OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
INTERPELAÇÃO DO DEVEDOR
Sumário

I - Verificando-se alguma das situações que, à luz do preceituado nos artigos 780º, n.º 1 e 781º, ambos do Cód. Civil, importam para o devedor a perda do benefício do prazo estabelecido em seu favor, o credor goza do benefício potestativo de considerar imediatamente exigível a totalidade da obrigação a cargo do devedor.
II - Todavia, para que a totalidade da obrigação seja exigível perante o devedor, o credor tem que proceder à sua interpelação, dele reclamando a totalidade da dívida.
III - Essa interpelação pode ser feita extra judicialmente ou pode ter lugar no próprio processo executivo, através da citação do executado para pagar no prazo legal.
IV - A exigibilidade da obrigação exequenda, enquanto condição da acção executiva, deve estar demonstrada em momento prévio à sua instauração, nomeadamente através de prova complementar, a realizar pelo exequente, quanto à realização da interpelação extra judicial do devedor.
V - Todavia, se, não obstante não existir prova daquela interpelação extrajudicial, por mor da forma sumária da execução, for realizada a penhora sem prévia citação do executado e este, entretanto citado para a execução (artigo 856.º do CPC), deduzir oposição à execução com fundamento na inexigibilidade da obrigação exequenda, deve esta improceder quando se verifique que: (1) a citação entretanto efectuada tem o mesmo conteúdo e desempenha a mesma função que, em geral, se associam à interpelação / citação; e (2) daquela penhora “antecipada” não decorrem prejuízos graves ou irreparáveis para os interesses do executado.

Texto Integral

Processo n.º 24105/19.5T8PRT-A.P1
Juízo de Execução do Porto – J2.
Relator: Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto: Desembargador Pedro Damião e Cunha
2º Juiz Adjunto: Desembargadora Maria de Fátima Andrade

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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I
. RELATÓRIO:
1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que contra B… e marido, C…, foi instaurada por “Banco D…, SA“, veio este último executado deduzir embargos à execução peticionando, a final, a sua extinção.
Para tanto, alegou, em síntese, que a co executada e sua ex-mulher B… procedeu a vários pagamentos que não foram considerados pelo embargado, ter solicitado ao embargado que lhe fornecesse os elementos necessários à regularização do crédito, o que não sucedeu, pelo que o embargado age em clamoroso abuso de direito e, ainda, que o contrato subjacente à execução não foi objecto de resolução, resolução que teria que ser prévia à instauração da execução.
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2. Notificado, veio o exequente oferecer oposição, em que alegou, no essencial, ter procedido previamente à instauração da presente execução à resolução do contrato, por meio de carta registada com aviso de recepção, que o alegado desconhecimento dos valores pagos não configura fundamento válido de oposição e, ainda, ter respondido à solicitação de regularização dos montantes em dívida, não tendo, no entanto, o embargado e a sua ex-mulher procedido a tal regularização nos termos por si estabelecidos.
Concluiu pela improcedência dos embargos.
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3. Foi dispensada a realização de audiência prévia, com prolação de despacho saneador tabelar.
Mais, ainda, considerando o Tribunal de 1ª instância possuírem os autos todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito dos embargos deduzidos pelo executado, foi proferido saneador-sentença em que se decretou a procedência dos embargos, com a consequente extinção da execução instaurada pelo exequente.
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4. Inconformado, veio o exequente interpor recurso de apelação, oferecendo alegações e deduzindo, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
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5. O embargante ofereceu contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.
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6. Observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].

Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1ª instância e, por isso, não apreciadas na decisão proferida, sendo que a instância recursiva, tal como desenhada no sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas ao reexame das decisões proferidas, em função das questões convocadas pelas partes perante o Tribunal que proferiu a sentença sob reapreciação e dos fundamentos desta última. [1]
Neste enquadramento, as questões a decidir são as seguintes:
I. Nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia (artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC);
II. Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC);
III. Da exigibilidade da obrigação exequenda – Interpelação - Resolução do contrato.
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III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O embargado deu à execução como título executivo escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada a 30/04/2008, pela qual Banco D…, SA, concedeu um empréstimo no valor de 123.914,86 € aos executados B… e marido, C…, destinado à substituição de um empréstimo contraído por estes junto de outra instituição bancária.
2. Ainda por escritura pública outorgada na mesma data, o Banco D…, SA, concedeu aos mesmos mutuários um segundo financiamento sob a forma de abertura de crédito no valor de 26.500€ (vinte e seis mil e quinhentos euros), sendo este montante integralmente disponibilizado pelo exequente e utilizado pelos mutuários, assim de tornando devedores da quantia mutuada.
3. Em garantia dos empréstimos concedidos os executados constituíram a favor do exequente duas hipotecas sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º 1036, freguesia … e inscrito na matriz sob o artigo 96.
4. Por escritura pública de doação outorgada a 11/03/2013 os executados, agora no estado de divorciados, doaram o imóvel hipotecado a favor do Banco em garantia dos empréstimos concedidos àqueles, ao seu filho menor, E….
5. A partir de 1/12/2018 os executados B… e C… deixaram de cumprir com o pagamento das prestações a que estavam obrigados nos termos e nas condições constantes das cláusulas do contrato.
6. São os executados devedores das seguintes quantias:
EMPRÉSTIMO IDENTIFICADO NO DOC.1:
CAPITAL EM DÍVIDA - 97.870,90€
JUROS DE 1/12/2018 A 22/11/2019 À TAXA DE 3.331% (SENDO DE 0.331% A TAXA DE JURO REMUNERATÓRIA, ACRESCIDA DA TAXA DE MORA DE 3%) - 3.179,69€
IMPOSTO DE SELO-131,19 €
TOTAL: 101.181,78€
EMPRÉSTIMO IDENTIFICADO NO DOC.2:
CAPITAL EM DÍVIDA - 20.988,55€
JUROS DE 1/12/2018 A 22/11/2019 À TAXA DE 3.331% (SENDO DE 0.331% A TAXA DE JURO REMUNERATÓRIO, ACRESCIDA DA TAXA DE 3% A TÍTULO DE MORA) -681.89€
IMPOSTO DE SELO- 31,68€
TOTAL: 21.712.12 €
7. Por carta datada de 14/06/2019 remetida para o aqui embargante, o Banco comunicou ao embargante que “apesar dos vários contactos estabelecidos com V. Exa para a regularização da divida referente ao empréstimo em epigrafe, mantêm-se o mesmo em situação de incumprimento”. Mais informou que o contencioso foi mandatado para remeter à distribuição judicial processo com vista à cobrança coerciva dos valores em dívida à data do incumprimento, informando a data e valores.
8. O embargante e a sua ex-mulher, por carta datada de 7/11/2020, devidamente assinada por ambos, solicitaram ao embargado a regularização do valor em atraso dos créditos.
9. A este pedido de regularização, o embargado respondeu por carta datada de 2/12/2009, carta essa na qual é informado o valor do incumprimento, bem como ainda a indicação das condições para a celebração de acordo de pagamento entre as quais a necessidade de reposição do imóvel na titularidade do embargante e executada devedora, uma vez que a transmissão do imóvel para o filho menor, foi feita sem o consentimento expresso do banco.
10. Tal condição nunca foi cumprida, tendo o embargado mencionado que essa impossibilidade resultava do facto do imóvel se mostrar arrestado, arresto este que resulta da certidão predial junta com o requerimento executivo e o qual foi registado em 7/03/2013 - uns dias antes da doação do imóvel - para pagamento da quantia de 462.193 €
11. Nos referidos contratos, o embargado reservou-se o direito de considerar imediatamente vencido o capital em divida caso o imóvel hipotecado fosse vendido ou onerado por qualquer outra forma.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
IV.I. Nulidades da sentença por excesso de pronúncia e omissão de pronúncia (artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC):
Em função do objecto do recurso, definido pelo teor das suas conclusões, a primeira questão que cumpre dirimir refere-se à alegada nulidade da sentença por excesso e omissão de pronúncia.
Vejamos.
Como resulta do preceituado no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta regra atinente ao objecto da sentença resulta do comando normativo previsto no artigo 608º, n.º 2, do mesmo Código, pois que, à sua luz, o juiz deve, por um lado, decidir e resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo aquelas que resultem prejudicadas pela solução previamente dada a outras, sob pena de omissão de pronúncia, e, por outro, não pode decidir senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras, sob pena de excesso de pronúncia.
Estas duas vertentes que, no fundo, são expressão do princípio do dispositivo previsto no artigo 3º, n.º 1, do CPC [2], mostram-se salientadas por J. LEBRE de FREITAS quando refere: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica (…) que as partes tenham invocado.
Não podendo o juiz conhecer das causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608 -2), é nula a sentença em que o faça.” [3]
Nesta perspectiva, abstraindo das questões de conhecimento oficioso ou daquelas cujo conhecimento resulte prejudicado pelo conhecimento prévio de outras, as questões suscitadas pelas partes no processo definem a área em que se deve conter a decisão judicial, pois que se, por um lado, o tribunal deve esgotar as questões suscitadas situadas dentro dessa área, por outro, não a pode ultrapassar, conhecendo de questões que, apesar de poderem ter sido suscitadas pela parte a quem aproveitariam, não o foram e, portanto, extravasam a área que define o âmbito da legítima intervenção decisória do tribunal.
Em suma, como se refere no AC STJ de 2.10.2014, ainda que no domínio do antigo Código, mas cuja doutrina é aqui inteiramente aplicável, “Do art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, na parte pertinente, emerge que é nula a decisão judicial quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, tendo esta nulidade de ser conferida com a parte inicial do art. 660.º, n.º 2: aí se dita que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (ou aquelas de que deva conhecer oficiosamente).
Em contraponto, há excesso de pronúncia, quando o juiz, desrespeitando os factos alegados pelas partes, exubera o seu perímetro e deixa de observar os limites da causa de pedir invocada – ou aprecia excepções na exclusiva disponibilidade das partes – o que, outrossim, inquina a decisão tomada nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte.” [4]
Dito isto, o Recorrente sustenta que o Tribunal de 1ª instância não podia conhecer da regularidade das interpelações por si efectuadas ao embargante e à luz das cartas por si enviadas ao mesmo com data de 14.06.2019 (juntas com a sua contestação) e, em particular, aferir “da verificação dos requisitos de tais interpelações, pois trata-se de matéria que não foi alegada pelo embargante, não podendo o Tribunal substituir-se ao mesmo em tal matéria.
Como assim, segundo o Recorrente, o Tribunal a quo, ao conhecer de tal matéria e ao decretar a procedência dos embargos com base na mesma, terá incorrido em excesso de pronúncia.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão quanto à alegada nulidade.
Com efeito, analisada petição inicial de embargos deduzidos pelo co executado C… o mesmo ali alegou de forma expressa (não implícita), por um lado, que o exequente não o interpelou para o pagamento de quaisquer valores em dívida (artigo 14º, 1ª parte, da petição de embargos) e, por outro, ainda, que os contratos de crédito dados em execução não foram «resolvidos», ou seja, que o embargado não procedeu, previamente, à instauração da execução para cobrança dos valores ora em causa à resolução dos contratos invocados nos autos (artigo 13º da mesma petição) como títulos executivos.
Por outro lado, ainda, alegou também o mesmo embargante que a executada mulher (sua ex-mulher) procedeu à liquidação de diversas prestações, cujo valor desconhece, e que, em função desses pagamentos, o valor em dívida está regularizado ou, pelo menos, é inferior àquele que é reclamado pelo Banco exequente (artigos 7º e 8º da petição inicial de embargos).
Em consonância com tal alegação factual, a final, concluiu o mesmo embargante no sentido da procedência dos embargos e, consequentemente, além do mais, que ora não releva, que a dívida exequenda seja declarada “incerta e inexigível e, por isso, não devida pelo embargado …” (sic)
Por seu turno, o banco embargado deduziu oposição e no que se refere à alegada falta de interpelação e/ou resolução invocou que procedeu à interpelação dos executados e à resolução dos contratos em apreço nos autos mediante as cartas de 14.06.2019, conforme consta dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos, sendo, certo, ainda, que nessas cartas consta o valor do capital em dívida em relação a cada um dos ditos contratos.
Como assim, em seu ver, a obrigação exequenda é certa e exigível.
Resulta dos termos da causa, em nosso ver, que, estando posta em causa pelo embargante a certeza e a exigibilidade da obrigação exequenda e, concluindo-se, a final, pela procedência dos embargos em função de tais excepções por si invocadas, não podia o Tribunal a quo deixar de ter-se como habilitado a decidir de tais excepções suscitadas pelo embargante/executado e, para tanto, proceder à análise e interpretação das cartas antes referidas juntas pelo embargado, sem com isso correr o risco de exceder a pronúncia que lhe era exigida pela defesa do embargante (e a que o próprio embargado/exequente respondeu, em termos de contraditório na sua oposição), podendo, pois, nesse contexto, e ao contrário do que defende o Recorrente, conhecer e decidir de tais questões.
Aliás, cumpre dizê-lo, a questão mostra-se, no caso, irrelevante, pois que sempre competia ao juiz do processo, a título oficioso aferir, em função dos elementos constantes dos autos, da exigibilidade da obrigação exequenda, sendo certo que esta é uma condição da acção executiva e, portanto, compete ao juiz aferir da sua verificação. [5]

Com efeito, se é certo que já não existe uma norma igual ao artigo 802º do anterior Código, a doutrina que dela resultava não deixa de estar consagrada no artigo 713º, do actual Código e, portanto, mantém-se de pleno em vigor o princípio de que a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda constituem condições da acção executiva que, a par com outros pressupostos processuais específicos da acção executiva, devem ser controladas pelo juiz do processo, seja em sede de despacho liminar, seja, ainda, se tal não tiver sucedido naquela fase liminar, em sede de embargos de executado.
Neste sentido, como adverte M. TEIXEIRA de SOUSA, op. cit., pág. 95, “A exigibilidade da obrigação é uma condição relativa à justificação da execução, pois que, se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação; a certeza e a liquidação são condições respeitantes à possibilidade da execução, dado que, sem se determinar e quantificar a prestação devida, não é possível proceder à sua realização coactiva.”
É certo, não obstante o exposto, que o embargado/exequente pode legitimamente discordar dos fundamentos invocados pelo Tribunal a quo na sentença quanto à procedência da excepção de inexigibilidade da obrigação exequenda, mas daí não decorre um vício da sentença ao nível dos seus limites formais de pronunciamento, mas um eventual erro de julgamento quanto a tal matéria de excepção, questão que só pode ser dirimida nesse contexto, ou seja, no contexto de uma eventual procedência do recurso e consequente revogação da sentença e não no contexto de um eventual decretamento da sua nulidade.
Improcede, assim, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, que se tem por inverificada.
Importa, ainda, conhecer da alegada nulidade por omissão de pronúncia.
Nesta matéria, o Recorrente sustenta, no essencial, que se o Tribunal a quo se considerou habilitado para conhecer dos fundamentos invocados pelo embargante quanto à inexigibilidade da dívida (falta de interpelação, falta de comunicação de «resolução» dos contratos), também se deveria sentir habilitado para conhecer do fundamento da «resolução» por si invocado, qual seja o de terem os executados doado o imóvel dado em hipoteca para garantia das obrigações ora em causa, sendo certo que, à luz do facto provado em 11., estaria, na sua perspectiva, verificado o condicionalismo exigido para a «resolução» imediata de ambos os contratos.
Destarte, conclui o Recorrente, que, ao não retirar o Tribunal a quo qualquer consequência legal ao nível da resolução dos contratos desse outro facto julgado provado em 11., a sentença proferida enferma também de omissão de pronúncia.
Com o devido respeito, a arguição em causa confunde a omissão de pronúncia quanto às questões que o tribunal deve conhecer (pedidos, causa de pedir e excepção) e quanto aos argumentos, razões ou linhas de raciocínio, sendo que só a omissão de pronúncia quanto àquelas questões consubstancia uma nulidade da sentença para efeitos do preceituado no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC.
De facto, como constitui posição pacífica, na esteira da doutrina sufragada pelo Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, V volume, pág. 143, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; O que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” [6] (sublinhado nosso)
Ora, sendo assim, a circunstância de o tribunal não ter levado em linha de conta ou em consideração no seu julgamento aquele argumento ou fundamento invocado pelo exequente em sustento da alegada exigibilidade da obrigação exequenda, não constitui uma omissão de pronúncia sobre a questão discutida nos autos, qual seja a exigibilidade daquela obrigação, pois que essa questão, de facto, foi conhecida pelo tribunal a quo na sentença sob recurso, ainda que em sentido distinto do defendido pelo Recorrente, decretando-se a sua inexigibilidade pelas razões expostas na decisão.
Neste enquadramento, a desconsideração de tal argumento ou fundamento invocado pelo exequente pode, em termos distintos, ter conduzido a uma decisão eivada de erro de julgamento por errónea subsunção jurídica dos factos constantes dos autos, mas, nesse outro contexto, a questão, uma vez mais, não é de nulidade por vício formal do acto decisório por omissão de pronúncia, mas de mérito deste último e só nessa sede pode ser analisada e decidida.
Improcede, assim, também a alegada nulidade por omissão de pronúncia.
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IV.II. Nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e a decisão (artigo 615º, n.º 1, alínea c), 1ª parte, do CPC):
Conhecidas as anteriores nulidades da sentença, cumpre conhecer da alegada nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os seus fundamentos e partindo, à cautela, do pressuposto que tal nulidade se mostra de facto arguida pelo Recorrente.
Este vício da sentença ocorre quando a mesma torna evidente a existência de um vício real no raciocínio do julgador: “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.” [7]
Trata-se de um vício ostensivo e perceptível através da leitura da sentença, pois quando o mesmo ocorre, a fundamentação do juiz aponta de forma inequívoca no sentido de que virá a ser decretada a procedência (total ou parcial) da causa e, de forma surpreendente e contraditória, a decisão acaba por decretar a improcedência da causa ou, em sentido inverso, a fundamentação exposta pelo juiz aponta no sentido de que virá a ser decretada a improcedência da causa e, de forma surpreendente e contraditória, a decisão acaba por ser no sentido da sua procedência.
Definido o vício em causa, neste âmbito, invoca o Recorrente, em primeiro lugar, em termos manifestamente confusos, que a decisão recorrida “resulta contraditória quando menciona na sua fundamentação que de acordo com a estipulação contratual resultante dos documentos complementares das duas escrituras públicas dadas à execução – cláusula sétima, um, de ambos os contratos – resulta a fixação de um direito potestativo extintivo à que assiste ao exequente de resolução do contrato, acrescentando a sentença que a resolução teria de ser exercida mediante declaração escrita para os executados, considerando contudo mais à frente que não há qualquer comunicação de resolução.” (sic)
Por outro lado, ainda, invoca, no seu modo particular de configurar as nulidades da sentença que se encontram taxativamente previstas no citado artigo 615º, n.º 1, do CPC, que existe “contradição entre a prova produzida e a fundamentação”, pois que, em seu ver, resulta das cartas juntas aos autos que o exequente considerou vencida a totalidade da dívida e isto, segundo advoga, “mais não é do que resolução dos contratos de mútuo.” (sic)
Ora, nesta matéria, não se vislumbra onde, de facto, reside a alegada contradição entre a decisão proferida e os seus próprios fundamentos, para efeitos do preceituado no citado artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC.
De facto, se bem percebemos o raciocínio exposto na sentença recorrida, o que dela consta é que, à luz da cláusula 7ª, 1, dos contratos em apreço, segundo a interpretação e subsunção do Tribunal de 1ª instância, o exequente poderia exigir as quantias reclamadas na execução se tivesse procedido previamente à resolução dos ajuizados contratos mediante declaração aos executados, declaração resolutória esta que, repete-se, segundo a análise do Tribunal de 1ª instância, não teve lugar, pois que, na leitura que o Tribunal faz das cartas enviadas pelo exequente (documentos n.ºs 2 e 3, datados de 14.06.2019, juntos pelo mesmo com a contestação aos embargos), as mesmas não traduzem uma declaração de resolução dos contratos, mas apenas uma declaração de vencimento antecipado da totalidade da dívida.
Como assim, segundo a perspectiva do Tribunal de 1ª instância e em termos lógicos com a sua argumentação, não tendo a «resolução dos contratos» sido levada ao conhecimento dos executados pelas ditas missivas, a obrigação perante o exequente quanto ao pagamento das prestações já vencidas e das prestações que se venceriam no futuro não é certa e exigível, precisamente por ausência de comunicação daquela resolução e, ainda, por falta da interpelação admonitória prevista no artigo 808º, n.º 1, do Cód. Civil.
Digamos, pois, que a conclusão final extraída pelo Tribunal quanto à procedência dos embargos é consentânea com a fundamentação que o juiz invocou na decisão e, portanto, não existe a alegada contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.
É certo que o Recorrente pode, nesta matéria, sustentar posição diferente da que foi sufragada na decisão ou entender que, na sua perspectiva, a factualidade demonstrada nos autos deveria ter conduzido, em termos de subsunção jurídica, a decisão distinta da proferida, em particular perante a interpretação do conteúdo das cartas antes referidas.
Todavia, nada disto significa que exista contradição entre os fundamentos e a decisão para efeitos do citado artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, enquanto vício de contradição lógica ao nível da elaboração da sentença, mas «apenas» a discordância do Recorrente quanto à interpretação e subsunção jurídica levada a cabo pelo juiz e, em particular, no caso, quanto à decretada inexigibilidade da obrigação exequenda.
Por conseguinte, improcede também esta outra nulidade da sentença.
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IV.III. Do mérito da sentença – Exigibilidade – Interpelação – Resolução:
Ultrapassadas as questões prévias antes referidas, cumpre decidir das demais questões de fundo e atinentes ao mérito da sentença.
Conforme dispõe o artigo 10º, n.º 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, o qual determina o fim e os limites da acção executiva. Com efeito, a acção executiva só pode ser intentada se tiver por base algum dos títulos executivos previstos no artigo 703º, título que, para além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado, tornando dispensável o recurso a um prévio processo declarativo ou a um novo processo dessa natureza para certificar a existência do direito.
No caso dos autos, mostram-se dados à execução dois contratos distintos, um contrato de mútuo com hipoteca e um contrato de abertura de crédito com hipoteca, ambos formalizados por escritura pública, tratando-se, pois, como é indiscutido, de documentos autênticos - artigo 363º, n.º 2, do Cód. Civil.
Relativamente ao primeiro, contrato de mútuo (bancário) [8], integra o mesmo a previsão do artigo 703º, n.º 1, alínea b), do CPC, pois que segundo este normativo constituem títulos executivos os documentos autênticos ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação.
E, de facto, naquele contrato de mútuo celebrado a 30.04.2008, os mutuários (ora executados) reconhecem-se como devedores da quantia pecuniária que naquela data lhes foi entregue pelo exequente (€ 123. 914, 86), obrigando-se, ainda, a proceder à restituição daquele capital e juros acordados no prazo de 463 meses, em prestações mensais e sucessivas de capital e juros, sem prejuízo da faculdade de efectuar outras entregas ou de proceder à antecipação do pagamento, em conformidade com o previsto no dito contrato e no documento complementar respectivo, como consta dos documentos juntos com a petição inicial sob o n.º 1 (escritura de mútuo com hipoteca e respectivo documento complementar).
Relativamente ao segundo contrato, contrato de abertura de crédito, o mesmo, para ser tido como título executivo, deve, como é consabido, preencher a previsão do artigo 707º, do mesmo Código.
Com efeito, segundo o previsto no dito normativo, no que concerne aos documentos autênticos (ou autenticados) em que se convencionem prestações futuras ou em que se preveja a constituição de obrigações futuras, estes só podem servir de base à execução desde que se mostre demonstrado, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo eles omissos, revestido de força executiva própria, que foi realizada pelo credor alguma prestação para conclusão do negócio ou que foi constituída alguma obrigação na sequência da previsão das partes.
Digamos que, neste caso, a exequibilidade do documento autêntico ou autenticado em que tenham sido convencionadas prestações futuras ou a constituição de obrigações futuras “ fica dependente da apresentação de um outro documento, como prova adminicular, passado em conformidade com as cláusulas fixadas no primeiro, podendo a forma desse documento ser livremente estipulada pelas partes no documento exequendo” [9], documento que se destinará a demonstrar, como exigido pelo citado artigo 707º, que foi efectivamente realizada pelo credor alguma prestação para conclusão do contrato ou que foi efectivamente constituída alguma obrigação na sequência da previsão das partes, sem o que não existirá título executivo que sirva de sustento à execução.
Trata-se, portanto, como tem sido referido pela jurisprudência, de um título executivo complexo ou compósito, já que o título executivo é formado por dois ou mais documentos, conjugados entre si. [10]
Nesta perspectiva, de facto, no contrato de abertura de crédito a entidade creditante obriga-se apenas a disponibilizar a outra (creditado) determinada soma em dinheiro, que este último pode vir a utilizar (ou não) nos moldes acordados. [11]
Como assim, a obrigação de reembolso só nasce se e na medida da disponibilização/utilização efectiva do crédito, pelo que, como é evidente, para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação, tem que provar, não só a celebração do contrato de abertura de crédito, mas também, como se referiu, através do dito documento complementar, passado segundo o estipulado no contrato, as concretas disponibilizações/utilizações efectivas do crédito em causa, sem o que não existe sequer título executivo.
Dito isto, no caso dos autos, o exequente procedeu à junção com a sua petição inicial executiva, não apenas do contrato de abertura de crédito no valor de € 26.500,00 em favor dos executados e pelo prazo de 463 meses, celebrado pela escritura pública também datada de 30.04.2008 (documento n.º 2, junto com a petição inicial executiva), como, ainda, do extracto de conta/balancete atinente à conta bancária titulada pelos executados onde o dito valor foi creditado a 7.05.2008 (vide documento n.º 3, junto com a referida petição inicial), documento este a que, conforme previsto na cláusula 7ª do documento complementar a tal escritura de abertura de crédito, os ali outorgantes reconheceram “ força executiva “, nomeadamente para efeitos de prova da referida efectiva disponibilização/utilização de tal valor.
Por conseguinte, em nosso ver, também o contrato de abertura de crédito celebrado entre o exequente e os executados constitui título executivo, à luz do preceituado no artigo 707º, do CPC, atenta a prova complementar produzida pelo exequente através do aludido balancete/extracto de conta quanto à disponibilização/utilização daquele montante.
Existindo, assim, título executivo de suporte à presente execução que segue a forma sumária (artigo 550º, n.º 2, alínea c), do CPC), cumpre conhecer da questão da exigibilidade das quantias reclamadas pelo exequente, sendo certo que é esse o ponto central da discordância do Recorrente em face da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Como já acima se referiu, o Tribunal de 1ª instância, na esteira da posição defendida pelo embargante/executado, julgou procedentes os embargos considerando, por um lado, que a cláusula 7ª, n.º 1 das escrituras ora em apreço consubstanciava um cláusula resolutiva expressa e, por isso, o exequente teria, para efeitos de exigibilidade (e certeza) da obrigação exequenda, que proceder à resolução dos ajuizados contratos mediante comunicação a efectuar aos devedores/executados (artigo 436º, do Cód. Civil) comunicação essa que não fez, pois que apenas comunicou ao embargado, através da carta de 14.06.2019, o “incumprimento do contratos” e o vencimento da totalidade da dívida, “mas não que considerava resolvido o contrato” – vide fls. 5-7 da sentença.
Importa, pois, decidir desta questão, começando pelo teor das cláusulas em apreço.
No documento complementar ao contrato de abertura de crédito sob a respectiva cláusula 8ª (e não 7ª), as partes acordaram no seguinte:
O Banco reserva-se o direito de considerar imediatamente vencido o crédito se o imóvel hipotecado for alienado, desvalorizado ou por qualquer modo onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, ou ainda se o (s) primeiro (s) outorgante (s) deixar (em) de cumprir pontualmente qualquer das obrigações assumidas.” (sublinhado nosso)
Por seu turno, no documento complementar ao contrato de mútuo e sob a respectiva cláusula 7ª, as partes acordaram no seguinte:
O Banco reserva-se o direito de considerar imediatamente vencido o empréstimo se o imóvel hipotecado for alienado, desvalorizado ou por qualquer modo onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, ou ainda se o (s) mutuário (s) deixar (em) de cumprir pontualmente qualquer das obrigações assumidas.” (sublinhado nosso)
Como já antes se referiu, o Tribunal de 1ª instância qualificou as ditas cláusulas como cláusulas resolutivas expressas e partindo desta qualificação considerou que o exequente não fez prova de ter procedido, previamente, à instauração da execução, à interpelação admonitória prevista no artigo 808º, n.º 1, do Cód. Civil, nem, ainda, à resolução dos contratos em apreço, razão porque, em seu ver, a obrigação exequenda não é (certa) e exigível.
Com o devido respeito, não se comunga da qualificação de tais cláusulas como cláusulas resolutivas expressas, pois que, em nosso ver, tais cláusulas não fazem qualquer alusão à resolução do contrato e às condições em que ao mesmo poderia ser posto termo pelo banco/exequente, antes se reportam, em termos distintos, às condições bastantes para que o banco/exequente considerasse imediata e antecipadamente vencidas todas as obrigações que emergiam dos contratos em apreço para os executados e, em particular, as prestações que só posteriormente, em condições normais de cumprimento dos ajuizados contratos, se venceriam. Neste sentido, aliás, ali se prevê o “imediato vencimento” do empréstimo ou do crédito concedido.
De facto, como é consabido, nos termos do artigo 432º, n.º 1, do Cód. Civil, é admitida a resolução do contrato quando fundada na lei ou em convenção das partes.
Este normativo admite a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito (potestativo) de resolver o contrato quando ocorra determinado facto, concretamente o não cumprimento, ou o não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas, de uma obrigação.
Por regra, a cláusula resolutiva expressa figura no próprio contrato, mas pode, ainda, resultar de um acto separado, contemporâneo ou mesmo ulterior à celebração do contrato.
De todo o modo, no que ora releva, certo é que, como temos por pacífico, a cláusula resolutiva expressa tem que fazer clara e inequívoca referência ao poder conferido a uma parte ou a ambas de, verificado determinado tipo de incumprimento pela parte contrária (que tem de ser concretizado/definido na cláusula, não sendo admissíveis cláusulas vagas ou genéricas), ser posto termo ao contrato, mediante a sua respectiva resolução ou rescisão. [12]
Ora, no caso, as cláusulas acima referidas, como já antes se referiu, não consagram a possibilidade de resolução dos contratos por parte do banco/credor verificados os eventos nelas consignados e imputáveis aos executados, mas antes, em termos distintos, consagram os eventos que, sendo imputáveis aos devedores/executados, conduzem à perda do benefício do prazo conferido em favor dos mesmos e, nesse contexto, consentem ao banco/credor considerar imediatamente vencidas todas as prestações que só no futuro se venceriam, isto é, todas as prestações mensais atinentes ao reembolso dos valores financiados e respectivos juros e que, em condições normais de cumprimento pontual do contrato, só se venceriam no decurso de cada um dos 436 meses previstos para a conclusão de tal reembolso por parte dos devedores/executados.
Neste sentido, segundo julgamos, não está em causa a cessação ou o termo dos contratos em apreço nos autos por resolução, mas antes o seu cumprimento integral por parte dos executados, mediante a antecipação do vencimento da totalidade das prestações previstas nos contratos ora em causa e que só no futuro se iriam vencer.
Por conseguinte, em nosso ver, não colhe sentido, no caso dos autos, discutir-se a resolução dos contratos e saber-se se esta teve lugar mediante comunicação ao executado/embargante através das cartas de 14.06.2019, ou, ainda, se no caso se impunha a realização da interpelação admonitória prevista no artigo 808º, n.º 1, do Cód. Civil para efeitos de conversão da mora em incumprimento definitivo, pois que, repete-se, em nosso julgamento, as cláusulas acima referidas não consagram uma hipótese de resolução dos contratos e, portanto, a obrigação exequenda a cargo dos executados não decorre dessa resolução, mas antes do vencimento antecipado da totalidade das prestações que, no contexto dos contratos de mútuo e de abertura de crédito celebrados, caberia aos executados satisfazer perante o banco/exequente no decurso do prazo de 436 meses.
Recentrada, assim, a questão, nos termos que julgamos serem os correctos, cumpre, pois, conhecer da questão que se coloca, ou seja, do vencimento antecipado/perda de benefício do prazo em favor dos devedores/executados.
Em termos de fundamentos da execução dirigida contra os executados /mutuários /creditados, o exequente alega, por um lado, que os mesmos deixaram de pagar as prestações de restituição do capital e juros convencionados no âmbito dos contratos de mútuo e de abertura de crédito desde 1.12.2018 – vide artigo 6º do requerimento executivo -, sendo que tal matéria de facto se mostra provada em 5 do elenco dos factos provados e não foi impugnada, nomeadamente pelo Recorrido em sede de ampliação do objecto do recurso (artigo 636º, n.º 2, do CPC).
E, ainda, por outro, alega que por escritura pública outorgada a 11.03.2013 os executados doaram, sem o seu consentimento, ao seu filho E… o imóvel dado em garantia (hipoteca) dos aludidos financiamentos – vide artigo 4º do mesmo requerimento inicial -, sendo que tal matéria de facto também se mostra provada (sem impugnação) em 4 do elenco dos factos provados.
Ora, perante os ditos factos, prevê o artigo 780º, n.º 1, do Cód. Civil, que “Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o imediato cumprimento da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas.” (sublinhado nosso)
E resulta, ainda, do subsequente artigo 781º que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.” (sublinhado nosso)
Na verdade, como bem se compreende, em circunstâncias normais de cumprimento dos contratos em apreço por parte dos mutuários/creditados, nomeadamente pelo pagamento das prestações mensais estipuladas para restituição dos capitais financiados e dos respectivos juros e por mor da conservação intocada da garantia prestada (hipoteca), o banco não poderia impor a antecipação do vencimento das prestações que só se venceriam posteriormente, uma vez que, como emerge do preceituado no artigo 779º, do Cód. Civil, por princípio, nas obrigações com prazo (fixado por lei ou por convenção das partes), como é o caso dos autos, o prazo para a realização da prestação tem-se, por princípio, estabelecido a favor do devedor. [13]
Como assim, como é consabido, nessas circunstâncias, nas obrigações com prazo, o credor não pode exigir a prestação ao devedor antes da data do seu vencimento, embora o devedor possa antecipar esse cumprimento, renunciando ao benefício do prazo concedido em seu favor.
No entanto, se é assim em condições normais de cumprimento, é a própria lei civil a prever através dos citados normativos, além de outras hipóteses (que não relevam ao caso), a possibilidade de o devedor perder aquele benefício do prazo estabelecido em seu favor com o imediato vencimento (rectius, exigibilidade) da obrigação a seu cargo quando, por causa que lhe seja imputável, ocorra uma diminuição das garantias do crédito ou, ainda, quando a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações e exista falta de realização de uma única dessas prestações (artigo 781º, do mesmo Código).
Nestas hipóteses, atenta a perda pelo devedor do benefício do prazo, o credor passa a estar em condições de exigir, não só, naturalmente, as prestações já vencidas e em falta, como, ainda, todas as demais que se venceriam no futuro, ou seja o cumprimento integral do contrato. Não se trata, portanto, neste âmbito, como já acima se referiu, de resolver o contrato e de lhe por termo, mas antes de o credor exigir antecipadamente do devedor o seu cumprimento integral, verificadas aquelas condições que importam a perda do benefício do prazo.
Neste sentido, como refere L. MENEZES LEITÃO, op. cit., pág. 162 e 165, em ambos os casos, “a perda do benefício do prazo ocorre porque a estipulação do prazo [em favor do devedor] tem por pressuposto a confiança do credor na solvabilidade do devedor, cessando os seus efeitos logo que essa confiança desaparece.”
Portanto, nestes casos, cessa aquele benefício em favor do devedor e ocorre o imediato vencimento de todas as posteriores prestações, estando o credor em condições de exigir potestativamente o cumprimento antecipado de todas elas, além das já vencidas e em falta. [14]
No entanto, em nosso ver, ainda que demonstradas, como é o caso dos autos em face da factualidade provada acima referida, as condições para o imediato vencimento das obrigações vincendas e, portanto, para o imediato vencimento do mútuo e do crédito ora em causa, é sempre suposto que o credor interpele (judicial ou extra-judicialmente o devedor para o pagamento de todas as prestações (totalidade da dívida).
Com efeito, como refere A. VARELA, op. cit., pág. 52-53, “O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se vencera constitui um benefício que a lei concede - mas não impõe - ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor.
A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.” (sublinhado nosso) [15]
Por conseguinte, no caso dos autos, verificadas aquelas condições para efeitos de imediato vencimento das obrigações vincendas e efectuada a interpelação extrajudicial do devedor para efeitos de pagamento da totalidade dos valores em débito, como resulta inequívoco do teor das cartas de 14.06.2019 (em que o banco exequente reclama, precisamente, o vencimento imediato das obrigações emergentes de ambos contratos e exige o pagamento da totalidade da dívida emergente dos mesmos) – cartas estas que, recorde-se, o próprio executado/embargante não põe em crise que tenham chegado ao seu conhecimento (pois que esgrime apenas a circunstância de a mesma não constituir interpelação para efeitos de resolução do contrato, o que, como já vimos, é irrelevante ao caso), será seguro dizer-se, em sentido oposto ao defendido pelo executado/embargante e secundado pelo Tribunal de 1ª instância, que a obrigação exequenda se mostra exigível e certa, não podendo, pois, proceder, nesta parte, a oposição deduzida pelo executado.
Aliás, cumpre dizê-lo, mesmo que, por dever de raciocínio, não se considerem as aludidas cartas como interpelação extra judicial para pagamento da totalidade das dívidas emergentes dos contratos ora em causa, pagamento esse decorrente do imediato vencimento de tais obrigações, sempre essa mesma interpelação (agora judicial) se mostraria cumprida por via da citação dos devedores, C… e B…, para a acção executiva.
De facto, como resulta do artigo 805º, n.º 1, do Cód. Civil, a interpelação tanto pode ser extrajudicial como judicial, não havendo qualquer razão para não aproveitar dos seus efeitos ao nível da interpelação dos devedores/executados. [16]
É certo, diga-se, que, no caso dos autos, o exequente apenas demonstrou ter interpelado extra judicialmente o executado/embargante em sede de embargos de executado deduzidos pelo co executado C…, após a penhora do imóvel (dado em hipoteca) e após a sua citação, o que decorre da forma sumária da presente execução e uma vez que nada foi suscitado pelo agente de execução em termos de apreciação liminar do requerimento executivo oferecido pelo exequente – cfr. artigos 855º, n.ºs 1 e 3 e 856º, n.º 1, do CPC.
Ora, perante isto, a dúvida que se pode colocar é a seguinte: sendo certo que a execução foi recebida pelo agente de execução e a penhora teve lugar sem que estivesse demonstrada (em termos de prova complementar, mediante a junção ao requerimento executivo da interpelação extra judicial realizada) e, portanto, sem que estivesse, naquela data, demonstrada a exigibilidade da obrigação exequenda, deve a oposição proceder com este fundamento, ou, pelo contrário, atendendo a que o acto exigível (a interpelação) já foi, entretanto praticado em relação a ambos os devedores/executados através da sua citação para a execução, deve admitir-se o prosseguimento da execução?
Esta pergunta já foi colocada, em processo cuja situação se apresenta como muito similar ao que ora se trata, no AC STJ de 30.06.2020, processo n.º 5995/03.0TVPRT-B.P1.S1, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira Catarina Serra, disponível em ECLI:PT:STJ:2020:5995.3.0TVPRT.B.P1.S1 (proferido na sequência do AC RP de 21.11.2019, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador João Venade, este disponível in wwwdgsi.pt.) [17], ali se escrevendo em resposta àquela pergunta, e em termos que nos merecem integral adesão, o seguinte: “O critério orientador ou determinante não poderá deixar de ser o das consequências desta falta de interpelação. Cumpre, mais precisamente, saber quais os interesses tutelados com a exigência da interpelação e se a falta de interpelação lhes causou algum prejuízo grave ou irreparável. Só na hipótese afirmativa se justificará desaproveitar a citação entretanto efectuada, com o inerente sacrifício da economia processual, e dar procedência à oposição nesta parte. Uma solução meramente formalista, que impusesse uma obediência irrestrita às palavras da lei e não desse atenção às circunstâncias do caso concreto (a eventualidade de os interesses em causa estarem acautelados com a citação posterior e da situação não decorrer prejuízo para ninguém) seria excessiva/desadequada.
A interpelação pode ser definida, de uma forma geral, como o mecanismo através do qual o credor dá conhecimento ao devedor da sua intenção de exigir o cumprimento da obrigação e dos termos em que ele é exigido e, quanto associada ao artigo 781º do CC, como mecanismo através do qual o credor expressa a vontade em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui de instar o devedor a cumprir imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes).
Como claramente resulta do art. 805º, n.º 1, do CC, a interpelação pode ser extrajudicial ou judicial, sendo consensualmente entendido que esta é um equivalente funcional daquela.
Ora, não há grandes dúvidas de que, ainda que tardia, a interpelação efectuada in casu (consubstanciada na citação dos executados) teve o mesmo conteúdo que teria a citação efectuada antes da penhora e desempenhou a mesma função (a função habitual), tendo os executados ficado a saber da pretensão dos exequentes e do alcance desta pretensão.
Terá a falta de interpelação atempada (i.e, antes da penhora de bens) afectado gravemente ou posto em risco os interesses dos executados merecedores de tutela?
A consequência imediata da penhora dos bens é que os executados foram desapossados destes bens – e desapossados destes bens num momento em que parte da dívida ainda não estava vencida.
O certo é que nada garante que este efeito não se produzisse da mesma forma, em função da dívida já vencida na altura. Quer dizer: ainda que a obrigação exequenda se reduzisse às prestações vencidas, seriam, com toda a probabilidade, penhorados aqueles bens aos executados.”
No caso dos presentes autos, aliás, sempre teria que ser penhorado o imóvel ora em causa pois que, estando ele dado de hipoteca para garantia (real) das obrigações em causa, a penhora teria obrigatoriamente que incidir sobre o dito imóvel, como decorre do preceituado no artigo 752º, n.º 1, do CPC.
Mas, como ainda se escreve no citado aresto, que aqui, data vénia, se continua a citar, “[m]esmo que assim não fosse, não só seria já impossível eliminar este efeito como também, e sobretudo, já seria impossível evitá-lo para o futuro, uma vez que o argumento do não vencimento da dívida deixou de valer a partir do momento em que os executados foram citados, com isso tomando conhecimento da execução da totalidade da dívida.
Ponderando tudo, o desaproveitamento da interpelação/citação dos executados emerge, em concreto, como não justificado: primeiro, porque ela desempenhou eficazmente a sua função; segundo, e mais importante ainda, porque não se descortinam interesses que reclamassem uma solução destas.”
O que, em conclusão, vem a significar que, aceitando-se tal entendimento, seja atendendo à verificação das condições exigíveis para a perda do benefício do prazo em favor dos executados (face à alienação do imóvel dado em garantia/hipoteca das obrigações assumidas e, ainda, ao não pagamento de várias das prestações da dívida pagável em prestações – as vencidas entre 1.12.2018 e a data da instauração da execução), seja atendendo à interpelação extra judicial realizada ao executado/embargante C… pelas missivas datadas de 14.06.2019, seja, ainda, atendendo à interpelação judicial realizada por mor da citação de ambos os executados/devedores, C… e B…, em nosso julgamento as obrigações exequendas, emergentes dos ajuizados contratos de mútuo e abertura de crédito, mostram-se exigíveis e certas, improcedendo, pois, nesta parte, a oposição deduzida pelo executado/embargante C…, com o consequente prosseguimento dos presentes embargos de executado apenas para conhecimento das demais questões suscitadas pelo mesmo em tal oposição e que se consideraram prejudicadas face à decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Note-se, para concluir, que, não é o simples facto de o embargante colocar em dúvida os valores reclamados pelo exequente que torna a obrigação exequenda incerta; O que, nesta sede, o embargante discute é se os valores reclamados pelo exequente são os devidos, não deixando, no entanto, de se ponderar que é ao próprio executado que incumbe demonstrar, enquanto facto extintivo do direito de crédito do exequente (artigo 342º, n.º 2, do Cód. Civil), os alegados pagamentos (por si efectuados ou pela sua esposa) por conta da dívida exequenda.
Procede, assim, com tais fundamentos, a presente apelação.
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V. DECISÃO:
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando a sentença proferida quando nela se julgou inexigível e incerta a obrigação exequenda, decretando, por isso, o prosseguimento dos embargos de executado apenas para decisão das demais questões suscitadas pelo embargante e consideradas prejudicadas pelo sentido decisório acolhido na sentença proferida.
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Custas do recurso pelo embargante, pois que nele ficou vencido – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 21.06.2021
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade

(O presente acórdão não segue na sua redacção o novo acordo ortográfico)
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[1] Vide, neste sentido, por todos, F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147 e A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Como refere FRANCISCO FERREIRA de ALMEIDA, “Direito Processual Civil”, I volume, 2ª edição, pág. 80, citando PAULO PIMENTA,“… o princípio do dispositivo traduz-se praticamente em quatro vertentes essenciais: «no impulso processual, na delimitação dos contornos fácticos do litígio, nos poderes cognitivos do juiz e nos limites da sentença”, o que obriga à congruência entre o objecto ou “thema decidendum” da decisão e as questões suscitadas nos autos pelas partes (pedidos e excepções), salvo no que respeita às que se mostrem de conhecimento oficioso.
[3] J. LEBRE de FREITAS, ISABEL ALEXANDRE, “CPC Anotado”, II volume, 3ª edição, pág. 737. Vide, ainda, no mesmo sentido, por todos,
[4] AC STJ de 21.10.2014, relator Sr. Juiz Conselheiro Gregório Silva Jesus; No mesmo sentido, AC STJ de 28.10.2014, relator Sr. Juiz Conselheiro Gabriel Catarino, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Vide, por todos, neste sentido, J. LEBRE de FREITAS, “A Acção Executiva - À Luz do Código Revisto”, 2ª edição, pág. 25-26 e MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “A Acção Executiva Singular”, 1998, pág. 14 e 95.
[6] Vide, ainda, no mesmo sentido, por todos, A. VARELA, M. BEZERRA, S. NORA, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 688.
[7] A. VARELA, op. cit., pág. 690.
[8] Sobre o contrato de mútuo bancário e diferenças entre o mútuo mercantil e o mútuo civil vide, por todos, L. MIGUEL PESTANA de VASCONCELOS, “Direito Bancário”, 2018, pág. 181-185 e J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 368-371.
[9] Vide, neste sentido, AC STJ de 10.02.2000, relator Sr. Juiz Conselheiro Nascimento Costa ou, mais recentes, AC RC de 25.03.2014, relator Sr. Juiz Desembargador Fonte Ramos ou, ainda, AC RP de 10.12.2012, relator Sr. Juiz Desembargador Luís Lameiras, todos in www.dgsi.pt. Vide, neste sentido, na doutrina, por todos, MARCO C. GONÇALVES, “Lições de Processo Civil Executivo”, 2016, pág. 72-73 e RUI PINTO, “A Acção Executiva”, AAFDL, 2018, pág. 185-188 e 192-193.
[10] AC STJ de 5.05.2011, relator Sr. Juiz Conselheiro Gregório Silva Jesus, disponível no mesmo sítio oficial.
[11] A abertura de crédito consiste no contrato pelo qual o banco (creditante) coloca à disposição da outra parte, o beneficiário (ou creditado), uma quantia pecuniária que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado, ficando obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões. Sobre o contrato de abertura de crédito, vide, por todos, L. M. PESTANA VASCONCELOS, op. cit., pág. 206-217, ENGRÁCIA ANTUNES, op. cit., pág. 501 e A. MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2ª edição, pág. 585-589.
[12] Sobre a cláusula resolutiva expressa, vide, por todos, J. CALVÃO da SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Coimbra, 1987, pág. 321-328, J. CARLOS BRANDÃO PROENÇA, “Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações”, UCE, 2ª edição, Revista e Actualizada, pág. 457-471 e PEDRO R. MARTINEZ, “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, pág. 170-174.
[13] A doutrina distingue, quanto ao tempo do cumprimento, as obrigações puras, que não têm prazo certo estipulado para o seu cumprimento, e em que, por isso, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela; e as obrigações a prazo, em que a lei ou as partes estabelecem um prazo para o cumprimento, sendo que, neste caso, a exigibilidade do cumprimento pelo credor ou a possibilidade da sua realização é diferida para um momento posterior (artigo 777º, do Cód. Civil). Vide, neste sentido, por todos, L. MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações”, II volume, 6 edição, pág. 156-160, A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, II volume, 4ª edição, pág. 40-46 e I. GALVÃO TELLES, “Direito das Obrigações”, 6ª edição, pág. 231-236 e 241-263.
[14] Vide, neste sentido, em particular quanto às dívidas unitárias cujo objecto é fraccionado em parcelas escalonadas no tempo, como ora sucede com as dívidas dos executados perante o exequente, que deveriam ser pagas em fracções mensais sucessivas, I. GALVÃO TELLES, op. cit., pág. 261.
[15] Vide, ainda, neste sentido, L. MENEZES LEITÃO, op. cit., pág. 164-165 e, na jurisprudência, por todos, AC STJ de 12.07.2018, relator Sr. Juiz Conselheiro Hélder Almeida e AC STJ de 11.07.2019, relator Sr. Juiz Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, ambos com indicação de vários outros acórdãos no mesmo sentido, disponíveis in www.dsgi.pt.
[16] Neste sentido, refere-se no AC STJ de 25.10.2012, relator Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, disponível in www.dgsi.pt, o seguinte: “[n]ão se questiona já, deste modo, a viabilidade e eficácia de uma interpelação judicial, operada na execução em curso (independentemente de uma prévia interpelação judicial) através da citação do executado para os termos da acção executiva (não oferecendo qualquer dúvida que continua a vigorar em pleno no nosso ordenamento adjectivo o regime segundo o qual, quando a inexigibilidade do débito derivasse apenas da falta de interpelação, a obrigação se vencia com a citação do executado, expressamente afirmado pelo n.º 3 do art. 804º na versão anterior à reforma de 2003 – devendo-se a eliminação deste segmento normativo à sua manifesta inutilidade, por, desde sempre, a lei civil conferir plena relevância à interpelação judicial, consubstanciada no acto de citação.)”
[17] Neste último caso, também de dívida pagável em prestações e em que se discutia a exigibilidade da obrigação por falta de interpelação, os executados não tinham sido interpelados extrajudicialmente e a sua citação na execução tinha sido inicialmente dispensada pelo Juiz do processo nos termos do artigo 727º, do CPC, vindo apenas a ter lugar a citação após a penhora.