I - Não se verifica nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, quando nele se decide com a fundamentação necessária, sendo que uma coisa são os argumentos utilizados pelo recorrente/reclamante, e outra as questões que constituem objecto do recurso e que foram decididas.
Acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça:
I. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 99/16.8JELSB do Juízo Central Criminal ……. (Juiz ...…) do Tribunal Judicial da Comarca ……, o arguido AA foi julgado e condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D.L. nº 15/93, de 22/1, na pena de 10 (dez) anos de prisão, tendo sido absolvido da prática do crime de associação criminosa, na modalidade de adesão e apoio, p. e p. pelo art.º 28º, nº 2 do mesmo DL nº 15/93, de 22/01, por cuja autoria vinha acusado.
Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação ……. não só o arguido como, também, o Ministério Público. E aquele tribunal, por acórdão de 16 de Setembro de 2020, decidiu:
“Rejeitar os recursos interlocutórios interpostos pelo arguido AA;
Julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, BB e CC;
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo MºPº, revogando a decisão recorrida na parte em que absolveu os arguidos DD, AA e BB da prática de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art.º 28º nº 2 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro;
Condenar os arguidos AA, BB e DD pelo crime de adesão p. e p. pelo referido art.º 28º na pena de cinco anos cada um, e em cúmulo o arguido AA em 11 (onze) anos de prisão, o arguido BB em 10 (dez) anos de prisão e o arguido DD em 9 (nove) anos de prisão”.
Novamente inconformado, o arguido AA recorreu para este Supremo Tribunal que, por acórdão proferido em 3 de Fevereiro de 2021 decidiu “rejeitar parcialmente o recurso, no que respeita ao recurso de decisão interlocutória (ponto V, al, A)), à invocação dos vícios da sentença a que alude o artº 410º, nº 2 do CPP (ponto V, als. B), C) e D)) e às nulidades imputadas ao acórdão da 1ª instância (ponto V, als. G) e H)), negando-lhe provimento no restante e confirmando, por isso, o acórdão recorrido”.
Vem agora o arguido arguir a nulidade desse acórdão, para tanto alegando:
«1° - Em 20/10/2020 o Recorrente recorreu para o STJ apresentando diversas questões de direito, nomeadamente, resumidas nas seguintes conclusões:
XXXIX
A embarcação J….... foi intercetada em violação da Autorização concedida pelas Autoridades Holandesas em águas sobre o domínio de um Estado Estrangeiro.
XL
O Tribunal de 1ª instância, sobre esta matéria, deu como provado que:
208. No dia ... de Maio de 2017, pelas 00h30, quando se encontrava a navegar no mar alto (nas coordenadas LATITUDE - ………. e LONGITUDE - ………), após ter passado o Estreito de Gibraltar, em direcção ao local onde pretenderia descarregar o estupefaciente, no interior do Mediterrâneo, a embarcação J.…. veio a ser interceptada pelas autoridades marítimas portuguesas, designadamente pelo Destacamento de Acções Especiais da Marinha.
XLI
A Embarcação J.…. pode ter sido interceptada em águas territoriais de Gibraltar, mar territorial de Marrocos, Espanha ou Gibraltar ou Zona Económica Exclusiva de Marrocos, Espanha ou Gibraltar.
XLII
Sobre a soberania de um Estado sobre a denominada Zona Económica Exclusiva, veja-se igualmente o Parecer do Conselho Consultivo da PGR, parecer n.º P000561981, disponível em www.dgsi.pt:
“1 – O âmbito do “território ou domínios portugueses” para efeitos de n 1 do artigo 53 do Código Penal demarca-se em função do espaço em que se exerce a soberania do Estado Português e da medida em que ela actua;
2 – A lei penal portuguesa é aplicável, em princípio, por força do n.º 1 do artigo 53 do Código penal, aos factos que ocorram no mar territorial, na plataforma continental ou na zona económica exclusiva …
…
4 – Os factos que ocorram fora das condições previstas na conclusão anterior não só não se incluem na previsão do n.º 2 do Artigo 53 do Código Penal, como também, tendo lugar em espaço livre de qualquer soberania onde consequentemente não se exerce poder punitivo, não cabem nos n. 3 e 5 do mesmo artigo;”
XLIII
A Zona Económica Exclusiva de um Estado é da competência e soberania desse mesmo Estado, conforme se decidiu no Acórdão do STJ, processo n.º 07P1496, de 05/07/2007, em que foi relator o Conselheiro Carmona da Mota, disponível em www.dgsi.pt: “…
III – Por outro lado, o local onde a embarcação foi apresada inseria-se e insere-se na chamada ZEE (Zona Económica Exclusiva): “De acordo com as disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, Portugal goza dos direitos soberanos e de jurisdição sobre uma zona económica exclusiva de 200 milhas marítimas contadas desde a linha de base a partir da qula se mede a largura do mar territorial” – Cf. Declaração 3ª de Portugal relativamente à CNUDM, aprovada, por ratificação, pela Resolução 60-B/97, da Assembleia da República.”
XLIV
Não existe nos autos qualquer autorização do Reino de Marrocos, de Espanha ou de Gibraltar a permitir o “assalto” a uma embarcação de bandeira ……. nas suas águas;
XLV
Assim, a Marinha de Guerra Portuguesa e a Polícia Judiciária, ao procederem ao assalto de uma embarcação em águas territoriais de um terceiro Estado, sem a autorização deste, transformaram a detenção, busca e apreensão, nulas e/ou num método proibido de prova, nos termos do já referido artigo 126º do C.P.P.
XLVI
Resulta de forma evidente dos presentes autos que a operação que culminou com o assalto à embarcação J.…… e a alteração da sua rota para águas portuguesas foi levada a cabo, e controlada, pela Marinha de Guerra Portuguesa;
XLVII
Quem procedeu à abordagem da embarcação, revista e detenção dos arguidos foi o denominado Destacamento de Ações Especiais dos Fuzileiros, sem a presença de qualquer inspetor da Polícia Judiciária, os quais apenas entraram na embarcação algum tempo depois;
XLVIII
O Destacamento de Ações Especiais, pertencente ao Grupo de Fuzileiros, não tinha competência material para invadir a embarcação, entrar nas respetivas camaratas e deter os arguidos, desviando de seguida a embarcação para o Porto de Portimão;
XLIX
O denominado grupo D.A.E. faz parte do elemento da componente operacional da Marinha, denominado “Unidade de Fuzileiros, previsto no Decreto–Lei n.º 185/2014, de 29 de dezembro. A referida Unidade não é considerada um órgão de Polícia Criminal, ao contrário da Polícia Marítima;
L
Nos termos do artigo 2º, do Decreto-lei n.º 248/95, de 21 de Setembro, é à Polícia Marítima que compete garantir e fiscalizar o cumprimento da lei nas áreas de jurisdição do sistema de autoridade marítima, com vista, nomeadamente, a preservar a regularidade das actividades marítimas e a segurança e os direitos dos cidadãos.”
LI
Temos, portanto, que o Órgão de Polícia Criminal com competência para atuar nas atividades marítimas, composto por militares da Armada e agentes militarizados, é a Polícia Marítima e não ao Grupo de Fuzileiros.
LII
O nosso ordenamento jurídico não permite que, no âmbito de um processo crime, se recorra às forças Armadas para levar a cabo ações de investigação criminal;
LIII
Em passagem alguma, a Constituição da República Portuguesa permite que os elementos das forças armadas possam intervir, como O.P.C., que não são, em atos de detenção, revista e buscas de embarcações no âmbito da prática de crimes civis.
LIV
No caso sub judice, quem levou a cabo o mandado de busca e apreensão não foi a Polícia Judiciária, mas, apenas e só, o denominado Destacamento de Ações Especiais da Marinha de Guerra Portuguesa, conforme resulta do próprio auto de busca e apreensão de fls. 1505, pelas 00h04 do dia 17/05/2017 a embarcação foi invadida por elementos do denominado grupo D.A.E.;
LV
Motivo pelo qual, o Recorrente considera que a interceção, busca e apreensão levada a cabo pela D.A.E. corresponde a obtenção de provas por métodos manifestamente proibidos, nos termos do artigo 126º do C.P.P.
LVI
No caso sub judice o grupo de operações especiais da Marinha de Guerra Portuguesa, D.A.E., atuou com total autonomia e independência, revelação feita com a contribuição das declarações do inspector da Polícia Judiciária EE, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 19/03/2019, entre as……, conforme depoimento que se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, passagens ……… e ………;
LVII
Os Tribunais Portugueses são incompetentes para julgar os factos em apreciação nos presentes autos;
LVIII
A autorização dada pelas Autoridades Holandesas não deixa quaisquer dúvidas de que a autorização para uma intercepção da embarcação J.…… apenas se poderia realizar em ALTO MAR;
LIX
Ao contrário do referido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não resulta, em nenhuma da matéria de facto dada como provada, que as Autoridades Portuguesas tenham informado as Autoridades Holandesas da intercepção efetuada e do concreto local onde a mesma foi levada a cabo.
LX
No caso sub judice, os factos ilícitos não foram praticados em território português, nem a bordo de navio português. Por outro lado, os factos em apreço, não se enquadram em nenhuma das exceções referidas no artigo 5º do CP.
LXI
A Lei Penal portuguesa é aplicável a factos praticados fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes;
LXII
Segundo a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, são considerado Alto - Mar todas as partes do mar não incluídas no mar territorial e na zona económica exclusiva de um estado costeiro, nem nas águas arquipelágicas de um estado arquipélago.
LXIII
No caso sub judice, conforme foi transmitido ao Tribunal de 1ª Instância pela Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, a embarcação foi interceptada: “… de acordo com os dados da DGRM presume-se que está localizado na Zona Económica Exclusiva Espanhola. Todavia, considerando que o ponto se encontra próximo de Marrocos e de Gibraltar, um esclarecimento mais preciso só poderá ser prestado pelas autoridades, ou pelos países em causa.”
LXIV
A abordagem efetuada à embarcação J……. sem autorização do Estado a cuja administração as águas pertencem, configura um verdadeiro ato de pirataria nos termos definidos no artigo 101º da CNUDM.
LXV
Tendo sido violada a autorização concedida pelo Estado da Holanda, fica igualmente violado o artigo 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, pelo que, não estão igualmente reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 49º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
LXVI
O Mmº JIC, e bem, como guardião das liberdades e garantias dos cidadãos, no Mandado de Busca e Apreensão que emitiu e assinou fez questão de frisar que:
“A presente diligência só pode ser efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade - art” 177°, nº 1 do CPP. -
LXVII
O Tribunal da Relação de Lisboa entende que a busca efetuada à embarcação J….... não viola o artigo 177º do C.P.P., porque apesar da embarcação ter sido intercetada, pelas 00:30, os Arguidos terem sido detidos e manietados dentro das suas camaratas, e a embarcação alvo de uma BUSCA, a mesma como foi efetuada pelo grupo de Operações Especiais da Marinha, não está sujeito às Regras do Estado de Direito, isto é não está abrangida pelo mandado de busca…
LXVIII
Para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para o órgão de Polícia Criminal contornar a autorização concedida pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, poderá e deverá sempre solicitar a intervenção das forças Armadas.
LXIX
Contudo, ao contrário do referido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na página 384 último parágrafo, aquilo que resultou do julgamento foi que a busca foi imediatamente levada a cabo na madrugada do dia 17/05/2017 e não às 16h30 conforme se fez constar do auto de busca, isto mesmo resultou das declarações prestadas pelo Comandante da Corveta ……, testemunha FF, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 20/05/2019, passagens……;
LXX
A Busca efetuada à embarcação J……. violou o artigo 177º, n.º 1 do C.P.P., uma vez que foi efetuada em período temporal contrário ao indicado no respetivo mandado de busca;
LXXI
Assim, toda a prova obtida em consequência dessa diligência de prova é nula ou proibida com as legais consequências. Não tendo o Tribunal da Relação de Lisboa assim decidido violou os artigos 126º e 177º do C.P.P.”
2° - Sobre estes concretos pontos que se encontram transcritos referem os Senhores Conselheiros, pág. 190:
“E, assim postas as coisas, não se justifica qualquer acrescento argumentativo àquilo que referido ficou no acórdão recorrido (que, saliente-se, acolheu a fundamentação constante do acórdão da 1ª instância.
Não desenvolvendo o recorrente argumento novo no recurso interposto do acórdão da Relação e concordando nós com a fundamentação constante do mesmo, resta concluir pela improcedência do recurso, no que a estas questões diz respeito.”
3º - Como resulta á abundância dos presentes autos o Recorrente tem vindo a sustentar que o assalto à embarcação J....... é ilegal, porquanto violadora, nomeadamente, do Artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de Estupefacientes;
4° - Tem sustentado, desde o primeiro momento, que o assalto á embarcação J....... ocorreu em águas territoriais sobre o domínio de outro Estado Soberano, o que viola clara e frontalmente o Artigo 17° da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, bem como os Artigos 2º e 55° da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar.
5º - O Recorrente sustentou os seus argumentos, tanto em elementos factuais constantes no processo, designadamente, informações juntas aos presentes autos por entidades com competência nessa matéria, como fundamentos jurídicos, sustentados na própria jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito,
6° - Em 08/07/2019, documento com a referência Citius n.º……, a pedido do Tribunal da 1ª instância, a Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos informou que as coordenadas onde a embarcação foi intercetada:
“… de acordo com os dados da DGRM presume-se que está localizado na Zona Económica Exclusiva Espanhola. Todavia, considerando que o ponto se encontra próximo de Marrocos e de Gibraltar, um esclarecimento mais preciso só poderá ser prestado pelas autoridades, ou pelos países em causa.”
7° - Apurar e delimitar em que águas territoriais, ao abrigo de Convenções Internacionais, ocorreu a abordagem de uma embarcação, é matéria de direito e, por isso, suscetível de decisão por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
8° - As definições de
- Mar Territorial do estado costeiro;
- Zona Contígua;
- Zona Económica Exclusiva;
- Alto Mar,
consubstanciam matéria de direito.
9° - No seu Acórdão, pág. 216, os Senhores Conselheiros referem:
Como já por diversas vezes referido, o crime foi cometido (entendendo-se como tal o momento em que o navio J………, capitaneado pelo arguido ora recorrente, foi interceptado pela Marinha portuguesa), nas coordenadas LATITUDE - …… e LONGITUDE - ……).
Esse local, como resulta claro da carta náutica que constitui fls. 6257 dos autos, não se encontra incluído nas águas territoriais de qualquer Estado costeiro. Muito menos integra o território holandês. E daí que, desde logo, se não descortine fundamento para a aplicação do artº 6º, nº 2 do Cod. Penal: o crime de tráfico de estupefacientes não foi cometido na Holanda, como o não foi em Marrocos, como o não foi - sejamos claros - em Portugal (ou em águas territoriais portuguesas, como, por manifesto lapso, se refere em determinado ponto do acórdão recorrido), sendo que a aplicabilidade da lei penal portuguesa resulta do artº 49º, al. b) do DL 15/93, de 22/1.
10° - Ora, com o devido respeito, não se tendo dado cumprimento à informação da Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, não poderiam quaisquer das decisões prolatadas ignorar que, nem as entidades especializadas foram capazes de determinar a que mar territorial pertence o lugar das coordenadas ora sub judice.
11° - Mesmo que se concluísse, como conclui o Acórdão em crise, inovadoramente, que as coordenadas identificadas não pertencem a qualquer Estado Costeiro, pergunta-se e pertencem ou não à Zona Económica Exclusiva de Espanha ou de Marrocos?
12° - A que Estado Soberano pertencem as águas a que correspondem as coordenadas LATITUDE - ……. e LONGITUDE - ……?
13° - Reza o Artigo 17º da Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 6 de Setembro: Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas:
“1 - As Partes cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em conformidade com o direito internacional do mar.
2 - A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar auxílio às outras Partes a fim de pôr termo a essa utilização. As Partes assim solicitadas prestam essa assistência no limite dos meios de que dispõem.
3 - A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio no uso da liberdade de navegação de acordo com o direito internacional e que arvore o pavilhão ou tenha matrícula de uma outra Parte é utilizado para o tráfico ilícito, pode notificar desse facto o Estado do pavilhão e solicitar a confirmação da matrícula; se esta for confirmada, pode solicitar ao Estado do pavilhão autorização para adoptar as medidas adequadas em relação a esse navio.
4 - De acordo com o n.º 3 ou com os tratados em vigor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por elas celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a inter alia:
a) Ter acesso ao navio;
b) Inspeccionar o navio;
c) Se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adoptar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo.
5 - Quando uma medida é adoptada de acordo com o presente artigo, as Partes interessadas devem ter devidamente em conta a necessidade de não pôr em perigo a segurança da vida no mar nem do navio ou da carga e de não prejudicar os interesses comerciais e jurídicos do Estado do pavilhão ou de qualquer outro Estado interessado.
6 - O Estado do pavilhão pode, em conformidade com as obrigações previstas no n.º 1 do presente artigo, subordinar a sua autorização a condições que sejam acordadas entre o referido Estado e a Parte requerente, incluindo condições relativas à responsabilidade.
7 - Para os efeitos dos nºs 3 e 4 do presente artigo, as Partes respondem sem demora aos pedidos de outras Partes com vista a determinar se um navio arvorando o seu pavilhão está autorizado a fazê-lo, assim como aos pedidos de autorização formulados nos termos do nº 3. Cada Estado designa, no momento em que se tornar Parte da presente Convenção, a autoridade ou, se for caso disso, as autoridades encarregadas de receber e de responder a esses pedidos. Essa designação será notificada pelo Secretário-Geral a todas as outras Partes no mês seguinte ao da designação.
8 - A Parte que tiver adoptado qualquer das medidas previstas no presente artigo informa de imediato o Estado do pavilhão dos resultados dessa medida.
9 - As Partes devem considerar a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou regionais com vista a dar aplicação às disposições do presente artigo ou a reforçar a sua eficácia.
10 - As medidas adoptadas nos termos do n.º 4 do presente artigo só são aplicáveis por navios de guerra ou aeronaves militares ou quaisquer outros navios ou aeronaves devidamente assinalados e indentificáveis como navios ou aeronaves ao serviço de um governo e autorizados para esse fim.
11 - Qualquer medida adoptada nos termos do presente artigo terá devidamente em conta a necessidade de não interferir nos direitos e obrigações dos Estados costeiros ou no exercício da respectiva competência, de acordo com o direito internacional do mar, nem de afectar esses direitos, obrigações ou competências.
14° - Este diploma legal tem que ser conjugado com a Resolução da AR n.º 60-B/97, de 14 de Outubro, CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR, referindo o Artigo 2º da mesma que:
“1 - A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial.
2 - Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste mar.
3 - A soberania sobre o mar territorial é exercida de conformidade com a presente convenção e as demais normas de direito internacional.”
15° - Por seu lado, estipula o artigo 55º da CNUDM:
“A zona económica exclusiva é uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico específico estabelecido na presente parte, segundo o qual os direitos e a jurisdição do Estado Costeiro e os direitos e liberdades dos demais Estados são regidos pelas disposições pertinentes da presente convenção.”
16° - Considerando as Convenções em causa, este mesmo SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, considerou, processo n.° 07P1496, de 05/07/2007, disponível em www.dgsi.pt, em que foi relator o Conselheiro Carmona da Mota, que a Zona Económica Exclusiva de um Estado é do domínio soberano deste:
“…
III - Por outro lado, o local onde a embarcação foi apresada inseria-se e insere-se na chamada ZEE (Zona Económica Exclusiva): “De acordo com as disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, Portugal goza dos direitos soberanos e de jurisdição sobre uma zona económica exclusiva de 200 milhas marítimas contadas desde a linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial” - Cf. Declaração 3ª de Portugal relativamente à CNUDM, aprovada, por ratificação, pela Resolução 60-B/97, da Assembleia da República.”
17° - Ora, se assim é em relação ao Estado Português, de igual forma terá que ser para os Reinos de Espanha ou de Marrocos.
18° - E se assim é, dúvidas não restam, que a abordagem à embarcação J.…. é ilegal.
19° - Sobre a soberania de um Estado sobre a denominada Zona Económica Exclusiva, veja-se igualmente o Parecer do Conselho Consultivo da PGR, parecer n.º P000561981, disponível em www.dgsi.pt:
“1 - O âmbito do “território ou domínios portugueses” para efeitos de n 1 do artigo 53 do Código Penal demarca-se em função do espaço em que se exerce a soberania do Estado Português e da medida em que ela actua;
2 - A lei penal portuguesa é aplicável, em princípio, por força do n.º 1 do artigo 53 do Código penal, aos factos que ocorram no mar territorial, na plataforma continental ou na zona económica exclusiva …
…
4 - Os factos que ocorram fora das condições previstas na conclusão anterior não só não se incluem na previsão do n.º 2 do Artigo 53 do Código Penal, como também, tendo lugar em espaço livre de qualquer soberania onde consequentemente não se exerce poder punitivo, não cabem nos n 3 e 5 do mesmo artigo;”
20° - E se dúvidas existissem, que não existem, de que é manifesta a contradição e confusão das instâncias a análise do Acórdão em crise as afastaria.
21° - É que, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o Supremo Tribunal de Justiça, não teve dúvidas em afirmar “- sejamos claros - em Portugal (ou em águas territoriais portuguesas…)” é que não foi!!!!
22° - O Supremo Tribunal de Justiça, limita-se no seu Acórdão, a transcrever a posição defendida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo:
“E, assim postas as coisas, não se justifica qualquer acrescento argumentativo àquilo que referido ficou no acórdão recorrido (que, saliente-se, acolheu a fundamentação constante do acórdão de 1ª instância).
Não desenvolvendo o recorrente argumento novo no recurso interposto do acórdão da relação e concordando com a fundamentação constante do mesmo, resta concluir pela improcedência do recurso, no que a estas questões diz respeito.”
23° - Esquecendo, contudo, que na análise que fez sobre esta matéria o Tribunal da Relação de Lisboa partiu de um pressuposto, que o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que estava errado, ou seja, que a interceção teria ocorrido em águas territoriais portuguesas.
24° - Esta constatação do Supremo Tribunal de Justiça, obrigaria, por si só, que o mesmo se pronunciasse sobre as concretas questões colocadas pelo Recorrente.
25° - Assim, ao não se pronunciar sobre as concretas questões colocadas pelo Recorrente na sua alegação, nomeadamente, sobre a que Estado Soberano pertencem as águas nas coordenadas LATITUDE - ………. e LONGITUDE - ……, o Supremo Tribunal de Justiça deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, ferindo o seu Acórdão de Nulidade, nos termos do Artigo 379º, n.º 1, alínea c) do C.P.P. a qual desde já se argui para os devidos e legais efeitos.
26° - Sendo certo que sempre será inconstitucional o Artigo 379º, n.º 1, alínea c), do C.P.P., por violação dos artigos 2º, 8º, 20º e 32º, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido que estando em causa apurar a legalidade de uma abordagem de uma embarcação marítima, nos termos e para os efeitos do artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, e do Artigo 2º, da Convenção Das Nações Unidas Sobre o Direito do mar, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre se as coordenadas identificadas na Acusação pertencem a mar territorial, zona contígua, zona económica exclusiva de um Estado Soberano ou Alto Mar.
E no sentido que:
É inconstitucional o Artigo 379º, n.º 1, alínea c), do C.P.P., por violação dos artigos 2º, 8º, 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido que defendendo o Arguido que a abordagem à embarcação por si capitaneada ocorreu em águas sobre o domínio de um Terceiro Estado Soberano, em violação do artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, e do Artigo 2º, da Convenção Das Nações Unidas Sobre o Direito do mar, o Tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre essa concreta questão, nomeadamente, indicando sobre se as coordenadas identificadas na Acusação pertencem a mar territorial, zona contígua, zona económica exclusiva de um Estado Soberano ou Alto Mar.
E, ainda, no sentido que:
É inconstitucional o Artigo 379º, n.º 1, alínea c), do C.P.P., por violação dos artigos 2º, 8º, 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido que concluindo o Supremo Tribunal de Justiça, ao contrário do que tinha sido o entendimento do Tribunal da Relação, que a abordagem a uma embarcação não ocorreu em águas territoriais Portuguesas, para apurar se existiu ou não violação do Artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, e Artigo 2º, da Convenção Das Nações Unidas Sobre o Direito do mar, o Tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre essa concreta questão de direito, nomeadamente, indicando sobre se as coordenadas identificadas na Acusação pertencem a mar territorial, zona contígua, zona económica exclusiva de um Estado Soberano ou Alto Mar».
Respondeu a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal, pugnando pelo indeferimento da reclamação, porquanto o acórdão reclamado se pronunciou sobre todas as questões que lhe cumpria conhecer, sendo que “o pedido de nulidade do acórdão e o conhecimento das inconstitucionalidades ora suscitadas extravasa claramente a finalidade adjectiva atribuída às partes, e enunciada no art. 379º, nº 1, aplicável, ex vi, art. 425º, n º 4, ambos do Cod. Proc. Penal”.
II. Realizada a conferência, cumpre decidir:
Entende o reclamante que o acórdão proferido por este Supremo Tibunal enferma de nulidade por omissão de pronúncia – artº 379º, nº 1, al. c) do CPP.
Dispõe-se no dispositivo legal referido que é nula a sentença “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A omissão de pronúncia, como é sabido, constitui um vício da decisão que verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais.
Porém, como vem sendo entendimento uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, “a falta de pronúncia que determina a existência de vício da decisão incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão. Por isso, como defende este Supremo Tribunal [1], apenas a total falta de pronúncia sobre as questões levantadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia e, mesmo assim, desde que a decisão de tais questões não esteja prejudicada pela solução dada a outra ou outras” – Ac. STJ de 26/10/2016, Proc. 122/10.OTACBC.GI-A.S1 [2].
As questões colocadas pelo arguido, no recurso que interpôs do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa eram as seguintes:
A) Rejeição de recurso interlocutório – omissão de pronúncia.
B) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artº 412º, nº 1, al. a) do CPP – determinação do local onde foi interceptada a embarcação J.......
C) Contradição insanável da fundamentação – artº 410º, nº 2, al. b) do CPP.
D) Erro notório na apreciação da prova – artº 410º, nº 2, al. c) do CPP.
E) Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação – não indicação, pelo Tribunal da Relação, dos factos em concreto decididos pela 1ª instância como não provados e que deveriam ter sido declarados como provados.
F) Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, no que concerne à determinação da lei – portuguesa ou holandesa – mais favorável e no que diz respeito à impugnação da matéria de facto.
G) Nulidade do acórdão da 1ª instância por falta de fundamentação – falta de exame crítico.
H) Nulidade do acórdão da 1ª instância por omissão de pronúncia, no que concerne à determinação da lei – portuguesa ou holandesa – mais favorável.
I) Invasão de águas territoriais sob domínio de outro Estado.
J) A pretensa ilegalidade da intervenção da Marinha portuguesa.
K) Inaplicabilidade da lei penal portuguesa – incompetência dos tribunais portugueses.
L) Nulidade da intercepção, busca e apreensão.
M) Matéria de facto/matéria conclusiva – questão de direito.
N) Condenação pela prática do crime de adesão a associação criminosa.
O) Aplicação da lei penal mais favorável – lei holandesa.
P) O crime imputado.
Q) A medida concreta da pena.
Foram estas – nestes exactos termos – as questões identificadas pelo próprio recorrente no início da sua motivação de recurso: “Não se conformando com esta decisão, vem o arguido interpor o presente recurso, o qual se circunscreve às seguintes questões:”
Sobre todas estas questões se pronunciou este tribunal, no acórdão reclamado.
Entende o recorrente que a abordagem da embarcação J........ foi ilegal, porque ocorrida “em águas territoriais sobre o domínio de outro Estado Soberano”.
E reedita os argumentos usados nas suas motivações de recurso, aparentemente pretendendo não a sanação de uma alegada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, mas, outrossim, uma reapreciação do que já foi apreciado, em desrespeito pela regra contida no artº 613º, nº 1 do Cod. Proc. Civil, aplicável em processo penal por força do artº 4º do CPP: “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
A matéria relativa à determinação do local exacto onde foi efectuada a abordagem da embarcação foi tratada, desde logo, na abordagem à questão enunciada na al. B).
E foi-o em termos que não suscitam quaisquer dúvidas:
- Afirmou-se que, por força do disposto no artº 434º do CPP, o recurso visa exclusivamente matéria de direito;
- que, na sequência da reforma operada pela Lei 59/98, de 25/08, deixou de ser possível interpor recurso para o STJ com fundamento na verificação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, sendo que, a partir de então, o STJ conhece oficiosamente desses vícios quando constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentam como plausíveis. «A crítica ao julgamento da matéria de facto, a expressão de divergência do recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas, quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo tribunal são, de todo, irrelevantes, pois ressalvada a hipótese de prova vinculada, o STJ não pode considerá-las, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto» - Ac. STJ de 20/10/2011, Proc. 36/06.8GAPSR.S1, 3ª sec.»;
- que o recorrente reeditou «o pretenso vício do acórdão da 1ª instância (agora, aparentemente, imputado ao acórdão da Relação de Lisboa) de insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, por – na sua óptica - não se ter apurado “se foi ou não respeitada a autorização concedida pelas Autoridades Holandesas e bem assim para apurar se foi violada a Convenção Das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, determinar em que zona do mar a embarcação J….... foi interceptada e desviada para Portugal, nomeadamente, se estávamos perante mar territorial, zona contígua, zona económica Exclusiva de Marrocos, Espanha ou Gibraltar, ou se efectivamente a embarcação se encontrava em Alto Mar”»;
- que essa questão já foi objecto de apreciação, de sentido idêntico, na 1ª instância e na Relação, sendo certo que “a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, razão pela qual se impõe rejeitar, por inadmissível, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, todos do CPP”.
Mais:
Em abordagem à questão da eventual aplicação, in casu, da lei penal holandesa (e da pretensa omissão de pronúncia do tribunal recorrido sobre tal matéria) escreveu-se no acórdão reclamado que o tribunal a quo se pronunciou sobre a matéria, mais uma vez abordando a questão da localização exacta do local da abordagem, concluindo-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: «Face à prova produzida, não restam dúvidas de que a embarcação “J…….”, aquando da abordagem da Marinha de Guerra Portuguesa, não se encontrava em águas territoriais de Marrocos ou de qualquer outro Estado, pelo que improcedem as alegações de incompetência do tribunal, nulidade das detenções, buscas e revistas e nulidade do processo, bem como de insuficiência da prova, invocadas pelo recorrente AA (Facto 208)» (subl. nosso).
E daqui se retira, de forma clara, que quando no acórdão reclamado se afirma que:
«Esse local, como resulta claro da carta náutica que constitui fls. 6257 dos autos, não se encontra incluído nas águas territoriais de qualquer Estado costeiro.
Muito menos integra o território holandês. E daí que, desde logo, se não descortine fundamento para a aplicação do artº 6º, nº 2 do Cod. Penal: o crime de tráfico de estupefacientes não foi cometido na Holanda, como o não foi em Marrocos, como o não foi – sejamos claros – em Portugal (ou em águas territoriais portuguesas, como, por manifesto lapso, se refere em determinado ponto do acórdão recorrido), sendo que a aplicabilidade da lei penal portuguesa resulta do artº 49º, al. b) do DL 15/93, de 22/1», não existe qualquer novidade nesta conclusão, contrariamente ao pretendido pelo reclamante: como consta do acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, “não restam dúvidas de que a embarcação “J.......”, aquando da abordagem da Marinha de Guerra Portuguesa, não se encontrava em águas territoriais de Marrocos ou de qualquer outro Estado”; a referência que nesse acórdão se faz às “águas territoriais portuguesas” não passa de um mero lapso, como se refere no acórdão reclamado, sendo por isso desprovido de sentido afirmar-se que na análise que o tribunal a quo fez sobre esta matéria, o mesmo partiu do pressuposto errado de que o crime havia sido cometido em águas territoriais portuguesas.
E que, aliás, não estamos perante qualquer “novidade” reconhece-o o reclamante quando afirma: “O Supremo Tribunal de Justiça, limita-se no seu Acórdão, a transcrever a posição defendida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo: “E, assim postas as coisas, não se justifica qualquer acrescento argumentativo àquilo que referido ficou no acórdão recorrido (que, saliente-se, acolheu a fundamentação constante do acórdão de 1ª instância). Não desenvolvendo o recorrente argumento novo no recurso interposto do acórdão da relação e concordando com a fundamentação constante do mesmo, resta concluir pela improcedência do recurso, no que a estas questões diz respeito”».
Poderia acrescentar, contudo, que essa fundamentação sumária é previamente explicada:
«Como é evidente e dispensa grandes considerações, as questões supra elencadas foram devidamente apreciadas por dois tribunais, de forma essencialmente homogénea, porquanto já haviam integrado as conclusões do recurso interposto ao acórdão da 1ª instância pelo arguido AA Silva, para o Tribunal da Relação de Lisboa (conclusões XXXI a XLVII).
Refere-se no Ac. STJ de 15/3/2012, Proc. 236/07.3GEALR.E1.S1, 3ª sec., em entendimento que partilhamos, que:
“(…) II - Como se disse no Ac. do STJ de 07-11-2007, Proc. n.º 3990/07 - 3.ª, “Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: é que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o Tribunal da Relação –, que decidiu o recurso interposto e não o acórdão proferido na 1.ª instância.
III - Não aduzindo a recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1.ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o STJ.
IV - Porém, se nos afastarmos dessa perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o Supremo, as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação – e, por isso, as questões ventiladas no recurso são as mesmas, embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões –, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito – e sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, nos termos do art. 434.º, ambos do CPP – perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio jurídico, é expediente legal para eventual correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma, e, sem prejuízo de, se nada houver, de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, é de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação” (subl.nosso).
O tribunal a quo confirmou a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância quanto às questões ora em apreciação, com argumentação no essencial coincidente:
- de um lado, porque a embarcação “J.......”, aquando da abordagem da Marinha de Guerra Portuguesa, “não se encontrava em águas territoriais de Marrocos ou de qualquer outro Estado”, razão pela qual não competia ao Estado de Marrocos ou a qualquer outro Estado Costeiro tomar qualquer medida de intervenção e/ou dar autorização para intervenção a bordo dessa embarcação;
- de outro, porque a intervenção da Marinha de Guerra foi feita de acordo com o teor das Convenções internacionais referidas na decisão, com autorização do País do pavilhão da embarcação, «sendo que as diligências processuais penais foram levadas a cabo pelos inspectores da PJ e não pelos "fuzileiros"»;
- ainda porque a Marinha se limitou a aceder à embarcação, inspeccioná-la e tomar as medidas adequadas em relação às pessoas e à carga encontrada a bordo, “nos termos do art.° 17° da Convenção das Nações Unidas de 1988”, enquanto a busca à embarcação, em cumprimento dos mandados judicias emitidos nos autos, foi efectuada pela PJ;
- também (e agora quanto ao período do dia em que foram efectuadas as buscas) porque a intercepção da embarcação começou depois das 00h30 do dia 17 de Maio de 2017, mas o cumprimento do mandado de busca para a embarcação «começou muitas horas depois, - pelas 16h30 do dia 17 de Maio de 2017, tendo sido interrompidas pelas 19h30 do mesmo dia» e reiniciadas pelas 08h00 do dia seguinte;
- ainda (agora quanto à alegada inaplicabilidade da lei portuguesa) porque «o Estado Holandês, através da entidade competente, autorizou que as autoridades portuguesas pudessem interceptar o navio” e “tendo as autoridades portuguesas dado conhecimento, como é habitual em situações idênticas, às autoridades holandesas do resultado da operação, estas não vieram manifestar qualquer violação do por si antes autorizado”».
Em suma:
As questões colocadas à apreciação deste tribunal (questões, que não argumentos, doutrina, pareceres ou jurisprudência invocados) foram, todas elas, conhecidas, não enfermando o acórdão reclamado da apontada omissão de pronúncia.
No que concerne às – agora – invocadas inconstitucionalidades, apesar de, como se referir no Ac. do Tribunal Constitucional nº 50/2018, de 31/1/2018 e “constitui jurisprudência constante deste Tribunal, os incidentes pós-decisórios não são a sede adequada para suscitar ex novo questões de constitucionalidade sobre as quais o Tribunal recorrido não se pronunciou” [3], certo é que não vislumbramos que o acórdão reclamado enferme das inconstitucionalidades genericamente apontadas pelo reclamante.
III. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a arguida nulidade do acórdão, condenando os requerentes em 2 UC’s de taxa de justiça.
Lisboa, 3 de Março de 2021 (processado e revisto pelo relator)
Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)
Atesto o voto de conformidade da Exmª Srª Juíza Conselheira Maria da Conceição Simão Gomes
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[1] Cf. entre outros, o acórdão de 14.04.29, proferido no Processo n.º 92/13.2YFLSB.
[2] No mesmo sentido, cfr., a título meramente exemplificativo, os Acs. deste STJ de 10/12/2020, Proc. 936/18.2PBSXL.S1 e de 6/11/2019, Proc. 30/16.0T9CNT.C2-A.S1.
[3] No mesmo sentido, cfr. os Acs. deste STJ de 27/2/2020, Proc. 66/13.3PTSRT-A.S1 e de 9/7/2020, Proc. 535/13.5JACBR.C1.S3.