e, por isso foram fundamento de aplicação da medida de proteção.

II - Os prazos estipulados no art° 60° da LPCJP reportam-se a cada uma das medidas, individualizadas e em separado.

III - Quando uma medida de proteção não atinge a finalidade que a execução da mesma pressupõe, essa medida de proteção pode/deve ser substituída por outra com a qual se preveja será atingido o objetivo, sempre ponderando o superior interesse da criança.


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Decisão:

Em face do exposto acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso e nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 23 de agosto de 2021


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator (serviço de turno)

Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.

Ferreira Lopes – Juiz Conselheiro 1º adjunto (serviço de turno)

Catarina Serra – Juíza Conselheira 2ª adjunta (serviço de turno)