PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
ESCOAMENTO DE ÁGUAS
DANO CAUSADO POR COISAS OU ATIVIDADES
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
DEVERES DE SEGURANÇA NO TRÁFEGO
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
DOMÍNIO PÚBLICO
CONFISSÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE INSTÂNCIA
DEFEITO DE CONSERVAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


I – Como critério para determinar se o ramal de águas residuais, distinto do “colector”, pertence ao condomínio ou lhe é exterior, designadamente se é coisa pública, deve atender-se à confissão de que o ramal é parte comum do prédio, bem como à noção que decorre do artº 146º do Decreto Regulamentar nº 23/95 de 23 de Agosto de que “os ramais de ligação têm por finalidade assegurar a condução das águas residuais prediais, desde as câmaras de ramal de ligação” (ou caixas de visita) “até à rede pública”.
II - Se a obstrução ocorre no último segmento do ramal, entre a fracção da Autora e o colector, conjugado com o facto de que o lote (espaço comum) se situa ainda sensivelmente distanciado quer da estrema da fracção da Autora, quer da caixa de visita de que parte o segmento do ramal que conduz ao colector, é de concluir que o entupimento de verificou numa fracção do ramal de águas residuais integrante das coisas comuns do condomínio.
III - A causalidade entre facto ilícito e dano, nos termos do disposto no artº 563º CCiv, supõe, num primeiro momento, uma “questão de facto”, naturalística, que consiste em descortinar o facto concreto condicionante do dano, e que é competência das instâncias.
IV – Em aplicação da norma do artº 493º nº1 CCiv, pode afirmar-se que, estando o imóvel constituído em propriedade horizontal, é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel, mais a mais tendo o condomínio ficado a saber que a conduta de águas residuais do edifício se encontrava entupida e causava danos a uma das fracções autónomas, independentemente da origem de tais entupimentos, e ainda se tinha o “domínio do facto” - vigiar e reparar ou, ao menos, diligenciar no sentido de que outra entidade (v.g., a concessionária da rede de esgotos) fizesse a reparação.
V – A responsabilidade do Condomínio também podia ser sustentada pela norma do artº 492º nº 1 CCiv, visto que um dos espaços onde o entupimento e fissuração ocorreram era comum, sendo que é o próprio defeito de conservação que demonstra o incumprimento, cabendo ao responsável a elisão da respectiva culpa.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça*



A Questão

AA intentou contra o Condomínio do Prédio Urbano Sito na Urbanização ......., Lote ..., em ........., ......., representado pela respetiva administração, acção declarativa, com processo comum.

Pediu a condenação do Réu a:

a) Efectuar, na fracção autónoma “..” que integra o prédio urbano descrito sob o n.º …08, na Conservatória do Registo Predial ......., sito na Urbanização ....., Lote ..., freguesia ....., concelho ......., todas as obras necessárias a eliminar, definitivamente, os defeitos referidos no artigo 140 da p.i., designadamente:

i). O entupimento do Ramal originado pelas raízes das árvores circundantes;

ii) Os danos e fraturas que, na sequência do supra exposto em 51º a 53º, se confirme existirem ao longo do Ramal;

iii) As infiltrações na empena norte da Correnteza;

iv) A fissura existente na empena norte da Correnteza;

v) O empoçamento/alagamento de águas pluviais no caminho que dá acesso à Fração em frente às portas da cave e da entrada principal da Fração;

vi) As fugas que se verificam no tubo de rega existente no quintal da A. procedendo também à respetiva limpeza, ou, em alternativa, à sua remoção.

b) A Indemnizar a A. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes dos prejuízos alegados e que ascendem à quantia de 13.500,00€.

c) A título de sanção pecuniária compulsória, no montante que vier a ser fixado pelo Tribunal, mas não inferior a 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento integral das reparações referidas em supra a), após termo de prazo, não inferior a 90 dias, a fixar pelo Tribunal.

Mais tarde, formulou ampliação do pedido, no sentido da condenação dos demandados no pagamento da quantia de € 5.000,00 para reparação dos prejuízos sofridos em consequência das inundações verificadas nos anos de 2014 a 2016.

Invocou ser proprietária da fração autónoma do Prédio designada pela letra “..”, que corresponde a uma habitação unifamiliar (do tipo “moradia”) com cave, rés-do- chão e 1º andar, que se integra numa correnteza de 5 outras frações geminadas e todas com a mesma tipologia, e que constituem o prédio urbano do condomínio réu.

Desde o ano de 2007 que tem ocorrido, pelo menos uma vez em cada ano, inundações na cave da Fração, por via de obstrução do ramal e do coletor de esgoto comum da Correnteza, que fica entupido com raízes de árvores.

Outrossim, desde o ano de 2008, que ocorrem inúmeras infiltrações na cave da Fração através da respetiva parede/empena norte, as quais têm origem numa zona de floreira que confina com a empena, que se encontra normalmente ensopada de água que se infiltra, e bem assim numa caixa de incêndio fixada por cima da floreira, a qual também apresenta fugas de água.

Em 2008/2009 começaram ainda a ocorrer inundações na cave através da soleira da porta de acesso à cave, por acumulação na grelha, de caruma e outros detritos que não são limpos pelo condomínio, devidamente alertado para tais circunstâncias, sem que as resolvesse, as quais têm causado danos de ordem patrimonial e não patrimonial, de que pretende ser ressarcida.

Durante o mês de Fevereiro de 2014, foram cortadas as duas árvores mais próximas do ramal, ou a mando do Réu ou da Aprosol, Associação de Proprietários de Troia, actos idóneos a traduzir o reconhecimento dos danos no ramal e respetivas causas.

O Condomínio contestou, negando a factualidade invocada, que atribuiu às obras efectuadas pela Autora na cave da fração de que é proprietária.

Alegou ainda que quer o coletor, quer as árvores cujas raízes alegadamente geraram o entupimento, encontram-se em terreno que não pertence ao Condomínio, mas à Aprosol, associação dos proprietários de Troia, empresa concessionária da Câmara Municipal ..... com poderes para proceder à conservação e manutenção dos equipamentos destinados à "deposição de resíduos sólidos urbanos, por forma a garantir a boa higiene dos locais e a minimização dos odores incómodos".

O corte das árvores ocorreu sem o seu conhecimento e intervenção, apenas por iniciativa da Aprosol e com o conhecimento da Proteção Civil, na sequência de uma delas ter danificado a chaminé de um prédio no lote …, por virtude da intempérie verificada nesse ano de 2014.

A Autora requereu a intervenção principal provocada da Aprosol, que contestou, arguindo a sua ilegitimidade para a causa, pois não é a responsável pela gestão das infraestruturas, nomeadamente manutenção e reparação das redes de coletores, onde se incluem os ramais de ligação, as câmaras, caixas de visita, sargeta e valetas, assim como obras e instalações.

Igualmente realçou as obras realizadas pela A. na cave da fracção, implicarando alteração do sistema de drenagem predial, como causa dos danos que alegadamente sofreu.


As Decisões Judiciais

Na Comarca, a sentença proferida, na parcial procedência da ação:

a) condenou o Réu Condomínio a eliminar as infiltrações na empena norte da Correnteza, no prazo de 150 dias a contar do trânsito da decisão, findo o que deverá pagar à Recorrente a quantia diária de €80,00 até a eliminação estar realizada;

b) Condenou o mesmo R. a pagar à Recorrente a quantia de 1.600,00, de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos montantes atinentes a transporte e refeições das empregadas, cuja determinação relegou para execução de sentença, nos termos do disposto no nº 2 do artº 609.º do C.P.C.

c) Condenou o R. Condomínio a pagar à Recorrente a quantia de 4.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais.

d) Absolveu o 1º R. Condomínio do mais peticionado.

e) Absolveu a 2ª Ré Aprosol dos pedidos.

Inconformados, recorreram de apelação a Autora e o réu Condomínio, na sequência do que o Tribunal da Relação ….., anulou a decisão recorrida, em ordem a se eliminarem as deficiências e contradições da matéria de facto constante dos pontos 14, 15, 16, 17, 23, 26, 29, 30, 34, 35, 38, 71, 71a, 89, 90, 92, vii, viii, xxiv, xxv, e xxvi e de quaisquer outros factos, na justa medida do que se venha a revelar necessário para evitar contradições, tendo sugerido a reinquirição dos Exmºs peritos e a solicitação de esclarecimentos à CM.., se necessário.

Devolvidos os autos à 1ª instância, reabriu-se a audiência de julgamento para reinquirição dos Senhores peritos e solicitaram-se sucessivos esclarecimentos à CM…, a solicitação das partes, findo o que foram proferidas novas alegações.

A nova sentença proferida:

a) Condenou o R. Condomínio a eliminar as infiltrações na empena norte da Correnteza, no prazo de 150 dias, a contar do trânsito da decisão, findo o que condenou o R. Condomínio a pagar à autora a quantia diária de €80,00, até a eliminação estar realizada.

b) Absolveu o R. condomínio do mais peticionado.

c) Absolveu a Interveniente Aprosol dos pedidos.

Recorreu de apelação a Autora.

A Relação julgou o recurso parcialmente procedente, decidindo:

a) Condenar o Réu Condomínio a realizar as obras tecnicamente adequadas à eliminação da obstrução do ramal comum de esgotos que seve a correnteza de fracções na qual se integra a fracção pertença da Autora, procedendo à sua reparação/substituição, de forma a impedir a sua obstrução pelas raízes das árvores circundantes, fixando-se em 180 dias o prazo para a sua realização;

b) Condenar o Réu Condomínio a executar, no mesmo prazo de 180 dias, as obras necessárias à eliminação da acumulação das águas pluviais no caminho que dá acesso à fracção, em frente às portas principal e de acesso à cave;

c) Condenar o Réu Condomínio a pagar à Autora, a título de indemnização, a quantia global de € 13 200,00, respeitando € 3 200,00 aos danos de natureza patrimonial liquidados e € 10 000,00 aos danos de natureza não patrimonial, e ainda no montante que se vier a apurar corresponder ao valor dos bens discriminados no ponto 98 da matéria de facto.

No mais, confirmou o teor decisório da sentença.

Conclusões do Recurso de Revista do Réu Condomínio:

A) O valor da ação e da sucumbência permitem a admissão do presente recurso (artigos 1º a 3º das alegações);

B) O acórdão recorrido deu como provados os factos referidos no artigo 4º destas alegações cujo teor se dá por reproduzido;

C) O Tribunal da Relação, em anterior acórdão pelo qual analisou a primeira sentença proferida sobre o mérito da causa em primeira instância, alertou para a possível integração no sistema publico de Drenagem de Águas Residuais e Pluviais do Município ......, cuja gestão compete à Câmara Municipal ....... (CM..), do ramal que serve o escoamento de esgotos (águas residuais) das frações autónomas que integram o Lote ..., de ora em diante identificado como ramal, gerido pelo Réu condomínio, devendo a matéria de facto ser clarificada tendo em vista saber se este tem a disponibilidade sobre esta infraestrutura, pela definição de parte integrante do prédio, relevante para a aplicação ou não do disposto no artigo 492º do Código Civil -CC- (artigo 5º das alegações);

D) Pela documentação junta pelo Réu condomínio aos autos e pelas informações e documentação junta aos mesmos pela Câmara Municipal ....... (CM..), conclui-se claramente que, para utilizar a expressão dos factos provados, o último segmento do ramal referido se situa em terreno não pertencente do Lote ..., ou seja, ao prédio gerido pelo Réu condomínio, ora recorrente, o mesmo sucedendo à caixa e aos dois coletores, num dos quais aquele ramal desemboca, que se situam em terreno público municipal (artigos 6º e 7º das alegações);

E) Mais resulta da documentação constante dos autos pela CM.., não impugnada pelas partes, que a recolha de RSU (resíduos sólidos urbanos) bem como a manutenção e limpeza das respetivas infra-estruturas tendo em vista o seu escoamento , e, bem assim, a escorrência de águas pluviais, do Lote ... e da parte do ramal que se encontra no terreno do domínio público, se encontra a cargo da referida INFRATRÓIA EM, por transmissão de responsabilidade da CM.. ( artigo 7º das alegações);

F) Para esclarecer qualquer dúvida, na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação referido em C), na audiência de discussão e julgamento, os peritos confirmaram que a terminação do ramal e a sua desembocadura no coletor se encontram em terreno fora do Lote ..., pertencente ao domínio público ( artº 8º das alegações);

G) Pelo acórdão recorrido o Réu ora recorrente, foi condenado por se considerar o referido ramal, incluindo o seu último segmento, pelo qual se processa o escoamento para a rede pública dos RSU (esgotos e águas residuais), das frações que integram o Lote ... constitui parte comum deste prédio constituído em propriedade horizontal, recaindo sobre os condóminos o dever da sua conservação e manutenção (página 40), tendo, assim, violado a “…obrigação legal inerente ao regime específico da propriedade horizontal previsto nos artigos 1414º e segs, do Código Civil…” (página 41), não afastando a responsabilidade do condomínio o facto de lhe não pertencerem as árvores cujas raízes se infiltram no ramal, condenando-o com base no preceituado nos artigos 492º e 493º do Código Civil;

H) Conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, não pode constituir parte comum de prédio constituído no regime de propriedade horizontal, algo que se encontre fora do mesmo, (artigo 10º desta alegações), como ocorre com o “último segmento” do ramal no qual se verificaram os entupimentos descritos nestes autos, já em terreno do domínio público, gerido pela CM.. e pela empresa municipal INFRATRÓIA EM (artigos 11º e 12º das alegações);

I) Do processo não consta o título constitutivo da propriedade horizontal do Lote ..., nem documento que possa constituir alteração do mesmo, que careceria de ser formalizado por escritura pública ou documento particular autenticado (artigo 1419º do Código Civil), não podendo ser atendido como regulamento do prédio dos autos o reproduzido no documento nº 4 junto pela Autora à petição inicial, por não conter sequer as assinaturas autenticadas dos condóminos (artigo 13º das alegações).

J) Assim, para definir em que consistem os bens comuns aos condóminos o Tribunal apenas poderá atender ao disposto na lei, concretamente ao previsto no artigo 1421º do Código Civil que não prevê que o ramal seja parte comum do prédio (artigo 13º das alegações);

K) Em todo o caso, nunca poderia o ramal, na parte considerada danificada, que, aliás não foi sequer determinada no acórdão recorrido (artigo 16º das alegações), nem no seu último segmento, ou seja na sua terminação e desembocadura no coletor público, que se encontra em terreno fora do Lote ... ser considerada parte comum sob administração dos condóminos porque territorialmente se encontra fora do Lote ... (artigo 13º das alegações);

L) Como a jurisprudência tem realçado, as partes comuns de um prédio constituído em propriedade horizontal não podem ser definidas apenas pela função, sendo importante a definição pelo território, por ser decisiva a sua localização, que tem sempre de ocorrer dentro do prédio (artigo 15º das alegações);

M) Constata-se, assim, que o ramal pelo qual se escoam os esgotos das frações autónomas e, designadamente, o seu último segmento, não pode ser considerado parte comum do prédio face ao disposto no artigo 1421º do Código Civil, de que o Réu condomínio é administrador pelo disposto no artigo 1430º do Código Civil (artigo 13º das alegações);

N) A inclusão do ramal e, designadamente, o seu último segmento, como parte comum do prédio está subtraída à vontade das partes em conflito na presente ação, uma vez que não se encontra na sua disponibilidade, não podendo uma atuação passiva do Réu condomínio operar confissão, na medida em, que, não tendo o condomínio personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária (artigo 12º e) do Código de Processo Civil e artigo 1437º do CC), não está na sua disponibilidade definir as partes comuns do Lote ... ou de qualquer prédio constituído em propriedade horizontal, assistindo-lhe meros poderes de administração em conjunto com os condóminos (artigos 1430º e 1436º do CC) (artigo 13º das alegações);

O) Se dúvidas existissem, o artigo 1437º do CC dispõe que, para que o administrador do condomínio tenha poderes em acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns é indispensável que a assembleia dos condóminos atribuía tais poderes especiais, o que não ocorreu nos presente autos;

P) Assim, ao assumir que o ramal, e, designadamente, o seu último segmento, constitui uma parte comum do condomínio ao acórdão recorrido (ágina 40) violou o disposto nos artigos 1419º e 1421º do CC, para além do disposto no artigo 342º do mesmo diploma;

Q) Na verdade, nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil, competia à Autora demostrar que o ramal referido, incluindo o seu segmento que desemboca no coletor publico, constituía uma parte comum aos condóminos do Lote ..., o que só poderia resultar, como se referiu, do título de constituição de propriedade horizontal originário ou proveniente de alteração legalmente válida. Ora tal prova não foi efetuada, contrariamente ao pressuposto no acórdão recorrido (artigo 14º das alegações);

R) O acórdão recorrido violou, assim também o artigo 342º do CC, ao admitir com provado um facto (o ramal como coisa comum do condomínio do Lote ...) sem que a parte que tinha o ónus da prova (a Autora) o tenha legalmente demonstrado (artigo 15º das alegações);

S) Interpretando o acórdão recorrido, ou se considera que o entupimento do ramal se situou apenas ao nível da sua desembocadura no coletor sito fora do lote (a cerca de 10 metros do Lote ... – número 19 dos factos provados) e a questão está esclarecida, devendo a ação improceder por se referir a problema localizado fora do Lote ..., em local que não é parte comum do dondomínio;

T) Ou se considera que o acórdão enferma da nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea d), aplicável por força do disposto no 674º nº1 alínea c) do Código de Processo Civil, na medida em que, não determinou em que consistia este “ último segmento “ do ramal, também nada esclarecendo sobre o local em que o ramal estaria fraturado (número 39 dos factos provados), para se poder concluir se o mesmo se refere, como se aceita, ao que se situa fora do Lote ..., junto ao coletor público, como parece resultar da conjugação dos números 19,20, 32, 33, 42, 77, 80 dos factos provados, uma vez que este último número refere expressamente que a infiltração das raízes se processavam ao “nível do seu último segmento, visíveis através da abertura que desemboca no Colector”, ou se se localiza em local diverso, dentro do Lote ... ( artigo 16º das alegações);

U) Note-se que o facto provado com o número 39 no acórdão recorrido em nada contribui para esclarecer os factos na medida em que não determina o local em concreto da eventual fratura do ramal, facto que sempre seria decisivo para apurar a responsabilidade dos condóminos pela sua manutenção em bom estado de funcionamento, mesmo que se considerasse coisa comum do condomínio, pelo que também por este motivo se verifica a nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea d), aplicável por força do disposto no 674º nº1 alínea c) do Código de Processo Civil ( artigo 16º das alegações);

V) Assim, contrariamente ao decidido pelo acórdão recorrido, nunca pode ser aplicado na presente situação o disposto no artigo 492º nº 1 do Código Civil, porque os condóminos não são proprietários do ramal, ou, mesmo que tal se não entenda, o que apenas subsidiariamente e por cautela de patrocínio se admite, da parte do ramal onde os peritos verificaram a existência de raízes que dificultavam o escoamento de esgoto (não a impossibilidade absoluta deste último) que é a embocadura do mesmo no coletor em terreno do domínio público municipal (artº 17º das alegações);

W) Também o nº 2 do artigo 492º do CC não tem aplicação ao caso dos autos porque não está demonstrado que, por lei ou negócio jurídico, os condóminos tivessem obrigação de conservar em boas condições o ramal ou a parte do ramal infiltrada por raízes de árvores sitas em prédios contíguos ao Lote ..., que afetaram a parte terminal do ramal sita já em terreno do domínio público, sob administração da Câmara Municipal ....... e da empresa Municipal INFRATRÓIA EM (artigo 17º das alegações);

X) Por sua vez, a presunção de culpa prevista no artigo 493º nº 1 do Código Civil invocada pelo acórdão recorrido também se não aplica aos condóminos no caso dos autos porque se não descortina qual seja a obrigação de estes vigiarem o ramal, pelo menos na parte que, inquestionavelmente, não é comum, ou seja, vigiarem uma coisa imóvel que lhes não pertence, não contendo o processo elementos que possam fundamentar tal dever (artigo 17º das alegações);

Y) Assim, por errada interpretação e aplicação dos preceitos citados do Código Civil, deve o acórdão recorrido ser revogado, absolvendo-se o Réu do pedido, na parte da sentença de primeira instância não aceite e acatada por este, confirmando-se a sentença de 12/11/2019 proferida em primeira instância, exceto no que respeita à inaplicabilidade da sanção pecuniária compulsória, em que se concorda com o decidido pela Relação;

Z) Em todo o caso sempre se dirá que, relativamente à condenação constante da alínea b) da decisão recorrida (página 45 do acórdão recorrido) a quantia arbitrada a título de dano, traduzida na execução de obras necessárias à eliminação da acumulação das águas pluviais no caminho que dá acesso à fração (da Autora, supõe-se), em frente às portas principal e de acesso à cave, o acórdão não contem qualquer fundamentação de facto e jurídica que possa estar na base da mesma, pelo que se verifica a nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, aplicável por força do artigo 674º nº 1 alínea c) do CPC (artigo 21º das alegações);

AA) E ainda, subsidiariamente, e por mera cautela de patrocínio, se considera exagerada a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais, devendo, o seu montante ser fixado em quantia inferior à arbitrada, nos termos do disposto no artigo 496º do Código Civil, que, nesta medida se mostra violado pelo acórdão recorrido (artigo 22º das alegações).


Por contra-alegações, a Autora sustenta o bem fundado do acórdão recorrido.

Factos Apurados:

1 – O prédio urbano do condomínio R. localiza-se na Urbanização ......., Lote ..., freguesia ......., concelho ......., está descrito sob o nº …08, na Conservatória do Registo Predial ....... e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesa sob o artigo matricial nº …26, sendo adiante designado por “Prédio”.

2 - O Prédio (Lote ...) integra-se na denominada “Urbanização .......”, a qual inclui, também, os lotes … e ….

3 - Trata-se de uma urbanização que é usada maioritariamente para fins de vilegiatura pelos proprietários.

4 - A Urbanização ....... inclui outros lotes além dos anteriormente referidos; no entanto estes três lotes são, na prática, geridos como um único condomínio, sendo que todos pertenciam e foram edificados por uma cooperativa de habitação e construção, a Coociclo.

5 - As assembleias de condóminos são realizadas conjuntamente para os três lotes e lavradas numa única acta.

6 – É elaborado apenas um orçamento de despesas anual para os três lotes, que é submetido a aprovação por assembleia convocada e realizada nos termos do artigo precedente.

7 - Os três lotes são também administrados por uma administração conjunta, eleita em assembleia e composta por três administradores, cada um especificamente para cada lote, sendo à data da propositura da ação composta por BB, CC e DD.

8 - Os lotes …, … e … correspondem a prédios em regime de propriedade horizontal distintos e com descrições de registo predial autónomas, daí a denominação “Administração do Condomínio dos Lotes …/…/…”.

9 - A administração é coadjuvada, nas suas funções executivas, pela Aprosol – Associação de Proprietários em Troia (associação sem fins lucrativos, com o NIPC 503437379), a quem o condomínio R. paga anualmente uma determinada quantia pela prestação desse serviço de assessoria.

10 - A A. é, desde 1999, a única legitima possuidora e proprietária da fração autónoma do Prédio designada pela letra “..”, que corresponde a uma habitação unifamiliar (do tipo “moradia”) com cave, rés-do- chão e 1º andar, adiante designada por Fração.

11 – A Fração integra-se numa correnteza de 5 outras frações autónomas do Prédio (incluindo a Fração) geminadas e todas com a mesma tipologia – este conjunto, de ora em diante, será designado por “Correnteza”.

12 - A Fração localiza-se no extremo norte da Correnteza.

13 - A empena norte da Fração e da Correnteza, são, assim, a mesma e a única parede.

14 – Na tipologia adoptada no projecto de execução licenciado pela Câmara Municipal ....... (CM..), a cave da fracção da Autora, à semelhança das existentes nas restantes fracções autónomas do condomínio, era composta por uma área rectangular com a área de 21,31 m2, cujo lado maior media 6,40 m (desenvolvido segundo a correnteza de fracções) e o lado menor 3,33 m, dispondo de um pé direito de 2,20 m.

15 – Contendo no seu interior apenas a escada de acesso a partie da porta de entrada directa do passeio exterior.

16 – Na composição original da fracção da Autora, licenciada pela Câmara Municipal ....... (CM..), a respectiva cave resumia-se a um espaço para arrumos, sem condições de habitabilidade, com uma área rectangular de 21,31 metros quadrados.

17 – A Autora, sem dar conhecimento ao Réu e à entidade licenciadora, fez obras na cave, fazendo coincidir a sua área com a de implantação do rés-do-chão, passando a ter uma área de cerca de 58 m2, composta de uma suite, 2 quartos, uma dispensa e instalação sanitária.

18 - A instalação sanitária (.s.) da cave da fracção confina com o vão das escadas de acesso à cave.

19 – A Norte da Correnteza, a cerca de 10 metros da fracção, localiza-se um colector de esgoto, adiante designado por “Colector”.

20 – No Colector desemboca um ramal comum de esgoto que serve as fracções da Correnteza e que percorre toda a sua frente (a Nascente), adiante designada por Ramal (antigo ponto 15).

21 – Cada fracção da Correnteza tem uma caixa de visita onde desembocam os tubos da rede interna de esgotos de cada fracção.

22 – As caixas de visita de cada fracção estão por cima do Ramal, com ligação directa a este.

23 - Desde o ano de 2007 que ocorrem, pelo menos uma vez em cada ano, inundações na cave da Fração.

24 – Tais inundações, com águas sujas e dejectos, ocorrem em todos os Verões, desde 2007 até à presente data, causando graves transtornos à Autora e à sua família.

25 - Em Agosto de 2007 começou repentinamente a sair água de esgoto (com dejectos e cheiro nauseabundo) através do ralo do polibã da i.s.

26 - Essa água de esgoto inundou todas as divisórias da cave, atingindo, especialmente, a i.s e o espaço aberto em frente - o hall.

27 - A A. entrou de imediato em contacto com a Aprosol, que, por sua vez, contactou uma empresa especialista em desentupimentos, a Limpersado.

28 - Verificou-se que o último segmento do ramal estava entupido com raízes de árvores.

29 - A uma distância aproximada de 6m do coletor, existiam 3 árvores de grande porte (2 pinheiros e uma palmeira) e 2 de médio porte (dois pinheiros).

30 - Removidas as raízes a que se alude em 28, pela Limpersado, o problema ficou resolvido nesse Verão de 2007.

31 - Em Julho de 2013 voltou a ocorrer uma inundação na fracção, através de água de esgoto que saía por detrás da sanita da i.s na zona das respetivas tubagens.

32 - Tal como nos anos anteriores, foi chamada a Limpersado, para proceder ao desentupimento do último segmento do ramal, o que foi feito através da abertura que desemboca no coletor.

33 - Aquando do desentupimento do esgoto, estiveram presentes o Sr. Eng.º DD, e uma funcionária do condomínio, a Sra. D.ª Aldina Sobral, que presenciaram a retirada de um enorme “rolhão” de raízes do último segmento do ramal, através da sua abertura que desemboca no Coletor.

34 - Não obstante o desentupimento a que se alude em 32), logo no mês seguinte, em Agosto de 2013, a cave voltou a inundar.

35 - Na sequência desta inundação, a A. contratou a empresa Rehabilitamus para que fosse elaborado um relatório do qual constassem as concretas causas das inundações ocorridas na cave da Fração.

36 - Os técnicos da Rehabilitamus efetuaram uma vistoria à fração no dia 29/08/2013, e elaboraram um relatório técnico, junto a fls. 65 a 68, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

37 - Em Outubro de 2013 a Rehabilitamus procedeu a uma nova vistoria à Fração, ao Ramal e ao Coletor, no sentido de confirmar e afastar quaisquer dúvidas quanto às causas das infiltrações, na sequência do que se realizou uma adenda ao relatório, na qual refere: que o “próprio tubo do coletor, se encontra danificado isto é partido, devido a perfuração provocada pelas raízes das muitas árvores que existem ao seu redor.”

38 - E ainda que ”pelas diferentes zonas onde se encontra rachado ou partido, escoará uma parte da água que circula no interior do coletor que se irá infiltrando no terreno e que aparecerá na cave da habitação. Outra parte daquelas águas irá subindo, mais para montantes, acabando por encher a caixa de ligação dos esgotos interiores da primeira casa que se encontra no percurso, ao caso, a moradia em questão”.

39 – O Ramal encontra-se fracturado em local ou locais não apurados, por onde as raízes se infiltram.

40 – O Réu condomínio tomou conhecimento de que o Ramal entupia devido a infiltração de raízes, pelo menos uma vez por ano, entre os anos de 2007 e 2016, tendo a chamada tomado conhecimento da situação descrita com a citação para a presente acção.

41 – O Condomínio limitava-se a proceder a meros desentupimentos do Ramal, depois das inundações ocorrerem.

42 – O Colector onde desemboca o Ramal, cujo último segmento entope por via de intrusão de raízes, bem como as árvores e raízes em causa, encontram-se em terreno que não pertence ao Condomínio.

43 – Quando e se se verifica entupimento no último segmento do Ramal, a administração do Réu solicita a resolução do problema à Aprosol, Associação dos Proprietários em Troia.

44 - Desde o ano de 2008 que ocorrem infiltrações na cave da Fracção através da respetiva parede/empena norte.

45 - Estas infiltrações alastraram por toda a parte interior desta parede que dá para a cave da Fracção, tendo origem numa zona de floreira que confina com a empena Norte.

46 - A areia dessa floreira encontrava-se, por vezes, ensopada de água que se infiltrava na referida empena norte, surgindo na cave da Fracção.

47 – Até Julho de 2013, os tubos do sistema de rega do condomínio R., que percorriam a zona da floreira, tinham fugas de água.

48 - Também até Julho de 2013 esteve fixada uma caixa de incêndio na empena Norte por cima da floreira e que, igualmente devido a fugas de água, contribuiu para o ensopamento da floreira e para as infiltrações.

49 - Em Julho de 2013, o condomínio R. retirou os referidos tubos de rega da floreira e a caixa de incêndios.

50 - A caixa de incêndios foi colocada mais a poente, a cerca de 10 metros do local anterior, mesmo alinhamento da empena Norte, ou seja, na continuação da mesma floreira.

51 – A floreira foi suprimida.

52 – A situação das infiltrações foi agravada pelo facto de, pelo menos desde 2007, existir uma fissura extensa e profunda nessa empena.

53 - A A. reparou recentemente esta fissura.

54 - Presentemente, continuam a existir infiltrações na cave da Fração através da empena.

55 - A Fração, tal como as restantes da Correnteza, tem duas portas de entrada contíguas, uma dá para a entrada principal e a outra para as escadas da cave.

56 - O acesso às frações faz-se por um caminho de tijoleira, que, no seu início, tem uma grelha, a qual recolhe parte das águas pluviais desse caminho.

57 - A porta de acesso à cave da Fração é a primeira porta a seguir a essa grelha.

58 - Com o passar do tempo e o assentamento dos terrenos, a pendente do caminho abateu.

59 - Por vezes, vêm-se acumulando na grelha caruma e outros detritos, que não são regularmente limpos.

60 – Como consequência, desde 2008/2009 acumulam-se águas pluviais na zona entre a referida grelha e a porta de entrada da cave da Fracção, acumulação que perturba o acesso a esta porta.

61 – Também cerca dos anos 2008/2009 houve entupimentos na soleira da porta de acesso à cave.

62 - A A. subiu a cota da soleira em 2012.

63 - A Fração integra um jardim/quintal a tardoz.

64 - Aquando da mudança dos tubos de rega, o Condomínio, sem dar conhecimento à A., fez passar pelo seu jardim um tubo de rega.

65 – O tubo de rega faz parte da rede de rega das partes comuns do edifício e serve também os logradouros de cada fracção.

66 - Foram efetuados diversos contactos junto da administração do condomínio R., quer pessoalmente, quer através de e-mail, pela A., ou por seus representantes (técnicos e genro), desde 2007/2008.

67 - Em 2011, a A. remeteu ao condomínio carta registada com A/R, cuja cópia está junta a fls. 83, sublinhando a ausência de resposta a uma carta sua, enviada 3 meses antes e insistindo pela marcação de uma reunião, aludindo a “fuga às responsabilidades (…) e alheamento cómodo de situações causadas por incúria na gestão das áreas comuns (…)”, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o seu teor.

68 - Na assembleia de condóminos de 18/03/2012, a A. reclamou perante a Assembleia de Condóminos, nomeadamente quanto à questão das infiltrações que ocorriam e ocorrem através da fissura da empena norte.

69 - Por carta datada de 19/04/2012, cuja cópia consta a fls. 84, a A. voltou a solicitar à administração do condomínio R. a resolução dos problemas, aludindo expressamente às “infiltrações que se verificam no interior da fracção, provenientes da empena Norte que delimita o edifício”, resultantes da “desagregação e fissuração da referida empena, na zona Norte junto ao solo e da acumulação de águas causada pelo sistema de rega comum que aí se encontra instalado”, chamando também a atenção para a acumulação de caruma na zona comum de acesso aos apartamentos, ao que acresce o facto de a grelha de escoamento das águas pluviais se encontrar a um nível superior ao da soleira da porta de entrada da cave, provocando não só “um efeito de piscina, como também inunda a casa através da porta da cave”, aqui se dando por integralmente reproduzido o seu teor.

70 - A administração do condomínio R. não deu qualquer resposta.

71 - No dia 07/09/2013, a A. remeteu ao já referido Sr. Eng.º DD e-mail com uma descrição completa dos problemas detectados na Fracção, referindo expressamente “os entupimentos recorrentes da caixa de esgoto colectora, causadores de extensas inundações e infiltrações, para além das questões suscitadas na carta de 19/4, solicitando a sua resolução em prazo razoável, tudo conforme consta do documento de fls. 86, cujo teor se dá por reproduzido quanto ao mais.

72 - Na sequência desses contactos, foi agendada uma reunião na Fracção com o Eng.º DD a realizar no dia 08/09/2013.

73 - Nessa reunião, o sr. Eng.º DD vistoriou a cave da A. e recebeu o relatório elaborado pela Rehabilitamus, junto como doc. nº 9.

74 - Por carta datada de 25/09/2013, a administração do condomínio R. informou a A. que não se responsabilizaria por nenhum dos problemas relatados e referidos no e-mail junto como doc. 23.

75 - Concretamente em relação às inundações na cave, a administração do condomínio R. imputou-as ao facto de a i.s. ter sido edificada pela A. e não estar prevista no projeto do Lote ....

76 - A A. limitou-se a fazer uma ligação dos esgotos da i.s. à já acima referida caixa de visita da Fracção, não tendo modificado o projeto original da rede de esgotos.

77 - O mau funcionamento do Ramal deve-se às raízes que entopem e danificam o seu último segmento, sendo parte destas visíveis através da abertura do Ramal que desemboca no Colector.

78 - A ligação do tubo/ramal de esgoto da i.s. à caixa de visita da fração, que tem uma ligação ao outro Ramal que vai desembocar no Coletor, em nada contende com o Ramal, nem potencia ou origina quaisquer entupimentos.

79 - Mesmo que não existisse a i.s. ou a ligação dos esgotos da i.s. à caixa de visita da Fracção, o Ramal ao entupir com raízes inundaria a caixa de visita e, seguidamente, as águas escapar-se-iam através de um dos outros ramais internos que desembocam na caixa de visita, inundando a respetiva divisão da Fração - isto porque, trata-se da primeira fração da Correnteza, considerando a localização do Coletor.

80 – O Ramal continuou a entupir por causa da infiltração das raízes ao nível do seu último segmento, visíveis através da abertura que desemboca no Colector, o que ocorreu nos anos de 2014, 2015 e 2016, em número de vezes não concretamente apurado, mas pelo menos uma vez por ano.

81 – Em face desses entupimentos, a casa da A. continuou a inundar com águas de esgoto provenientes das casas da mesma Correnteza e que se servem do mesmo Ramal.

82 - A A. fez um investimento financeiro na aquisição da Fração.

83 - Pretendia adquirir uma casa onde pudesse repousar aos fins-de-semana e passar as suas férias.

84 - E, principalmente, durante esses períodos poder reunir e conviver com a sua família (dois filhos, respetivos genro e nora e 3 netos).

85 - Tem sido essencialmente para esse fim de reunião e convívio familiar que a A. tem tentado usar a Fração desde que a adquiriu.

86 - Contudo, os problemas acima descritos, tornaram a Fração numa fonte de problemas, despesas e inúmeros e constantes transtornos.

87 - A A. sente-se muito desgastada psicologicamente.

88 - As inundações ocorrem nos períodos de Verão em que se encontra com a sua família de férias na Fracção, para um tempo de descanso e de convívio familiar.

89 - As inundações causam um cheiro nauseabundo e insuportável – trata-se das águas com dejetos de todas as frações da Correnteza que ficam retidas na cave da Fração.

90 - Estas repetidas inundações desde 2007 causam um profundo transtorno e ansiedade na A. e na sua família.

91 - As férias têm de ser interrompidas e a cave, devido ao cheiro insuportável e às limpezas que são necessárias efetuar, fica inabitável durante pelo menos três dias.

92 - As mudanças nos planos de férias que esta situação causa, determinam grandes transtornos numa família constituída por 5 adultos e três crianças.

93 - Mesmo nos períodos que antecedem as inundações, a A. e os seus familiares estão constantemente ansiosos na expectativa de que possam ocorrer a qualquer momento.

94 - Também as infiltrações que se verificam através da empena norte, ao longo de vários anos, constituem uma fonte de preocupação e desgaste emocional constante para a A.

95 - A A. despendeu, nos últimos 6 anos, um número concretamente não apurado de horas em deslocações, contactos pessoais ou via carta, telefone e e-mail, com o condomínio R. demais empresas e técnicos referidos neste articulado, bem como em vistorias, reparações, elaboração de relatórios, arquivo de documentos, e em limpezas na Fração devido a infiltrações e inundações.

96 - A A. tem tido também que contratar, durante dois dias completos, em todos os anos de 2007 a 2013 antes de ir passar as férias de verão na Fração, duas pessoas para limpar a zona da cave devido às infiltrações que se acumulam nas paredes e chão, tendo despendido a este título um montante total de 2.240,00€, à razão de €320,00/ano.

97 – O chão da cave foi substituído no ano de 2012, dado que o anterior chão em madeira apodrecera por causa das infiltrações, obra custeada, pelo menos em parte, pela companhia de seguros da Autora.

98 - Ao longo dos anos, diversos bens pessoais da A. foram irremediavelmente danificados, designadamente camas de apoio e respetivos colchões, almofadas de jardim em vynil e em palhinha, cadeiras de estrutura de madeira com assentos e costas em tecido, uma cama de bebé desmontável, e respetivo acondicionamento.

99 - Ascendendo a um montante de valor não concretamente apurado (antigo ponto 88).

100 – O cheiro insuportável e o perigo de doenças causado por estes entupimentos impossibilitaram a Autora de utilizar a cave em período de férias nos anos de 2014 a 2016, num período total de cerca de 9 dias.

101 – A cada entupimento do Ramal a Autora tem de chamar um técnico para o desentupir e proceder à limpeza profunda da cave da sua fracção.

102 - O que causou danos patrimoniais na ordem dos 960,00€.

103 - Em virtude das obras efetuadas pela A., a superfície de contacto da parede da empena norte com a cave da fração aumentou.

104 - A parede da empena norte, ao nível da cave, não é parede dupla, mas sim parede simples de betão armado com alguma estanquicidade.

105 - Por virtude das obras de modificação da cave efetuadas pela A., a mesma tem contacto com a empena norte em todo o seu desenvolvimento de 9,40 m, enquanto, na configuração original (como local de arrumos), o contacto abrangia apenas 3,33 m.

106 - As caves das fracções não foram concebidas para serem utilizadas como habitações.

107 - O pavimento exterior é constituído, predominantemente, por lajetas com a dimensão 60x40 cm, diretamente assentes sobre uma camada de areia.

108 - Este tipo de lajetas confere ao pavimento permeabilidade às águas pluviais para o terreno subjacente constituído por solos arenosos de grande permeabilidade.

109 - Adicionalmente existem sumidouros formados por uma grelha de ferro Integrada em rede de esgotos pluviais.

110 - A Autora, ao efetuar as obras na cave levantou o pavimento do passeio para aceder ao ramal de esgotos da correnteza.

111 - Depois de o Réu, a pedido da Autora, ter mudado a localização da caixa de incêndios, foi necessário fazer um furo na parede que delimita a norte o logradouro da fração da Autora para a passagem de tubo que leva água aos logradouros de todas as fracções.

112 - Algumas escorrências na parede derivadas de imperfeições de selagem do tubo, foram corrigidas com a selagem do cano à parede.

113 - Entre a Câmara Municipal ....... e a APROSOL – ASSOCIAÇÃO DE PROPRIETÁRIOS EM TRÓIA, foi celebrado um contrato de concessão, em 18 de março de 1999, cuja cláusula primeira define o âmbito da concessão, nos seguintes termos: “gestão de espaços verdes, lagos artificiais equipamentos de lazer e de utilização coletiva, arruamentos, caminhos pedonais e parques de estacionamento que servem a Urbanização ....... e constituem domínio público municipal”.

114 - Compreendendo a atividade da concessão: “a) a limpeza e higiene de todos os espaços públicos, com a exceção da recolha de resíduos sólidos urbanos; b) a manutenção e conservação dos arruamentos, caminhos pedonais e acessos de praias; c) a manutenção e conservação de espaços verdes, lagos e demais equipamentos de recreio e lazer de utilização coletiva; e) a vigilância e segurança de toda a área integrada na concessão, por forma a evitar depredações e a proporcionar a tranquilidade e comodidade dos moradores.”

115 - O contrato de concessão a que acima se alude, foi anulado por sentença de 29.05.2006; ainda assim, é a Aprosol que vem assegurando a manutenção e conservação, além do mais, dos espaços verdes, lagos e demais equipamentos de recreio e lazer de utilização coletiva no domínio público da urbanização de Soltroia.

116 – Em Fevereiro de 2014, as duas árvores mais próximas do Ramal foram cortadas por iniciativa da Aprosol, com conhecimento da Protecçlão Civil, na sequência da danificação da chaminé de um prédio no lote 266 por uma delas, em virtude de intempérie verificada.

117 - A entidade gestora das infraestruturas de saneamento e águas pluviais é a INFRATRÓIA, INFRAESTUTURAS DE TRÓIA, E.M.


Factos Não Apurados

A) Que a inundação ocorrida em 2007 tenha atingido uma altura de cerca de 10 cm.

B) Que logo em 2007 a A. tenha solicitado à administração do condomínio R. que fosse encontrada uma solução definitiva para o problema, designadamente através do derrube das árvores mais próximas do coletor, porque se lhe afigurava que se nada fosse feito, o Ramal entupiria certamente mais vezes com o normal crescimento das raízes.

C) O que logo nessa ocasião se apurou, foi que o Ramal, ao entupir com as raízes destas árvores, vai acumulando as águas das cinco frações da Correnteza que em seguida inundam a caixa de visita da Fração – evidentemente, por se tratar da caixa de visita mais próxima do Coletor.

D) Por sua vez, devido à pressão e por força da gravidade, a água que assim se acumula na caixa de visita da Fração acaba por sair pelo tubo do ramal interno da cave, inundando-a.

E) Que na inundação de agosto de 2013, as águas tenham atingido um nível de cerca de 10 cm.

F) Devido a fugas nos tubos, a terra da floreira estava constantemente ensopada.

G) Que a caixa de incêndio continua a verter água que continua a infiltrar-se pela empena.

H) A reparação da fissura pela A., trata-se de um mero “remendo” provisório.

I) Também cerca dos anos de 2008/2009, começaram a ocorrer inundações na cave através da soleira da porta de acesso à cave, as quais foram recorrentes entre 2009 e 2012.

J) A zona de entrada alaga sempre que chove.

K) O tubo de rega verte água e tem um aspeto apodrecido.

L) - As inundações causam um cheiro nauseabundo e insuportável em toda a casa, e toda a fração fica inabitável durante pelo menos uma semana e a cave por mais de 3 dias.

M) Que os bens a que se alude em 87 tenham um valor de 3.000,00€.

N) O chão da cave, que a A. já tinha totalmente reconstruído por 2 vezes antes de 2013, visto que apodrecia por causa das infiltrações, terá de ser novamente reconstruido.

O) O cheiro insuportável e o perigo de doenças causado pelos entupimentos nos anos de 2014 a 2016, impossibilitaram a A. de utilizar toda a fração e a cave em período de férias nos anos de 2014 a 2016, num período de mais de 3 dias por ano.

P) Verificaram-se igualmente de 2014 a 2016 alagamentos na zona de entrada sempre que chove, motivados pelo desleixo de limpeza em que, pelo Réu Condomínio, são, intencionalmente, deixados os escoadores nessa concreta zona comum, o que obriga a A. a ter que limpar e desentupir tais escoadores.

Q) A Autora pode facilmente evitar eventuais infiltrações com origem na empena construindo no interior da cave uma parede por forma a obter o efeito de parede dupla, dotada de caixa de ar com escoamento para o exterior.

R) A Autora, ao efetuar as obras na cave, repôs posteriormente, o pavimento com as lajetas assentes sobre cimento.

S) O cimento assim colocado no solo, impermeabilizou-o, alterando as condições normais de escoamento das aguas pluviais, dificultando a sua natural drenagem pelo solo, podendo gerar acumulações esporádicas junto da soleira referida, com o seu possível galgamento, embora tal não corresponda a uma, situação de pluviosidade normal e expectável.

U) A Autora, não colocou na canalização de esgotos qualquer mecanismo (válvula, por exemplo) que impedisse o refluxo dos mesmos no caso de entupimento do ramal da correnteza, nem elevação, através de bomba hidráulica, dos esgotos provenientes da is construída para o nível de descarga correspondente à da is existente no r/c, caso em que não alteraria as condições de escoamento previstas no projeto de licenciamento.

V) - Neste último caso, o acesso de esgotos da cave ao ramal processar-se-ia na vertical, e não pelo novo cano por si construído.

W) - Se tivesse assim procedido, de acordo com o que tecnicamente é aconselhável, não se verificariam as inundações na cave.

X) Se o R. Condomínio tivesse tido conhecimento da construção da casa de banho, não o teria permitido, se a A. não garantisse um desnível suficiente, relativamente ao ramal da correnteza.

Y) O ramal exterior de esgotos da correnteza não apresenta danos suscetíveis de causar a respetiva obstrução, com refluxo de esgotos e águas residuais para as respetivas frações, não impedindo esta situação o escoamento de resíduos do lote, tendo o Réu 'procedido, sempre que necessário, à sua manutenção.

Z) As inundações devem-se à forma desadequada como a A. procedeu às obras de alteração da cave.

AA) O ramal não apresenta danos suscetíveis da causar a referida obstrução, não impedindo as raízes o escoamento de resíduos do lote.

BB) A autora pode facilmente evitar eventuais infiltrações com origem na empena construindo no interior da cave uma parede por forma a obter o efeito de parede dupla, dotada de caixa de ar com escoamento para o exterior.


Conhecendo:



I


O acórdão recorrido foi efectivamente proferido na sequência de acórdão anterior, da Relação, que assinalou determinadas contradições e ambiguidades na matéria de facto fixada na sentença, posto que esta confundia “ramal” e “colector” – sendo fora de dúvida, para o acórdão, já então, que o “ramal” integrava o sistema de drenagem do condomínio, o “colector” integrava o sistema público de drenagem de águas residuais.

Ultrapassadas tais contradições ou ambiguidades na nova sentença proferida, a Relação pôde concluir que:

“Atendendo aos factos provados nºs 20, 21 e 22, a estrutura aí designada como ramal comum de esgoto, que serve as fracções da correnteza e para a qual esgotam as caixas de visita privativas de cada fracção, integra inequivocamente a rede de esgotos do lote nº 268 (artº 3º nº2 al.e) do Regulamento do Condomínio – fls. 39 dos autos), sendo por isso parte comum, tal como a Autora alegara (artº 138º), sem oposição do Réu.”

“(…) Estando em causa partes comuns, a obrigação de velar pela sua conservação e manutenção recai sobre o conjunto dos condóminos, através da figura orgânica do condomínio, conforme resulta do disposto nos artºs 1420º nº1 e 1430º nº1 CCiv, competindo-lhe neste âmbito promover a realização das obras necessárias e tecnicamente adequadas a reparar vícios existentes nas partes comuns susceptíveis de afectar as fracções autónomas e provocar prejuízos aos seus proprietários (STJ 14/3/2019, pº 2446/15.0T8BRG.G2.S1 e Ac.R.L. 23/2/2021, pº 2536/16.2T8LRS.L1-7).”

“No caso vertente, e conforme se apurou, mercê de raízes que se introduziram no ramal exterior de esgotos que serve a correnteza, na qual se inclui a fracção pertencente à Autora, aquela estrutura ficou obstruída, o que ocasionou entupimentos sucessivos desde o ano de 2007, à razão de, pelo menos, um por ano, inundando, em consequência, a cave da fracção com águas sujas e dejectos vários, danificando o imóvel e objectos nele existentes, causando perturbações várias à ora apelante e aos seus familiares.”

“Recaindo sobre o Réu condomínio um dever geral de vigiar e conservar as partes comuns, tendo tido conhecimento do ocorrido no ano de 2007 e nos anos subsequentes, constitui violação reiterada daquele dever, a omissão da realização das obras necessárias à reparação/substituição do ramal por um outro de estrutura reforçada, para utilizar a sugestão dos srs. Peritos do Tribunal e do próprio recorrido (fls. 320), ou a adopção de outra solução tecnicamente adequada a evitar a sua obstrução pelas raízes das árvores circundantes, não tendo sequer usado de medidas preventivas capazes de evitar as inundações nas épocas conhecidas de maior afluência de condóminos.”

“Está portanto em causa o incumprimento da obrigação do condomínio de “custear as despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, obrigação que tanto abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns do prédio, como as obras de reparação necessárias para garantir a fruição dessas partes comuns. Trata-se de uma obrigação legal, inerente ao regime específico da propriedade horizontal, previsto nos artºs 1414ºss. CCiv, cujo cumprimento pode ser exigido a qualquer momento, se e enquanto as obras de conservação/reparação não tiverem tido lugar; ou até mesmo se tais obras já tiverem sido realizadas, mas não tiverem sido eficazes para assegurar os objectivos de conservação e fruição das partes comuns do edifício”, o que fundamenta a condenação do apelado na sua realização. Acresce que tal responsabilidade do apelado condomínio não é afastada pela circunstância de não lhe pertencerem nem estarem sob a sua gestão as árvores cujas raízes se infiltraram no ramal, uma vez que se mantém aquela obrigação.”

Como assim, a conclusão a extrair dos factos provados, que se impõem na revista, é a de que o entupimento causador de inundações e subsequentes danos por águas residuais se localizou no ramal exterior que serve o condomínio e que, após, entronca no colector público.

Ora, como critério para determinar se o ramal de águas residuais, distinto do “colector”, pertence ao condomínio ou lhe é exterior, designadamente se é coisa pública, deve atender-se especificamente ao seguinte:

- no caso dos autos, existe confissão de que o ramal é parte comum do prédio – veja-se o artº 1º da Contestação, confessando a alegação dos artºs 23º e 138º do petitório, de que (23º) “no Coletor desemboca um ramal comum de esgoto que serve as frações da Correnteza e que percorre toda a sua frente (a nascente)”; (138º) “são partes comuns do prédio identificado em supra 1º: a) O Ramal referido em supra 23º”;

- estes factos resultaram provados nos factos 14 a 17 da sentença proferida em 1ª instância e o acórdão recorrido acolheu-os inteiramente, nos respectivos pontos de facto nºs19 a 22, expressamente atribuindo a natureza de bem comum ao ramal em causa;

- o que se lê no Regulamento Geral que vincula o Réu Condomínio, vai no sentido de que “são comuns em parte iguais a todos os condóminos”, entre o mais, “a canalização geral de escoamento de águas pluviais e a rede de esgotos de cada lote habitacional”; este Regulamento Geral foi expressamente aceite pelo Réu Condomínio, na contestação, para além de ali invocado, a favor do Réu, em diversos pontos;

- se é certo que, nos termos do artº 282º Decreto Regulamentar nº 23/95 de 23 de Agosto, “os ramais de ligação devem considerar-se tecnicamente como partes integrantes das redes públicas de distribuição e de drenagem, competindo à entidade gestora promover a sua instalação”, para além de que (artº 284º) “a conservação dos ramais de ligação compete à entidade gestora”, não menos certo é que (artº 146º) “os ramais de ligação têm por finalidade assegurar a condução das águas residuais prediais, desde as câmaras de ramal de ligação” (ou caixas de visita) “até à rede pública”, e ainda que (artº 250º nº1) “é obrigatória a construção de câmaras implantadas na extremidade de jusante de sistemas prediais, estabelecendo a ligação destes aos respectivos ramais de ligação, localizadas preferencialmente fora da edificação, em logradouros quando existam, junto à via pública e em zonas de fácil acesso”;

- o que está provado é que existe um ramal comum de esgoto (entupido), que percorre a frente Nascente da “correnteza”, mas, como se depreende da interpretação efectuada pelas instâncias, não apenas o ramal é “comum”, como só o colector público se encontra situado no terreno adjacente ao lote – portanto, o ramal comum encontra-se, claramente na sua maior extensão, dentro do lote;

- consta da fundamentação do acórdão recorrido, em interpretação dos factos fixados – “assiste razão à Autora quando indica que os srs. Peritos afirmaram não pode determinar em que ponto ou pontos concretos do ramal este é invadido pelas raízes; em audiência declararam de forma clara que, encontrando-se as raízes essencialmente dentro do ramal, não aferiram até onde elas se estendem (…)”; “deste modo, considerando que a obstrução do ramal se deve essencialmente às raízes que o invadem, dada a maior proximidade do último segmento do ramal ao espeço ajardinado onde se encontram as árvores, factos a que se aliam a não haver notícia de outros incidentes nas outras fracções da correnteza, a indiciar que o entupimento se situa a jusante da fracção da Autora, afigura-se lícita a presunção de que a obstrução ocorre no último segmento do ramal, entre a fracção da Autora e o colector, mas não circunscrito à parte que desemboca na caixa de visita deste último” – ou seja, segundo a Relação, um entupimento que abrange uma parte do ramal ainda situada no espaço comum, vista a proximidade do espaço ajardinado à fracção da Autora, e o facto de o lote (espaço comum) se situar ainda sensivelmente distanciado quer da estrema da fracção da Autora, quer da caixa de visita de que parte o segmento do ramal que conduz ao colector.

Assim, se o ramal entronca no colector, quando entra no condomínio serve exclusivamente os condóminos, integra as instalações gerais de água, necessária ou imperativamente comuns, a que se reporta o artº 1421º nº1 al.d) CCiv.

O Ac.S.T.J. 5/2/04, pº 03B4453 (Ferreira de Almeida) refere que o tubo de água que recebe as águas residuais provenientes dos ramais de descarga integra as partes comuns do edifício, conforme dispõe o nº1 al.d) do artº 1421º do C. Civil, integra as instalações gerais comuns de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.

Mutatis mutandis, assim acontece se o condomínio, considerando as fracções edificadas, se desenvolve horizontalmente, e não em altura, conforme resulta dos presentes autos.

Complementarmente, pode citar-se esta passagem do CC Anotado (Pires de Lima e Antunes Varela, III, 2ª ed., pg. 420): “No elenco das coisas forçosa ou necessariamente comuns cabem não só as partes do edifício que integram a sua estrutura (como elementos vitais de toda a construção) mas ainda aquelas que, transcendendo o âmbito restrito de cada fracção autónoma, revestem interesse colectivo, por serem objectivamente necessárias ao uso comum do prédio. Quanto às primeiras (as que pertencem à estrutura da construção) elas são comuns, ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela simples razão de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos. Quanto às segundas, a sua utilidade pode ser mais ou menos ampla, mas a justificação da sua natureza está no facto de constituírem, isolada ou conjuntamente com outras, instrumentos de uso comum do prédio”.



II


Vistos os factos apurados nas instâncias, era o último segmento do ramal, parte comum do Condomínio Réu, que se encontrava entupido com raízes de árvores (facto 28) e o ramal encontrava-se fracturado em local ou locais não apurados, por onde as raízes se infiltram (facto 39).

Como adequadamente concluiu o acórdão recorrido, em interpretação da causalidade naturalística integrante do conhecimento de facto que se impõe a este Supremo Tribunal de Justiça, foram tais entupimentos e fracturas que estiveram na origem das inundações na cave da fracção da Autora e dos danos daí resultantes.

Não é assim caso de aludir a nulidades do acórdão, por omissão de pronúncia – artº 615º nº1 al.d) CPCiv.

Como vimos, o acórdão recorrido invoca o dever geral do condomínio de vigiar e conservar as partes comuns – obrigação que abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns do prédio, decorrendo do regime específico da propriedade horizontal – artºs 1414ºss. CCiv.

Escreve:

“Recaindo sobre o Réu condomínio um dever geral de vigiar e conservar as partes comuns, tendo tido conhecimento do ocorrido no ano de 2007 e nos anos subsequentes, constitui violação reiterada daquele dever, a omissão da realização das obras necessárias à reparação/substituição do ramal por um outro de estrutura reforçada, para utilizar a sugestão dos srs. Peritos do Tribunal e do próprio recorrido (fls. 320), ou a adopção de outra solução tecnicamente adequada a evitar a sua obstrução pelas raízes das árvores circundantes, não tendo sequer usado de medidas preventivas capazes de evitar as inundações nas épocas conhecidas de maior afluência de condóminos.”

“Está portanto em causa o incumprimento da obrigação do condomínio de “custear as despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, obrigação que tanto abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns do prédio, como as obras de reparação necessárias para garantir a fruição dessas partes comuns.”

Para além de de uma obrigação legal, inerente ao regime específico da propriedade horizontal, revela-se uma manifestação dos chamados deveres de prevenção no tráfego jurídico que impõe a quem está em condições de os evitar que actue de forma a evitar que outrem sofra prejuízos desnecessários (cf. Ac.R.P. 16/1/2014, pº 1046/08.6TBVLG.P1 – Aristides Almeida e Ac.R.L. 24/11/2020, pº 981/19.0T8CSC.L1-7 – Micaela Sousa, e demais jurisprudência aludida nesses arestos, em matéria de instalação de água no condomínio).

É que a lei faz impender sobre todas as pessoas um dever genérico de prevenção do perigo, designadamente sobre quem detém o poder de vigiar e administrar determinada coisa imóvel, pelos danos que a coisa causar, nos termos do artº 493º nº1 CCiv.

Também, por outro lado, as simples omissões podem ser equiparadas às acções, se existia o dever jurídico de praticar o acto omitido – artº 484º CCiv.

Ora, a obrigação de agir, em face da potencialidade de danos que a coisa pode causar, liga-se ao “dever genérico de prevenção do perigo” rectius aos “deveres de tráfego”.

Nas palavras de Antunes Varela, Revista Decana, 114º/77 a 79, “o criador ou mantenedor da situação especial de perigo tem o dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão (é o caso do atropelante que não conduz ao hospital o atropelado, vindo este a sofrer novo e mortal atropelamento, do proprietário que descura o dever de conservação das pranchas de madeira utilizadas na ponte da sua quinta, ou do empreiteiro que abra um buraco na via pública)”.

Trata-se de um dever não consagrado especialmente na lei, mas enquadrável nas previsões dos artºs 483º e 486º CCiv, com específica expressão nas normas dos artºs 492º, 493º, 502º, 1347º, 1350º e 1352º CCiv.

E não se trata apenas obrigar aquele que dá azo ao perigo, em sentido estrito, a tomar medidas adequadas à respectiva remoção – outros exemplos são dados por Menezes Cordeiro, Tratado, Dtº das Obrigações, III, 2010, pg. 573: a responsabilidade pelo espaço, a abertura ao tráfego, a assunção de uma tarefa (v.g., no nosso caso, o condomínio e a respectiva administração).

Como esclarece Menezes Cordeiro, op. cit., pg. 584, a não haver uma autónoma responsabilidade civil do vigilante da coisa, poderia ele ser descuidado, com prejuízo para terceiros.

Os deveres de tráfego coexistem com os danos negligentemente causados por terceiros, em conexão com o âmbito do garante, e chegam a cobrir perigos provocados pela actuação dolosa de terceiros (assim, Menezes Cordeiro, op. cit., pg. 572).

Como escreveu também Antunes Varela, Revista Decana, 114º/77 ss:

“Sobre cada um de nós recai o dever (geral) de não expor os outros a mais riscos ou perigos de dano do que aqueles que são, em princípio, inevitáveis. Este dever geral de prevenção do perigo começou por ser invocado pelos tribunais alemães para responsabilizar todos aqueles que, por virtude da sua inactividade, davam origem a que outrem sofresse danos pessoais (na vida, saúde, integridade física) ou patrimoniais.”

“Há situações típicas em que o dever jurídico de agir para prevenir o perigo do dano de outrem não pode ser contestado.
A primeira é constituída por aqueles casos em que o dever de prevenção do perigo resulta de uma obrigação legal ou contratual de assistência ou de vigilância.
É o caso típico do professor de natação, do enfermeiro acompanhante do doente mental ou da vigilante do jardim de infância.”

“A segunda dessas situações típicas é constituída pelos casos em que o perigo do dano não resulta de uma circunstância fortuita ou de força maior, mas de um facto especial praticado ou mantido por determinada pessoa.”

Uma vez que se trata de uma situação de perigo, não necessariamente ilícita, criada pelo próprio agente, é aceitável que se lhe imponha o dever de tomar as providências necessárias para evitar o dano associado a esse perigo, sem prejuízo da necessária previsibilidade do dano.

Não há dúvida assim que, em aplicação da norma do artº 493º nº1 CCiv, pode afirmar-se que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel, mais a mais tendo o condomínio ficado a saber que a conduta de águas residuais do edifício se encontrava entupida, apresentava rupturas e se encontrava danificada ao ponto de originar danos a uma das fracções autónomas.

Em aplicação desta doutrina, pode dizer-se que, se foi o Condomínio que foi diligenciando pelo desentupimento noutras situações e na realidade era o Condomínio que tinha o “domínio do facto”, ou seja, de vigiar e de reparar ou, ao menos, de diligenciar no sentido de que outra entidade (v.g., a concessionária da rede de esgotos) fizesse a reparação, independentemente da natureza comum ou até não comum do local específico onde ocorria o entupimento, era o Condomínio quem tinha o domínio do facto, quer efetuando a reparação, quer diligenciando no sentido se obter essa reparação.


III


O acórdão recorrido entende ainda que a responsabilidade do Condomínio pode ser sustentada pela norma do artº 492º nºs 1 e 2 CCiv – alguma jurisprudência igualmente o defende (veja-se Ac.R.L. 30/5/96 Bol.457/427 – Urbano Dias e Ac.R.P. 14/5/09 Col.III/188 – Barateiro Martins, relativos à exacta de situação de inundações ou danos provocados pela ruptura de condutas) – o nº1 imputando responsabilidade ao proprietário ou ao possuidor do edifício; o nº2 convolando tal responsabilidade para a pessoa obrigada por lei ou negócio jurídico a conservar o edifício ou a obra.

Nas rupturas de canalizações, Menezes Cordeiro (Tratado, Dtº das Obrigações, III, 2010, pg. 582) alerta para que não é adequado exigir a prova positiva, largas vezes impossível, de que a ruína se deveu a vício de construção ou a defeito de manutenção – e Menezes Leitão (Dtº das Obrigações, I, 2ª ed., pgs. 306/307) indica que fazer recair essa prova sobre o lesado equivale a retirar grande parte do alcance à presunção de culpa e que, salvo no caso de fenómenos extraordinários, é o defeito de conservação que demonstra o incumprimento, cabendo ao responsável a elisão da respectiva culpa que, como visto, o Réu/Recorrente não logrou.

Situando-se ao menos em parte o entupimento e a deterioração da conduta/ramal no espaço pertença do condomínio, a responsabilidade do Réu Condomínio podia ser afirmada também com base na norma do artº 492º nº 1 CCiv, para além da norma do artº 493º nº1 CCiv.



IV


Tratando-se de acção respeitante às partes comuns do edifício, o administrador tinha legitimidade para ser demandado – artº 1437º nº1 CCiv.

A condenação na prestação de facto consistente na “realização de obras necessárias à eliminação da acumulação das águas pluviais” tem por base a verificada acumulação das referidas águas pluviais devido à acumulação de caruma e detritos na grelha existente no caminho comum (factos 58 a 61).

Tal condenação, em matéria de direito, funda-se nos expressamente invocados artºs 562º e 566º nº1 CCiv, pelo que se mostra infundamentada a imputada nulidade da sentença, ao abrigo do artº 615º nº1 al.b) CPCiv.

Também nada se pode objectar ao montante arbitrado a título de dano não patrimonial - € 10 000, à razão de € 1 000 anuais.

Os factos são até muito impressivos quanto ao sucessivo agravamento da conduta omissiva do Réu Condomínio, conhecedor há muito que era dos danos sofridos pela Autora na sua fracção, provenientes de água pluvial e água residual e dejectos, nada tendo feito para os sanar ou, minimamente, inquirir.

A situação foi naturalmente, para o que sentiria o homem médio, causadora de aborrecimentos, frustração e ansiedade (para além da ameaça à saúde da Autora, nos períodos de vilegiatura), a um nível suficiente para justificar a indemnização pelos danos não patrimoniais e, nomeadamente, no montante arbitrado, moderado e equitativo (artº 496º nºs 1 e 3 CCiv).

Concluindo:

I – Como critério para determinar se o ramal de águas residuais, distinto do “colector”, pertence ao condomínio ou lhe é exterior, designadamente se é coisa pública, deve atender-se à confissão de que o ramal é parte comum do prédio, bem como à noção que decorre do artº 146º do Decreto Regulamentar nº 23/95 de 23 de Agosto de que “os ramais de ligação têm por finalidade assegurar a condução das águas residuais prediais, desde as câmaras de ramal de ligação” (ou caixas de visita) “até à rede pública”.

II - Se a obstrução ocorre no último segmento do ramal, entre a fracção da Autora e o colector, conjugado com o facto de que o lote (espaço comum) se situa ainda sensivelmente distanciado quer da estrema da fracção da Autora, quer da caixa de visita de que parte o segmento do ramal que conduz ao colector, é de concluir que o entupimento de verificou numa fracção do ramal de águas residuais integrante das coisas comuns do condomínio.

III - A causalidade entre facto ilícito e dano, nos termos do disposto no artº 563º CCiv, supõe, num primeiro momento, uma “questão de facto”, naturalística, que consiste em descortinar o facto concreto condicionante do dano, e que é competência das instâncias.

IV – Em aplicação da norma do artº 493º nº1 CCiv, pode afirmar-se que, estando o imóvel constituído em propriedade horizontal, é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel, mais a mais tendo o condomínio ficado a saber que a conduta de águas residuais do edifício se encontrava entupida e causava danos a uma das fracções autónomas, independentemente da origem de tais entupimentos, e ainda se tinha o “domínio do facto” - vigiar e reparar ou, ao menos, diligenciar no sentido de que outra entidade (v.g., a concessionária da rede de esgotos) fizesse a reparação.

V – A responsabilidade do Condomínio também podia ser sustentada pela norma do artº 492º nº 1 CCiv, visto que um dos espaços onde o entupimento e fissuração ocorreram era comum, sendo que é o próprio defeito de conservação que demonstra o incumprimento, cabendo ao responsável a elisão da respectiva culpa.

Decidindo:

Acorda-se em negar a revista.

Custas pelo Recorrente.


STJ, 14/7/2021


Vieira e Cunha (relator)                                              

Abrantes Geraldes                                              

Tomé Gomes


Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade do Exmº Senhor Conselheiro António Abrantes Geraldes e do Exmº Senhor Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes, que compõem este colectivo.

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· Rec. 1168/13.1T2STC.E2.S1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Exmºs Conselheiros António Santos Abrantes Geraldes e Manuel Tomé Soares Gomes.