SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
Sumário

I - Transitada em julgado sentença homologatória proferida em processo anterior, qualquer eventual direito que conflitue com aquela decisão apenas pode ser exercido, nos termos do n.º 2 do artigo 291.º do CPC, através da competente ação destinada à sua declaração de nulidade ou anulação, ou, através de revisão da sentença.
II - Face ao referido em I, está vedado ao Tribunal, na pendência de ação posterior que não tenha pois por objeto tais meios de reação, afirmar direito incompatível com o que foi afirmado na ação anterior.

Texto Integral

Apelação 12/20.8T8VFR-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira
Autora/recorrida: B…
Ré/recorrente: C…, S.A.
_______

Relator: Nélson Fernandes
1.ª Adjunta: Rita Romeira
2.ª Adjunta: Teresa Sá Lopes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. B… intentou ação de processo comum, contra C…, S.A, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 80.000, a título de compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes do assédio moral de que alega ter sido vítima.
A Autora baliza os factos que sustentam o seu pedido em dois momentos temporais distintos em que alega ter sido vítima de comportamentos por parte da Ré integradores de assédio moral: entre a 1ª reintegração (ocorrida em 07.05.2018) e o despedimento ocorrido em 10.01.2019 e os ocorridos entre tal despedimento e 01.07.2019.

A Ré contestou, invocando, entre o mais, por exceção, a transação e caso julgado, sustentando que os factos que fundamentam o pedido de pagamento de tal compensação por danos morais são anteriores à data da transação celebrada no âmbito do processo nº 445119.2T8VFR (26.06.2019) e, como tal, estão contidos naquele processo, que terminou com uma transação, homologada por sentença judicial.

Respondeu a Autora sustentando que não se verifica a invocada exceção, já que os factos/causa de pedir alegados na contestação por si deduzida no processo nº 445119.2T8VFR (artigos 1.0 a 285.°), essencialmente decorrentes de assédio moral, ilicitude e abuso do despedimento por força do assédio, destinavam-se a corroborar a tese da ilicitude e/ou abuso do despedimento e a opor-se à licitude e regularidade pugnada pela Ré nesse processo, não sendo causa de pedir para o pedido reconvencional aí deduzido, de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização a título de danos morais.

2. Fixado o valor da ação em €80.000,00, aquando da prolação do despacho saneador, no que ao presente recurso importa, foi proferida decisão que considerou que não se verifica a “exceção de caso julgado/transação”.

2.1. Dizendo-se inconformada, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, finalizando as suas alegações com as conclusões seguintes:
“1ª O recurso versa a decisão (no despacho saneador) que julgou improcedente a exceção da transação [artº 79º-A, nº 1, b), 1ª parte, do CPT - «Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa»] e imputa-lhe a violação do artº 1248º do CC.
2ª A A. moveu à R., no Tribunal recorrido, Juiz 1 - Processo nº 445/19.2T8VFR, ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que lhe foi organizado, no âmbito do qual A. e R. acordaram, em 26.6.2019, além do mais, na reintegração da A. ao serviço da R. e na fixação da quantia de 11.250,00€ a título de danos não patrimoniais que reclamava nesse processo (decorrentes da alegação de assédio e de despedimento ilegal e abusivo consequente a esse assédio, que invocou discriminadamente para fundamentar a sua pretensão e onde alegava os mesmíssimos factos desta ação e juntava os mesmos documentos), transação essa que foi homologada por sentença.
3ª O acordo das partes na fixação do valor devido pelos danos não patrimoniais sofridos, negociado entre as partes, de boa fé e recorrendo à equidade na avaliação do quantum doloris, no espírito próprio de uma transação, com concessões recíprocas, e estabelecido de forma global e indiscriminada e sem qualquer exclusão, atualizado à data da transação e portanto incluindo todo o valor a essa data, pondo termo ao litígio entre as partes, constitui uma exceção perentória (artº 1248º do CC).
4ª Não pode agora discutir-se novamente a situação e se era devido ou não maior valor pelos danos não patrimoniais decorrentes dos factos alegados do assédio e do despedimento alegadamente ilícito e abusivo por força do assédio, tanto mais que a própria A. voluntariamente aceitou negociar e fixar o respetivo quantitativo, reportado àquela data, e recebê-lo, para pôr fim ao processo em que reclamava um montante a esse título, sendo que todos os factos alegados na p.i, deste processo são anteriores à data da transação e estão contidos naquele processo![1]
5ª A decisão recorrida julgou a exceção da transação improcedente, com a consideração de que, apesar de os factos do processo anterior serem os mesmos que constam da p.i. deste processo, no processo anterior a A. não os fundamentou como assédio, mas apenas como danos decorrentes do despedimento ilícito, pelo que, como danos decorrentes de assédio, não estavam consumidos no pedido formulado e na transação efetuada nesse processo, respeitante apenas aos danos reclamados nesse processo, não sendo o mesmo pedido e causa de pedir.
6ª Salvo o devido respeito, a decisão recorrida é errada e andou mal.
Desde logo não é correto que no processo anterior a A. não tenha enquadrado e fundamentado a questão como assédio: Basta atentar no articulado da ação anterior, que qualificava a situação como assédio, ex abundantis, v.g. nos artºs 247º, 248º, 250º, 251º, 252º, 261º, 262º, 263º, 264º, 270º, 271º, 272º, 273º, 274º, 275º, 276º, 277º, 278º.
8ª A senhora juiz cometeu um erro evidente: A A. invocou uma situação de assédio com base nos factos alegados para daí concluir que o despedimento era não só ilícito como abusivo, precisamente por resultar de assédio e de a A. o ter denunciado, e com base nessa alegação complexa pediu uma indemnização por danos não patrimoniais causados pelo despedimento ilícito e abusivo pelo assédio, fundamentado em toda a situação que invocou.
9ª Não é possível cindir o assédio do despedimento, pois foi a própria A. que o introduziu na discussão do processo anterior, ao motivar o despedimento como sendo um abuso por causa desse assédio e dele ter reclamado, ao pedir uma indemnização por todos os factos aí alegados, sem distinção.
10ª A transação incidiu sobre essa causa de pedir complexa e sobre o pedido de danos não patrimoniais e considerou globalmente a situação articulada e o litígio, pondo-lhe termo.
11ª A situação material e os danos que a A. invocou no processo anterior são expressis verbis os que alegou neste processo: Os factos invocados (e até os documentos) neste processo são repetidos do anterior, não só os factos materiais, como os danos que sustentam o pedido de indemnização de danos não patrimoniais, como se demonstrou na alegação.
12ª Todos os factos, invocados neste como no outro processo, são anteriores e do conhecimento das partes previamente à transação do processo anterior.
13ª O que A. e R. quiseram foi negociar e fazer um acordo sobre a situação objeto da alegação, que é exatamente a mesma em ambos os processos, e não a discutir judicialmente, pondo termo ao litígio e à pretensão de indemnização de danos não patrimoniais com base nela formulada, cujo valor fixaram naquela data e aceitaram como sendo compensatório desses danos.
14ª O que as partes quiseram foi paz jurídica quanto ao litígio que enquadrava o despedimento, incluindo portanto a que decorria do assédio subjacente, e só assim se compreende a transação e o pagamento da indemnização por danos não patrimoniais, de modo a que não se discutisse mais a situação e nomeadamente a questão do assédio.
15ª A transação celebrada abrangeu todo o efeito jurídico, a indemnização por danos não patrimoniais, que se poderia obter a partir dos mesmos factos e consumiu todos os fundamentos, tanto os deduzidos como os deduzíveis, seja quanto aos factos em si mesmos, seja quanto às qualificações jurídicas em si mesmas, sendo irrelevante por que concretos fundamentos se transigiu, de facto ou de direito.
16ª A decisão recorrida violou a lei (artº 1248º do CC e artº 576º, nº 3, do CPC) ao julgar improcedente a exceção perentória da transação.
TERMOS EM QUE,
· DEVE O RECURSO MERECER PROVIMENTO, COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE DE A AÇÃO IMPROCEDER.”

2.2. Não constam dos autos contra-alegações.

2.3. O Tribunal a quo proferiu despacho com o teor seguinte:
“Por legal e tempestivo, admito o recurso interposto pela Ré, em 04.01.2021, do despacho saneador, na parte em que conheceu da exceção da transação, o qual é de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (artigos 79º-A, nº1, alínea b), primeira parte, 80º, 83º, nº1 e 83-A, nº2, do CPT).”

3. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência das conclusões formuladas pela Recorrente e consequente provimento do recurso interposto.

3.1 Notificada, respondeu a Recorrida ao aludido parecer, evidenciando a sua discordância quanto ao mesmo e sustentando, a final, a adequação do julgado.

Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do CPT), a única questão a decidir passa por saber se a decisão recorrida aplicou adequadamente a lei e o direito ao ter concluído pela improcedência da exceção da transação invocada pela Ré na contestação.

*
III – Fundamentação
1. Fundamentação de facto
A decisão recorrida considerou que “resultam documentalmente demonstrados os seguintes factos, com interesse para a apreciação das invocadas exceções:
1°- A aqui A. instaurou contra a aqui R, em 08.02.2019, ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que correu termos sob o nº 445/19.2T8VFR-Jl, deste Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira, com vista a impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo em 10.01.2019.-cfr. documento junto a fls. 480 a 488.
2º- Na contestação que apresentou ao articulado motivador do despedimento apresentado pela aqui R. nessa ação 445/19.2T8VFR, a A. deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €22.500, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano. Para fundamentar tal pedido reconvencional nessa ação, a aqui A. invocou, nos artigos 286º a 303º da contestação/reconvenção, os seguintes factos: - O despedimento da A. (referindo-se ao despedimento que aí estava a ser apreciado ocorrido em 10.01.2019), provocou e continua a provocar nesta uma elevadíssima e estigmatizante perturbação do equilíbrio físico, psíquico, emocional, social e familiar, resultando na ablação da sua qualidade de vida; A A. tem uma profissão que gosta, vindo-se novamente privada de a exercer, tomando-a uma pessoa menos preenchida e por isso menos estimulada para a vida; A situação de que foi (e está a ser) alvo constitui um verdadeiro atentado contra a sua honra e dignidade; De tal forma que as suas vidas pessoal, social e familiar ficaram intensamente afetadas; A A. encontra-se medicada com antidepressivos e ansiolíticos e a receber e frequentar vários tipos de tratamentos médicos; A A. viu-se novamente afastada de trabalhar, por motivos que não são lícitos; Em virtude disso, perdeu ânimo, o orgulho, o preenchimento intelectual e emocional, sentindo-se discriminada, ofendida, inútil, auto-desvalorizada, desmotivada e sem interesse geral pela vida, o que lhe causa permanente sofrimento pessoal e no meio social e familiar; Por outro lado perdeu a sua única fonte de rendimento e sustento para si e para a sua família, o que lhe provoca sentimentos de desespero e extrema preocupação; o seu agregado familiar é apenas composto por si e pelo seu filho; E o seu filho tem problemas graves e crónicos do foro psiquiátrico, com perturbação do comportamento grave associado a importantes dificuldades de concentração e ainda com diagnósticos médicos de Perturbação do Autismo - Síndrome de Asperger e Perturbação de Défice de Atenção e Hiperatividade; A A. também padece de várias doenças crónicas, incluindo doença profissional; Desde o despedimento (o ocorrido em 10.01.2019) até à presente data o seu rendimento decresceu drasticamente, auferindo apenas o subsídio de desemprego; Continuando a A., tal como toda a gente, a ter encargos normais com a habitação, eletricidade, gás, água, comunicações, alimentação e vestuário consigo e com o seu filho e, em especial, com medicações crónicas para si e para o seu filho; a A. já teve de se socorrer de ajuda alimentar e bens de primeira necessidade para si e para o seu filho num Centro Social e Segurança Social, LP., iniciada em 03-04-2019; Sentindo-se, por isso, envergonhada, estigmatizada e revoltada por ter de estar a passar por tal situação.- cfr. Contestação apresentada pela aqui A. no âmbito do processo nº 445/19.2T8VFR, junta a fls. 406 a456.
3°- Nessa contestação apresentada no processo nº 445/19.2T8VFR, nos artigos 1° a 285°, a A. contesta os factos alegados pela Ré no seu articulado motivador, sustentando que o despedimento de que foi alvo era ilícito e abusivo, fundamentando tais conclusões no facto de ter sido vítima de assédio moral, assim impugnando a licitude e regularidade do despedimento sustentada pela aqui Ré no seu articulado motivador.
4º- Em 26 de junho de 2019, no âmbito do aludido processo, A. e R. efetuaram transação, nos seguintes termos:
1ª- A Ré obriga-se a reintegrar a Autora no dia 1 de julho de 2019, no mesmo estabelecimento e com a mesma categoria e antiguidade;
2ª- No mês da reintegração, a Ré obriga-se a repor os salários de base da Autora, de 775,51€, desde que foi despedida até reintegração, deduzidos do valor do subsídio de desemprego que a Autora auferiu, no valor mensal de 578,40€, que a Ré restituirá à Segurança Social;
3ª- A Autora já recebeu a remuneração das férias vencidas em 01/01/2019 e o correspondente subsídio de férias, no mês de janeiro de 2019, pelo que irá gozar os 22 dias de férias vencidos em 01/01/2019 com os restantes trabalhadores, operando-se nessa altura a compensação com a remuneração já paga a esse título;
4ª- Autora e Ré acordam em fixar a indemnização por danos não patrimoniais sofridos, reclamados neste processo, em 11.250,00€ que a Ré se obriga a pagar à Autora, sendo metade nos próximos 10 dias e a outra metade até ao final do mês de julho de 2019, por transferência para a sua conta bancária ordenado;
5ª- Custas da ação e da reconvenção em partes iguais, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário que a Autora beneficia." (sublinhado nosso) - cfr. ata da audiência de julgamento datada de 26.06.2019, junta a fls. 405 e verso.
5° - A transação assim efetuada foi homologada por sentença judicial, devidamente transitada em julgada. (cfr. ata da audiência de julgamento)
6° - No âmbito da presente ação, a A. invoca como causa de pedir, factos integradores de assédio moral, os alegados em 50°, 54° a 125° relativos a factos ocorridos após a sua reintegração verificada em 07.05.2018 (discutidos e apreciados no âmbito do processo de contraordenação nº 70/19.8T8VFR-J2, deste Juízo do Trabalho) e até 10.01.2019, e os alegados em 46°, 51° a 53°, 186° a 190°, 192° a 203°, 204° a 211°, relativos ao segundo despedimento de que foi alvo ocorrido em 10.01.2019, que também alega ser arbitrário, injustificado e abusivo, colocando-a uma vez mais numa situação de prolongada indefinição profissional até 01.07.2019. E é com base nesses factos, que alega integram situações de assédio moral e laboral, que pede a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização por danos morais.

2. Discussão
2.1. Da transação e caso julgado
Como resulta das conclusões, a questão a decidir passa por saber se a decisão recorrida aplicou adequadamente a lei e o direito ao ter concluído pela improcedência da defesa da Ré por exceção, por invocação da transação e caso julgado.
Com o referido objetivo, tendo em vista a apreciação por parte deste Tribunal da Relação da referida questão, assim sobre saber se o Tribunal a quo aplicou adequadamente a lei e o direito na decisão recorrida, importa que comecemos por ter presentes, desde já, os fundamentos constantes dessa decisão, em particular na parte em que, depois de fazer o enquadramento teórico que teve por justificado, na sua aplicação ao caso fez constar o seguinte (transcrição):
“(…) Como deixaram expresso nos termos da transação que formalizaram no âmbito do processo nº 445/19.2T8VFR, de acordo com o que aí quiseram declarar, pelos danos morais reclamados nessa ação, fixam o valor de €12.500. Por esses danos, expressamente peticionados no âmbito dessa ação.
Ora, os factos que fundamentaram o pedido reconvencional aí formulado reconduzem-se aos danos decorrentes do despedimento de que foi alvo (10.01.2019) a aqui A., decorrentes desse facto objetivo. Efetivamente, a A. não formulou no âmbito do processo 445/19.2T8VFR qualquer pedido de condenação da Ré em indemnização por danos morais, que se estribe nos comportamentos de assédio moral/laboral que descreve na contestação apresentada nessa ação e que integram a causa de pedir nesta ação, que são factos autónomos e distintos do despedimento em si mesmo, individualizáveis e que podem, em abstrato, integrar os pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar.
De facto não pode concluir-se que existe identidade de pedidos nem de causa de pedir, entre o que a aqui A. formulou em sede reconvencional no âmbito do processo nº 445/19.2T8VFR e o que formulou no âmbito dos presentes autos.
Existe identidade de pedidos sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado. Ora, do confronto dos pedidos formulados no processo nº 445/19.2T8VFR e nestes autos, não pode concluir-se por aquela coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo do direito reclamado.
Assim sendo, como se nos afigura ser, não pode concluir-se pela verificação da exceção do caso julgado.
E sublinha-se que as partes deixaram expresso nos termos da transação que efetuaram, homologada por sentença judicial, que o valor que aí acordaram a título de danos morais, respeitava àqueles que tinham sido reclamados nesse processo. E, como já vimos, os reclamados nesse processo não tinham como fundamento os comportamentos de assédio que a A. alega terem sido levados a cabo pela Ré.
Tais factos não estão a coberto da exceção do caso julgado, por não se verificar aquela identidade de pedidos e causa de pedir, nem a coberto da autoridade do caso julgado.
Os danos morais peticionados nesta ação não estão a coberto da exceção de caso julgado, porquanto não foram objeto de apreciação e decisão no processo 445/19.2T8VFR, nem fundamentaram o pedido aí formulado a título de danos morais, nem foram abrangidos pela força do caso julgado da decisão homologatória da transação judicial aí efetuada, que expressamente deixou consignado que apenas ressarcia os danos morais peticionados naquela ação. Como decorre do art. 621.°, 1ª parte do CPC [«A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga ...»].
É certo que esses factos (referentes aos comportamentos que a A. entende integrarem assédio moral) também foram mencionados na contestação aí apresentada pela aqui A., mas foram-no para contestar a licitude e regularidade do despedimento, no âmbito dessa ação onde se apreciava precisamente, a título principal, a regularidade e licitude do despedimento promovido pela Ré em 10.01.2019 e não para fundamentar qualquer pedido de condenação da Ré a título de danos morais aí formulado, pelo que, não pode considerar-se que exista identidade de pedidos nas duas ações.
O facto, ilícito, que fundamenta nesta ação o pedido de pagamento de indemnização a título de danos morais, radica nos comportamentos assediantes descritos pela A., nos dois momentos temporais balizados, e que não se confundem com o facto objetivo despedimento, que só por si pode ser o facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar, mas que não esgota em si mesmo o facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar.
Esse facto e pedido (que radica nos comportamentos assediantes descritos pela A.) não foram objeto de apreciação e decisão no âmbito do processo nº 445/19.2T8VFR.
Não se verifica, nestes termos, a invocada exceção de caso julgado/transação.”

Em face da citada pronúncia, defendendo a Recorrente que a mesma errou na aplicação da lei e do direito, no que é acompanhada, junto desta Relação, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, cumprindo-nos apreciar, desde já adiantamos que não acompanhamos, não obstante o respeito que nos merece o entendimento que lhe está subjacente, a solução a que se chegou em 1.ª instância.
Para efeitos de se perceber a nossa posição, importa que façamos previamente o enquadramento das questões que nos são colocadas, assim a respeito da transação e do caso julgado, tarefa a que nos dedicaremos pois de seguida.
Desde logo, importa que tenhamos presente que, como resulta do disposto no artigo 1248º, n.º 1, do CC, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
Assim, como expressamente desse preceito resulta, a finalidade do contrato de transação consiste, pois, precisamente em prevenir ou terminar um litígio, ou seja, nas palavras de Rodrigues Bastos[2], através da transação substitui-se “a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação”, sendo que, constituindo pois a existência de concessões recíprocas requisito constitutivo do contrato de transação, sendo deste modo deixados os termos da exigida reciprocidade afinal à liberdade das partes e à avaliação que as mesmas façam da distribuição do risco do resultado do litígio, agora também por apelo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, poderemos dizer que a transacção situar-se-á, assim, a meio da desistência do pedido e da confissão[3].
Vistas agora as normas processuais (CPC), configurando-se a transação (tal como a confissão e a desistência) como causa de extinção da instância (como resulta da al. d) do artigo 277.º), sendo que, dispondo-se no n.º 2 do artigo 283.º ser “lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa”, resulta depois do artigo 284.º que a mesma (à semelhança da confissão) modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetue.
Sendo efetuada em ata[4], nos termos previstos no n.º 4 do artigo 291.º, o juiz, caso verifique que a transação é válida pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, limita-se a homologá-la por sentença, ditada para a ata, condenando nos respetivos termos. Ou seja, como resulta da citada norma, dependendo é certo a eficácia da transacção da prolação da sentença homologatória, constata-se que a função dessa sentença não é a de apreciar/decidir as razões e argumentos das partes sobre a respetiva controvérsia substancial e sim, apenas, diversamente, a de verificar/fiscalizar a regularidade e a validade do acordo, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nele intervieram.
Daí que, verdadeiramente, como de resto resulta do antes citado n.º 1 do artigo 1248º do CC, se possa dizer, sem grande margem para dúvidas, que a fonte real da resolução do litígio não é nestes casos propriamente a sentença homologatória e sim, afinal, o ato de vontade das partes, mais propriamente a respetiva convergência no sentido de, mediante recíprocas concessões, terminam esse litígio.
Isso mesmo tem sido evidenciado pela nossa Jurisprudência, ao pronunciar-se sobre o alcance da transação judicial, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 2018[5], nos termos do qual, entendimento que também sufragamos, “«tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transação, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transação de que nascera» (ASTJ de 4.11.93, apenas com sumário disponível em www.dgsi.pt e publicado em BMJ 431/417, realce acresc.; no mesmo sentido, transcrevendo o passo do acórdão, ASTJ, de 25.3.2004, publicado na página referida)”.
Vale, pois, a transação por si, como negócio das partes, sendo que “a intervenção do juiz é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda, como que absorvendo o acertamento que esses sujeitos processuais deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei, convencionando o que bem entenderam quanto ao objecto da causa” – como se refere no Acórdão desta Secção da Relação do Porto de 21 de dezembro de 2006[6]. E, porque assim é, proferida a sentença homologatória qualquer eventual recurso que essa tenha por objeto apenas pode incidir sobre um vício de que enferme essa mesma decisão – e não pois sobre o mérito da transação que foi homologada, ou, dito de outro modo, sobre a validade intrínseca do contrato de transacção que foi celebrado entre as partes –, sendo que, tal como resulta do regime processual vigente, a transação (tal como a confissão e a desistência) pode então ser declarada nula ou anulada como os outros atos da mesma natureza, não obstando pois o trânsito em julgado da sentença homologatória proferida a que se intente a acção destinada à sua declaração de nulidade ou anulação, ou, ainda, por outra via, que se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação[7] – não constituindo pois o recurso a interpor de uma sentença homologatória de uma transacção a sede própria para se pôr em causa a validade substantiva do contrato de transação sobre o qual aquela incidiu[8].
Isso mesmo resulta do que tem sido repetidamente afirmado também pela Jurisprudência, como ocorre no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2016[9], quando nesse se fez constar que o juiz, ao homologar o acordo / transação, “nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 e 4 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objecto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram”, sendo que “a exigência da presença do Juiz na homologação da transacção faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva”, sem que, porém, tome “o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do acordo celebrado”. E, precisamente por ser assim, como de seguida se esclarece no mesmo Acórdão, “a decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas partes na acção, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos (art.º 195.º do C.Civil)”, do que decorre, neste contexto, que «terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz, ao homologá-la, jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto - "as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação"» - ainda citando o mesmo Acórdão: “Assumindo a transação judicial a natureza jurídica de um autêntico contrato, há-de ela incluir-se no regime legal acomodado para o regime geral dos negócios jurídicos (artigo 217.º e segs. do C.Civil), designadamente é permissível que se apure se, em especificada transação, ocorreu erro na declaração que a materializou, nos termos e pelo modo como está doutrinado e condensado nos artigos 247.º do Cód. Civil - quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”
Ora, homologada que seja judicialmente a transação, defronte dessa resolução jurisdicional, se transitada em julgado, como mais uma vez se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça antes identificado e que temos seguido de muito perto, teremos então de dela retirar dois e evidentes desfechos jurídicas, assim quanto aos efeitos que dessa situação de caso julgado hão de reverter: a “exceção dilatória de caso julgado” e a “autoridade de caso julgado”.
Como se refere no referido Acórdão[10] (transcrição):
“(…) Defronte de uma resolução jurisdicional, já transitada em julgado, havemos nós de dela retirar estes dois e evidentes desfechos jurídicas quanto aos efeitos que desta situação de caso julgado hão-de reverter: a “exceção dilatória de caso julgado” e a “autoridade de caso julgado”.
A “excepção de caso julgado” tem como objetivo que seja acautelada uma nova e desnecessária decisão noutra ação, prevenindo do ponto de vista processual que apareça uma renovada demanda; impõe a lei como pressuposto desta salvaguarda a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
A “autoridade de caso julgado” consubstancia a aquiescência de uma decisão proferida noutra ação anteriormente proposta e inserida no mesmo objeto daquela que está em julgamento; visa obstar a que a situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra decisão, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581.º do C.P.Civil.
Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (Prof. Lebre de Freitas; Código de Processo Civil Anotado; vol. 2.º, 2.ª ed., pág. 354, citado no Ac. STJ de 21.03.2013 - Relator EE Rodrigues).
Quer isto dizer que, porque o exige a segurança do direito, o trânsito em julgado da sentença homologatória da transacção faz impor a obrigatoriedade da decisão assim corporizada, dentro e fora do processo onde tal determinação jurisdicional se materializou, por força do estatuído e com o alcance prescritos no artigo 619.º do C.P.Civil.
Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos - J. J. GOMES CANOTILHO; Direito Constitucional e Teoria da Constituição; pág. 250, 1998, Almedina. (…)
A autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior - Prof. Miguel Teixeira de Sousa; O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material; BMJ 325.º, pág. 49 e segs”. (…)”
Ainda a respeito da questão dos efeitos do caso julgado, nomeadamente no que respeita à sua eficácia material, evitando maiores exercícios teóricos, remetendo-se também para o que há muito tem sido afirmado pela Doutrina e Jurisprudência, socorremo-nos de seguida do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de junho de 2017[11], no sentido de se ter ainda presente o seguinte (transcrição):
[N]o que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito que tanto a doutrina [12] como a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) - uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) - uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução neste compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
Quanto à função negativa ou exceção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, tem de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.
Já quanto à autoridade do caso julgado, existem divergências.
Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (exceção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[13].
Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado [14]
No que respeita à tríplice identidade para efeitos de verificação da exceção de caso julgado, o artigo 581.º dispõe que: (…)
Quanto à identidade de sujeitos, o que é essencial não é a sua identidade física, mas a mesmidade da posição ou da qualidade jurídica na titularidade direitos e obrigações contemplados pelo julgado [15]. (…)
Também, no que respeita à identidade do pedido e da causa de pedir, importa aferi-la não de um modo global, mas sim em função de cada pretensão parcelar em que se possa decompor o objeto das causas em confronto e dos correspetivos segmentos decisórios.”
Dentro do regime antes mencionado, sem esquecermos também o que referimos a respeito da eficácia do caso julgado, porque como se viu a transação vale por si, dado o regime e finalidade do contrato de transação em geral, assim, no que para o caso importa, o de as partes terminam um litígio mediante recíprocas concessões – artigo 1248º, n.º 1, do CC –, sem esquecermos ainda que a transação se configura como causa de extinção da instância (como resulta da al. d) do artigo 277.º) e que modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetue (artigo 284.º), apesar de ser de admitir que as partes possam celebrar uma qualquer transação judicial que não envolva todas as questões sobre as quais incide o litígio – ou seja, que possa ser celebrada transação parcial como forma de retirarem da discussão da causa questões sobre as quais tenham entretanto chegado a acordo e que o processo entre pois na discussão apenas quanto às questões ainda controvertidas –, sempre tal limitação terá de resultar, necessariamente, dos termos em que as partes formalizam essa intenção (de transigir pois apenas parcialmente), para o que importará, então, mais uma vez, recorrer como se disse já às regras da interpretação das declarações negociais, nos quadros do artigo 236.º do CC, assim, por apelo ao critério enunciado no seu n.º 1, ou seja, em traços muito genéricos, de que esse sentido terá de corresponder àquele que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduziria do teor das declarações que consubstanciam a transação (assim as suas cláusulas) e do contexto factual em que as mesmas foram emitidas, sem esquecermos que, face à teoria da impressão do destinatário que foi acolhida nesse preceito, está em causa uma interpretação objetiva, nos termos da qual a declaração negocial vale segundo a vontade exteriorizada pelo declarante e não segundo a sua vontade real – tendo no entanto presente que, como é consabido, a teoria adotada no preceito comporta duas exceções/limitações: a primeira ocorre quando o sentido que um declaratário normal deduziria da declaração não puder, razoavelmente, ser imputado ao declarante (art. 236.º, n.º 1, in fine); a segunda ocorre quando o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2 do art. 236.º).
Fazendo, pois, a necessária análise do caso que é colocado à nossa apreciação no presente recurso, importa desde logo realçar, em termos de se perceber qual teria sido a vontade das partes ao transigirem no processo n.º 445/19.2T8VFR, que, diversamente do que o entendeu o Tribunal a quo, e como aliás o evidencia a Ré / recorrente, nesse processo a Autora alegou / invocou, descrevendo-os pormenorizadamente, assim na contestação / reconvenção que apresentou, uma multiplicidade de factos, de resto com apelo expresso ao já antes havia sido apreciado nos processos anteriores (de natureza contraordenacional e impugnação de despedimento), incluindo as decisões judiciais nesses proferidas, para as quais aliás remete mais uma vez expressamente por diversas vezes, sendo que, como se constata, é depois da alegação desses factos, e também pois como base neles, que, em reconvenção, no que aqui importa, formula a final um pedido de condenação da Ré a pagar-lhe “a quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano”.
O que se referiu anteriormente ressalta a nosso ver, salvo o devido respeito, do teor dessa contestação / reconvenção, sendo que, no sentido de se perceber que estaria em causa toda a atuação aí descrita e imputada à Ré e as suas consequências, incluindo a sua subsunção aos quadros do assédio moral, essas que o são afinal também na presente ação, aponta a nosso ver o que se referiu nos artigos 288.º a 303.º daquele articulado e, particularmente, quando se invocou o seguinte: “A situação de que foi (e está a ser) alvo constitui um verdadeiro atentado contra a sua honra e dignidade” (artigo 288.º); “De tal forma que as suas vidas pessoal, social e familiar ficaram intensamente afetadas, conforme também resulta dos documentos 31 a 40”” (artigo 289.º); “Tão graves e extensos danos não patrimoniais constituem um grave atentado à sua personalidade moral” (artigo 302.º); “Em consequência, a R. dever ser condenada a pagar à A. a quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados” (artigo 303.º).
Neste contexto, e tendo também presente que numa ação em que se aprecie da licitude ou ilicitude do despedimento nada obsta, como ocorreu afinal na referida ação n.º445/19.2T8VFR, a que o trabalhador em reconvenção, para além do pedido de declaração de ilicitude do despedimento, formule pedido fundado em danos de natureza não patrimonial que tenha sofrido por decorrência de comportamentos ilícitos da entidade patronal e que se configurem como de assédio moral[16], então, em face do teor da cláusula inserida na transação celebrada no referido processo, havendo que encontrar-se, como se referiu nos quadros do artigo 236.º do CC, o seu sentido válido – por apelo aos critérios interpretativos, assim, por apelo ao critério enunciado no seu n.º 1, ou seja, em traços muito genéricos, de que esse sentido terá de corresponder àquele que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduziria do teor das declarações que consubstanciam a transação (assim as suas cláusulas) e do contexto factual em que as mesmas foram emitidas, sem esquecermos que, face à teoria da impressão do destinatário que foi acolhida nesse preceito, está em causa uma interpretação objetiva, nos termos da qual a declaração negocial vale segundo a vontade exteriorizada pelo declarante e não segundo a sua vontade real –, precisamente em face do que se referiu anteriormente – ou seja, o que foi alegado e o modo como o foi no referido processo –, não poderemos acompanhar desde logo o Tribunal a quo, quando, na decisão recorrida, afirma que a alegação que foi feita dos factos nesse processo o foi apenas “para contestar a licitude e regularidade do despedimento, no âmbito dessa ação onde se apreciava precisamente, a título principal, a regularidade e licitude do despedimento promovido pela Ré em 10.01.2019 e não para fundamentar qualquer pedido de condenação da Ré a título de danos morais aí formulado”, como ainda, de seguida, ao referir que “o facto, ilícito, que fundamenta nesta ação o pedido de pagamento de indemnização a título de danos morais, radica nos comportamentos assediantes descritos pela A., nos dois momentos temporais balizados, e que não se confundem com o facto objetivo despedimento, que só por si pode ser o facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar, mas que não esgota em si mesmo o facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar”. De facto, a questão não se esgota apenas na referida análise, precisamente porque, como o dissemos antes, nada invalida que no processo em que se discuta a ilicitude do despedimento o pedido de danos não patrimoniais possa também ser alicerçado em outros factos / danos para além dos que decorram do ato em si de despedimento.
Mas mais, importa dizê-lo.
É que, precisamente por estarmos perante uma transação realizada pelas partes num processo judicial e que aí foi homologada por sentença, essa não estará propriamente, nos termos em que melhor o dissemos anteriormente, sujeita a necessária verificação da identidade de pedido e causa de pedir, assim também a respeito da eficácia que possa resultar do caso julgado, pois que, como se disse e agora se repete, dado o regime e finalidade do contrato de transação em geral, assim, no que para o caso importa, o de as partes terminam um litígio mediante recíprocas concessões, sem esquecermos ainda que a transação modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetue, apesar de ser de admitir que as partes possam celebrar uma qualquer transação judicial que não envolva todas as questões sobre as quais incide o litígio – ou seja, que possa ser celebrada transação parcial como forma de retirarem da discussão da causa questões sobre as quais tenham entretanto chegado a acordo e que o processo entre pois na discussão apenas quanto às questões ainda controvertidas –, sempre tal limitação terá de resultar, necessariamente, dos termos em que as partes formalizam essa intenção (de transigir pois apenas parcialmente), sendo que, pelas razões que antes enunciámos, assim quer o modo como foram invocados os factos e formulado o pedido na ação em que foi homologada a transação, a declaração constante da transação, assim de que “Autora e Ré acordam em fixar a indemnização por danos não patrimoniais sofridos, reclamados neste processo, em 11.250,00€ (…), pode, melhor dizendo deve, na nossa ótica ser interpretada, tanto mais que não se excluíram expressamente quaisquer desses, no sentido de abranger todos os factos que haviam sido invocados nesse processo como passíveis de gerarem esses referidos danos, por ser pressuposto que as partes os tivessem presentes no momento em que, livremente, pois que não foi invocado o contrário, quiseram pôr termo, no momento em que o fizeram, ao litígio judicial que mantinham.
E, porque assim é, impede a eficácia atribuída ao caso julgado, que incide sobre a decisão judicial que homologou tal transação no anterior processo, que a questão dos invocados danos não patrimoniais possa ser de novo invocada e discutida na presente ação, pois que, sendo-o, ou permitir-se que se pudesse fazer, colidiria com a autoridade atribuída àquele caso julgado.
Não encontramos assim razões para não acompanharmos a Recorrente quando tal defende no presente recurso, incluindo na parte em que refere nas conclusões que esse acordo das partes na fixação do valor devido pelos danos não patrimoniais sofridos, negociado de boa fé, no espírito próprio de uma transação, com concessões recíprocas, tenha sido estabelecido de forma global e indiscriminada e sem qualquer exclusão, atualizado à data da transação e portanto incluindo todo o valor a essa data, pondo termo ao litígio entre as partes. E, do mesmo modo, quando afirma que “não pode agora discutir-se novamente a situação e se era devido ou não maior valor pelos danos não patrimoniais decorrentes dos factos alegados do assédio e do despedimento alegadamente ilícito e abusivo por força do assédio, tanto mais que a própria A. voluntariamente aceitou negociar e fixar o respetivo quantitativo, reportado àquela data, e recebê-lo, para pôr fim ao processo em que reclamava um montante a esse título, sendo que todos os factos alegados na p.i, deste processo são anteriores à data da transação e estão contidos naquele processo”.
Como acompanhamos, do mesmo modo, o parecer emitido pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, que concluiu no mesmo sentido, socorrendo-se, aliás, em adequada fundamentação, também, em variada e relevante Jurisprudência, que não nos merece quaisquer reservas.
Nos termos expostos, por consideramos, em face do decidido com trânsito em julgado no processo n.º 445/19.2T8VFR, verificada a exceção dilatória do caso julgado invocada pela Ré/recorrente, revogando-se a decisão recorrida, importa que seja determinada a absolvição da Ré da instância (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. i), e 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC).

As custas, da ação e do recurso, são da responsabilidade da Autora, sem prejuízo de benefício que lha assista (artigo 527, do CPC).
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC:
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IV – DECISÃO
Acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, sendo essa substituída por este acórdão, em que, por decorrência da verificação da exceção dilatória do caso julgado, se absolve a Ré da instância.
As custas da ação e do recurso são da responsabilidade da Autora, sem prejuízo de benefício que lhe tenha sido atribuído.

Porto, 14 de julho de 2021
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] “6 A A. não disfarça no artº 220º da p.i. que pretende uma consideração e avaliação global da situação, que considera, no artº 223º, no período de maio de 2018 a 1.7.2019.”
[2] Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, pág. 221
[3] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, pp. 489 e ss
[4] Pode também sê-lo por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo, como se dispõe no n.º 1 do artigo 290.º.
[5] Relator Conselheiro Cabral Tavares, in www.dgsi.pt.
[6] No âmbito do processo n.º 0633635, disponível na mesma base jurídico-documental.
[7] Cfr. artigo 291.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil
[8] É que (como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2013 – processo 6898/11.0TBCSC.L1-1, também disponível www.dgsi.pt), “desde o momento que a intervenção do juiz – quando tem de decidir se homologa ou não a transacção – é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebraram, tudo quanto pode pôr-se em crise – no recurso a interpor duma sentença homologatória duma transacção – é se o litígio versava ou não sobre direitos na livre disponibilidade das partes (já que, nos termos do artigo 1249.º do Código Civil, as partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos) ou se as pessoas que intervieram na transacção detinham ou não poderes para o efeito.”
[9] Relator Conselheiro Silva Gonçalves, in www.dgsi.pt.
[10] Com exclusão de notas de rodapé.
[11] Disponível em www.dgsi.pt, Relator Conselheiro Tomé Soares Gomes, que nesta parte seguiremos de perto.
[12] [1] Vide, entre outros, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572; Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354.
[13] In Código de Processo Civil anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1981, pp. 92-93.
[14] [3] Vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ: de 13/12/2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no processo n.º 07A3739; de 06/3/2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no processo n.º 08B402; de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[15] [4] Neste sentido, vide, entre outros, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1981, pp. 97-99.
[16] “A reconvenção admitida pelo art.º 98.º L/3 CPT afasta-se do art.º 30.º do CPT, sendo mais amplos os termos em que podem ser deduzidos pedidos”, pois que “em primeiro lugar, a dedução de pedido reconvencional é possível “nos casos previstos no n.º2, do art.º 274.º n.º 2 do CPC (..)”, ou seja, nos termos do n.º2, do correspondente art.º 266.º do actual CPC”, o que vale “por dizer, quando o pedido emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa e quando se propõe obter a compensação”, sendo que “naqueles primeiros, englobam-se todos os decorrentes da ilicitude do despedimento, nomeadamente os estabelecidos nos artigos 389.º e 390.º e 391.º do CT/09” Ac. Relação do Porto de 8 de Junho de 2017, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, com intervenção como adjunto do aqui relator – disponível em www.dgsi.pt