ACÇÃO ESPECIAL
CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
PEDIDO RECONVENCIONAL
INADMISSIBILIDADE
Sumário

I - Nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias reguladas no anexo do DL nº269/98, de 01.09., não é admissível a dedução de pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC, em face: do escopo dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias ser o de conferir força executiva aos requerimentos iniciais (art. 7º e 2º do anexo do diploma); da acção especial apenas dispor de dois articulados, seguidos da audiência de julgamento (arts. 3º e 4º do anexo do diploma), que exclui a possibilidade de apresentação de réplica, nos termos do art. 584º do CPC da acção comum.
II - Nestas acções especiais não pode vir a ser admitida a reconvenção, também: nem pela via da norma remissiva do art. 549º, nº 1 do CPC, uma vez que não existe lacuna da lei na tipificação do regime processual da acção especial; nem por força da adequação formal, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, uma vez que a referida adequação não serve para resolver de forma estrutural a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais nas acções especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC”.

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 83.857/20.1YIPRT.P1

Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto - Juiz 4
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B…;
Recorrida: C… Unipessoal, Lda.
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C… Unipessoal, Lda. apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra B… pedindo a notificação deste a pagar-lhe a quantia de 13.515,30, sendo €13.216,15 de capital, €157,15 de juros de mora, €40,00 de outras quantias e €102,00 de taxa de justiça paga.
Alegou, para tal e em suma, que no âmbito da respectiva actividade profissional forneceu, vendeu e entregou ao requerido, a mercadoria, produtos e trabalhos constantes das facturas (cuja descrição consta do requerimento de injunção), do total das quais encontra-se paga pelo requerido a quantia de €21.033,00, encontrando-se em falta a quantia de €13.216,15.
O requerido deduziu oposição, na qual invocou a ineptidão do requerimento de injunção, por falta da alegação dos factos que constituem a causa de pedir. Contudo e sem prescindir alegou a factualidade dos pontos 11 a 75 do articulado de oposição, invocando o cumprimento defeituoso e incumprimento contratual do contrato, que lhe causou prejuízos deduzindo pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe indemnização no montante de €23.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Prosseguindo o processo, veio o tribunal recorrido designar data para a realização da Audiência Final[1], tendo, nesse despacho, se pronunciado, entre outras questões, sobre a admissibilidade da dedução do pedido reconvencional em sede de processo de Injunção no seguinte sentido:
“(…) Em face do exposto, e com base na intenção do legislador na redacção do artigo 266.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, não se admite o pedido reconvencional formulado pelo réu/reconvinte e consequentemente a apreciação da compensação de créditos invocada.
Notifique. (…).”
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É justamente desta decisão que o Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1. Na presente acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias, apresentou a Requerida, ora Recorrente, Oposição e Reconvenção, formulando pedido reconvencional no valor de €23.500,00.
2. Na reconvenção invoca a Requerida, além do mais, a compensação de créditos, alicerçando-se a causa de pedir nos prejuízos que foram causados à Requerida pela deficiente execução dos serviços prestados pela Requerente.
3. A compensação de créditos tem de ser necessariamente invocada em sede de reconvenção, nos termos do disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil.
4. O juiz deve, nos termos do disposto no artigo 547.º, do Código de Processo Civil, adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
5. O juiz pode autorizar a dedução de pedido reconvencional “…sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio”, adequando a forma do processo aos termos do próprio litígio.
6. Mesmo nos processos especiais tem de se assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, sob pena de razões de natureza adjectiva obstarem à realização do direito substantivo.
7. Para além de a admissão da reconvenção resultar da aplicação do princípio da economia processual, que preside ao processo civil e do qual resulta, inequivocamente, neste caso, que será sempre ser preferível a admissão do pedido reconvencional numa acção já proposta do que exigir a propositura de nova acção sobre o mesmo litígio, para que seja alcançada a justa composição do litígio.
8. O despacho recorrido violou, nos termos expostos, os artigos 2.º, 6.º, 266.º e 547.º do Código de processo Civil e os artigos 483.º e 847º do Código Civil.
9. Pelo que deve ser revogado e substituído por decisão, a proferir pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, que admita a reconvenção, seguindo-se as devidas consequências legais. (…)”
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Foram apresentadas contra-alegações pela recorrida, onde pugna pela improcedência do recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:
- saber se deve ser admitido o pedido reconvencional.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Já se referiu em cima qual é a questão que importa aqui decidir.
O Recorrente discorda de decisão que não admitiu a reconvenção, na consideração de o procedimento de injunção de valor inferior a 15.000,00€ a não comportar.
É incontestável que o procedimento de injunção foi instaurado pela Requerente com um pedido no valor de 13.413,30€.
Esse procedimento alicerça-se no decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cuja finalidade é conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de montante não superior ao valor de 15.000,00€, salvo quando esteja em causa transacção comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, caso em que inexiste limite quanto ao montante do crédito, para permitir, de modo mais célere, a obtenção de um título executivo que faculte o acesso directo à acção executiva.
O decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de Maio (artigo 2º, nº 1), define o seu âmbito de aplicação a “pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais” e exclui “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros”.
Por seu turno, a alínea b) do artigo 3º desse mesmo diploma, conforma a transacção comercial, como “uma transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. E o seu art. 10º prevê o regime de “Procedimentos especiais” para “O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida” (nº 1), sendo que “ Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum” (nº 2). Caso em que “Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais” (n.º 3). E acrescenta que “As acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (nº 4).
Decorre do exposto que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transacções comerciais que não integrem as excepções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º, nº 2).
Estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, a decisão recorrida considerou convocável o regime especial de procedimento e, portanto, a inviabilidade processual da reconvenção.
Contudo, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor.
Se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transacção comercial com valor superior a 15.000,00€, em que tenha sido deduzida oposição, ela segue os termos do processo comum (artigo 10º, nº 2 do identificado decreto-lei n.º 62/2013).
Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não superior a 15.000,00€, ela segue a forma de processo especial (arts. 3º a 5º do referido decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro).
Entendendo que este procedimento de valor inferior a 15.000,00€ segue a forma de processo especial, vinha sendo pacífico (antes da entrada em vigor do NCPC) o entendimento que a reconvenção deveria ser liminarmente indeferida, por não ser consentida neste processo especial e ser insusceptível de adição o valor processual da reconvenção, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso[2].
Já quanto às injunções de valor superior a 15.000,00€, considerava-se admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de que a tramitação processual imprimida passa a ser, após a oposição, a do processo comum[3].
De facto, esta solução não envolve qualquer óbice de índole adjectiva, porque a consequente distribuição da injunção como acção declarativa depois da oposição à injunção e a forma processual subsequente comporta a viabilidade da reconvenção e, por isso, se admite a reconvenção, sem controvérsia, nas acções de natureza comum decorrentes de injunção relativa a transacção comercial de valor superior a €15.000,00[4].
Sucede que este entendimento, após a entrada em vigor do Novo CPC, deixou de ser pacífico, mostrando-se a Jurisprudência e a Doutrina divididas, quanto a saber qual será melhor solução processual para os casos, como o concreto, em que, tendo sido intentada uma injunção de valor inferior a 15.000€, o Réu pretende deduzir a excepção de compensação (do seu alegado crédito) através de pedido reconvencional (como imporá agora o disposto no art. 266º, nº 2, al. c) do CPC).
Como decorre do exposto, no caso concreto, sendo a Injunção de valor inferior a metade da alçada do Tribunal do Tribunal da Relação, a injunção apresentada passou a seguir os termos da acção especial para cumprimento das obrigações pecuniárias, que comporta apenas dois articulados: o requerimento inicial e a oposição.
Por essa razão, entendeu o despacho recorrido não ser admissível a dedução de pedido reconvencional, invocando, o disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c) CPC (que imporá agora que a excepção de compensação seja deduzida através de pedido reconvencional)[5].
Na verdade, segundo este normativo, a reconvenção é admissível: “Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
No âmbito do direito processual anterior a esta alteração introduzida pelo NCPC, consolidara-se, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que a compensação deveria ser actuada pela via da excepção quando o contra-crédito invocado pelo réu fosse igual ou inferior ao crédito invocado pelo autor, e pela via reconvencional, nos restantes casos, em que o réu pedia a condenação do autor no remanescente[6].
Não podendo o legislador alhear-se desta polémica, tem-se entendido maioritariamente que pretendeu afastar aquela posição, consagrando o sistema de compensação–reconvenção[7].
Independentemente da posição que se assuma sobre a nova redacção do nº 2 do art. 266º do CPC, a questão que verdadeiramente se coloca no caso concreto é a de saber se numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior à alçada do Tribunal da Relação é possível ao réu deduzir a excepção de compensação através da dedução de pedido reconvencional (cfr. art. 266º, nº 2, al. c) do CPC).
Como já referimos, a Jurisprudência e a Doutrina tem-se dividido na resposta dada a esta questão.
O recorrente pediu a reapreciação do despacho que considerou inadmissível a dedução do pedido reconvencional, por entender:
a) que, nos termos do art. 266º, nº 2, al c) do CPC, o legislador passou a exigir que a compensação, como via de extinção da obrigação da contraparte, fosse invocada por reconvenção;
b) que a dedução da injunção e o seguimento da mesma como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias não impedem a dedução de reconvenção;
c) que havendo créditos recíprocos e estando os mesmos compensados com a extinção das obrigações recíprocas, deve a reconvenção ser admitida, sob pena de se onerar desproporcionalmente os cidadãos com o acesso à justiça.

Vejamos se podemos acolher aqui estes argumentos.
Em primeiro lugar, importa dizer que, como decorre do já exposto, a acção declarativa especial dos arts. 1º ss. do DL nº269/98, de 01.09., em cuja espécie é distribuída a providência de injunção quando sofre oposição, tem também como escopo principal “conferir força executiva à petição”, “com valor de decisão condenatória”, o que o juiz se limitará a realizar imediatamente, se o réu não contestar e não ocorrerem de forma evidente, excepções dilatórias ou o pedido não seja manifestamente improcedente (art.2º do DL nº269/98, de 01.09.).
Como referimos, nesta acção especial, finda a fase dos articulados (com petição inicial ou requerimento de injunção e com a oposição), se não for julgada procedente alguma excepção dilatória ou nulidade ou não for conhecido imediatamente o mérito da causa, segue-se imediatamente a realização da audiência de julgamento em 30 dias, nos termos dos arts.3º e 4º do DL nº nº269/98, de 01.09, ex vi do art.17º/1 do mesmo diploma.
Assim, esta acção especial, no contexto dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, não contempla, por força da sua finalidade e do seu regime, a dedução de um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC, com vista à condenação do autor/reconvindo na pretensão do autor: quer porque esta pretensão ultrapassa o fim dos procedimentos especiais (conferir força executiva à petição inicial ou ao requerimento de injunção); quer porque a limitação expressa da forma especial à existência de dois articulados, por razões de celeridade processual, não admite a apresentação de réplica que responda à reconvenção, nos termos do art.584º do CPC.
Neste sentido, o Prof. Rui Pinto[8] refere:
“São, pelo menos, duas as razões pelas quais esta acção especial não admite reconvenção. Por um lado, a reconvenção “pede” um articulado de resposta, o que o regime especial afasta; por outro lado, a reconvenção postula um pedido de condenação do autor ou, pelo menos, de reconhecimento do direito do devedor, o que está fora do escopo da acção especial: formar título executivo contra o devedor, nos termos do artigo 2º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro”.
Nesta situação, a dedução da reconvenção (que modifica objectivamente a instância, e apenas é admissível nas situações previstas por lei, nos termos dos arts. 260º e 266º do CPC), também não pode vir a ser admitida na acção e procedimento especial para cumprimento de obrigações pecuniárias: nem por força da norma remissiva do art. 549º, nº 1 do CPC; nem por força da adequação formal, nos termos do art. 547º do CPC, defendida por razões de justiça material por parte da Doutrina[9] e da Jurisprudência[10] que o recorrente invoca.
O art. 549º do CPC prevê que «Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum».
No entanto, e como refere o Prof. Rui Pinto, não existe qualquer lacuna quanto à limitação prevista e definida no legislador quando previu que na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias existiriam apenas dois articulados, lacuna essa que pudesse ser resolvida com o aditamento de um articulado, pela via remissiva de aplicação ao processo especial do regime do processo comum, ex vi do art.549º do CPC:
“os processos especiais não são processos incompletos ou lacunares, a que o artigo 549º acrescentaria articulados, mas processos que veriam diminuída a sua eficácia específica se fossem engordados por normas do processo comum. Na verdade, a relação de subsidiariedade entre processo especial e processo comum guia-se por um princípio paradoxal: o legislador especial regulou o que considerou mais importante e deixou para a lei processual comum o que era secundário.
Assim, quando o legislador especial determina que um processo especial apenas tem dois articulados, quis mesmo limitar esse número. Não há lacunas. Mas se o legislador não regula questões como as do procedimento instrutório, i. e., o direito probatório formal, é porque as quis deixar para o disposto no processo civil comum.
Aliás, é este tipo de raciocínio que permitia, no passado, a diferenciação entre processo comum ordinário, sumário e sumaríssimo. Se assim não fosse, todos os processos teriam, em maior ou menor grau, o procedimento do processo ordinário ou, actualmente, do processo comum”[11].
O princípio da adequação formal previsto no art.547º do CPC, por sua vez, define que “O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”, em cumprimento de um dever de gestão processual, nos termos do art. 6º do CPC.
Todavia, este relevante instrumento processual não serve para resolver de forma estrutural a dedução de pedidos reconvencionais nas acções especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2, als. a) a d) do CPC.
Neste sentido, Eduardo Bianchi Sampaio[12] refere:
“A utilização do princípio da adequação formal para admitir a reconvenção nas formas de processo em que não é admissível não se nos afigura indicada. (…) o princípio da adequação formal destina-se a ser aplicado em situações específicas que, pelas suas excepcionais particularidades, impõem a adopção de uma solução diversa da que foi prevista pelo legislador. Trata-se de um princípio de utilização pontual, para uma determinada situação concreta, que não pode ser utilizado para alterar genericamente um instituto jurídico ou o quadro legal relativo à tramitação de uma forma de processo, introduzindo uma alteração que apenas o legislador poderia introduzir. Como se afirma no Ac. da Relação de Coimbra de 14 de Outubro de 2014, “o princípio da adequação formal, consagrado no artigo 547.º do Código de Processo Civil, não transforma o juiz em legislador”.
Por fim, também na particular situação da enorme controvérsia jurídica sobre a admissibilidade da invocação da compensação pelo réu nas acções especiais, não existem razões de justiça material que exijam a admissibilidade da dedução excepcional do pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC, por a compensação poder ser invocada como excepção peremptória que permite ao réu defender-se por via extintiva contra o pedido e o direito invocado pelo autor, assegurando os seus direitos constitucionais de defesa, nos termos do art. 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Como refere o Prof. Rui Pinto[13], “o ponto de partida, inquestionável, é o de que a compensação constitui um dos factos extintivos das obrigações além do cumprimento, como decorre do artigo 395º CC, da sua arrumação no Capítulo do Código Civil com essa epígrafe e do teor do artigo 847º, nº 1 CC. Em consequência, o devedor que dela faça uso, como provoca a extinção total ou parcial da dívida, há de querer invocar aquele facto extintivo no processo civil”.
Esta posição, aliás, é passível de ser compatibilizada com o entendimento daqueles que defendem que a actual redacção do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC não obriga a que a compensação seja deduzida por reconvenção, como o Prof. Lebre de Freitas[14], pelo que a dedução da compensação por excepção não está impedida nestes casos pela lei processual.
De resto, o Prof. Lebre de Freitas também defende a inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional nestas acções[15], sem prejuízo de assinalar que “numa perspectiva racional, a especial conveniência de celeridade do processo especial (AECOP) (tal como do desaparecido processo sumaríssimo) que impregna todo o seu regime., é invocável no sentido desta solução (da inadmissibilidade da reconvenção). No entanto, a este argumento é fácil contrapor que a admissibilidade da reconvenção obedece a exigências de economia processual e que o interesse do réu em deduzir, no processo da acção contra ele proposta, pedidos estreitamente conexos com os do Autor não é de menosprezar. Esta contra-argumentação é mais forte quando se tenha em conta o regime de compensação do novo CPC (…). De qualquer modo, mesmo que a reconvenção só fosse exigível para fazer valer o excesso do crédito do réu sobre o crédito do autor seria manifesta a conveniência de decidir sobre esse excesso no mesmo processo em que se decide sobre a parte compensável, algo de semelhante se podendo dizer das outras situações de conexão que, segundo o art. 266º, nº 2, justificam a reconvenção (maxime, a de coincidência da causa de pedir reconvencional com a causa de pedir da acção ou com o fundamento da excepção deduzida e a de direitos a benfeitorias). A solução legal para a acção declarativa do DL 269/98 não parece ser a melhor. Outra é a solução no processo europeu para as acções de pequeno montante” [16].
Esta posição da inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional nas AECOPs vem sendo também defendida na Jurisprudência, por exemplo, nos seguintes acórdãos:
- acs. da Relação do Porto, de 10.02.2011 (relator: Telles de Menezes); de 30.11.2015 (relator: Correia Pinto), e de 20.05.2017 (relator: Rui Moreira);
- ac. da Relação de Coimbra, de 07.06.2016 (relator: Fonte Ramos);
- acs. da Relação de Guimarães de 27.04.2017 (relator: Beça Pereira); de 22.06.2017 (relator: Ana Cristina Duarte) e de 17.12.2018 (relatora: Maria Luísa Ramos);
- ac. da Relação de Évora, de 30.05.2019 (relatora: Isabel Peixoto Imaginário).
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Essa posição também é seguida pelos seguintes acórdãos que, no entanto, concluem que deve ser admitida a dedução da compensação através da dedução de excepção.
Neste sentido:
- ac. Relação de Lisboa, de 05.07.2018 (relator: Carlos Oliveira);
- ac. da Relação de Coimbra, de 16.01.2018 (relatora Maria João Areias), quando, cumulativamente a forma de processo escolhida unilateralmente pelo autor não comporta a dedução de pedido reconvencional, a compensação já foi declarada extrajudicialmente, e o contra-crédito se movimenta no âmbito da mesma relação jurídica;
- acs. da Relação de Guimarães, de 17.12.2018 (relator: Alcides Rodrigues), de 10.07.2019 (relator: Ramos Lopes) e de 5.3.2020 (relatora: Alexandra Viana Lopes – que aqui seguimos em parte da exposição).
Nesta conformidade, porque secundamos este entendimento doutrinário e jurisprudencial (no sentido da inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional nas AECOPs), com os fundamentos atrás explanados, só nos resta julgar improcedente o recurso de apelação e confirmar o despacho recorrido de rejeição da reconvenção.
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III - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente (art. 527º do CPC).
Notifique.
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Porto, 21 de Junho de 2021
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade – Consigna-se que a Exma. 1ª Adjunta votou em conformidade a decisão exarada supra, que só não assina por não se encontrar presente.
Eugénia Cunha
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[1] Nota: entretanto, por circunstâncias processuais variadas, a instância mostra-se suspensa até que o presente recurso seja decidido – cfr. consulta do processo via “citius”.
[2] Salvador da Costa, in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, Almedina, 6.ª edição, 2008, págs. 189/191; na jurisprudência, neste sentido v. por exemplo, os Acs. RP de 02/05/2015, processo 143043/14.5YIPRT.P1; RC de 07/06/2016, processo 139381/13.2YIPRT.C1; RG de 22/06/\2017, processo 69039/16.0YIPRT.G1 – disponíveis em Dgsi.pt.
[3] Salvador da Costa, ob. e loc. citados.
[4] Ac. RP de 14/05/2012, proc. Nº 176189/11.1YIPRT-A.P1, in dgsi.pt.
[5] Não deixa de ser duvidoso que, no caso concreto, o fundamento da admissibilidade do pedido reconvencional não se deva fundar também na al. a), pois que o pedido formulado pelo requerido “emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa” - contrato de compra e venda/cumprimento defeituoso e/ou incumprimento do mesmo contrato – constatação que, no entanto, não tem repercussões no que se irá, de seguida, desenvolver.
[6] Lebre de Freitas, in “A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, págs. 124 e ss. e Paulo Pimenta, in “Processo Civil Declarativo”, págs. 185 e ss.
[7] Neste sentido, v. Paulo Pimenta, in Processo civil declarativo”, págs. 186 e 187; e A. Geraldes/P. Pimenta/Luís Sousa, in “CPC anotado, Vol. I, pág. 302 onde referem que “parece ter ficado claro que, com a nova redacção, se pretendeu adoptar a primeira solução (a invocação do contra-crédito deve ser sempre operada através de reconvenção)” esclarecendo a sua posição a págs. 303 e ss. Em sentido ainda contrário, v., no entanto, o Prof. Lebre de Freitas, op. cit., pg. 132, que concluiu que, “pese embora a intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do regime do CPC de 2013 é a de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa”.
[8] In “A Problemática da dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, disponível em https://www.academia.edu/35539814/A_problematica_da_compensacao
[9] Como é sabido, o principal defensor desta corrente doutrinária é o Prof. Miguel Teixeira de Sousa que explanou a sua posição em diversas entradas do Blogue IPPC. Por exemplo, em 26 de Abril de 2017, desenvolvendo o seguinte comentário que se transcreve parcialmente: “1. Tendo presente que, no actual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269/98, de 1/9). Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549°, n° 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266° CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs. Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC. Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs - nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere - não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objectar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas acções. Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729°, al. h) do CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções. Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.2. Uma solução alternativa a esta consistiria em defender que a compensação (que é uma forma de extinção das obrigações) deveria ser invocada por via de excepção. No entanto, contra esta solução pode invocar-se o seguinte: - A solução não tem qualquer apoio legal; como se disse, o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo; uma diferenciação quanto à forma de alegação da compensação seria, por isso, contra legem;- A solução comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de excepção; um dos mais significativos é o de que, atendendo a que a decisão sobre as excepções peremptórias não fica abrangida pelo caso julgado material (cf. art. 91.°, n.° 2, CPC), se o contracrédito invocado na AECOP pelo demandado vier a ser reconhecido nessa acção, não é possível invocar a excepção de caso julgado numa acção posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa acção, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa acção posterior; qualquer destas soluções é absurda (sendo, aliás, por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correcta, porque é a única que evita as referidas consequências).3. O que se disse a propósito da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação vale para todos os outros casos em que, nos termos do art. 266.º, n.º 2, CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente.”. O Ilustre Prof. manteve essa posição em diversas outras entradas do aludido Blogue IPPC, por exemplo, em 1.5.2017 (“AECOPs e compensação”); em 30/04/2018 (Jurisprudência 2018 (12) em anotação ao ac. da RC 16/1/2018); (15.5.2020 - em anotação aos acs. da RG 5/3/2020 (104469/18.2YIPRT.G1); e de 5/3/2020 (3298/16.9T9VCT-B.G1) - AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples?)”.
[10] Na jurisprudência, mencionamos aqui dois dos mais recentes acórdãos: o da Ac. RG de 17.12.2018 (relatora: Fernanda Proença) e da RP de10.11.2020 (relatora: Márcia Portela), in dgsi.pt.
[11] Rui Pinto, in “A Problemática da dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, disponível em https://www.academia.edu/35539814/A_problematica_da_compensacao, págs.17 e 18.
[12] In “A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção”, Revista Julgar, Maio 2019.
[13] In “A Problemática da dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, disponível em https://www.academia.edu/35539814/A_problematica_da_compensacao
[14] In “Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, pág.153.
[15] Refere o Prof. Lebre de Freitas, in “Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, pág.348 “(…) O duplicado da contestação só é remetido ao autor com a notificação do despacho que designe o dia da audiência final (art. 1º, nº 4 do regime anexo), de onde se deduz não ser admissível articulado de resposta à contestação, nem, consequentemente, reconvenção”.
[16] In “A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, págs. 348 e 349, nota 19.