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DOCUMENTO PARTICULAR
AUTORIA
FORÇA PROBATÓRIA
DECLARAÇÕES DE PARTE
FACTO NOTÓRIO
Sumário
I - Se um dado documento particular junto em audiência não foi objecto de impugnação, mas se o respectivo conteúdo fora já antecipadamente impugnado na contestação, surgindo assim a pretensa declaração confessória no mesmo inserta como incompatível com a defesa no seu conjunto-satisfação oportuna do ónus da impugnação especificada (cfr. artigo 574.º, nº 2 do CPCivil)-valerá tal documento como prova livre, como tal devendo ser apreciada pelo tribunal II- A eficácia / força probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade ou realidade das declarações no mesmo exaradas, que não à exactidão ou à verosimilhança das mesmas, tais declarações só vinculam o seu autor se forem verdadeiras. III - A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, razão pela qual será normalmente insuficiente para a prova de um facto essencial à causa de pedir que surja desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie. IV - É notório o facto percepcionado pela generalidade dos cidadãos directamente, pelo modo da percepção humana que é na sua fonte sensorial, ou o facto decorrente de um facto assim directamente percepcionado, seguido de um raciocínio acessível a todas as pessoas da comunidade de cultura média.
Texto Integral
Processo nº 1016/20.6T8PNF.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo Central Cível de Penafiel-J4
Relator: Des. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
* I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, Lda., com sede na Rua …, …, …, Baião, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, Lda., com sede na Rua …, n.º …, …, Lousada, alegando, em síntese:
Que a R. realizou um projecto para colocação de um sistema anti-geada, assegurando a eficácia do mesmo, mas que este não funcionou e queimou toda a produção de fruta da A., causando-lhe prejuízos avultados, que reclama nos presentes autos.
Concluiu pedindo a procedência da acção e a condenação da R. a pagar à Autora a quantia global de €265.256,00 (duzentos e sessenta e cinco mil e duzentos cinquenta e seis euros) acrescida dos respectivos juros desde a citação, à taxa legal, e até efectivo e integral pagamento.
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Regularmente citada, contestou a R., alegando, em síntese e além da caducidade, que apenas apresentou orçamento, designadamente, para a colocação do dito sistema anti-geada, que a A. escolheu e contratou, após consulta de várias empresas e dos seus consultores técnicos. Mais referiu que o sistema colocado pela R. funcionou, impugnando os prejuízos e valores alegados, referindo que tentou ajudar a A., como faz com todos os clientes, e alterou o sistema a seu pedido, tendo tentado saber, a pedido da A., se algum seguro cobriria a situação, mas que nunca se responsabilizou pelo ocorrido, até porque tinha esclarecido a A. como as coisas funcionavam e que não há sistemas infalíveis, pelo que a A. deveria ter feito um seguro de colheita, não sendo a R. responsável pelos alegados prejuízos.
Conclui pela improcedência da acção e absolvição da R. do pedido.
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Realizou-se a audiência prévia, onde se procedeu à elaboração do despacho saneador, com a fixação do objecto do litígio e dos temas da prova.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
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A final, foi proferida decisão que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e absolveu a Ré do pedido.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
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Devidamente notificada contra-alegou a Ré concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
* II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são duas as questões que importa apreciar: a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto; b)- decidir em conformidade face à alteração, ou não, da matéria factual.
* A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1. A Autora é uma sociedade comercial cuja actividade habitual e com o intuito lucrativo consiste na cultura, produção e comercialização de pequenos frutos e comercialização de madeiras e lenhas.
2. A Autora, no âmbito da sua actividade de cultura e produção agrícola, explora, desde 01/06/2015, por contratos designados de arrendamento rural, terrenos rústicos agrícolas, sitos em Louredo, na União de Freguesias de …, concelho de Baião, com endereço postal sito na Rua…, …, …, ….-… Baião.
3. Nos quais procedeu a uma plantação de fruta, designadamente, F1…, para a sua posterior colheita e comercialização a terceiros, numa área que se estende por cerca de 6,5 hectares.
4. A Ré dedica-se, de forma habitual e com o intuito lucrativo, designadamente, à actividade de sistemas de rega.
5. No domínio da actividade comercial estabelecida entre ambas, a Autora adjudicou à Ré, em Novembro/Dezembro de 2015, a colocação do sistema de rega e anti-geada para uma plantação de F1…, com uma área de 6,5 hectares, nos referidos terrenos.
6. A R. apresentou orçamento, em função dos elementos fornecidos pela A. que indicou a área a instalar: para o sistema de bombagem para charca; o sistema de filtragem de areia automática; a conduta principal em tubagem PEAD cert. Aenor com os respectivos colectores de rega; o sistema de rega de micro-aspersão; o sistema de automatização; o sistema de anti-geada; o sistema de fertirrigação; o sistema de bombagem para poços da elevatória; a conduta principal em tubagem PEAD de ligação entre minas/poço colector/reservatório, cert. Aenor; com o preço global de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), acrescido do IVA à taxa legal.
7. No sistema anti-geada colocado pela R. é utilizado, para proceder à condução das águas, as mesmas condutas que são utilizadas para proceder à rega de toda a plantação.
8. A Ré, conforme acordado com a A., procedeu à colocação dos sensores de temperatura e dos nebulizadores na área da plantação da Autora e instalou o quadro de controlo anti-geada para iniciar em Março de 2019.
9. Afiançou a Ré à Autora que a aparelhagem meteorológica apropriada, instalada na área protegida, controlaria em cada momento as condições atmosféricas no local onde se encontrava a plantação.
10. No dia 4 de Abril de 2019, as temperaturas no local onde se encontra desenvolvida a plantação da Autora desceram abaixo dos 0ºC, determinando a formação de geada naquela localidade.
11. Inspeccionada a área da plantação da Autora, verificou-se que a aparelhagem meteorológica, instalada na área protegida, terá controlado as condições atmosféricas no local onde se encontravam distribuídas as plantas e accionou, iniciando-o, automaticamente, o sistema de rega anti-geada sobre toda a plantação.
12. Nesse dia verificou-se que a plantação da Autora estava danificada, com as plantas queimadas.
13. A A. comunicou o ocorrido à R..
14. A Ré, face ao ocorrido e numa acção de colaboração, disponibilizou-se a encontrar com a A. uma solução por forma a minimizar os prejuízos que a mesma alegava, disponibilizando-se a alterar o sistema que a Autora adoptou.
15. Uma vez que a Autora, depois de recolher várias opiniões junto dos seus consultores e após troca de e-mails, solicitou à Ré a alteração na totalidade do conceito da instalação do sistema anti-geada adoptado inicialmente pela A., a R. anuiu e colocou o sistema anti-geada com funcionamento por cima da copa da planta.
16. Igualmente no sentido de colaboração, o Eng. D…, sócio-gerente da Ré, por sugestão da Autora, questionou a seguradora E…, na qual tem o seu seguro enquanto Eng. Técnico, da possibilidade de ressarcimento dos danos, ao que a seguradora respondeu negativamente.
17. A Autora tinha uma área de 4,5 hectares de extensão plantada desde finais de 2015 e uma área de 1,7 hectares de extensão com plantação do ano seguinte.
18. Existem explorações que no 4.º ano de plantação podem colher entre 8.000 kg a 12.000 kg de fruta limpa por hectare, e no 3.º ano de plantação, entre 800 kg a 1.500 kg de fruta limpa por hectare.
19. O preço de venda final de cada Kg de fruta limpa de F1… em 2019, poderia situar-se entre os € 4,00 e € 8,50 por kg.
20. As despesas com a apanha/colheita do fruto, selecção, embalagens e acondicionamento, no ano de 2019, orçariam uma quantia de pelo menos €1,40 por kg de fruta.
21. A R. informou a A. o funcionamento do primeiro sistema anti-geada, que era mais económico, gastava menos água, mas que não era infalível e que era o único que colocava e foi por si usado em diversos clientes, sendo o sistema que a “F…, S.A.”, uma Organização de Produtores de Frutas e Produtos Hortícolas – Produto F1…, aconselha aos seus “associados”, que consiste num sistema de nebulização colocado na parte inferior da copa da planta.
22. A Autora consultou outras empresas no mercado, antes de adjudicar o trabalho à R., e era assessorada pela G…, também para efeitos de submissão de projecto para apoio financeiro.
23. O sistema anti-geada colocado inicialmente pela R. funcionou em pleno, mesmo com temperaturas de 2 graus negativos, e até mesmo de 3,4 graus negativos.
* Factos não provados
Não se provou que:
A) A R. garantiu que o sistema anti-geada iria proteger sempre a plantação da Autora contra os efeitos decorrente(s) da(s) ocorrência(s) de fenómeno(s) de geada que danificassem aquela plantação.
B) No dia 04/04/2019 o sistema anti-geada não funcionou como garantido pela R., pela distância das plantas e pela posição em que nebulizadores (aspersores) instalados pela Ré se encontravam - debaixo da ramada/copa da planta.
C) A R. assumiu as deficiências do sistema anti-geada.
D) A Autora iria obter nesse ano, pelo menos, 37.360 kg de fruta limpa.
* III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em: a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões a Ré recorrente impugnou a decisão da matéria de facto tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPCivil, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso e que transcreveu [nº 2 al. a) do citado normativo].
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Autora apelante não concorda com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos pontos 4. a 8., 17. a 19… da petição inicial que deveriam ser dados como provados e, por sua vez, os artigos 35° e 36º da contestação deviam ser dados como não provados. Quid iuris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[1]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Autora apelante, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
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O ponto 4. da fundamentação factual tem a seguinte redacção:
“A Ré dedica-se, de forma habitual e com o intuito lucrativo, designadamente, à actividade de sistemas de rega”.
Entende a apelante que o citado ponto devia ter a redacção que consta do artigo 5º da petição inicial por o mesmo não ter sido impugnado e por a testemunha J… o ter confirmado.
Tem razão a apelante.
Efectivamente, a Ré na sua contestação não impugnou de forma expressa o conteúdo do citado artigo nem ele está, claramente, em oposição com a defesa considerada no seu conjunto (cfr. artigo 574.º, n.º 2 do CPCivil).
Como assim e por ter sido admitido por acordo, altera-se a redacção do ponto 4. da fundamentação factual passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
“A Ré dedica-se, de forma habitual e com o intuito lucrativo, à actividade de elaboração de projectos, construção e manutenção de sistemas de rega; instalações eléctricas e de telecomunicações, de sistemas e equipamentos nas áreas das energias, incluindo renováveis; obras especializadas de construção, impermeabilizações e desumidificações em edifícios e outras construções, obras subterrâneas; construção de piscinas e reservatórios de água ao ar livre”.
Impugna também a apelante os pontos 5. a 8. da fundamentação factual.
Tais pontos têm a seguinte redacção: “5. No domínio da actividade comercial estabelecida entre ambas, a Autora adjudicou à Ré, em Novembro/Dezembro de 2015, a colocação do sistema de rega e anti-geada para uma plantação de F1…, com uma área de 6,5 hectares, nos referidos terrenos. 6. A R. apresentou orçamento, em função dos elementos fornecidos pela A. que indicou a área a instalar: para o sistema de bombagem para charca; o sistema de filtragem de areia automática; a conduta principal em tubagem PEAD cert. Aenor com os respectivos colectores de rega; o sistema de rega de micro-aspersão; o sistema de automatização; o sistema de anti-geada; o sistema de fertirrigação; o sistema de bombagem para poços da elevatória; a conduta principal em tubagem PEAD de ligação entre minas/poço colector/reservatório, cert. Aenor; com o preço global de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), acrescido do IVA à taxa legal. 7. No sistema anti-geada colocado pela R. é utilizado, para proceder à condução das águas, as mesmas condutas que são utilizadas para proceder à rega de toda a plantação. 8. A Ré, conforme acordado com a A., procedeu à colocação dos sensores de temperatura e dos nebulizadores na área da plantação da Autora e instalou o quadro de controlo anti-geada para iniciar em Março de 2019”.
Entende a apelante que os referidos pontos deviam antes ter a seguinte redacção:
“5 – No domínio da actividade comercial estabelecida entre ambas, a Autora adjudicou à Ré, em Novembro/Dezembro de 2015, a elaboração de um projecto e consequente construção do sistema de rega e anti geada para uma plantação de F1…, com uma área de 6,5 hectares, nos referidos terrenos. 6 – A Ré, por solicitação da Autora, comprometeu-se, então, a elaborar o projecto e a construir, consequentemente, o referido sistema de rega e anti geada, além das demais características próprias de estruturas do género, incluindo todo o material necessário à instalação e bom funcionamento, com a seguinte discriminação: a) Elaboração do projecto e construção do sistema de bombagem para charca; b) Elaboração do projecto e construção do sistema de filtragem de areia automática; c) Elaboração do projecto e construção da conduta principal em tubagem PEAD cert. Aenor com os respectivos colectores de rega; d) Elaboração do projecto e construção do sistema de rega de micro-aspersão; e) Elaboração do projecto e construção do sistema de automatização; f) Elaboração do projecto e construção do sistema de anti geada; g) Elaboração do projecto e construção do sistema de fertirrigação; h) Elaboração do projecto e construção do sistema de bombagem para poços da elevatória; i) Elaboração do projecto e construção da conduta principal em tubagem PEAD de ligação entre minas/poço colector/reservatório, cert. Aenor; em conformidade com as melhores técnicas aplicáveis e os conhecimentos exigíveis, de acordo com a própria localização do terreno, suas concretas características, condições, designadamente, climatéricas, bem como a espécie da plantação existente, previamente conhecidas da Ré, e, finalmente, com qualidade e sem qualquer defeito, tudo pelo preço global de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), acrescido do IVA à taxa legal, montante, este, que a Autora assumiu liquidar à Ré. 7 - Após estudo e projecto que previamente gizou, a Ré propôs-se, executar o sistema de rega anti geada, automático e automatizado, com a instalação de 1 quadro de controlo anti geada, 5 sensores de temperatura, e 5.753 nebulizadores de 35 litros, com os respectivos acessórios de ligação, utilizando, para proceder à condução das águas necessárias ao concreto procedimento anti geada, as mesmas condutas que são utilizadas para proceder à rega de toda a plantação. 8 - Seguindo os critérios determinados no projecto e nos estudos prévios que realizou, a Ré procedeu à colocação dos sensores de temperatura e dos nebulizadores (ou aspersores) referenciados ao longo de toda a área da plantação da Autora e instalou num local apropriado o quadro de controlo anti geada”.
Para o efeito convoca elementos de prova documentais, testemunhais e ainda o depoimento de parte do legal representante da apelada e declarações de parte do seu representante.
No que concerne aos orçamentos que a apelante juntou com o seu requerimento de 01/10/2020 não passam disso mesmo, ou seja, tal como o apresentado pela apelada, deles não se retira, como pretende a apelante, que subjacente aos mesmos esteja a elaboração de qualquer projecto.
Da mesma forma que, tal conclusão, também se não retira quer a da comunicação via e-mail de 02/09/2015 enviada pela Ré à Autora, quer declaração emitida pela Ré, em 29/06/2016 junta com citado requerimento de 01/02/2020 como doc. nº 5.
Efectivamente, em nenhum desses documentos se faz referência a qualquer projecto ou estudo prévio no sentido que lhe pretende emprestar a apelante.
Não se põe em causa que para dar o respectivo orçamento a apelada tinha, como nos parece evidente, que fazer cálculos, pesquisas e outras démarches, ou mesmo a forma de implementação do sistema de rega, sendo disso evidência a referida declaração quanto à casa das máquinas.
Da mesma forma que sob este conspecto é irrelevante que o representante legal da apelada tenha confirmado a autoria dos citados documentos, já que deles não se retira o facto essencial que a apelante quer provar.
Analisemos agora a “Exposição” que o representante legal da Apelada apresentou junto da sua companhia de seguros apresentado em juízo pela H…, S.A., por comunicação electrónica (e-mail) de 19/11/2020 e que no seu depoimento de parte confirmou a sua autoria e assinatura.
Alega a apelante que do referido documento resulta que apelada elaborou um projecto e consequente construção do sistema de rega e anti-geada para uma plantação de F1….
Será que assim é?
No artigo 373.º do C.Civil estabelecem-se os requisitos dos documentos particulares: estes devem ser assinados pelo seu autor ou por outrem a seu rogo (nº 1), admitindo-se, em certos casos, a substituição da assinatura por simples reprodução mecânica (nº 2).
Só os documentos particulares que satisfaçam os requisitos previstos naquele normativo podem ter força probatória formal nos termos previstos nos artigos 374.º a 376.º do C.Civil.
A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular, consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe terem sido atribuídos, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras (artº 374.º, nº 1).
Como refere Vaz Serra[6] a assinatura é requisito essencial do verdadeiro e próprio documento particular. A assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória do mesmo documento.
Os documentos que não tenham os requisitos legais-o que, tratando-se de documentos particulares, repetimos, são os que não contenham a assinatura do seu autor-não podem fazer prova plena nem quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nem quanto aos factos contidos nas mesmas, nos termos do citado artº 376.º.
Os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida nos termos do normativo anterior, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (artº 376.º, nº 1).
Já os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão (nº 2 do mesmo normativo).[7]
Portanto, este normativo estabelece:
a)- por um lado a força probatória formal-o documento prova que as declarações nele contidas foram realmente emitidas pelos seus autores nº 1;
b)- e por outro a força probatória material-as declarações vinculam o respectivo autor, na medida em que forem contrárias aos seus interesses-nº 2.
Resulta daqui que, quando o nº 2 do artigo em questão diz que “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados”, isso significa que as declarações feitas no documento exprimem a verdade, e, portanto, obrigam o declarante, até onde sejam contrárias ao interesse deste.
Posto estes breves considerandos, é certo que o documento em causa não foi objecto de impugnação após a sua junção pela apelada.
Acontece que o seu conteúdo foi antecipadamente impugnado na contestação, na qual se negou que a apelada tivesse assumido, perante a Autora apelante, a elaboração de qualquer projecto ou estudo prévio/de viabilidade (cfr. artigos 9º, 19º, 21º, 22º, 23º, 24º, 29º, 30º da referida peça), razão pela qual a suposta declaração confessória surge pois como incompatível com a defesa deduzida pela Ré no seu conjunto-satisfação oportuna do ónus da impugnação especificada (artigo 574.º, nº 2 do CPCivil ), valendo assim aquela como simples prova livre, como tal tendo de ser apreciada pelo tribunal.
De resto, a força probatória do documento particular circunscreve-se, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. O âmbito da sua força probatória é, pois, bem mais restrito.[8]
Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.
É que a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do já citado artigo 376.º limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas.
Na verdade, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondam à realidade dos respectivos factos materiais.[9]
Deste modo, ainda que hipoteticamente a cita “Exposição” possuísse declarações cuja exactidão das mesmas fosse inquestionável, só por si não constituía uma prova plena de que a apelada se tinha obrigado perante a Autora apelante à elaboração de um projecto, mas antes mais um elemento coadjuvante a considerar para fins probatórios.
Portanto, a não impugnação da citada declaração não obstante tenha o significado de aquela admitir ter sido escrita e assinada pelo seu representante legal nos termos do artigo 376.°, n° 1 não representa o reconhecimento da veracidade ou verosimilhança das afirmações do seu conteúdo, porque antecipadamente posta em crise.
E as mesmas considerações valem, mutatis mutandis, em relação às restantes comunicações electrónicas (e-mail) que integram o requerimento e respectivos anexos apresentados em juízo pela D…, S.A., de 19/11/2020 e depoimentos corroborantes dessas mesmas comunicações das testemunhas I… e J….
No que concerne ao depoimento de parte do representante legal da apelada, também não se divisa que dele se extraia o facto nuclear que a apelante pretende que se dê como provado.
Efectivamente, como noutro passo já se referiu, não se põe em causa que para a apresentação do orçamento a apelada não tivesse feito uma avaliação e estudo prévio sobre as condições daquilo que estava a ser solicitado pela Apelante. Todavia, isso nada tem que ver com aquilo que é um projecto de viabilidade, que exige um outro tipo de intervenção e conhecimentos técnicos e que, no caso, não estão vertidos em qualquer suporte documental que a Ré apelada tivesse apresentado a Autora apelante.
Quanto às declarações de parte do representante legal da apelante também das mesmas se não retira a prova do citado facto nuclear (elaboração de um projecto e consequente construção do sistema de rega e anti-geada para uma plantação de F1…), mas apenas e tão só que realizou uma avaliação e estudo prévio sobre as condições daquilo que estava a ser solicitado pela Apelante.
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Como assim, devem manter-se na fundamentação factual, os pontos 5. a 8. com a redacção dada pelo tribunal recorrido.
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Os pontos 17., 18. e 19. também impugnados pela Autora têm a seguinte redacção:
“17. A Autora tinha uma área de 4,5 hectares de extensão plantada desde finais de 2015 e uma área de 1,7 hectares de extensão com plantação do ano seguinte. 18. Existem explorações que no 4.º ano de plantação podem colher entre 8.000 kg a 12.000 kg de fruta limpa por hectare, e no 3.º ano de plantação, entre 800 kg a 1.500 kg de fruta limpa por hectare. 19. O preço de venda final de cada Kg de fruta limpa de F1… em 2019, poderia situar-se entre os €4,00 e €8,50 por kg”.
Pugna a recorrente que os referidos factos deviam ter antes a seguinte redacção:
“17 - A plantação da Autora naquele local permite uma produção de fruta limpa após os três anos de vida da plantação, sendo que, in casu, no ano de 2019 e por referência ao ano da sua plantação, a Autora tinha uma área de 4.5 hectares de extensão no 4.º ano de plantação e uma área de 1.7 hectares de extensão no 3.º ano de plantação. 18 - Sendo expectável que a exploração ou cultura daquele fruto, como o da Autora, produza, no 4.º ano de plantação, entre 8.000 kg. a 12.000 kg. de fruta limpa por hectare, e, no 3.º ano de plantação, entre 800 kg. a 1.500 kg. de fruta limpa por hectare. 19 - O preço de venda final de cada Kg. de fruta limpa de F1… da Autora, referente à produção de 2019, ascenderia, pelo menos, ao montante de € 8,00 por kg”.
Convoca a apelante para o efeito as declarações de parte do seu legal representante e os depoimentos das testemunhas K…, L…, M… e N….
Vejamos o valor probatório, neste segmento, das declarações de parte do representante legal da apelante.
Nos termos estatuídos no artigo 466.º do CPCivil as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo (n.º 1); às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º–quanto ao dever de cooperação para a descoberta da verdade–e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior, relativa à prova por confissão das partes (n.º 2); o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (n.º 3).
Trata-se de disposição inovadora introduzida na novo CPCivil, mencionando-se na Exposição de Motivos da proposta de lei n.º 113/XII, que está na origem da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que se prevê “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.
A relevância probatória destas declarações tem sido objecto de apreciação em sede de jurisprudência, salientando-se diferentes acórdãos proferidos por este Tribunal da Relação.
Dúvidas não existem de as declarações de parte que, diga-se, divergem do depoimento de parte, devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado.
Não se pode olvidar que, como meio probatório são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção.
Efectivamente, seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
Não obstante o supra referido, o certo é que são um meio de prova legalmente admissível e pertinentemente adequado à prova dos factos que sejam da natureza que ele mesmo pressupõe (factos em que as partes tenham intervindo pessoalmente ou de que as partes tenham conhecimento directo).
Todavia, tais declarações são apreciadas livremente pelo tribunal (466.º, n.º 3, do CPCivil) e, nessa apreciação, engloba-se a sua suficiência à demonstração do facto a provar.
A afirmação, peremptória e inequívoca, de as declarações das partes não poderem fundar, de per si e só por si, um facto constitutivo do direito do depoente, não é correta, porquanto, apresentada sem qualquer outra explicação, não deixaria de violar, ela mesma, a liberdade valorativa que decorre do citado n.º 3 do artigo 466.º do CPC.
Mas compreende-se que, tendencialmente as declarações das partes, sem qualquer corroboração de outra prova, qualquer que ela seja, não apresentem, ainda assim, e sempre num juízo de liberdade de apreciação pelo tribunal, a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar.
Neste contexto de suficiência probatória, e não propriamente de valoração negativa e condicionada da prova (e só assim pode ser, respeitando o princípio que se consagra no artigo 466.º, n.º 3 do CPC) parece-nos claro que nunca pode estar em causa a violação da norma constitucional que salvaguarda a tutela efectiva do direito (artigo 20.º, n.º 5, da CRP).
Evidentemente que, perspectivando de modo inverso o problema, também a admissão da prova por declaração de parte num sentido interpretativo de onde decorresse, em qualquer circunstância, a prova dos factos constitutivos do direito invocado por mero efeito das declarações favoráveis, não deixaria de violar a norma constitucional, na medida em que, num processo de partes como é o processo civil, deixaria sem possibilidade de defesa e aí, sem tutela efectiva–a parte contrária.
Como assim, a prova por declarações de parte, nos termos enunciados no artigo 466.º do Código de Processo Civil, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir.
Postas estas breves considerações, torna-se evidente não se poderem valorar as declarações de parte do representante legal da apelante no sentido por ela pretendido.
Com efeito, para além de não constituírem confissão nos termos sobreditos, os factos que com elas se pretendem provar assentam em simples expectativas sem quaisquer elementos objectivantes que lhe possam dar consistência, como seria, por exemplo, a circunstância de a plantação da apelante ter já frutificado em anos anteriores à ocorrência da sua queima.
Da mesma forma que, do depoimento das restantes testemunhas convocadas pelo apelante para este efeito, não se pode alterar a redacção dos citados pontos factuais no sentido alegado pela apelante.
Na verdade e no que tange à tonelagem de produção, estamos no campo das meras hipóteses e suposições, sendo que, nem os testemunhas são entre si concordantes, bastando para efeito atentar no depoimento da testemunha M… que pôs em questão a verificação dos anos de plantação em que a apelante suporta todas as suas projecções, explicando a forma de contagem dos anos de plantação, o que por si tem influência determinante na capacidade de produção da planta, pois é em função deles que se determinam os anos de produção (os anos contam-se pelas podas que são realizadas em Janeiro e afirmou que uma plantação feita em Dez de 2015 em 2019 está no seu 3º ano de plantação com frutificação baixa).
Por sua vez a testemunha e técnica L… não apresentou qualquer base de cálculo de suporte para atingir aquelas quantidades.
Acresce que a Autora não juntou qualquer estudo do estado da plantação (ao nível do diâmetro dos troncos, quantidade de ramos laterais produção de ramos laterais, estudo de perdas) entre outros.
Não sem pondo em causa que a produção se inicia após o terceiro ano de plantação, aliás, como alegado pela Autora, tudo isso depende em muito do estado das plantas e da plantação.
Como assim, como dar como provados que produção da Autor se pudesse cifrar entre os alegados 25.000 Kilos de fruta limpa e 36.200 Kilos?
No que tange ao preço de venda por kg cremos que o tribunal recorrido, atendendo ao depoimento da testemunha M…, deu como provado aquilo que melhor espelha a realidade, não se podendo dar como provado que a apelante venderia o seu kg de F1… arguta invariavelmente ao preço de €8,00.
E contra isso não se argumente com a notoriedade do facto.
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPC, que “não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.
O Professor Alberto dos Reis[10] desenvolvendo as diversas teorias sobre a natureza do que deva considerar-se facto notório conclui:
“Há que pôr de lado o conceito objectivo, fundado no interesse. Pode um facto ter grande relevo social e interessar consequentemente à generalidade dos homens de determinada comunidade política e todavia ser ignorado pelo cidadão de cultura média. Exemplo: o mecanismo da variação do valor da moeda. As doutrinas exactas são as que põem na base do facto notório a ideia do conhecimento. Mas não basta qualquer conhecimento; é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão, que o facto apareça, por assim dizer, revestido do carácter de certeza”.
E mais adiante[11], explicitando as categorias de factos notórios:
“Os factos notórios podem classificar-se em duas grandes categorias: a) Acontecimentos de que todos se aperceberam directamente (uma guerra, um ciclone, um eclipse total, um terramoto, etc); b) Factos que adquirem o carácter de notórios por via indirecta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos (De Stefano, “Il notório”, p.59). Quanto aos primeiros não pode haver dúvidas. Quanto aos segundos, o juiz só deve considerá-los notórios se adquirir a convicção de que o facto originário foi percebido pela generalidade dos portugueses e de que o raciocínio necessário para chegar ao facto derivado estava ao alcance do homem de cultura média”.
Portanto, na lapidar conclusão do Mestre, ou o facto é percepcionado pela generalidade dos cidadãos directamente, pelo modo da percepção humana que é na sua fonte sensorial, ou o facto decorre de um facto assim directamente percepcionado seguido de um raciocínio acessível a todas as pessoas da comunidade de cultura média. Podemos denominá-los como factos notórios primários e factos notórios secundários.
A invocação pelo juiz da notoriedade do facto carece assim da invocação da efectividade da percepção directa geral do facto notório primário ou, se estiver em causa um facto notório secundário, daquela invocação e da indicação do raciocínio que permite determinar o facto e da sua acessibilidade às pessoas de cultura média da comunidade visada e pertinente.
Isto dito, como se pode dizer, como alega, a recorrente que o preço de venda ao público do tipo de fruta por ela produzida-F1…-, nas maiores e mais conceituadas cadeias de venda a retalho ascendia, em 2019, a quantias que variavam entre €18,32 entre €31,84 por Kg é um facto notório nos termos referidos?
Como dizer que o cidadão comum sabia qual era o preço do Kg do F1… no ano de 2019?
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Desta forma, devem também os pontos 17. a 19. da fundamentação factual permanecer no elenco dos factos provados com a redacção que lhes foi dada pelo tribunal recorrido.
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Impugna também a Autora apelante o ponto 21. da resenha dos factos provados.
Esse ponto tem a seguinte redacção:
“A R. informou a A. o funcionamento do primeiro sistema anti-geada, que era mais económico, gastava menos água, mas que não era infalível e que era o único que colocava e foi por si usado em diversos clientes, sendo o sistema que a “F…, S.A.”, uma Organização de Produtores de Frutas e Produtos Hortícolas–Produto F1…, aconselha aos seus “associados”, que consiste num sistema de nebulização colocado na parte inferior da copa da planta”.
Alega a apelante que o referido facto devia constar da fundamentação factual com a seguinte redacção:
“A R. informou a A. o funcionamento do primeiro sistema anti-geada, que era mais económico, gastava menos água, mas que não era infalível perante temperaturas inferiores, pelo menos, a 3 graus negativos, e que era o único que colocava e foi por si usado em diversos clientes, sendo o sistema que a “F…, S.A.”, uma Organização de Produtores de Frutas e Produtos Hortícolas–Produto F1…, aconselha aos seus “associados”, que consiste num sistema de nebulização colocado na parte inferior da copa da planta”.
Para a pretendida alteração convoca o documento apresentado em juízo pela apelada no decurso da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 25/11/2020, o depoimento de parte do legal representante daquela, nas declarações do seu legal representante e no depoimento das testemunhas O…, P… e nas declarações da testemunha L….
Analisando.
Pretende a apelante que, no citado ponto factual, deviam constar as causas da suposta infalibilidade do sistema de rega e que as mesmas se restringiriam a temperaturas inferiores a três graus negativos.
Importa, desde logo, sopesar que é o próprio representante legal da apelante que nas suas declarações de parte admite que lhe foi comunicado pela Ré que o sistema não era infalível.
A própria Ré recorrida na comunicação electrónica de 28/04/2018 que dirigiu ao representante legal da apelante reitera essa falibilidade do sistema de rega, documento esse que é levado ao conhecimento da apelante um ano antes da ocorrência em crise e que em momento algum refutou o que ali ficou dito, por escrito, sendo que, as situações ali descritas que podem levar à falha do sistema, um quadro que avaria, uma peça que parte, uma má manutenção, falta de água, reportam-se ao funcionamento do sistema que não à sua eficácia ou resultado.
Da mesma forma que não se pode retirar do citado documento que a falibilidade do sistema de rega anti-geada proposto pela apelada radicaria numa limitação técnica do sistema, que, alegadamente, só protegeria a plantação até temperaturas mínimas de 2 a 3 graus negativos.
Com efeito o que aí se diz é que poderia haver danos abaixo desses valores, ou seja, dele não resulta que abaixo desses valores haveria sempre danos.
Também do depoimento do representante legal da apelada se não retira que o sistema de rega deixava de ser infalível, invariavelmente, a partir dos três graus negativos.
Com efeito, o que refere o depoente é que o sistema de rega por eles implantado tinha uma limitação, um handicap de menos dois graus de temperatura máxima de defesa, mas não refere que abaixo desse valor o sistema era sempre falível, ou só seria falível perante os limites de temperatura.
Também do depoimento da testemunha O… se não retira, como a apelante afirma, que o sistema de rega implantado pela Ré era um método falível, ineficiente e ineficaz.
O depoimento da referida testemunha ficou centrado na questão da garantia do sistema de rega que, como afirmou nunca lhe foi dado pela Ré, referindo que o sistema de anti-geada é como as plantas, ninguém lhe dá garantia que todos elas vão pegar aquando da sua plantação.
Também a testemunha P… não afirmou de forma peremptória que o sistema era falível a partir dos três graus negativos.
Na verdade o que a referida testemunha afirmou foi que achava que este sistema era eficiente apenas até -2, -3 graus, mais referido que, apesar de estar a mudar a sua instalação, o seu sistema de rega da Ré funciona, sendo apenas chato ter que ir para lá a noite toda.
Por último e quanto ao depoimento da testemunha L… limitou-se a afirmar que na sua experiência, este sistema de nebulização funciona até -5 graus, tendo já tido essa experiência, mas não referindo nenhum elemento objectivante que pudesse corroborar essa experiência.
Perante estes elementos probatórios, não se pode de forma conscienciosa e para além de toda a dúvida razoável afirmar, como pretende a apelante, que o sistema de rega implantado pela Ré apenas seria falível pelo factor temperatura verificado no local e não qualquer outra circunstância.
Como assim deve o ponto 21 da fundamentação factual continuar a constar com a mesma redacção dada pelo tribunal recorrido.
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O ponto 22. da resenha dos factos provados também impugnado pela Autora apelante tem a seguinte redacção:
“A Autora consultou outras empresas no mercado, antes de adjudicar o trabalho à R., e era assessorada pela G… também para efeitos de submissão de projecto para apoio financeiro”.
Entende a apelante que o citado ponto devia ter a seguinte redacção:
“A Autora consultou outras empresas no mercado, antes de adjudicar o trabalho à R., e era assessorada pela Contamais, para elaboração de uma candidatura para um projecto de instalação de Jovem Agricultor e acompanhamento contabilístico, e pela G…, para elaboração do sistema de plantação de F1… arguta na exploração agrícola daquela”.
Para além de se não divisar o sentido e alcance da pretendida alteração quanto à supressão do advérbio “também”, o referido facto nenhum interesse tem, sob o ponto de vista das várias soluções plausíveis em termos de subsunção jurídica.
Ora, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava antes da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e a que corresponde actualmente o artigo 130º do vigente Código de Processo Civil, aprovado pela lei que antes se citou).
Como refere Abrantes Geraldes,[12] “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objecto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
No mesmo sentido cfr. os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.4.2012, processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, e da Relação de Guimarães de 10.09.2015, processo n.º 639/13.4TTBRG.G1.[13]
Por esse motivo, abstemo-nos de reapreciar a decisão da matéria de facto relativamente ao facto em questão.
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Os pontos 14., 15. e 16. do elenco dos factos provados também objecto de impugnação por parte da Autora apelante têm a seguinte redacção:
“14. A Ré, face ao ocorrido e numa acção de colaboração, disponibilizou-se a encontrar com a A. uma solução por forma a minimizar os prejuízos que a mesma alegava, disponibilizando-se a alterar o sistema que a Autora adoptou. 15. Uma vez que a Autora, depois de recolher várias opiniões junto dos seus consultores e após troca de e-mails, solicitou à Ré a alteração na totalidade do conceito da instalação do sistema anti-geada adoptado inicialmente pela A., a R. anuiu e colocou o sistema anti-geada com funcionamento por cima da copa da planta. 16. Igualmente no sentido de colaboração, o Eng. D…, sócio-gerente da Ré, por sugestão da Autora, questionou a seguradora H…, na qual tem o seu seguro enquanto Eng. Técnico, da possibilidade de ressarcimento dos danos, ao que a seguradora respondeu negativamente”.
Pugna a apelante que os citados pontos factuais deviam ter sido considerados como não provados.
Mas qual a relevância de tais factos para a decisão do litígio nos termos em que vem estruturada a acção e formulado o pedido?
A resposta é simples nenhum.
Com efeito, o pedido formulado assente na ocorrência de um certo evento no dia 4 de Abril de 2019 (descida da temperatura desceram abaixo dos 0ºC que determinou a formação de geada naquela localidade) que terá danificado a plantação da Autora e dos consequentes prejuízos que a mesma terá sofrido decorrentes dessa ocorrência.
Portanto, a questão nuclear com relevo é se esse evento que danificou a plantação da apelante ocorreu por defeito do sistema de rega implantado pela Ré recorrida, sendo irrelevante que partir daí se tenham feitas démarches para alterar o sistema de rega inicialmente implantado.
Ora, os referidos factos não interferem de modo algum com a solução do caso nessa vertente, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar.
Desta forma, valem aqui, as mesmas considerações feitas a propósito do ponto 22., razão pela qual também nos abstemos de reapreciar a decisão da matéria de facto relativamente aos pontos em questão.
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O ponto 23. do elenco dos factos provados também impugnado pela apelante tem a seguinte redacção:
“O sistema anti-geada colocado inicialmente pela R. funcionou em pleno, mesmo com temperaturas de 2 graus negativos, e até mesmo de 3,4 graus negativos”.
Alega a apelante que também este facto devia ter sido dado como não provado.
Sobre este conspecto o tribunal recorrido valorou o mapa de temperaturas de fols. 76 dos autos em conjugação com depoimento de parte do legal representante da apelada como se respiga da motivação da decisão da matéria de facto.
Não se põe em causa que sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena.
Como tal era lícito ao julgador valorar, no caso, livremente o documento em questão, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente o depoimento de parte do representante legal da apelada, sem qualquer hierarquização, decidindo segundo a sua prudente convicção (artigo 607.º, nº 5 do CPCivil).
Diga-se, aliás, que em declarações de parte o representante legal da apelante acabou por referir que acha que a temperatura ali não foi o problema, mas de a plantação ser em socalcos e perto do rio.
No que tange ao documento torna-se evidente que nele se faz referência à Autora e ao registo das temperaturas da sua plantação na fase de ensaios como foi, de resto, alegado na contestação.
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Destarte deve o referido continuar a constar do elenco dos factos provados.
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A alínea A) da resenha dos factos não provados tem a seguinte redacção:
“-A R. garantiu que o sistema anti-geada iria proteger sempre a plantação da Autora contra os efeitos decorrente(s) da(s) ocorrência(s) de fenómeno(s) de geada que danificassem aquela plantação”.
Alega a recorrente que tal facto devia ter sido dado como provado.
Sustenta esta pretendida alteração na “Exposição” que o representante legal da apelada apresentou junto da sua companhia de seguros, documento apresentado em juízo pela Apelada no decurso da audiência de julgamento do dia 25/11/2020, depoimento de parte do legal representante da apelada, declarações de parte prestadas pelo sue legal representante e depoimento da testemunha L….
Na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal recorrido discorreu sobre as alíneas A) B) e C) da resenha dos factos não provados da seguinte forma:
“No que concerne às alíneas A), B) e C), além de inexistir prova documental idónea para o efeito, o certo é que a A. não fez qualquer prova do alegado, nem sequer por prova testemunhal, uma vez que os termos em que foi negociado o orçamento do sistema anti-geada entre as partes, apenas foi referido pelos legais representantes das partes (além daquilo que as testemunhas da R. referiram ser o habitual nestes casos, nomeadamente quanto à colocação do sistema anti-geada por baixo da copa, da empresa R. ser uma empresa considerada no mercado–algo que o próprio legal representante da A. confirmou–bem como das circunstâncias a que assistiram no local (algumas das testemunhas) e nas quais participaram). As versões quanto a esta matéria são opostas, a A. alegava que a R. garantiu o funcionamento do sistema anti-geada mas no sentido de que as plantas não ficariam queimadas e a R. nega tal garantia, assegurando apenas que o sistema funcionaria como noutros locais em que o colocou, não podendo assegurar todos os restantes circunstancialismos a que o sistema é alheio, designadamente qualquer falha no seu manuseamento, falta de água ou condições atmosféricas de tal forma adversas que são difíceis ou impossíveis de controlar (aliás, o próprio legal representante da A. confirmou que lhe foi transmitido que qualquer sistema era falível, designadamente, que não funcionava se a água congelasse, e a A. não esteve no local toda a noite para averiguar essa situação). Na verdade, as regras da experiência comum também nos dizem que na agricultura não há certezas, por muito que o homem tente controlar os efeitos da natureza e por muito avançadas que algumas técnicas estejam. Razão pela qual é impossível dar a garantia de que um sistema anti-geada nunca deixará as plantas queimarem e, essa certeza, diremos nós, não pode também a A. ter sequer com o novo sistema que colocou, isto é, ter a certeza de que no futuro isso não volte a acontecer. É verdade que para isso é que existem seguros de colheita, que visam garantir o pagamento de uma indemnização face à ocorrência de fenómenos climáticos adversos que podem afectar as colheitas, mas tendo que se pagar o respectivo prémio de seguro e que tem, de qualquer forma, exclusões e limitações em termos de indemnização (sendo certo que a A. não teria esse tipo de seguro). Na realidade, o que se provou foi que o sistema anti-geada aplicado pela R. tal como contratado pela A., funcionou, accionou, mas por algum motivo as plantas queimaram. A A. alega que o sistema que tem actualmente, por cima da copa da planta, protege mais a planta contra as geadas. Contudo, não tinha sido este o sistema que a A. inicialmente contratou à R.. A A. contratou o outro sistema, mais barato e com menos custos associados e que muitas das empresas de exploração agrícola (a sua grande maioria) têm. A A. sempre foi assessorada no âmbito da plantação dos F1…, não podendo imputar à R. a escolha de um sistema anti-geada, que ela sabia à partida que era o único com o qual a R. trabalhava. Acresce que da prova produzida, referida supra e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a R. nunca assumiu quaisquer deficiências do sistema anti-geada colocado, tentando antes (com a sua alteração do sistema anti-geada e averiguação da possibilidade de algum seguro cobrir eventuais danos) satisfazer um cliente, mantê-lo até para o futuro, cliente esse em relação ao qual existia uma relação de amizade com o seu legal representante, e tentando evitar a todo o custo uma acção judicial”.
Ora, os meios probatórios convocados pela apelante não infirmam este iter decisório.
Como nos parece evidente as versões quanto a esta matéria são opostas.
A Autora alega que a Ré garantiu o funcionamento do sistema anti-geada no sentido de que as plantas não ficariam queimadas e esta nega tal garantia, assegurando apenas que o sistema funcionaria como noutros locais em que o colocou, não podendo assegurar todos os restantes circunstancialismos a que o sistema é alheio, designadamente qualquer falha no seu manuseamento, falta de água ou condições atmosféricas de tal forma adversas que são difíceis ou impossíveis de controlar, aliás, o próprio legal representante da A. confirmou que lhe foi transmitido que qualquer sistema era falível, designadamente, que não funcionava se a água congelasse, e a A. não esteve no local toda a noite para averiguar essa situação.
Quanto à “Exposição” valem aqui as mesmas considerações feitas a propósito da impugnação dos pontos 5. a 8. do elenco dos factos provados.
Da comunicação electrónica (e-mail) de 28/04/2018, que a apelada dirigiu à apelante não resulta qualquer assunção de garantia quanto à eficácia do sistema, outrossim resulta que, a representante da Apelada reiterou tudo o que já havia informado ao representante legal da apelante, como sejam as limitações técnicas de funcionamento.
Quanto à questão de eventuais avarias, como já se expendeu supra, elas enquadram-se ao nível de funcionamento, sendo certo, todavia, que a recorrente não discute essa questão porque o sistema funcionou.
Como assim, do referido documento não se pode retirar que a apelada garantiu que o sistema era infalível e que, portanto, a assumiu uma garantia absoluta.
Da mesma forma que se não pode retirar essa assunção de garantia quer do depoimento de parte do legal representante da apelada quer das declarações de parte do legal representante da apelante e já dissecadas noutros passos, e o mesmo se diga do depoimento da testemunha L… também já escalpelizado a respeito de outros pontos factuais impugnados.
No que tange às regras da experiência, conceito a que o tribunal recorrido também faz apelo no seu iter decisório da fundamentação factual (cfr. artigo 607.º, nº 4 do CPCivil) , importa salientar que apenas o utilizou e bem para justificar que, na verdade, na agricultura não há certezas, por muito que o homem tente controlar os efeitos da adversos da natureza e por muito avançadas que algumas técnicas estejam.
Já quanto à referência do seguro de colheitas a sua referência feita também pelo tribunal recorrido na motivação da decisão da matéria de facto, não assume qualquer relevância para efeitos probatórios sendo apenas um comentário feito à latere.
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Diante do exposto deve, assim, a citada alínea continuar a constar da resenha dos factos não provados.
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A alínea B) do elenco dos factos não provados tem a seguinte redacção:
“No dia 04/04/2019 o sistema anti-geada não funcionou como garantido pela R., pela distância das plantas e pela posição em que nebulizadores (aspersores) instalados pela Ré se encontravam-debaixo da ramada/copa da planta”.
Propugna a apelante que também tal facto devia constar da resenha dos factos provados.
Para o efeito suporta a sua discordância no depoimento do legal representante da apelada, nas declarações de parte do seu representante legal e nos depoimentos das testemunhas K…, L… e N….
Ora, do depoimento do legal representante da apelada não se divisa que ele possa constituir elemento probatório para se dê tal facto como provado, quando dele se retira que causa da destruição da plantação da apelante terá radicado numa anormal condição climatérica.
É que a apelante não pode, num primeiro momento, convocar os elementos probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, neste caso o depoimento de parte do legal da apelada e, num segundo momento, dizer que, a final, esse depoimento, porque não é condizente com o facto a provar, não foi não foi corroborado por qualquer outro meio de prova.
Também as declarações de parte do legal representante da apelante não podem servir para dar como provado a citada alínea, já que, como o mesmo refere, o sistema accionou só que não foi eficaz, atribuindo a referida ineficácia à circunstância de os nebulizadores estarem debaixo da planta, quando deviam ter ficado por cima.
Acontece que o referido sistema não foi aquele que foi contratado pela Autora apelante, pois que o sistema proposto e adjudicado foi um sistema de nebulização que é colocado por debaixo da copa da planta.
Aliás, como se refere na motivação da decisão da matéria de facto, o sistema contratado era mais barato e com menos custos associados e que muitas das empresas de exploração agrícola (a sua grande maioria) têm, não podendo, por isso, a apelante imputar à apelada a escolha de um sistema anti-geada, que ela sabia à partida que era o único com o qual ela trabalhava.
E as mesmas considerações valem em relação ao depoimento da testemunha K… que, depois de afirmar que o sistema funcionou, atribuiu a queima das plantas ao facto de os nebulizadores estarem por debaixo da copa das plantas.
Da mesma forma que depoimento da testemunha L… depois de acabar por admitir que o sistema a final havia funcionado, atribui a queima ao facto de o sistema não ser o adequado para aquele local, ou seja, que os nebulizadores deviam estar por cima da copa das plantas e não por baixo, como era o caso.
De resto, foi também essa a explicação que a testemunha N… deu para a queima das plantas, tendo de forma peremptória afirmado que o sistema de rega anti-geada tinha funcionado e que só havia resistido meia dúzia de plantas em que o sistema anti-geada caia por cima.
Portanto, os referidos depoimentos só teriam relevo probatório se estivesse assente, e não está, que havia sido acordado que o sistema de rega a implantar não era o que efectivamente foi instalado pela apelada, mas sim aquele em que os nebulizadores ficavam por cima da copa das plantas.
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Assim, deve também a citada alínea B) continuar a constar do elenco dos factos não provados.
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A alínea C) da resenha dos factos não provados tem a seguinte redacção:
“A R. assumiu as deficiências do sistema anti-geada”.
Também o facto vertido nesta alínea, alega a recorrente, que deveria ter sido considerado provado.
Para o efeito convoca a apelante as comunicações trocadas entre as partes constantes dos documentos n.º 8 a 11 juntos com a petição inicial, a exposição que o representante legal da apelada apresentou junto da sua companhia de seguros, declarações de parte do seu legal representante e os depoimentos das testemunhas K…, L… e N….
No que tange à “Exposição” dirigida à companhia de seguros, nada temos a acrescentar quanto à sua força probatória para além daquilo que noutro passo já se referiu.
No que se refere a troca de e-mails deles não se retira que a apelada tivesse assumido as deficiências do sistema anti-geada que implantou.
Na verdade, o que deles perpassa é que, para o referido local, o sistema anti-geada implantado não seria o adequado, mas sim aquele outro em que os nebulizadores ficavam por cima da copa das plantas.
É que uma coisa é dizer-se que o sistema implantado pela Ré apelada era deficiente e outra, totalmente distinta, é dizer-se que o sistema implantado não era o adequado para o local em causa.
Significa, assim, que da referida troca de correspondência electrónica não se retira que, em algum momento a Ré apelada tivesse assumido qualquer deficiência do equipamento que instalou.
Quanto aos restantes elementos probatórios deles também não se retira que a Ré apelada tenha assumido que o sistema implantado tinha deficiências.
Com efeito, o representante legal da apelante nas suas declarações de parte, salvaguardando sempre a sua força probatória nos termos noutro passo já referidos, apenas refere que a proposta feita para o local não tinha sido a mais correcta, ou seja, nuca faz referência a deficiências existentes no sistema implantado.
Por sua vez a testemunha k… apenas afirmou que o sistema tinha sido mudado, ou seja, a rega que antes era por debaixo da copa das plantas passou a ser por cima das mesmas não sabendo, contudo, quem é que havia decidido fazer a referida alteração, se a própria empresa que havia instalado o sistema se a própria apelante.
Também a testemunha L… apenas afirmou que foi a Ré a implantar o novo sistema, mas que desconhecia as razões.
Da mesma forma que a testemunha N… apenas afirmou que o sistema de rega foi mudado sendo agora por cima das plantas e que foi a Ré que implantou o novo sistema.
Repare-se, todavia, que nenhuma das citadas testemunhas em momento algum dos seus depoimentos refere que a Ré assumiu que o sistema implantado por si com a rega por debaixo da copa das plantas tinha qualquer deficiência.
Por último não se pode, com recurso às regras da experiência, dar como assente que, pelo facto de a Ré ter procedido à substituição do sistema de rega, se possa, nessa decorrência, dar como provado que, a final, o inicial sistema tinha deficiências, pois que, como noutro passo já se referiu, a mudança de sistema pode ter acontecido porque o primeiramente instalado não era o adequado para o local em causa.
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Daqui decorre que também a citada alínea C) do elenco dos factos provados deve aí permanecer.
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A alínea D) da resenha dos factos não provado tem, por sua vez, a seguinte redacção:
“A Autora iria obter nesse ano, pelo menos, 37.360 kg de fruta limpa”.
Defende a apelante que o facto vertido na citada alínea devia também transitar para o elenco dos factos provados.
Na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal recorrido e sobre a mencionada alínea discorreu do seguinte modo:
“No que diz respeito à alínea D), em concreto não se conseguiu apurar quantos quilos a plantação da A. iria produzir nesse ano, não tendo sequer sido apresentado um único documento de colheitas anteriores ou posteriores em que pudessem ser confirmadas as quantidades, ou sequer a junção de quaisquer contratos para venda do produto, nem qualquer estudo/perícia que nos pudesse dizer a partir dos dados contabilísticos anteriores e posteriores o que seria de esperar desse ano de produção da A. (e não em termos genéricos), ou, outro tipo de perícia, através da observação das plantas que lá estavam e também por aquilo em que se vieram a tornar, que pudesse indicar qual o número de quilos de produção expectável para a A. no ano de 2019 (não bastando dizerem que tinha contratos apalavrados ou que, “se eu consigo estes quilos na minha plantação ele também conseguiria”)”.
Para infirmar a descrita motivação a apelante convoca mais uma vez declarações de parte do seu legal representante e os depoimentos das testemunhas K…, L… e N….
Sobre este facto, valem aqui, mutatis mutandis, as considerações feitas a propósito da impugnação dos pontos factuais 17., 18. e 19. da resenha dos factos provados na análise quer das declarações do legal representante quer das testemunhas K…, L… e N….
Sob este conspecto faz a recorrente ainda apelo à prova por presunções judiciais.
Como se sabe a prova deve ser apreciada no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência.
Ora, nessa apreciação global, o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (art.ºs 349.º e 351.º, ambos do C. Civil).
A noção de presunção consta do artigo 349.º do Código Civil: “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um tacto desconhecido”.
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido. As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência”.[14]
Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser “graves, precisas e concordantes”. “São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar”.[15]
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.[16]
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
Tendo presentes as noções acabadas de referir, torna-se evidente que, para dar como provado o facto em causa com recurso à presunção teria, como, aliás, a apelante refere, que se ter dado como provados os pontos 17. e 18. da resenha dos factos provados, coisa que não acorreu ou, não se tendo dado provados esses factos, teria que estar provado um outro facto conhecido para se adquirir o facto desconhecido, coisa que também não se verifica.
Ora, como supra se referiu a existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
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Isto dito, deve também a mencionada alínea continuar a constar da resenha dos factos não provados.
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Aqui chegados e permanecendo inalterado quadro factual, excepto no que tange ao ponto 4. dos factos provados nos termos acima decididos, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quanto à sua subsunção jurídica, pois que, não tendo ficado provado que a Ré executou de forma defeituosa o sistema anti-geada colocado inicialmente, não existe fundamento para que seja atribuída qualquer indemnização nos termos gerais (cfr. artigo 1223.º do CCivil)
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Improcedem, assim, todas as conclusões 2.7 a 2.81 formuladas pela recorrente, e com elas, o respectivo recurso.
* IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 12 de Julho de 2021.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
_______________ [1] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273). [2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348. [3] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [4] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt. [5] Ac. Rel. Porto de 19 de Setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de Dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt [6] In BMJ 111º-155 e 161. [7] Escreve o seguinte Vaz Serra in “Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 114, pág. 287 “Os factos compreendidos na declaração e contrários aos interesses do declarante valem a favor da outra parte, nos termos da confissão, sendo indivisível a declaração nesses termos. Portanto, nessa medida, o documento pode ser invocado como prova plena, pelo declaratário contra o declarante. Portanto, nessa medida, o documento pode ser invocado como prova plena, pelo declaratário contra o declarante; em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal”. [8] Cfr. José Lebre de Freitas, "A Falsidade no Direito Probatório", Coimbra, 248 e 249. [9] Cfr. Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, página 523, nota 3. [10] In “Código de Processo Civil Anotado”, III, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra, 1985, p. 259 e ss. [11] Op. Cit. pga. 262. [12] In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada pág. 297. [13] In www.dgsi.pt. [14] Cfr., v.g. Vaz Serra, “Direito Probatório Material”, in BMJ, nº 112, pág. 190. [15] Cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207. [16] Cfr. Vaz Serra, ob. e loc. cit.