I- O contrato de consórcio, além de não dar origem a uma nova entidade com personalidade jurídica ou sequer a um património autónomo, concede aos membros do contrato celebrado uma ampla margem de liberdade na fixação do conteúdo do concreto contrato de consórcio que celebrem.
II- É o caso da matéria respeitante à repartição dos custos e encargos pelo atraso na execução da empreitada (para cuja realização concertada foi formado o consórcio), em que é juridicamente vinculante a cláusula segundo a qual, nas relações internas, cada um dos membros do consórcio é “plena e exclusivamente responsável” pelos prejuízos que lhe forem imputáveis e que venham a sofrer o dono da obra ou outro membro do consórcio, tendo os outros membros do consórcio direito de regresso contra o membro faltoso, “pelas somas com que indevidamente entrarem pelo funcionamento da responsabilidade comum”.
Proc. 3.651/18.3T8BRG.G1.S1
6.ª Secção
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – Relatório
Casais – Engenharia e Construção S.A., com sede na Rua do Anjo, n.º 27, Mire de Tibães, Braga, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Espina & Delfin S.L., com sede em Polígono Industrial del Tambre, Via Édison, n.º 9, Santiago de Compostela, Espanha, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
“a) a quantia de € 1.538.869,32, a título de capital e juros de mora vencidos, correspondente ao valor global dos custos comuns incorridos pela A. e da responsabilidade da R.;
e, subsidiariamente, caso assim não se entenda,
b) a quantia de € 688.647,97, a título de capital e juros de mora vencidos, correspondente ao reajustamento dos custos comuns com as prorrogações de prazo e às percentagens de participação de cada uma no consórcio;
em qualquer caso,
c) montantes acrescidos de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal em vigor para dívidas entre sociedades comerciais, desde a propositura da ação até efetivo e integral pagamento.”
Alegou que, com vista à execução conjunta de uma empreitada (denominada “Empreitada de Execução da Captação e ETA do Sistema de Abastecimento de Água das Andorinhas e Rabagão – AA04”, adjudicada pela Águas do Ave S.A”), celebrou, em 24/03/2016, com a R. e com uma terceira sociedade (a a M. Couto Alves, SA) um contrato de consórcio, tendo, na mesma data (24/03/2016), sido celebrado um aditamento a tal contrato de consórcio, destinado a regular o modo de execução da empreitada entre os membros do consórcio, designadamente quanto à divisão dos respetivos trabalhos, percentagens de participação no consórcio (em que, na empreitada de construção, participavam com as seguintes percentagens: A - 23,75%; R. - 48,69%; e MCA – 27,56%), direitos, obrigações e repartição de responsabilidades entre os membros do consórcio.
Após o que foi celebrado, em 18/04/2006, o contrato de empreitada entre a Águas do Ave SA (dono da obra) e os membros de tal consórcio (empreiteiro), tendo tido lugar, em 26/06/2006, a consignação da empreitada, data a partir do qual se iniciou a contagem dos 390 dias do prazo de execução, devendo os trabalhos estar integralmente concluídos em 20/07/2007.
O que não aconteceu – os trabalhos estavam atrasados – tendo o consórcio apresentado ao dono da obra um pedido de prorrogação do prazo de execução da empreitada por mais 15,5 meses (até 28/10/2018), o que foi deferido; e, chegada esta última data, mantendo-se os trabalhos atrasados e por concluir, o consórcio apresentou ao dono da obra um segundo pedido de prorrogação do prazo de execução da empreitada por mais 10,23 meses, o que não foi aceite pelo dono da obra, tendo este, ao invés, aplicado ao consórcio uma multa contratual no valor de € 1.043.231,69 e debitado custos de fiscalização no montante de € 119.700,00.
Ora, segundo a A., nenhum dos dois pedidos de prorrogação de prazo resultou de atraso a si imputável, tendo sido o primeiro deles devido a factos “imputáveis maioritariamente ao dono da obra” e o segundo deles a negligência da R., “que não só se atrasou consecutivamente na elaboração e apresentação dos projetos de execução, como também na execução dos trabalhos da sua responsabilidade (instalação de equipamentos)”[1].
Prorrogações de prazo que, ainda segundo a A., obrigaram os membros do consórcio a fazer permanecer e afetar os seus meios de produção por mais tempo à obra, o que lhes trouxe custos e encargos, cujo ressarcimento, quanto ao primeiro pedido de prorrogação, o consórcio procurou obtê-lo do dono da obra (por lhe ser imputável), através do devido pedido de indemnização (reequilíbrio financeiro), o que não se concretizou por, face à multa contratual e débito de custos de fiscalização, “o consórcio se ter visto forçado a celebrar um acordo [o que veio a acontecer em 05/12/2012] com o dono da obra no sentido de aceitar a compensação das multas aplicadas pelo atraso na execução da empreitada com o pedido de indemnização (reequilíbrio financeiro) que havia sido apresentado pelo consórcio em 19 de Novembro de 2009”[2].
Assim, “impedidas de obter o ressarcimento dos custos do dono da obra, as empresas membros do consórcio fizeram o apuramento de todos os custos comuns incorridos por elas com as prorrogações do prazo de execução da empreitada, a fim de procederem à respetiva divisão de custos de cada empresa às percentagens de participação de cada uma no consórcio”[3], apuramento que ocorreu em reunião do consórcio, ocorrida em 10/03/2010 e destinada a “apurar os custos reais das consorciadas referentes às prorrogações de prazo da empreitada”[4], tendo-se aí, relativamente à primeira prorrogação do prazo (até 28/10/2008), acordado (pelos representantes de todas as consorciadas) e lavrado em ata (por todos assinada) que tais custos reais ascenderam a € 756.086,88 (sendo de € 81.739,06 os custos da MCA; de € 120.120,61 os custos da R.; e de € 554.227,21 os custos da A.); e tendo-se aí, relativamente ao período após 28/10/2008, “apresentado uma tabela com os custos previstos” de que resulta um total de custos comuns suportados pela A. no montante de € 365.909,15.
“O que perfaz um total de € 921.328,24[5] de custos suportados pela A. com a afetação de recursos, de mão-de-obra, materiais e equipamentos (custo de estaleiro) para as duas prorrogações de prazo de empreitada”[6], sendo “a responsabilidade por suportar estes custos (…) integralmente da R. que com o atraso provocado na execução dos trabalhos, obrigou a uma maior permanência dos meios de produção da A. em obra e impediu a A. de obter o seu ressarcimento do dono da obra”[7]; e, “caso assim não se entenda (…) sempre os custos a suportar pela A devem corresponder, no limite, à sua participação no consórcio (23,75%)”[8].
Daí, respetivamente, o pedido principal e o pedido subsidiário formulados, a que, segundo a A., acrescem juros de mora comerciais, uma vez que, “através da ata da reunião do consórcio de 10 de Março de 2010, a R. foi interpelada e reconheceu expressamente a sua dívida para com a A. sendo devidos juros desde essa data”.
A R. contestou onde – para além de invocar a caducidade do direito da A., a litispendência e o abuso de direito – impugnou parte da factualidade alegada pela Autora, em particular a atinente à responsabilidade que a A. lhe imputa no incumprimento dos prazos de conclusão da empreitada, e invocou que o incumprimento do cronograma de execução da empreitada foi motivado por alterações ao projeto, introduzidas pelo dono da obra, ao longo de praticamente toda a empreitada, e por atrasos da A. na conclusão de alguns trabalhos de construção civil, o que impossibilitou/atrasou a instalação de equipamentos por parte da R.; acrescentando, quanto aos encargos associados à maior permanência em obra do consórcio até ao final da primeira prorrogação, que os valores apresentados pela A. estavam empolados e impugnando os montantes relativos aos encargos por permanência em obra após o final da prorrogação aceite pelo dono da obra.
E concluiu pela sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela sua absolvição de todos os pedidos.
A A. respondeu, pugnando pela improcedência de todas as exceções e reiterando o que havia alegado na petição inicial.
Foi realizada a audiência prévia (tendo, sem censura, sido julgadas improcedentes as exceções da caducidade, da litispendência e do abuso de direito), proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.
Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que julgou a ação parcialmente procedente nos seguintes termos:
“a) condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 221.938,94, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas legais em cada momento em vigor para as operações comerciais, nos termos da Portaria nº 597/2005, de 19/07;
b) condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação, referente aos custos comuns suportados pela Autora após 28-10-2008, até ao limite de máximo de € 365.909,15, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas legais em cada momento em vigor para as operações comerciais, nos termos da Portaria nº 597/2005, de 19/07.”
Inconformadas com tal decisão, interpuseram recursos de apelação quer a A. quer a R., recursos que, por acórdão da Relação ….. de 14/01/2021, foram decididos nos seguintes termos:
“(…) acorda-se (…)em julgar improcedente a apelação da Ré e parcialmente procedente a apelação da A., condenando-se a Ré a pagar à A. a quantia de 554,227.21 € (cinquenta e quatro mil, duzentos e vinte e sete euros e vinte e um cêntimos), revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar à A. a quantia de 221.938,94€ (duzentos e vinte e um mil, novecentos e trinta e oito euros e noventa e quatro cêntimos) e no que respeita à alteração da matéria de facto acima determinada e confirmando-se essa decisão na parte restante.(…)”
Ainda inconformada, interpõe a R. o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por “outro em que se revogue o acórdão recorrido (…), absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos formulados na ação; se assim se não vier a entender, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e proferindo-se acórdão que mantenha na íntegra a decisão da primeira instância (…)”.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
(…)
1 - Interpôs a Recorrente/recorrida o presente recurso, por entender que o douto Acórdão revidendo enferma de evidentes nulidades, quer em face das alterações que introduziu à matéria de facto, quer porque não foi o recurso da Recorrente da douta decisão da primeira instância, apreciado na sua totalidade, designadamente quanto à impugnação da mesma para além da douta decisão da matéria de facto. Além disso, discorda ainda a Recorrente da revogação por parte do Venerando Tribunal “a quo”, da douta decisão da primeira instância, na parte em que condenou a Recorrente no pagamento à Recorrida dos alegados custos comuns por esta sofridos, aumentando o valor dessa condenação, tendo sido tal revogação parcial pelo Douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, operada com errada interpretação dos comandos legais e contratuais aplicáveis à questão em apreço. Efetivamente,
2 - As alterações introduzidas à matéria de facto no douto Acórdão revidendo, salvo o maior respeito, por não terem, do nosso ponto de vista, qualquer acolhimento nos elementos de prova que se alude no mesmo douto aresto, fazem-no enfermar, nesta parte, de nulidade, que ora expressamente se invoca, dada a, quanto a nós, contradição entre os fundamentos e a decisão de alteração da matéria de facto provada (artigo 615º-1-c) e 674º-1-c) do Código de Processo Civil).
3 – Retirou-se do Ponto 32 da matéria de facto provada a expressão “trabalhos da sua responsabilidade referidos em 28”, por se ter ajuizado que a partir de 28 de Outubro de 2008, a Recorrida apenas teve despesas com a obra resultantes dos custos comuns ou indiretos, não tendo executado qualquer trabalho relacionado com a empreitada, ou seja, não tendo tido que suportar custos diretos.
4 – Além de resultar dos autos que tal não é verdade, o próprio ponto 28 da matéria de facto provada (“(…) Naquela data os trabalhos de construção civil encontravam-se concluídos, com exceção daqueles que estavam dependentes da efetiva instalação dos equipamentos por parte da Ré.(…), desmente, quanto a nós perentoriamente, tal conclusão, pelo que tal decisão está em flagrante contradição com os fundamentos invocados, visto que flui com clareza de tal matéria, que depois de 28 de Outubro de 2008, a Recorrida ainda teve de executar trabalhos da sua responsabilidade na empreitada, tendo para esse efeito, de manter em obra os correspondentes meios de produção, conforme contratualmente lhe competia.
5 - Assim, os meios em obra de que a Recorrida necessitava para os concluir representavam, necessariamente, custos diretos para aquela e, não, custos indiretos ou comuns.
6 – Do mesmo modo, enferma de tal contradição, a alteração da matéria de facto respeitante aos pontos 39 e 40 da matéria de facto provada, que se vem a traduzir no entendimento de que a reunião em que os citados legais representantes da Recorrente foram obrigados a sair, não foi a de 18 de Março de 2010, agendada na anterior de 10 de Março de 2010, mas uma qualquer outra reunião a que determinadas testemunhas arroladas pela Recorrida aludiram, mais se concluindo a este respeito no douto Acórdão em crise, que até tal não faria sentido porque os valores dos custos suportados pela consorciadas, tinham sido acordados na reunião de 10 de Março de 2010.
7 - Em primeiro lugar, o Venerando Tribunal “a quo” não alude, quanto a nós e salvo o devido respeito, à razão pela qual no douto Acórdão em crise, a esse respeito se interpreta diferentemente os depoimentos das citadas testemunhas arroladas pela Recorrida e se oblitera ainda o depoimento de uma das pessoas que esteve presente em tal reunião, o Eng. AA, no que nos parece uma omissão da análise críticas das provas, que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe.
8 - Por outro lado, resulta da citada ata da reunião de 10 de Março de 2010, os custos aceites pelas consorciadas na reunião de 10 de Março de 2010, foram os ocorridos até 28 de Outubro de 2008 e que na agendada reunião de 18 de Março de 2010, discutir-se-iam os custos comuns suportados a partir de 28 de Outubro de 2008 e que a própria Recorrida tinha reconhecido estarem empolados.
9 - Acresce que, ao contrário do que vem dito na douta decisão recorrida, o recurso da ora Recorrente, não se limitou à impugnação da douta decisão sobre a matéria de facto e às consequências daí decorrentes para a decisão de mérito do pleito, uma vez que nos pontos 30 a 39 das conclusões das alegações de recurso e no próprio texto das alegações, aduzem-se argumentos no sentido da impugnação da douta decisão da primeira instância, com base na fundamentação de facto da mesma douta sentença tal qual foi proferida.
10 – Com efeito, sobre esta impugnação da douta decisão da primeira instância, absolutamente distinta da impugnação da douta decisão sobre a matéria de facto, na medida em que se sustentou e apontou críticas à douta decisão da primeira instância, no que concerne à aplicação do Direito à matéria fixada, enumerando-se as disposições legais e documentos contratuais cuja aplicação e interpretação impunham uma decisão diferente da que foi tomada, não houve, quanto a nós e com todo respeito, por parte do Venerando Tribunal “a quo” a menor pronúncia, o que configura a nulidade prevista nos artigos 615-1-d) e 674º-1-c) do Código de Processo Civil, que igualmente se argui.
11 - Não se conforma igualmente a Recorrente com o douto Acórdão revidendo, na parte em que decidiu revogar a douta decisão da primeira instância, alterando o valor da indemnização que condenou a Recorrente a pagar à Recorrida, pelos alegados custos comuns sofridos por esta no período anterior a 28 de Outubro de 2008, de € 221.938,94 para € 554,227.21.
12 - Salvo o devido respeito, não conseguimos seguir o raciocínio expendido para suportar tal decisão, entendendo-se que, nesta parte, o entendimento do Meritíssimo Julgado da primeira instância é inteiramente correto.
13 - Com efeito, se tivesse havido lugar ao reequilíbrio financeiro pretendido pelo consórcio e pelos valores acordados na reunião de 10 de Março de 2010, no que concerne aos custos comuns sofridos naquele período anterior a 28 de Outubro de 2008, a Recorrida teria direito a receber do dono da obra, em função das percentagens do contrato de consórcio, a quantia de € 221.938,94.
14 - Como não pôde receber tal quantia do dono da obra, no que concerne a esse período da obra, porque o consórcio deliberou operar a compensação de tais quantias com o valor das multas contratuais, decidiu-se no douto Acórdão revidendo, que a Recorrida passou a ter direito a receber da Recorrente o valor de € 554,227.21, o que se traduz numa opção por tal valor, salvo o devido respeito, completamente despropositada, em face do previsto contratualmente a este respeito, profundamente injusto e gerador de um autêntico enriquecimento sem causa a favor da Recorrida.
15 - Na verdade, não existe a menor justificação para que exista essa diferença de valor, que é específica daquele período da obra, consoante a responsabilidade tenha sido do dono da obra, geradora do direito ao reequilíbrio financeiro, ou da Recorrente, porque houve compensação de tal montante com as multas contratuais, por atrasos da obra alegadamente causados pela Recorrente, no período posterior a 28 de Outubro de 2008.
16 – O ponto 4 da cláusula 7ª do aditamento ao contrato de consórcio, do nosso ponto de vista, nada tem que ver com a matéria em análise, uma vez que o direito de regresso aí previsto, tem que ver com as somas que as consorciadas tiverem concretamente despendido pelo funcionamento da responsabilidade comum, perante terceiros, o que não abrange as questões, como é a que está em apreço, relacionadas com a repartição dos custos comuns.
17 – Mesmo assim e sem prescindir, a soma que a Recorrida teria deixado de receber do dono da obra, por causa da compensação com as multas contratuais, seria sempre de € 221.938,94, conforme se decidiu em primeira instância.
18 – De resto, no douto Acórdão revidendo e quanto a nós, nem se chega a explicar, apesar de se reconhecer a justeza do raciocínio do julgado da primeira instância, porque é que, se não tivesse havido atrasos por parte da Recorrente na conclusão da obra, a Recorrida veria ser-lhe paga maior percentagem dos custos comuns, por parte do dono da obra, do que aquela que viu ser compensada com as multas contratuais e que agora é a Recorrente que lhe tem de pagar.
19 - Salvo o mais merecido respeito, parece-nos então que o raciocínio expresso no douto Acórdão revidendo, será este: se não houvesse culpa da Recorrente, a Recorrida iria receber do dono da obra € 221.938,94, dos ditos custos comuns, em face da proporção da participação de cada consorciada no consórcio; como houve culpa da Recorrente e aplicação de multas e o consórcio quis compensar uns com os outros, então o “crédito” da Recorrida passa a ser € 554,227.21.
20 - Imaginando que tinha havido culpa da Recorrente, mas que o dono da obra não tinha aplicado quaisquer multas e se tinha disposto, não obstante o atraso da obra, a aceitar o reequilíbrio financeiro relativamente à prorrogação concedida até 28 de Outubro de 2008, que valor de custos comuns entenderia o Venerando Tribunal “a quo” que a Recorrida poderia exigir? Parece-nos que a única resposta aceitável, seria a do valor dos mesmíssimos € 221.938,94, que o tribunal da primeira instância, quanto a nós de modo clarividente, entendeu que é o único modo correto e justo de interpretar o contrato de consórcio, a este respeito e, não, o valor alternativo que, sem a menor justificação contratual, nem legal, no douto Acórdão em crise, se entendeu condenar a Recorrente a pagar à Recorrida.
21 - Ora, se assim é em face do contratado, então do ponto de vista das disposições do Código Civil citadas no douto aresto em crise a este respeito, a injustiça do decidido resulta quiçá, mais flagrante, pois se acaba por calcular o montante da indemnização devida pela reparação dos danos, “maxime” a avaliação dos próprios danos, consoante o responsável seja o dono da obra ou a Recorrente.
22 - Donde, se nos afigurar ter-se no Douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, além das nulidades invocadas de que o mesmo enferma, interpretado erradamente os comandos legais aplicáveis ao caso em apreço e, outrossim, feito uma interpretação inadequada do conteúdo do clausulado do contrato de consórcio em questão.
23 – Deste modo, ao decidir como decidiu, incorreu o Meritíssimo Julgador “a quo” nas nulidades da decisão previstas nos artigos 615º-1-c) e d) e 674º-1-c) do Código de Processo Civil e ainda com violação, além do mais, do disposto nos artigos 236º a 239º, 405º-1, 406º-1, 483º, 563º, 564º nº 1, 570º e 798º, do Código Civil e artigo 201º parágrafo 5, do RJEOP e, bem assim, na errada interpretação, além do mais, das cláusulas 4ª-4, 5ª-1 e 7-4, do aludido aditamento ao contrato de consórcio. (…)”
A A. respondeu, sustentando, em síntese, que o acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pela R./recorrente, pelo que “(…) deve a presente revista ser julgada totalmente improcedente e, em consequência, deve o douto acórdão recorrido ser mantido integralmente”.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“ (…)
I O douto acórdão revidendo não merece qualquer censura, porquanto fez uma irrepreensível e maturada análise e ponderação da prova produzida nos autos, para a determinação dos factos provados, para concluir por uma
incensurável subsunção dos factos à lei, adjetiva e imperativa.
II. O douto acórdão revidendo não padece das nulidades assacadas pela Recorrente.
III. Não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão de alteração da matéria de facto provada (art.º 615.º, n.º 1, al. c) e 674.º, n.º 1, al. c) do CPC). Na análise da matéria de facto impugnada, o tribunal a quo teve em consideração toda a prova produzida nos autos, mencionando-a, comparando-a, lógica e cronologicamente, e procedendo à sua análise crítica através de um processo racional lógico, dedutivo e comparativo, concluindo pela subsunção dos factos ao direito.
IV. Não existe qualquer omissão do dever de pronúncia por parte do tribunal recorrido (art.º 615.º, n.º 1, al. d) e 674.º, n.º 1, al. c) do CPC). As questões ou argumentos não podem ser tecnicamente confundidas com factos, pois que a falta de consideração de um facto tido pela Recorrente como demonstrado ou ainda um suposto erro na apreciação da prova não integra a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
V. O que se verifica é que a Recorrente não concorda com a fundamentação de facto que motivou a alteração da decisão recorrida e, por isso, pretende discuti-la de novo nesta instância.
VI. A Recorrente argui a nulidade da decisão recorrida mas, na verdade, o que invoca é o erro de julgamento e, não obstante o disposto no n.º 3 do art.º 674.º do CPC, o certo é que tão-pouco se verifica qualquer erro de julgamento, sendo a decisão recorrida coerente e acertada.
VII. Relativamente à alteração do segmento condenatório, no sentido de condenar a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 554.227,21, não colhem os argumentos invocados pela Recorrente.
VIII. Face à matéria de facto provada (vg. pontos 27, 28, 29, 30, 31 e 34), tendo ficado provado que, por um lado, a Recorrida suportou mais custos do que aqueles que lhe competiam face à sua participação no consórcio e, por outro lado, que a impossibilidade de ressarcimento da Recorrida de todos os custos se ficou a dever a culpa exclusiva da Recorrente, então deve a Recorrente suportar todos os custos (e não apenas parte), por ser a única e exclusiva responsável por esse dano, de acordo com o disposto no n.º 4 da cláusula 7.ª do aditamento ao contrato de consórcio e arts. 483.º, 798.º, 563.º e 564.º do Código Civil. (…)”
Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Fundamentação de Facto
II – A Factos Provados[9]
1. A Autora, que anteriormente tomava a designação social de “Empreiteiros Casais de António Fernandes da Silva S.A.”, é uma sociedade de direito português que se dedica à atividade de construção civil e obras públicas.
2. A Ré é uma sociedade de direito ….., que se dedica à atividade de instalações hidráulicas, elétricas e mecânicas, atuando primacialmente na área do ambiente e da gestão integral do ciclo da água.
3. Em 14 de Março de 2005, o Conselho de Administração da da Águas do Ave S.A. lançou um concurso público internacional para a execução da denominada “Empreitada de Execução da Captação e ETA do Sistema de Abastecimento de de Água das Andorinhas e Rabagão – AA04”.
4. Pretendendo concorrer ao sobredito concurso público, a A., a R. e a sociedade M. Couto Alves S.A. encetaram negociações entre si tendo em vista a apresentação de proposta conjunta.
5. Tal interesse contratual resultava do facto de todas as empresas exercerem a sua atividade em áreas que integravam o objeto do contrato lançado a concurso, reunindo por isso condições para apresentar uma proposta conjunta competitiva em condições de obter a adjudicação do contrato.
6. Após negociações preliminares entre todos, A., R. e MCA decidiram apresentar uma proposta conjunta ao referido concurso público, a qual, tendo sido a proposta vencedora, foi objeto de adjudicação pela Águas do Ave S.A. em 23 de janeiro de 2006.
6a. Em 18 de Abril de 2006 foi celebrado o contrato de empreitada entre a Águas do Ave S.A. e os membros do consórcio, o qual tinha por objeto a “execução, pelo adjudicatário, da empreitada denominada empreitada de execução de captações e ETA – Sistema de Abastecimento de Água das Andorinhas e do Rabagão – AA 04.0.05 (AA04 / 2005 – Lote 4.1 + Lote 4.2)”.
7. A empreitada foi adjudicada pelo preço total de € 5.701.215,44, sendo € 5.216.158,44 referentes aos trabalhos de construção civil e € 485.057,00 referentes à operação de manutenção das instalações.
8. A empreitada deveria ser executada no prazo de 390 dias a partir da data da consignação da obra, sendo o prazo do arranque e manutenção de 12 meses com início na data de receção provisória.
9. Mais foi convencionado que, no caso de a obra não ser concluída no prazo contratualmente estabelecido, acrescido das prorrogações acordadas ou legais, o dono da obra teria o direito de aplicar ao empreiteiro multas de 1/1000 (um por mil) do valor da adjudicação no primeiro período correspondente a um décimo do prazo e, em cada período subsequente de igual duração, igual montante acrescido de 0,5/1000 (zero vírgula cinco por mil) até atingir o máximo de 5/1000 (cinco por mil), sem que, contudo, na sua globalidade possa exceder 20% (vinte por cento) do valor da adjudicação.
10. Foi ainda convencionado que “na execução da empreitada e em tudo o mais não previsto no presente contrato ou nos documentos que o integram, aplicar-se-á o disposto no Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, e demais legislação aplicável”.
11. Para a execução conjunta do contrato de empreitada, a A., a R. e a MCA constituíram um consórcio, tendo para o efeito assinado, em 24 de março de 2006, um contrato de consórcio e um aditamento ao mesmo.
12. O contrato de consórcio destinava-se a formalizar junto do dono da obra a sua constituição e o respetivo aditamento destinava-se a regular o modo de execução da empreitada entre os membros do consórcio, designadamente quanto à divisão dos respetivos trabalhos, percentagens de participação no consórcio, direitos, obrigações e repartição de responsabilidades entre os membros do consórcio.
13. No aditamento ao contrato de consórcio, foi convencionado, para alem do mais, o seguinte na cláusula 4ª.: “1. O valor total da adjudicação é de € 5.701.215,44, correspondendo € 5.216.158,44 ao valor da empreitada de construção e € 485.057,00 ao valor da operação e manutenção das instalações do sistema …..; 2. A participação de cada uma das consorciadas no consórcio corresponde, respetivamente, à seguinte percentagem: a) Quanto à empreitada de construção (€ 5.216.158,44): Casais: 23,75%; Espina: 48,69%; Couto Alves: 27,56%; b) Quanto à operação e manutenção das instalações do sistema …… (€ 485.057,00): Espina: 100,00% correspondentes à relação entre os valores da adjudicação dos trabalhos que lhe forem cometidos, segundo a repartição constante do Anexo I, e o preço total de adjudicação da empreitada (…); 4. As percentagens de participação no consórcio fixadas nos termos do número anterior serão, no final da Empreitada, reajustadas em função do valor dos trabalhos efetivamente executados ou atribuídos a cada uma das consorciadas, sendo os custos qualificados no presente contrato ou por deliberação no COF como comuns suportados por cada uma delas na proporção dessas participações reajustadas, procedendo-se à consequente retificação das imputações de custos entretanto efetuadas (…).
14. Nos termos convencionados na cláusula 5.ª do contrato de consórcio (aditamento): “1. Cada consorciada suportará todos os custos e despesas inerentes à execução dos trabalhos que lhe estejam atribuídos, bem como, na correspondente percentagem, as despesas e custos que, atendendo à respetiva natureza ou em consequência de acordo unânime das signatárias, sejam expressamente qualificadas como comuns a todas elas neste contrato, nos seus eventuais aditamentos, ou por deliberação do COF.”
15. Os n.ºs 2 e 3 desta cláusula (5.ª) fazem um elenco exemplificativo de tipos de despesas comuns, citando alguns exemplos: “2. São, desde já, consideradas despesas comuns a repartir entre as consorciadas na proporção das respetivas participações no consórcio, as despesas notariais, taxas, impostos, emolumentos do Tribunal de Contas ou quaisquer outras despesas inerentes à celebração do contrato de Empreitada e das suas eventuais modificações, exceto se essas modificações disserem respeito a trabalhos a mais atribuídos a apenas uma das consorciadas, bem como as despesas de emissão e manutenção das garantias bancárias claramente imputáveis a apenas uma das consorciadas, atendendo à repartição prevista na cláusula 4ª supra, casos em que esta os suportará integralmente; 3. Constituem ainda despesas comuns os custos com encargos de estaleiro geral, tais como escritório geral do consorcio, salas de reuniões, escritórios para a fiscalização e outros recursos a disponibilizar para esta ultima como viaturas, computadores, fax’s. linhas telefónicas e outros previstos em caderno de encargos, que serão suportados por ambas as consorciadas na medida da percentagem do valor atribuído ao artigo de estaleiro por cada uma das partes.”
16. Mais foi criado um Conselho de Orientação e Fiscalização do Consórcio (COF), competindo-lhe, nomeadamente, aprovar as contas do consórcio e deliberar sobre toda e qualquer matéria respeitante a encargos comuns do consórcio.
17. Nos termos da cláusula 21.º do contrato de consórcio (aditamento), o contrato de consórcio produz efeitos desde a data da sua assinatura e extingue-se quando, cumulativamente, se verificarem as seguintes circunstâncias: a) Estiverem integralmente cumpridas as obrigações decorrentes do contrato de empreitada celebrado com o Dono da Obra; b) Estiver efetuada a regularização de todas as contas e eventuais litígios com o Dono da Obra, bem como a libertação de todas as cauções ou garantias; c) Estiver feita a regularização de todas as contas e eventuais diferendos entre as consorciadas.
18. A consignação da empreitava teve lugar em 26 de junho de 2006, data a partir da qual se iniciou a contagem do prazo de execução.
19. Os trabalhos de construção civil que integravam o contrato de empreitada deveriam estar integralmente concluídos até 20 de julho de 2007.
20. Porém, nessa data, os trabalhos encontravam-se muito atrasados, motivo pelo qual o consórcio apresentou ao dono da obra um pedido de prorrogação do prazo de execução da empreitada até 28 de outubro de 2008 (isto é, mais 15,5 meses em relação ao prazo inicial), o qual foi deferido pelo dono da obra considerando 417 dias como período legal a conceder e o restante período de carácter gracioso.
21. Atendendo a que, nessa data de 28/10/2008, os trabalhos não se encontravam concluídos e apresentavam ainda um atraso significativo, o consórcio formalizou junto do dono da obra um novo pedido de prorrogação de prazo, desta feita por mais 10,23 meses, o qual, porém, não mereceu a aprovação deste último.
22. O projeto de execução ficou a cargo da Ré, tendo o dono de obra solicitado alterações ao mesmo.
23. A informação fornecida pelo dono de obra tinha pouca definição, o que não permitia uma elaboração rigorosa e atempada da alteração do projeto, motivando um alargamento do prazo de entrega do referido projeto.
24. A execução dos trabalhos de montagem de equipamento está dependente da execução do projeto, da conclusão dos trabalhos de construção civil e das datas de encomenda e entrega dos equipamentos.
25. O primeiro pedido de prorrogação de prazo resultou do referido em 22º e 23º durante os 417 dias de período legal concedido, tendo originado encargos associados à maior permanência em obra dos meios de produção do consórcio.
26. No período decorrido até 28 de outubro de 2008 foram suportados os seguintes montantes de custos comuns: € 554.227,21 pela A., € 120.120,61 pela Ré e € 81.739,06 pela MCA.
27. A partir de 28 de outubro de 2008 a empreitada atrasou-se devido a atrasos anteriores da Ré na elaboração e apresentação dos projetos de execução, bem como na execução dos trabalhos de instalação de equipamentos, da sua responsabilidade.
28. Naquela data os trabalhos de construção civil encontravam-se concluídos, com exceção daqueles que estavam dependentes da efetiva instalação dos equipamentos por parte da Ré.
29. Com estes atrasos, a Ré causou às demais consorciadas prejuízos diretos decorrentes da necessidade de maior afetação dos seus meios de produção à empreitada.
30. O dono da obra aplicou ao consórcio, em 15 de maio de 2009, uma multa contratual no valor de € 1.043.231,69 e debitou-lhe os custos de fiscalização no montante de € 119.700,00, referentes.
31. Esta multa deveu-se aos atrasos da Ré referidos em 27º no período posterior a 26 de outubro de 2008, para os quais as restantes consorciadas não contribuíram.
32. No período posterior a 28 de outubro de 2008, a Autora retirou uma parte significativa dos meios em obra, deixando apenas o necessário para a conclusão dos trabalhos.
33. Em face dos encargos referidos em 25º, a Autora apresentou ao dono da obra um reequilíbrio financeiro, o qual apresentava valores superiores aos custos reais referidos em 26º, nomeadamente custos de estaleiro, tendo sido entendimento do consórcio apresentar a solução de fecho de contas ao Dono da Obra.
34. Em 5 de Dezembro de 2012 foi celebrado entre o dono da obra e o consórcio um acordo, a que denominaram “Contrato de Transação”, mediante o qual foi declarado por todos que punham termo amigável ao litígio existente, desistindo o primeiro de cobrar o montante das multas aplicadas, enquanto que o segundo desistia do pedido que formulou a título de reequilíbrio financeiro do contrato no montante de € 2.560.654,00 (por conta dos custos indiretos suportados em consequência do prolongamento do prazo de execução da obra, por condicionalismos e factos que considerou não lhe deverem ser imputados) e também desistia da imputação dos custos de fiscalização.
35. Em 10 de Março de 2010 teve lugar uma reunião de consórcio, na qual estiveram presentes representantes de todas as consorciadas, destinada a “…discutir em sede de consórcio os seguintes pontos principais: 1 – Pedido de reequilíbrio financeiro ao Dono da Obra e respetiva divisão pelos consorciados; 2 – Apuramento de responsabilidades referentes à prorrogação da empreitada para além de outubro de 2008.”.
36. Da respetiva ata de reunião ficou a constar, quanto ao primeiro ponto (reequilíbrio financeiro), o seguinte: “Efetuado um historial do assunto referente ao envio do reequilíbrio financeiro resultante das prorrogações de prazo até outubro de 2008 para o Dono de Obra. Foi enviado um estudo de reequilíbrio financeiro para o Dono de Obra com base da fórmula da revisão de preços. O Dono de Obra solicitou que o estudo fosse reformulado e enviado de uma forma mais prática, ou seja, numa tabela em que fossem discriminados todos os custos (mão de obra, equipamento, subprodutividade) resultantes das prorrogações de prazo referidas. Reuniu-se a informação de cada um dos consorciados e chegou-se à tabela apresentada na reunião. Todos os consorciados concordam com a referida tabela. (ver anexo 1). Todos os consorciados concordam que os custos apresentados na tabela supracitada se encontram empolados não correspondendo à realidade.”.
37. Relativamente ao ponto debatido na reunião “Custos reais de cada consorciado - Período de prorrogação até outubro de 2008” ficou a constar da mesma ata que: “Em abril de 2008 foi efetuado por cada um dos consorciados um estudo de custos individuais reais de cada empresa, respeitantes ao período de prorrogações concedidas pelo Dono de Obra até outubro de 2008. (ver anexo 2); É recordada a referida divisão de custos reais por empresa, tendo o total dos custos reais apurados respeitantes a esse período (15.5 meses) sido: TOTAL: 756,086.88 €; MCA: 81,739.06 € (10,81%); Espina & Delfin: 120.120.61 € (15.89%); Casais 554,227.21 € (73.30%). Todos os consorciados concordam com a divisão de custos que cada consorciado teve nesse período (15.5 meses). É apresentada igualmente uma tabela com os custos previstos respeitantes ao período pós Outubro 2008 (10 meses). (ver anexo 3). Esta tabela foi efetuada seguindo os mesmos pressupostos (rácios) constantes na tabela dos custos reais dos 15.5 meses. A CASAIS admite que os seus custos apresentados para este período de 10 meses (pós Outubro de 2008) poderão ser mais reduzidos dado que nesse período já não tinha em obra toda a estrutura.”.
38. No tocante ao ponto “Apuramento de responsabilidades referentes à prorrogação da empreitada para além de outubro - multas e custos da fiscalização” na aludida ata consta o seguinte: “Em Abril de 2008 era convicção do Consórcio que a empreitada terminaria em Outubro de 2008. Neste pressuposto a CASAIS como líder de consórcio encontrava-se já a sensibilizar o Dono de Obra para a necessidade de se proceder a um reequilíbrio financeiro tendo em conta os 15.5 meses de prorrogação legal que foi concedido ao Consórcio. A CASAIS refere que o Dono de Obra à data estava ciente de tal situação. No entanto a empreitada viu-se prorrogada por mais 10 meses (pós Outubro de 2008) e o Dono de Obra procedeu à imputação de multas por violação de prazos contratuais ao Consórcio, assim como à imputação dos custos referentes aos serviços da fiscalização no referido período. A ESPINA&DELFIN refere que nesse período (pós outubro 2008) o Dono de Obra tem igualmente grandes responsabilidades, nomeadamente devido a: alteração do diagrama linear e parte elétrica. Foi assim acordado entre as partes que se irá realizar uma reunião técnica de consórcio para preparação de um documento a enviar no Dono de Obra, onde se registará a cronologia de todos os fatores que conduziram à prorrogação da empreitada em mais 10 meses. A ESPINA&DELFIN propôs a elaboração de um relatório detalhado com todos os pontos de discussão, ou seja, a razão para cada um dos atrasos em cada uma das tarefas. A reunião técnica decorrerá na próxima terça-feira, 18.03.2010 às 14.30h na sede da CASAIS. Fica acordado que o documento a enviar ao Dono de Obra será "fechado" entre todos os Consorciados. Fica acordado que haverá uma nova reunião de Administrações de Consórcio para preparação da reunião com o Dono de Obra.”.
39. No dia 18.03.2010, às 14.30h, na sede da Autora, ocorreu uma reunião técnica entre as consorciadas.
40 Foi convencionado no aditamento ao contrato de consórcio:
“(…)
Cláusula 7.ª (Responsabilidade)
1. As signatárias são solidariamente responsáveis perante o dono da obra caso assim resulte da lei ou dos termos do contrato de empreitada com este celebrado.
(…)
3. Cada uma das signatárias será plena e exclusivamente responsável pela perfeita e pontual execução de todos os trabalhos e tarefas que estão a seu cargo e pelo integral cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo consórcio relativas aos mesmos nos termos do contrato celebrado com o dono da obra.
4. Mesmo nos casos de responsabilidade comum das signatárias, seja no regime de solidariedade seja no de conjunção, nas suas relações internas cada uma das signatárias será plena e exclusivamente responsável por todos os prejuízos que, por ato que lhe seja imputável, venham a sofrer, no tocante à Empreitada adjudicada e sua execução, o dono da obra, o consórcio, a outra signatária ou quaisquer terceiros, tendo a outra signatária o direito de regresso contra a faltosa, pelas somas com que indevidamente entrar pelo funcionamento da responsabilidade comum.
5. Sem prejuízo do disposto no número anterior, enquanto não for possível determinar qual a signatária responsável, as indemnizações, multas, retenções ou quaisquer outras sanções ou ressarcimento de prejuízos a que haja lugar, serão provisoriamente repartidos entre ambos, na proporção dos respetivos trabalhos.
(…)
Cláusula 20.ª (Inadimplemento)
1. A falta grave de cumprimento por qualquer das signatárias das obrigações que para ela resultem do presente contrato ou do contrato de empreitada sujeita-a a indemnizar a outra por todos os prejuízos que em consequência lhe cause. (…)”
*
II – B Factos não provados
Não se provou que:
a) No período posterior a 28 de Outubro de 2008 (10,23 meses), os custos comuns suportados pela Autora decorrentes da necessidade de maior afetação dos seus meios de produção referidos em 29º ascenderam a € 365.909,15.
b) A Ré não teve colaboração da parte do dono da obra e de fornecedores.
c) A autora se recusou a prestar apoio à Ré na elaboração da alteração ao projeto, o que desencadeou desde o início um clima de mal-estar entre os consorciados.
d) As dúvidas relacionadas com o projeto mantiveram-se até à fase final da empreitada (automação e fornecimento de energia elétrica), o que provocou constrangimentos em relação à compra de equipamentos e elaboração dos programas de controlo da fase de exploração, por parte da Ré.
e) Os atrasos atribuídos à Ré foram motivados pelo incumprimento do cronograma de execução da empreitada.
f) Com exceção dos trabalhos referidos em 28º, a Autora, já em fase de execução dos trabalhos por parte da Ré, continuava com frentes de obra em laboração.
g) Ocorreram atrasos da Autora na conclusão dos seus trabalhos que condicionaram a execução dos trabalhos da Ré, pois tecnicamente não podia instalar equipamentos sem que aqueles estivessem realizados.
h) A data de 28 de outubro de 2008 para prorrogação do prazo deveu-se a insistência da Autora, apesar da Ré, por várias vezes, ter reconhecido dificuldades em cumprir a fase de montagem de equipamentos, devido aos atrasos da construção civil.
i) Na qualidade de líder do consórcio a Autora assumiu a decisão, desvalorizando e mesmo ignorando a posição da Ré.
j) O pagamento das multas não foi exigido pelo Dono da Obra.
k) Na reunião técnica entre as consorciadas, referida no ponto 39, os representantes da Ré, o Eng.º BB e o Eng. AA, questionaram os representantes da Autora sobre os valores empolados e desequilibrados face às responsabilidades das consorciados.
l) Após alguma discussão, os representantes da Ré foram convidados a sair da reunião pelo representante da Autora, o Eng. CC, com a justificação de que não haveria da parte da Autora disponibilidade nem interesse para rever o valor.
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III – Fundamentação de Direito
Na génese do presente litígio está um contrato de empreitada que foi celebrado entre a Águas do Ave, SA. (como dono de obra) e os 3 membros do consórcio adjudicatário (empreiteiro), consórcio este formado justamente para concorrer e, vencido o concurso público, executar a empreitada.
Mas, embora a empreitada esteja na génese do litígio, não decorre o mesmo no estrito âmbito do contrato de empreitada e entre a adjudicante e as adjudicatárias em tal contrato de empreitada – aliás, para conhecer dum tal litígio, nem seriam sequer os tribunais comuns os competentes (por o contrato de empreitada celebrado ser um contrato administrativo) – decorrendo a jusante de tal contrato de empreitada e no estrito âmbito do contrato de consórcio celebrado (para outorgar o contrato administrativo de empreitada e para executar a empreitada), ou seja, nas relações internas que no contrato de consórcio foram estabelecidas; e decorrendo o litígio apenas entre duas (a aqui A. e a aqui R.) das três empresas consorciadas.
Não obstante, uma vez que o consórcio teve como objeto a execução concertada da empreitada, as “relações internas” hão de naturalmente dizer respeito ao que havia de ocorrer no decurso e âmbito da execução do contrato de empreitada celebrado pelos membros do consórcio, pelo que a factualidade que aqui é trazida e invocada tem a ver com a execução do contrato de empreitada.
Daí que o litígio, alicerçado no programa contratual do consórcio, se traduza num pretensão de “reembolso” de custos e encargos que a consorciada/A. diz ter tido na execução da empreitada, os quais, segundo a A., nos termos do contrato de consórcio, devem ser suportados pela consorciada/R..
Detalhando um pouco mais e como resulta do relato inicial, a A. diz que a execução da empreitada (que lhes foi adjudicada) conheceu uma atraso de 25,73 meses, atraso esse que a obrigou a fazer permanecer e afetar os seus meios de produção por mais tempo à obra, o que lhe trouxe custos e encargos que doutro modo não teria tido, cujo ressarcimento aqui pede da R. (ou na totalidade ou, no mínimo, na percentagem de participação da R. no consórcio), por, quanto a um inicial atraso de 15,5 meses, sendo o mesma imputável ao dono da obra, a indemnização devida (deste) ter sido/ficado compensada com a multa contratual e o débito de custos de fiscalização que lhes (às adjudicatárias) foi aplicado pelo dono da obra em razão do segundo atraso, de 10,23 meses, atraso este unicamente imputável à R., permanecendo assim a A., ao arrepio do programa contratual do consórcio, com os custos e encargos resultantes do atraso global de 25,73 meses.
Resumidos a génese e os termos do litígio, temos, passando à delimitação do objeto da revista, que apenas a questão respeitante à obrigação acessória dos juros – mas exatamente, a questão do termo inicial dos mesmos – se encontra já consolidada: as instâncias decidiram ambas que estes serão devidos (a haver obrigação principal, o que ainda se discute) apenas desde a citação, “dupla conforme” com que a A. naturalmente se conformou.
Mantém-se pois sob discussão – constituindo o objeto da revista – toda a obrigação principal[10]: os pedidos de “reembolso” de custos e encargos originados quer pelo primeiro atraso (de que foi feito um pedido de prorrogação, concedido pelo dono da obra) quer pelo segundo atraso (de que também foi feito um pedido de prorrogação, não aceite pelo dono da obra) da empreitada.
Suscitando a R/recorrente duas questões de natureza processual (nulidades do acórdão recorrido) e divergindo dos raciocínios jurídicos de mérito efetuados no acórdão recorrido.
Começando pelas questões de natureza processual:
Diz a R./recorrente que as alterações introduzidas à matéria de facto no acórdão sob recurso “não têm acolhimento nos elementos de prova que se alude no mesmo douto aresto, fazendo-o enfermar, nesta parte, de nulidade, que ora expressamente se invoca, dada a, quanto a nós, contradição entre os fundamentos e a decisão de alteração da matéria de facto provada (artigo 615º-1-c) e 674º-1-c) do Código de Processo Civil)”.
Mas o que a R/recorrente verdadeiramente pretende – o que é muito evidente ao dizer que constitui nulidade a introdução de alterações da matéria de facto que “não têm acolhimento nos elementos de prova” – é discutir a matéria de facto fixada/alterada pela Relação.
Só que, como é sabido, a competência do Supremo é dirigida à aplicação do direito aos factos fixados pelas instâncias, razão pela qual o recurso de revista tem como fundamento a violação da lei, substantiva ou processual (cfr. art. 674.º/1/a) e b) CPC), sendo o julgamento da matéria de facto pela Relação, em princípio, definitivo, na medida em que o Supremo se limita, em sede de fixação dos factos, a verificar a ofensa de regras de direito probatório material, sem prejuízo de poder ordenar a ampliação da matéria de facto quando ela seja insuficiente para a decisão de direito ou nela ocorram contradições que a inviabilizem.
Ou seja, na fixação dos factos, o Supremo tem uma intervenção residual, apenas se podendo limitar a averiguar da observância das regras de direito probatório material (cfr. 674.º/3 e 682.º/2 do CPC) e a determinar, se se mostrar necessário, a ampliação da matéria de facto (cfr. 682.º/3 do CPC), o que significa que fogem ao controlo do Supremo as provas sujeitas à livre apreciação do julgador (como é o caso da prova testemunhal, que conduziu às alterações introduzidas pela Relação) e que ao Supremo está vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal inferior toma como referente prova não vinculada ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva.
Ademais – sem entrar na apreciação da prova de apreciação livre produzida, que, repete-se, está vedada ao Supremo – não podemos deixar de observar:
- que a eliminação, do ponto 32 dos factos provados, da expressão “da sua responsabilidade referida em 28”, está em perfeita harmonia com os restante factos provados (não se verificando qualquer ambiguidade ou obscuridade e/ou a hipótese referida no final do art. 682.º/3 do CPC);
- que, estando provado no ponto 29, sem censura, desde a 1.ª Instância, que “com os atrasos a R. causou às demais consorciadas prejuízos diretos decorrentes da necessidade de maior afetação dos seus meios de produção à empreitada”, a melhor harmonia factual é dada exatamente pela eliminação efetuada na Relação (uma vez que, para haver os prejuízos de que se fala no ponto 29, é porque a A. não terá deixado em obra apenas os meios necessários à conclusão dos trabalhos da sua responsabilidade);
- que, seja como for, os meios que exatamente deixou e os precisos custos e prejuízos causados é algo cuja fixação já está relegada, por ambas as instâncias, para incidente de liquidação (sendo portanto em tal incidente que tudo isso terá que ser concretizado, sem prejuízo de estar já assente que “no período posterior a 28 de outubro de 2008, a A. retirou uma parte significativa dos meios em obra”);
- que o que constava dos pontos 39 e 40 dos factos provados da sentença de 1.ª Instância (e que, com as alterações introduzidas pela Relação passou, no essencial, para os factos não provados) é, com todo o respeito, juridicamente irrelevante para o desfecho dos autos, como irá resultar do que a seguir se irá apreciar e expor sobre o mérito da causa/recurso[11].
Não se verifica pois a nulidade de sentença/acórdão do art. 615.º/1/c) do CPC.
Assim como não se verifica a nulidade de sentença/acórdão do art. 615.º/1/d) do CPC.
Segundo a referida alínea d), constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que se refere o art. 608.º do CPC.
Como refere (sendo o sublinhado nosso) o Juiz-Conselheiro Ferreira de Almeida sobre (o suscitado pela R/recorrente) 1.º segmento do art. 615.º/1/d)[12]:
“ (…) Em obediência ao comando do n.º 2 do art. 608.º, deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer.
Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes. (…)”
Explicado o sentido de tal causa de nulidade de sentença, é de todo evidente que só por manifesto lapso se pode ter invocado tal vício de nulidade em relação a uma acórdão em que os fundamentos, de facto e de direito, se encontram expostos, em que se conclui em perfeita harmonia com o exposto e em que se conheceu, sem excesso ou omissão, das questões devidas.
A questão, em rigor, não é pois de nulidade de sentença/acórdão, mas sim de divergência com o decidido, apreciação que se passa a efetuar.
O litígio situa-se, como já se referiu, no estrito âmbito das relações internas do contrato de consórcio.
Contrato de consórcio que é – na definição/noção constante do art. 1.º do DL 231/81, de 28-07 – o contrato através do qual duas ou mais empresas, singulares ou coletivas, se vinculam a realizar concertadamente[13] determinada atividade ou efetuar certa contribuição com vista a prosseguir um dos tipos de atividade expressamente previstos na lei (no art. 2.º do tal DL); e que “constitui a expressão legislativa da necessidade, sentida no mundo económico, dum instrumento jurídico apto a organizar uma cooperação temporária e limitada entre empresas que lhes permita, a um tempo, criar vinculações mútuas para efeitos da realização de um determinado empreendimento, organizando flexivelmente o quadro de relações internas e externas e libertando-se dessas amarras logo que tal objetivo tenha sido atingido”[14].
Flexibilidade que, no caso do contrato de consórcio, é muito evidente, quer na circunstância da sua celebração não dar origem ao nascimento de uma nova entidade com personalidade jurídica ou sequer a um património autónomo[15], quer no carater supletivo de uma boa parte da sua disciplina e no princípio fundamental da liberdade de conformação contratual (cfr. art. 4.º/1 do DL 231/81).
Significando pois esta flexibilidade que os membros do consórcio têm ampla margem de liberdade (art. 405.º/1 do C. Civil) na fixação do conteúdo do concreto contrato de consórcio que celebrem, designadamente quanto à repartição dos lucros e perdas geradas pela atividade consorcial e quanto à respetiva responsabilidade; e que, face à ausência de personalidade jurídica e autonomia patrimonial do consórcio, os sujeitos dos direitos e deveres emergentes das relações estabelecidas entre os membros do consórcio e os terceiros são os próprios consorciados (afastando a lei expressamente qualquer presunção de solidariedade ativa e passiva entre os consorciados, no art. 19.º/1, e determinando que eventuais obrigações indemnizatórias fundadas em responsabilidade civil apenas afetam o consorciado responsável – cfr art. 19.º/3).
Consórcio que (como está previsto no art. 5.º do DL 231/81) pode ser externo ou interno, consoante os consorciados invocam ou não a sua qualidade de membro consorcial nas relações externas estabelecidas com terceiros; caracterizando-se o consórcio externo por um evidente reforço da componente organizativa e patrimonial da cooperação interempresarial de base consorcial, prevendo a lei a possibilidade de instituição de um “Conselho de Orientação e Fiscalização”, composto por todos os consorciados, cujo funcionamento e competências podem ser supletivamente convencionadas por estes (cfr. art. 7.º do DL 231/81), e pela obrigatoriedade de designação de um “chefe do consórcio” (e a adoção duma denominação própria).
Isto dito, olhando aos factos (e aos documentos que formalizaram o contrato de consórcio e o coevo aditamento ao contrato de consórcio, juntos de fls. 31 verso a 39), temos, fora de qualquer dúvida, que foi celebrado um “consórcio externo”, denominado “Casais/Espina/MCA”, com a “Casais” como Chefe de Consórcio e com a criação dum “Conselho de Orientação e Fiscalização” (COF), com o modo de funcionamento e as competências referidas nas cláusulas 4.ª e 10.ª (do contrato e do aditamento, respetivamente).
Tendo as consorciadas, dentro da referida ampla margem de liberdade de conformação contratual (cfr. art. 4.º/1 do DL 231/81 e 405.º/1 do C. Civil), clausulado (no aditamento):
Cláusula 7.ª (Responsabilidade)
1. As signatárias são solidariamente responsáveis perante o dono da obra caso assim resulte da lei ou dos termos do contrato de empreitada com este celebrado.
(…)
3. Cada uma das signatárias será plena e exclusivamente responsável pela perfeita e pontual execução de todos os trabalhos e tarefas que estão a seu cargo e pelo integral cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo consórcio relativas aos mesmos nos termos do contrato celebrado com o dono da obra.
4. Mesmo nos casos de responsabilidade comum das signatárias, seja no regime de solidariedade seja no de conjunção, nas suas relações internas cada uma das signatárias será plena e exclusivamente responsável por todos os prejuízos que, por ato que lhe seja imputável, venham a sofrer, no tocante à Empreitada adjudicada e sua execução, o dono da obra, o consórcio, a outra signatária ou quaisquer terceiros, tendo a outra signatária o direito de regresso contra a faltosa, pelas somas com que indevidamente entrar pelo funcionamento da responsabilidade comum.
5. Sem prejuízo do disposto no número anterior, enquanto não for possível determinar qual a signatária responsável, as indemnizações, multas, retenções ou quaisquer outras sanções ou ressarcimento de prejuízos a que haja lugar, serão provisoriamente repartidos entre ambos, na proporção dos respetivos trabalhos.
(…)
Cláusula 20.ª (Inadimplemento)
1. A falta grave de cumprimento por qualquer das signatárias das obrigações que para ela resultem do presente contrato ou do contrato de empreitada sujeita-a a indemnizar a outra por todos os prejuízos que em consequência lhe cause. (…)”
Clausulado este que, a nosso ver, contém a vinculação jurídica convocável para a solução do litígio.
Efetivamente, em síntese, podemos afirmar que resulta claramente dos factos:
- que nada se provou que permita imputar à A. qualquer responsabilidade nos atrasos que houve na execução da empreitada;
- que se provou que, durante os primeiros 417 dias do pedido de prorrogação do prazo concedido (até 28/10/2008), a responsabilidade pelos atrasos na execução da obra pertenceu ao dono da obra (pelas razões que resultam do que consta dos pontos 20 e 22 a 25 dos factos provados);
- que não se provou, quanto aos restantes 49 dias do pedido de prorrogação do prazo concedido (até 28/10/2018), a responsabilidade de quem quer que fosse – do dono da obra ou dos membros do consórcio – pelo atraso na execução da obra (como também resulta do que consta dos pontos 20 e 22 a 25 dos factos provados); e
- que se provou que, a partir de 28/10/2008, a responsabilidade pelos atrasos na execução da obra pertenceu à R. (pelas razões que resultam do que consta dos pontos 27 e 28 dos factos provados).
Resultando igualmente dos factos provados que:
- com o atraso ocorrido até 28 de outubro de 2008 (nos 466 dias seguintes a 20/07/2007), foram suportados os seguintes montantes de custos comuns: € 554.227,21 pela A., € 120.120,61 pela Ré e € 81.739,06 pela M...... (ponto 26 dos factos);
- com o atraso ocorrido após 28 de outubro de 2008, a R. causou às demais consorciadas prejuízos diretos decorrentes da necessidade de maior afetação dos seus meios de produção à empreitada (pontos 27 a 29 dos factos);
- devido ao atraso posterior a 28 de outubro de 2008, o dono da obra aplicou ao consórcio, em 15 de maio de 2009, uma multa contratual no valor de € 1.043.231,69 e debitou-lhe custos de fiscalização no montante de € 119.700,00 (pontos 30 e 31 dos factos);
- o consórcio formulou um pedido de reequilíbrio financeiro “empolado” ao dono da obra, respeitante aos custos suportados pelo consórcio com o atraso até 28/10/2008, tendo, em 05/12/2012, sido celebrada (entre o dono da obra e os membros do consórcio) transação, mediante a qual o dono da obra desistiu de cobrar o montante das multas aplicadas e os membros do consórcio desistiram do pedido de reequilíbrio financeiro que os membros do consórcio haviam formulado no montante “empolado “de € 2.560.654,00 (pontos 33 e 34).
Temos pois – é um aspeto, face aos diversos raciocínios constantes da divergência recursiva da R., que cumpre enfatizar – que o atraso (na execução da obra/empreitada) posterior a 28/10/2008, da responsabilidade da R., causou dois prejuízos aos membros do consórcio:
1.º – Os decorrentes da necessidade de continuar a afetar meios de produção à empreitada após 28/10/2008 (são os prejuízos cuja liquidação as instâncias relegaram para incidente de liquidação); e
2.º - Os consistentes na multa contratual (no valor de € 1.043.231,69) e nos débitos dos custos de fiscalização (no montante de € 119.700,00) que a dona da obra, nos termos do contrato de empreitada (da cláusula 21.ª e do que se dispunha no então aplicável DL 59/99, de 2 de Março), aplicou ao consórcio e que depois funcionaram como crédito (contra os membros do consórcio) na compensação com o crédito dos membros do consórcio decorrente do pedido de reequilíbrio financeiro (“empolado” para € 2.560.654,00) respeitante aos custos suportados pelo consórcio com o atraso até 28/10/2008.
Sendo que tais dois prejuízos, nos termos e de acordo com o clausulado transcrito (maxime da cláusula 7.º/4), são ambos da responsabilidade da R/recorrente (com a ressalva que a seguir se explicará).
Efetivamente, diz-se em tal cláusula que, nas relações internas (seja no regime de solidariedade seja no de conjunção), cada um dos membros do consórcio é “plena e exclusivamente responsável” pelos prejuízos que lhe forem imputáveis e que venham a sofrer o dono da obra ou outro membro do consórcio, tendo os outros membros do consórcio direito de regresso contra o membro faltoso, “pelas somas com que indevidamente entrarem pelo funcionamento da responsabilidade comum”.
Foi exatamente isto (com a ressalva, repete-se, que a seguir se explicará) que aconteceu com os € 554.227,21 referidos no ponto 26 dos factos, respeitantes aos custos suportados pela A. com o atraso ocorrido até 28 de outubro de 2008: tal montante entrou na totalidade para liquidar uma responsabilidade comum do consórcio[16], responsabilidade que, nas relações internas, é da exclusiva responsabilidade da R., uma vez que, como foi livremente fixado na referida cláusula 7.º/4, nas relações internas, cada um dos membros do consórcio só responde pelos prejuízos que lhe forem imputáveis, pelo que – é o ponto – tendo tal montante entrado para extinguir/compensar uma dívida da exclusiva responsabilidade da R. (a multa contratual no valor de € 1.043.231,69 e os débitos dos custos de fiscalização no montante de € 119.700,00), tem a A. – nos termos da referida cláusula, insiste-se – direito de regresso contra a R..
Temos pois que tal montante é devido à A. por ter “indevidamente entrado” (na expressão da citada cláusula) a responder por uma responsabilidade que, externamente, é “comum” (aos membros do consórcio), mas que, nas relações internas, é da responsabilidade exclusiva da R., tendo assim a A. direito de regresso sobre a R..
E respondendo aos raciocínios que a R/recorrente desenvolve na alegação recursiva, vale a pena chamar a atenção para o “cenário” que aconteceria se não existisse o crédito do dono da obra sobre o consórcio (decorrente da multa contratual no valor de € 1.043.231,69 e dos débitos dos custos de fiscalização no montante de € 119.700,00): nesta hipótese, o dono da obra teria que pagar os custos globais de € 756.086,88 (referidos no ponto 26 dos factos provados) aos membros do consórcio[17] e, claro, estando-se perante custos da responsabilidade do dono da obra, cada um dos membros do consórcio iria, na repartição interna, receber exatamente o que despendeu e não, como se raciocina, a sua proporção na participação do consórcio; e, se, num primeiro momento, por força da aplicação da cláusula 7.ª/5 (e “provisoriamente”, como aí se diz), os custos globais de € 756.086,88 pudessem começar por ser distribuídos segundo as percentagens de participação no consórcio – momento em que a A. logo receberia da R. € 248.018,19 [(756.086,88 X 48,69%) – 120.120,61] – o certo é que, depois e a final, quando o dono da obra liquidasse a sua responsabilidade pelos € 756.086,88, seriam os restantes € 306.209,02 recebidos pela A., perfazendo-se assim os € 554.227,21 que a A. vem pedir por via de regresso (e cujo cabimento jurídico, com a ressalva que a seguir se explicará, está na cláusula 7.ª/4 do aditamento ao contrato de consórcio).
Ora, é exatamente nesta situação que o exercício do direito de regresso coloca os membros do consórcio a que não pode ser imputada responsabilidade na constituição do contra crédito usado pelo dono da obra para extinguiu, por compensação, o crédito dos membros do consórcio sobre ele.
Com a ressalva decorrente dos 49 dias que, como consta do ponto 20 dos factos provados, foram aceites pelo dono da obra como prorrogação apenas de caráter gracioso.
Efetivamente, o direito a pedir uma indemnização (reequilíbrio financeiro) do dono da obra em resultado dos encargos acrescidos decorrentes da maior permanência em obra dos meios de produção dos membros do consórcio é um dano emergente cujo suporte legal estava no art. 196.º/1 do já referido DL 59/99, em que que dispunha que “se o dono da obra praticar ou der causa a facto donde resulte maior dificuldade na execução da empreitada, com agravamento dos encargos respetivos, terá o empreiteiro direito ao ressarcimento dos danos sofridos.”
Ora, como resulta dos factos (principalmente do ponto 25, já referido), o atraso que foi e está reconhecido como imputável ao dono da obra diz respeito tão só aos primeiros 417 dias, razão por que à respetiva prorrogação foi dado “carácter legal”, tendo à prorrogação respeitante aos restantes 49 dias sido dado o “carácter gracioso”, o que significa – é onde se pretende chegar – que só os custos pelo atraso dos primeiros 417 dias davam direito a uma indemnização a cargo do dono da obra, tendo os custos pelo atraso dos restantes 49 dias que ser distribuídos segundo as percentagens de participação no consórcio (nos termos da cláusula 4.ª/4 do aditamento, cláusula constante do ponto 13 dos factos).
Assim, fazendo as indispensáveis contas:
Quanto ao montante respeitante ao direito de regresso pelos 417 dias:
756.086,88 X 49/466 = 79.502,70.
756.086,88 - 79.502,70 = 676.584,18.
O que do suportado pela R.[18] e pela MCA[19] é imputável aos 49 dias: 21.225,59.
676.584,18 – 201.859,67 + 21.225,59 = 495.950,10[20].
Quanto ao montante respeitante aos restantes 49 dias (e com base nas percentagens de participação no consórcio):
79.502,70 X 48,69% = 38.709,86.
120.120,61 X 49/466 = 12.630,71.
38.709,86 – 12.630,71 = 26.079,15[21].
Finalmente, quanto aos prejuízos decorrentes da necessidade que houve de continuar a afetar meios de produção à empreitada após 28/10/2008 (os prejuízos cuja liquidação as instâncias relegaram para incidente de liquidação):
Está factualmente assente que o atraso na execução da empreitada, a partir de 28/10/2008, se ficou a dever “a atrasos anteriores da R. na elaboração e apresentação dos projetos de execução, bem como na execução dos trabalhos de instalação de equipamentos, da sua responsabilidade” (ponto 27 dos factos) e que, “com estes atrasos, a R. causou às demais consorciadas prejuízos diretos decorrentes da necessidade de maior afetação dos seus meios de produção à empreitada” (ponto 29 dos factos provados).
Ficaram pois provados os requisitos da responsabilidade contratual da R. (art. 798.º do C. Civil), pelo que, não havendo elementos para fixar o exato montante dos prejuízos da A., bem andaram as instâncias em relegar a sua concretização para incidente de liquidação (de acordo e ao abrigo do art. 609.º/2 do CPC).
Ademais, voltando à vinculação jurídica fixada pelos membros do consórcio no aditamento ao contrato, tem também a indemnização que foi relegada para incidente de liquidação cabimento na transcrita cláusula 20.ª, em que foi estipulado que “a falta grave de cumprimento por qualquer das signatárias das obrigações que para ela resultem do presente contrato ou do contrato de empreitada sujeita-a a indemnizar a outra por todos os prejuízos que em consequência lhe cause.”
Efetivamente, um comportamento que, como é o caso, causou um atraso de 10,23 meses a uma obra cujo prazo de execução eram 390 dias, não pode deixar de ser reputado como “uma falta grave de cumprimento” e, em função disso, sujeita o membro do consórcio que assim procedeu (ilicitamente, na medida em que teve uma prestação diferente da que lhe era devida em termos contratuais) a indemnizar os restante membros do consórcio pelos prejuízos (pelos custos de maior afetação dos seus meios de produção à empreitada) que tal comportamento lhes causou.
*
É quanto basta para, com a exceção referida, quanto aos 49 dias em que a prorrogação do prazo teve caráter gracioso, julgar em tudo o mais improcedentes as alegações da R./recorrente.
*
IV - Decisão
Nos termos expostos, decide-se conceder procedência parcial à revista e, em consequência revoga-se a decisão recorrida, quanto à condenação líquida dela constante, e substitui-se a mesma pela condenação da R. a pagar à A. a quantia de € 522.029,25 (quinhentos e vinte e dois mil, vinte nove euros e vinte e cinco cêntimos), confirmando-se em tudo o mais (condenação em juros e condenação ilíquida dela constante) a decisão recorrida.
Custas:
Na 1.ª Instância, na proporção de 8/15 e 7/15, por A. e R., respetivamente.
Na apelação da A., na proporção de 3/10 e 7/10, por A. e R., respetivamente.
Na apelação da R., na proporção de 1/20 e 19/20, por A. e R., respetivamente.
Nesta revista, na proporção 1/20 e 19/20, por A. e R., respetivamente.
Pelas razões constantes da sentença da 1.ª Instância, dispensam-se as partes, nos termos do art. 6.º/7 do RCP, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa,13/07/2021
António Barateiro Martins (Relator)
Luís Espírito Santo
Ana Paula Boularot
*O relator declara que, nos termos do art. 15.º-A do DL n. 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n. 20/2020, de 1 de maio, o presente acórdão tem voto de conformidade dos Conselheiros adjuntos.
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
_______________________________________________________
[1] Art. 36.º da PI.
[2] Art. 41.º da Pi.
[3] Art. 42.º da PI.
[4] Art. 43.º da PI.
[5] É o que a A. alega, embora a soma de € 554,227,21 com € 365.909,15 sejam “apenas” € 920.136,36.
[6] Art. 48.º da PI.
[7] Art. 49-º da PI.
[8] Art. 50.º da PI.
[9] Em que se incluem as modificações à decisão de facto operadas pela Relação, assim como se procede à transcrição das cláusulas 7.ª e 20.º do aditamento ao contrato de consórcio.
[10] Embora a posição da R/recorrente não seja totalmente clara: tanto diz que a primeira instância andou bem em condená-la “apenas” em € 221.938,94 (em relação aos custos ocorridos antes de 28/10/2018), como termina a pedir, em 1.ª linha, que seja absolvida de todos os pedidos formulados na ação.
[11] Como é evidente, para o desfecho da causa/recurso, é irrelevante que, na reunião técnica entre as consorciadas, realizada no dia 18/03/2010, os representantes da Ré hajam questionado os representantes da Autora sobre os valores empolados e desequilibrados face às responsabilidades das consorciados; e/ou que, após alguma discussão, os representantes da Ré hajam sido convidados a sair da reunião pelo representante da Autora, com a justificação de que não haveria da parte da Autora disponibilidade nem interesse para rever o valor: a partir de tais factos, não há um único raciocínio jurídico relevante para o desfecho dos autos que possa ser efetuado. Importando lembrar que, hoje, a partir da reforma processual de 2013, a discriminação dos factos que o juiz considere provados (imposta pelo art. 607.º/3 do CPC) diz respeito tão só aos factos essenciais (cfr. Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, pág. 322, que refere que “é função do juiz relatar – e relatar de foram precisa e completa – os factos essenciais que se provaram em juízo”, acrescentando, a pág. 327, que “o campo privilegiado dos factos instrumentais é o da motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas de factos instrumentais constante do art. 607.º/4)”.
[12] Direito Processual Civil, 2015, pág. 369 a 371.
[13] O que significa, ao contrário do que sucede com outros contratos de cooperação (sociedade, ACE), que no contrato de consórcio a prossecução do objeto contratual não é realizada em comum mas de forma concertada, ou seja, cada um dos consorciados desenvolve separadamente a respetiva atividade ou contribuição económica, obrigando-se apenas a coordená-la ou harmonizá-la com as dos demais consorciados no quadro de uma ação concertada ou articulada.
[14] Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pág. 398.
[15] Na medida em que é proibida a existência de fundos comuns (cfr. art. 20.º do DL 231/81), o que impede que pelas dívidas contraídas pelos consorciados responda um património diferente dos patrimónios dos consorciados.
[16] Utilizamos a expressão “responsabilidade do consórcio” para significar e querer dizer “responsabilidade dos membros do consórcio”.
[17] Teria até pago mais, uma vez que estes logram ter êxito no “empolamento” dos custos suportados, o não vem nem releva para o caso.
[18] 120.120,61 X 49/466 = 12.630,71.
[19] 81.739,06 X 49/466 = 8.549,88.
[20] Ou, mais simplesmente, 554.227,21 X 417/466 = 495.950,10.
[21] Quantias (495.950,10 e 26.079,15) que, somadas, perfazem 522.029,25, montante que, somado à participação da A. nos 49 dias (70.502,70 X 23,75 = 18.881,89) e ao que fica a faltar a M….. suportar na participação em tais 49 dias [(79.502,70 X 27,56) – 8.549,88 = 13.316,06] dá exatamente os 554.227,20.