I- O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário de 2011, ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
II- As expressões utilizadas na referida cláusula, e bem assim da cláusula 98ª do ACT do Montepio de 2017, com redacção idêntica, na parte final do n.º 1 “a diferença entre o valor desses benefícios”, no segundo segmento do n.º 2 “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social”, e na parte final do n.º 3 “benefícios da mesma natureza”, referem-se tão só às pensões na parte proporcional ao tempo de contribuições para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, não resultando dos respetivos textos a introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.
4ª Secção
LCR/JG/CM
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 - Relatório
1. No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA propôs contra “CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, S.A.” acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, pedindo a condenação da Ré:
a) a reconhecer ao autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 28,57%, correspondente a 2 anos de descontos com densidade contributiva para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
b) a pagar ao A. o valor de € 383,79, acrescido de juros de mora vincendos desde a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado, correspondente ao valor excessivo e ilegalmente descontado e respeitante aos meses de Junho e Julho de 2020, incluindo retroactivos, a liquidar em execução de sentença;
c) a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pelo autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário e
d) a pagar ao A. todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da acção até ao trânsito em julgado da mesma, acrescidos de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença.
Para tanto invocou o A., em síntese:
- Foi admitido ao serviço da Ré a 9.2.1981, tendo passado à situação de reforma bancária por invalidez 9.4.2012;
- Por carta do CNP de 8.5.2020 foi informado do deferimento do seu requerimento de pensão por velhice, com início em 29.5.2020, sendo o seu valor actual de € 150,35;
- Teve um carreira contributiva com 4 momentos distintos de descontos:
- de 4/1974 a 12/1975 prestou Serviço Militar Obrigatório sem descontos para a Segurança Social;
- de 05/1977 a 3/1979 e de 1/1980 a 2/1981 efectuou descontos para a Segurança Social decorrente da prestação de actividades dependentes remuneradas a entidades não bancárias;
- de 9.2.1981 a 31.12.2010, enquanto trabalhador bancário, efectuou descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários;
- A partir de Janeiro de 2011 passou a descontar para a Segurança Social, integrada no sector bancário, até passar à situação de reforma (9.4.2012);
- Por força das regras constantes do Acordo Coletivo do Trabalho aplicável, havendo um benefício da mesma natureza atribuído ao autor por outra instituição de Segurança Social, a Ré tem direito a fazer seu o valor da percentagem correspondente aos 2 anos de descontos para a SS (dos 7 que totalizam a sua carreira contributiva) enquanto trabalhador bancário, por aplicação de uma regra pro rata temporis, ou seja 28,57% (ou seja, ao período de 1.1.2011 a 9.4.2012);
- Na presente data a R. deduz à pensão de reforma do CNP o valor de €142,69;
- A R. pretende fazer seu, e sem ter direito a tal, 94,90% do valor da pensão paga pelo Centro Nacional de Pensões ao A., quando na realidade – nos termos das pertinentes cláusulas do ACT do sector bancário aplicável – só teria direito a 28,57%, correspondente a €42,96, da pensão que lhe foi atribuída pelo CNP, tendo o A. o direito a fazer seu o restante valor no montante de €107,39.
2. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação a Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que a regra para o cálculo da “pensão de abate” não pode ter em conta apenas o tempo de contribuições para a Segurança Social, efetuando-se um cálculo que divide proporcionalmente o valor recebido pelos anos de contribuições porque as contribuições antes da entrada no Banco réu e depois da entrada no Banco réu têm valores diferentes e, por isso, aludindo o Acordo Coletivo do Trabalho ao benefício decorrente das contribuições, deve proceder-se a uma regra que tenha em conta o benefício que o autor tem, no plano da pensão que lhe é fixada pelo Centro Nacional de Pensões, das contribuições efetuadas no tempo é que está integrado no Banco réu, o que justifica com base em elementos de interpretação das cláusulas em discussão: literal, sistemático, histórico e teleológico.
3. Por sentença de 17.11.2020, foi a acção julgada procedente, terminando a mesma com o seguinte dispositivo:
“a) Reconheço ao Autor o direito a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida - a pensão do CNP sem o complemento social – do valor correspondente à percentagem de 28,57%, correspondente aos 2 anos de descontos com densidade contributiva para a Segurança Social;
b) Condeno a ré a pagar ao Autor o valor de € 383,79, acrescido de juros de mora vincendos desde a propositura da acção até ao trânsito em julgado, correspondente ao valor excessiva e ilegalmente descontado e respeitante aos meses de Junho e Julho de 2020, incluindo retroactivos, a liquidar em incidente de liquidação;
c) Condeno a ré aplicar uma regra pro rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pelo Autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
d) Condeno a ré a pagar ao Autor todas as quantias que venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita, desde a propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em incidente de liquidação”.
4. Inconformada com a decisão dela interpôs a Ré recurso de revista, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:
“1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de
acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.
2. Na interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
3. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 98.ª do ACT do Montepio) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.
4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.
5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.
6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
7. A cláusula 136.ª alude, precisamente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
8. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
9. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de previdência: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.
10. As regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate” são as regras do sistema previdencial do regime geral da segurança social.
11. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.
12. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
13. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade, como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
14. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
15. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido à Recorrente.
16. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim impedir que pelo mesmo tempo o trabalhador venha a auferir, de forma cumulada, dois benefícios.
17. É uma expressão do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).
18. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.
19. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.
20. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá a Recorrente.
Em suma, para dizer que a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 98.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado alcançado pela Recorrente.
22. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e no número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).
23. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.
24. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.
25. E é também a douta opinião dos SENHORES PROFESSORES DOUTORES BERNARDO LOBO XAVIER e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO expressa nos doutos Pareceres de Direito juntos aos autos.
26. O entendimento sufragado pelo Recorrido, viola também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
27. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do beneficio que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o beneficio que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
28. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.
29. A interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e à cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio, é, assim, materialmente inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.
30. A douta Sentença recorrida deve, pelos fundamentos expostos, ser revogada, concedendo-se provimento ao Recurso e, consequentemente, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos.
31. Ao decidir como decidiu, violou a douta Sentença recorrida o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - Data de Distribuição: 24/01/2011), cláusula em vigor à data da reforma do Autor e que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Montepio, (BTE n.º 8 de 28/02/2017 - Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
Termos em que, concedendo provimento ao Recurso e, consequentemente, julgando a ação
totalmente improcedente, farão V. Exas, Venerandos Conselheiros, JUSTIÇA!”
5. O Autor contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
6. Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, não foi objeto de resposta.
II
2. Delimitação objectiva do recurso
Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC, a questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal é a de saber se a dedução da pensão a que se refere a cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, publicado no BTE, 1ª Série, nº 8, de 29 de Janeiro de 2011, com as alterações publicadas no BTE, 1ª Série, nº 8, de 29 de Fevereiro de 2012, que veio a ser substituída pela cláusula 98º do Acordo Colectivo de Trabalho do Montepio, com redacção similar, publicado no BTE, 1ª Série, nº 8, de 28.2.2017, deve ser feita apenas com base no critério do tempo de contribuições para a Segurança Social ou considerando também o montante das retribuições que serviram de base às contribuições efectuadas durante aquele período.
III
A - Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária.
2. Participou nas negociações e outorgou o ACT para a Caixa Económica Montepio Geral, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 8, de 28/02/2017, pg. 495 e ss., instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.
3.O Autor encontra-se filiado no Sindicato dos Bancários... (SB…), onde figura como o sócio n.º …….83.
4. O Autor foi admitido ao serviço do Ré a 09/02/1981.
5. O Autor passou à situação de reforma bancária por invalidez a 09/04/2012.
6. O Autor foi posteriormente informado por carta do Centro Nacional de Pensões datada de 08/05/2020 de que “o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi DEFERIDO” sendo que “A pensão por VELHICE tem início em 2020-05-29, sendo o seu valor actual 150,35 Euros”.
7. A pensão atribuída ao Autor, por velhice, em resultado do referido cálculo é de €150,35 [€ 142,68 + complemento social de € 7,66], pagável a partir de 08/06/2020, acrescida de retroactivos no montante de €15,04, tendo sido atualizada em 17 de agosto de 2020 para € 151,20 [€ 143,54 + complemento social de € 7,66].
8. O Autor passou então à situação de reforma integrado no nível 10 do ACT para o Sector Bancário.
9. Na presente data a Ré entrega ao Autor uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de €1.123,61, complemento de reforma de €270,85 e diuturnidades no valor de €277,60.
10.A Ré enviou um email ao Autor, datado de 08/06/2020, que dizia o seguinte:
“Boa tarde colega,
A partir deste mês, iremos deduzimos à pensão paga pela CEMG o valor de 142,69€, respeitante ao período de descontos de 2011 a 2012.
Dado que o CNP pagou desde 29/05/2020, também efetuámos os respetivos retroativos.
Quando a pensão do CNP sofrer aumentos, solicitamos que os mesmos nos sejam comunicados.
Com os melhores cumprimentos”.
11. A Ré deduzia à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor mensal de €142,69 e, desde a atualização, deduz a quantia de € 143,54.
13. Com relevo para a formação da pensão de reforma do Autor contribuíram os seguintes períodos:
De 01/1974 a 12/1975, o Autor prestou Serviço Militar Obrigatório sem descontos para a Segurança Social;
De 05/1977 a 03/1977 e 01/1980 a 02/1981, o Autor efectuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de actividades dependentes remuneradas a entidades não bancárias;
De 09/02/1981 a 31/12/2010 o Autor, enquanto trabalhador bancário, efectuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e para o Fundo de Pensões do Banco;
A partir de Janeiro de 2011 o Autor passou a descontar para a Segurança Social, até passar à situação de reforma (em 09/04/2012).
B - Fundamentação de Direito
A questão colocada pela recorrente na presente revista consiste em determinar qual o montante da pensão devida ao Autor pelo Centro Nacional de Pensões, que lhe deve ser entregue, atento o disposto na cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho aplicável, que veio a ser substituída pela cláusula 98ª do ACT do Montepio, com redacção similar.
Esta questão foi apreciada na sentença recorrida nos seguintes termos:
“A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a ré está a deduzir na pensão do autor o valor que, nos termos da regulamentação do setor, lhe corresponde, por haver uma duplicação de benefícios, na parte relativa ao tempo de descontos que efetuou para a Segurança Social após a integração do sistema de pensões próprio no sistema geral, ou seja, está em causa saber se a quantia inicial de €142,69 [atualmente: € 143,54] da pensão inicial de € 150,35 [atualmente: € 151,20] corresponde ao período entre 1 de janeiro de 2011 a 9 de abril de 2012.
0 Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, procedeu à integração completa dos trabalhadores do setor bancário sujeitos a contribuições para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários no Regime Geral de Segurança Social. Na sequência, a cláusula 136.ª do Acordo colectivo entre várias instituições de crédito e a FEBASE — Federação do Sector Financeiro, estabelece o seguinte:
1 — As instituições de crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta secção aos respectivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste acordo
2 — Para efeitos da 2.ª parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17.ª e 143.ª.
3 — As instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social as mensalidades a que por este acordo tiverem direito, entregando estes à instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de segurança social a título de benefícios da mesma natureza.
De forma semelhante, a cláusula 98.ª do Acordo coletivo entre a Caixa Económica Montepio Geral e outros e a Federação do Sector Financeiro - FEBASE e outro, determina o seguinte:
1- As instituições subscritoras garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 96.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições subscritoras a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção
2 - Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 107.ª.
3 - Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respetivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições subscritoras logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação.
[…]
Não há dúvida que, pelas suas contribuições para a Segurança Social, efetuadas no período entre 1 de janeiro de 2011 e 9 de abril de 2012, o autor aufere duas pensões da mesma natureza [pensões de velhice], pelo que a ré tem o direito de deduzir à pensão que paga ao autor [ou cujo pagamento garante] a quantia correspondente a esse duplo benefício, mas como a pensão de velhice que o autor aufere do ISS, IP, foi composta com contribuições enquanto era trabalhador do setor bancário ao serviço da ré [período entre 1 de janeiro de 2011 e 9 de abril de 2012] e outros períodos antes de ter sido admitido na ré como trabalhador do setor bancário, então a ré apenas pode deduzir o valor correspondente àquele período, deixando intocado o que corresponde ao período que contribuiu para a formação da pensão de velhice que o autor aufere do ISS, IP, relativo ao período em que ainda não era trabalhador do setor bancário. Basicamente, a questão que se coloca é a de saber se o apuramento do valor que a ré pode deduzir se calcula pro rata temporis, ou seja, na proporção dos anos de descontos a que respeita, ou na proporção do valor das retribuições que foram objeto de contribuições devidamente atualizadas na data da formação da pensão. No primeiro caso, como resulta da tese do autor, a ré poderia deduzir a percentagem de 28,57%. No segundo caso, como resulta da tese da ré, esta terá direito a deduzir uma percentagem superior, aceitando que deve ser de € 100,72 e não da quantia que deduzia [artigo 118.° da contestação].
A tese do cálculo do valor a deduzir pro rata temporis resulta da jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça. Neste sentido, surgem vários acórdãos:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2016 - Processo n.º 4044/15.8T8VNG.P1.S1 -, relatado pelo Conselheiro António Leones Dantas: nestes autos estava em causa saber se o tempo de serviço militar obrigatório, por não ter sido, nas alegações da entidade bancária, considerado na formação da pensão de reforma fixada pela Segurança Social, permitia-lhe deduzir a totalidade da reforma fixada ao trabalhador pela Segurança Social. O entendimento do tribunal foi o de que esse tempo relevava para a determinação da taxa de formação da pensão, o que não se confunde com a remuneração de referência onde relevam as remunerações registadas e o número de anos civis com registo de remunerações, sendo que o cálculo do valor da pensão é uma operação em que intervém uma pluralidade de fatores, não existindo uma proporcionalidade direta entre o valor final da pensão atribuída e o valor das remunerações registadas para o cálculo da remuneração de referência, é o produto final de uma pluralidade de fatores, sem individualização do contributo concreto da contribuição do tempo concreto de prestação de serviço militar ou dos anos de prestação de atividade bancária com descontos para a Segurança Social. Por estes motivos, considerou que a entidade bancária, independentemente do relevo que as contribuições efetuadas por atividade bancária possam ter tido no cálculo do valor da pensão de reforma atribuída, só tem direito a compensar na pensão de reforma que lhe paga a percentagem correspondente ao tempo de exercício dessa atividade bancária com descontos para a Segurança Social;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2018 - Processo n.º 9637/16.5T8LSB.L1.S1 -, relatado pelo Conselheiro Joaquim António Chambel Mourisco: salienta que o objetivo da cláusula em discussão é o de impedir que o trabalhador bancário receba duas pensões pela mesma prestação de trabalho, sendo que o acordo coletivo de trabalho, ao referir-se aos “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social” e a “benefícios da mesma natureza”, não dá acolhimento literal à tese de que o valor das contribuições efetuadas corresponde a um fator de ponderação, pelo que a entidade bancária só tem direito a compensar na pensão de reforma a parte proporcional correspondente ao período de tempo que o trabalhador exerceu funções no setor bancário com descontos para a Segurança Social pois só nessa parte existe uma sobreposição das prestações por serem da mesma natureza;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de julho de 2018 - Processo n.º 3312/16.8T8PRT.L1.S1 -, relatado pelo Conselheiro António Manuel Ribeiro Cardoso: considerou que nos normativos em discussão não se estabelece que a percentagem da pensão a devolver deva ser calculada não só com base no tempo de contribuições para a Segurança Social, enquanto trabalhador do setor bancário, mas também levando em conta o valor das retribuições sobre que incidiram essas contribuições.
Não há dúvida que existem argumentos nos dois sentidos, mas não podemos deixar de notar que a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça, na realidade, tem decidido sempre no sentido de que o critério a utilizar é uma regra pro rata temporis, permitindo à entidade bancária que garante o pagamento da pensão de reforma a dedução da parte correspondente ao tempo de serviço no setor bancário em que o trabalhador tem contribuições para a Segurança Social, entendendo que não existe um fundamento para se recorrer, apenas ou simultaneamente, a um critério que tenha em conta o montante das retribuições nesses anos, em comparação com os demais que componham a sua carreira contributiva fora do setor bancário, pois os critérios de fixação da pensão não são uniformes, consideram uma multiplicidade de fatores, com introdução na fórmula de cálculo prevista no artigo 33.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, de diferentes ponderações do número de anos civis com contribuições consoante o período de tempo em que estas foram efetuadas e não considera apenas o valor dessas contribuições, ainda que corrigidas à data da fixação da pensão, pelo que consideramos que é mais adequado seguir a orientação do nosso Supremo Tribunal de Justiça que, perante esta multiplicidade de fatores de ponderação, privilegia a segurança e a certeza resultante da fórmula pro rata temporis.
Em conclusão, concluímos que a ação deve ser julgada procedente”.
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A questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, decidida na sentença recorrida, é a da interpretação da cláusula 136º do ACT para o Sector Bancário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 3, de 22.1.2011, com as alterações publicadas no BTE, 1ª Série, nº 8, de 29.2.2012, que veio a ser substituída pela cláusula 98ª do ACT do Montepio, com redacção semelhante, publicado no BTE, 1ª Série, nº 8, de 22.2.2017, consistindo em saber como se deve calcular o montante devido à Instituição de Crédito, nas situações em que na pensão atribuída ao trabalhador bancário pelo Centro Nacional de Pensões foram tidas em conta duas fases contributivas distintas, em que os valores das remunerações e respectivas contribuições foram diferentes.
Vejamos, pois, se é de sufragar a interpretação da cláusula 136ª do ACT do Sector Bancário sufragada na sentença recorrida.
Como é sabido, os trabalhadores bancários beneficiam de um regime específico de segurança social que resulta dos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis, seja de um subsistema de segurança social estabelecido para o sector bancário em sede de instrumentos de regulamentação colectiva, que remonta ao CCT de 1994, publicado no BINTP, nº 3, de 15.2.44, no caso dos autos, o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 3, de 22.1.2011, com as alterações publicadas no BTE, 1ª Série, nº 8, de 29.2.2012.
A partir de 1 de Janeiro de 2011, por força da extinção e integração da Caixa de Abono da Família dos Empregados Bancários (CAFEB) no Instituto de Segurança Social pelo Decreto-Lei nº 1-A/2011, de 3 de Janeiro, os trabalhadores bancários passaram a estar protegidos pelo regime geral da Segurança Social, na eventualidade de maternidade, paternidade e adopção e na velhice.
A cláusula 136º do ACT para o Sector Bancário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 3, de 22.1.2011, dispunha o seguinte:
“1 — As instituições de crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta secção aos respectivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste acordo.
2 — Para efeitos da 2.ª parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17.ª e 143.ª
3 — As instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social as mensalidades a que por este acordo tiverem direito, entregando estes à instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de segurança social a título de benefícios da mesma natureza”.
Por seu turno, a cláusula 98ª do ACT do Montepio que lhe sucedeu, com a epígrafe
1- As instituições subscritoras garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 96.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições subscritoras a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.
2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 107.ª
3- Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respetivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições subscritoras logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação
(…)”
O regime específico de protecção dos trabalhadores bancários articula-se, assim, com outros regimes de segurança social que os abranjam, nomeadamente com o Regime Geral, permitindo às instituições bancárias responsáveis pelo pagamento das específicas prestações consagradas a favor destes trabalhadores, o desconto nas prestações por si pagas dos benefícios que os trabalhadores aufiram de outros sistemas, com fundamento na prestação de actividade bancária, para evitar duplicação de benefícios (artigo 136º do ACT).
No que concerne, em traços gerais, ao cálculo das pensões do regime geral de segurança social, o artigo 26º, nº 2, do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10.5, que define e regulamenta o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social, determina que o montante mensal da pensão estatutária é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo factor de sustentabilidade, o artigo 28º determina no seu nº 1, que a remuneração de referência é definida pela fórmula TR/ (n x 14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas, nos termos do artigo anterior, de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40, e no seu nº 3 que a remuneração de referência, para efeitos de determinação de P1, a que se refere o artigo 33.o, é definida pela fórmula R/140, em que R representa o total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondam as remunerações mais elevadas, compreendidos nos últimos 15 anos da carreira contributiva até ao mês de início da pensão, sendo, finalmente que o artigo 29º, sobre a taxa anual de formação, estabelece que a taxa anual de formação da pensão varia entre 2,3% e 2%, em função do número de anos civis com registo de remunerações e do montante da remuneração de referência (nº 1), sendo a taxa global de formação da pensão igual ao produto da taxa anual pelo número de anos civis relevantes, no máximo de 40 (nº 2).
No caso dos autos, ao Autor, admitido ao serviço da recorrente em 9.2.1981, foi atribuída pela Instituição Bancária Recorrente uma pensão de reforma, por invalidez presumível, em 9.4.2012.
Ao Autor veio igualmente a ser atribuída pelo Centro Nacional de Pensões, no âmbito do regime geral da segurança social, uma pensão de reforma por velhice, para a qual contribuíram os períodos de Janeiro de 1974 a Dezembro de 1975, em que o A. prestou serviço militar obrigatório, os períodos de Maio de 1977 a Março de 1979 e de Janeiro de 1980 a Fevereiro de 1981, em que o A. efectuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de actividades dependentes remuneradas a entidades não bancárias, e o período, e respectivas contribuições pelo exercício da atividade profissional bancária, de Janeiro de 2011 a Abril de 2012, período que relevou igualmente no âmbito do cálculo da pensão de reforma que lhe foi atribuída pela Recorrente.
Quanto à parte da pensão que o Autor é paga pela Segurança Social que o Réu tem direito a fazer sua de conformidade, e ao abrigo do disposto na cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário aplicável, que veio a ser substituída pela cláusula 98ª do ACT do Montepio, foi entendimento da sentença recorrida que a mesma corresponde apenas à parte proporcional, um pro rata temporis, da pensão paga pela segurança social, em função do tempo que corresponde a 2 anos de descontos no total de 9 considerados pelo CNP, calculada por aplicação de uma regra de três simples pura, seja a 22,22% da pensão atribuída pelo CNP.
Discordando desse entendimento a recorrente defende que, nos termos da clª 136º do ACT do Sector Bancário, o benefício a considerar corresponde ao benefício decorrente das contribuições feitas no período em que o autor, enquanto trabalhador bancário, esteve integrada no regime de segurança social, e que esse benefício, o montante da pensão paga pela segurança social, calculada nos termos do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10.5., não considera apenas o factor “tempo” mas o factor tempo e o factor “montantes das retribuições que serviram de base às contribuições”, concluindo que havendo na mesma carreira contributiva duas grandezas de contribuições que se integram para determinar o valor unitário da pensão, deve ater-se na determinação do montante a deduzir, de acordo com a clª 136º do ACT, ao peso específico que as prestações sociais correspondentes ao período em que o autor desempenhou funções laborais para a Recorrente.
Mais precisamente entende a recorrente que a “pensão de abate”, o “benefício” do CNP que lhe cabe recuperar, é a que resulta da diferença, repartida proporcionalmente entre o banco e o trabalhador, entre duas pensões teóricas, apuradas isoladamente, uma pelo tempo extra banco, que reverte para o trabalhador, outra pelo tempo de banco (o período concorrente com o de sector bancário – 2011-2012-), que reverte para a instituição, apuradas segundo as regras de cálculo do regime da segurança social consagradas no D.L. nº 187/2007, de 10 de Maio, (neste relevando, além do tempo, por via da taxa de formação da pensão, o valor das remunerações e correspondentes contribuições efectuadas, por via da remuneração de referência), e não da aplicação de uma regra de três simples pura, ou pro rata temporis,
Ou seja, no entendimento da recorrente para além do factor tempo, também se deverá atender à relevância das remunerações sobre as quais incidiram as contribuições efectuadas no período em que o Autor fez descontos para a Segurança Social no exercício da actividade bancária.
Sustenta a recorrente tal interpretação, no sentido de que no cômputo das deduções se deve atender ao tempo de contribuições para a Segurança Social e ao montante das retribuições que serviram de base àquelas, na interpretação, da parte final do nº 1 da cláusula 136ª do ACT para o sector bancário e do nº 2 da mesma disposição convencional (clª 98ª do ACT de 2017), quando referem que “nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social (…) apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e os previstos neste acordo”, e que, para o efeito, “apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social (…)”, com recurso aos instrumentos de interpretação, literal, sistemático, histórico e teleológico, do preceito, e louvando-se em pareceres subscritos por eminentes professores de direito, e no entendimento acolhido nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 10.10.2016, proferido no Procº nº 4150/15.0T8MTS.P1, e da Relação de Lisboa, de 25.9.2017, Procº nº 9637/16.5T8LSB.L1.
Sucede que, o entendimento acolhido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.10.2016, Procº nº 4150/15.0T8MTS, como resulta do acórdão proferido pela mesma Relação em 22.6.2020, actualmente em recurso neste Supremo Tribunal, e do conhecimento oficioso deste, veio posteriormente a ser revisto e abandonado por dois dos seus subscritores, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.9.2017, veio a ser revogado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.2.2018, sendo que,
Esta 4ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar sobre questão idêntica, em que estava em causa a interpretação da referida cláusula convencional, firmando sobre a matéria jurisprudência, transponível para caso vertente que mantém actualidade, que se passa a enunciar.
No acórdão de 27.10.2010, Procº nº 1889/06.5TTLSB.L1.S., decidiu-se que:
“1 . Atendendo a que o trabalhador se reformou pela Segurança Social com base num período contributivo de vinte anos, dos quais oito anos respeitam a actividade profissional no sector bancário, o banco empregador deverá descontar da pensão que lhe paga o correspondente a oito vinte avos do valor da pensão da Segurança Social atribuída ao mesmo trabalhador, referente ao período em que trabalhou no banco empregador e sobre o qual foi calculada a pensão resultante da aplicação do ACTV do sector bancário.
2. Na verdade, o banco empregador apenas pode descontar do montante da pensão prevista no ACTV aplicável a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponda ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário, uma vez que o trabalhador não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho de oito anos na instituição bancária.
3. Só assim é respeitado o princípio da não acumulação de prestações emergentes do mesmo facto, bem como o princípio constitucional, consagrado no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.
No acórdão de 6.12.2016, Procº nº 4044/15.0T8VNG.P1.S1:
“1 – Atribuída pela Segurança Social uma pensão de reforma por velhice a um trabalhador bancário em que, para além de 5 anos relativos ao tempo de serviço militar obrigatório, nos termos do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, foi ponderado um período contributivo por atividade bancária de 3 anos, o banco empregador deverá descontar da pensão que lhe paga o correspondente a 37,5 % do valor da pensão da Segurança Social atribuída ao mesmo trabalhador, referente ao período em que trabalhou no banco empregador e tomado em consideração no cálculo da pensão resultante da aplicação do ACT aplicável.
2. Na verdade, o banco empregador apenas pode descontar do montante da pensão prevista no ACT aplicável a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponda ao período em que o trabalhador exerceu funções no setor bancário, uma vez que o trabalhador não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho de 3 anos na instituição bancária.
3. Só assim é respeitado o princípio da não acumulação de prestações emergentes do mesmo facto, bem como o princípio constitucional, consagrado no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado.
(…)”.
Pronunciando-se especificamente sobre a questão de saber como deve ser calculada a parte da pensão que é paga ao trabalhador bancário pela Segurança Social e que deve ser entregue à instituição bancária nos termos e à luz do disposto na cláusula 136ª do ACT para o sector bancário, decidiu-se, no acórdão de 22.2.2018. Procº nº 9336/16.5T8LSB.L1.S1:
“I. O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário ao referir no seu segundo segmento “entregando estes (os trabalhadores que passem à reforma) à Instituição (de Crédito) a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza” pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
II. As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas”.
E no acórdão de 12.7.2018, Procº nº 3312/16.8T8PRT.P1.S1:
“I. O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
II. As expressões utilizadas na referida cláusula, na parte final do n.º 1 “a diferença entre o valor desses benefícios”, no segundo segmento do n.º 2 “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social”, e na parte final do n.º 3 “benefícios da mesma natureza”, referem-se tão só às pensões na parte proporcional ao tempo de contribuições para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, não resultando dos respetivos textos a introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas”.
Mais recentemente, no acórdão de 8.6.2021, Procº nº 2276/20.8VCT.S1, que concluiu que a tese do recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula:
“1. A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;
2. Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula”.
Afirma-se nesse aresto, sobre a interpretação da referida disposição convencional objecto da presente revista, que:
“A letra da Lei – aqui a cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.
Ora, da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza seja atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições pelas instituições ou serviços de segurança social respeitantes a período que contam na antiguidade do trabalhador.
A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições. E quando se refere no nº 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de segurança social.
Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei nº 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o recorrente”,
Idêntico entendimento foi perfilhado no acórdão de 23 de Junho de 2021, Procº nº 2115/20.0T8VFR.S1., subscrito também pela aqui relatora, que decidiu, como nele se sumariou, que:
“1. O nº 3 da cláusula 136º do Acordo Colectivo de Trabalho para o sector bancária (cláusula 98ª do ACT do Banco Montepio) ao referir no seu segmento “entregando estes (os trabalhadores que passem á reforma) à Instituição de Crédito) a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza” pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua actividade bancária e que efectuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
2. As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do seu nº 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do nº 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do nº 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respectivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um factor de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efectuadas”.
Concordando com este entendimento que já subscrevemos, e aqui reiteramos, não vemos razões para alterar a jurisprudência desta Secção sobre a interpretação da cláusula 136º do Acordo Colectivo em causa, e da cláusula, de teor idêntico, 98ª do ACT do Montepio de 2017 que lhe sucedeu.
E, tal como nesses aresto foi afirmado, a interpretação dada à cláusula 136ª do ACT do sector bancário e à clausula 98ª do ACT do Montepio, não viola o preceito constitucional vertido no artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”, uma vez que tal norma apenas impõe que no cálculo da pensão estatutária seja considerado todo o tempo de trabalho, o que no caso concreto dos autos se verificou.
IV
Face ao exposto acorda-se em negar a revista, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.
Lisboa, 14 de Julho de 2021
Leonor Cruz Rodrigues (Relatora)
Júlio Manuel Vieira Gomes
Joaquim António Chambel Mourisco