RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
FACTOS NÃO PROVADOS
NULIDADE INSANÁVEL
NULIDADE SANÁVEL
Sumário

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



RELATÓRIO

IMPACTMELODY, LDA veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação de Lisboa de 13 de novembro de 2019, proferido no processo nº 2511/18.2T9LSB.L1 que correu termos junto do Juiz 6 do Juízo de instrução Criminal de ..., e que decidiu que não constando de decisão instrutória de não pronúncia fundada na insuficiente indiciação da verificação de crime e, ou, de quem foi o seu agente, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência indiciária, padece tal despacho, de nulidade dependente da arguição, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 308º, nºs 1 e 2, 283º n.º 3 al.ª b), 118º n.º 1 e 120º n.º 1, todos do CPP, por isso que ficando tal vício sanado se não invocado, atempadamente, perante o tribunal que proferiu o ato, alegando que está em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, da 9ª Secção Criminal, datado de 08de fevereiro de 2018 e proferido no âmbito do processo n.º 5278/14.0TDLSB.L1-9, invocando o disposto no art. 437º, do CPP, concluindo nos seguintes termos:

«I. O presente recurso tem por objecto a decisão instrutória tomada pelo Tribunal a quo em 28/5/2019, nos termos da qual o Arguido não foi pronunciado por um crime de participação económica em negócio, previsto e punido peio artigo 377.º do Código Penal, e por um crime de abuso de poder, previsto e punido peto artigo 382° do mesmo código,

II. A decisão instrutória, seja ela de pronúncia ou de não pronúncia, deve incluir um enunciado exaustivo de todos os factos dados como indiciados / provados e não indiciados, tendo por base uma análise crítica dos elementos de prova constantes dos autos, conforme decorre do disposto no artigo 283.º n.º 3, alínea b), por remissão expressa do artigo 308.º n.º 2, ambos do CPP.

III. O dever legal que vincula o julgador a formular esse enunciado de factos indiciados / provados e não provados, em sede de decisão instrutória, é condição para o exercício efectivo do contraditório quanto à mesma pelas partes interessadas, encontrando o seu fundamento na respectiva garantia constitucional e ilegal.

IV. A decisão recorrida é totalmente omissa na indicação dos factos considerados indiciados /provados e não indiciados e, bem assim, pretere inteiramente um exame crítico das provas juntas e produzidas nos autos, mormente aquelas que integram o requerimento de abertura de instrução.

V. Com efeito, o Tribunal a quo limitou-se a gizar uma súmula dos actos processuais antecedentes e a mencionar certos pontos do depoimento prestado pelo Arguido em audiência, tal como por si apreendidos, "saltando" de seguida para a formulação de certas conclusões genéricas e desprovidas de um suporte concreto nos elementos de facto e nas provas ao dispor dos autos.

VI. A decisão recorrida, ao omitir a devida fundamentação de facto veio, ademais, inviabilizar a sua sindicância em sede de recurso.

VII. A decisão ora impugnada surge, por conseguinte, viciada de nulidade, expressamente cominada no artigo 283.º n.º 3, aplicável ex vi do artigo 308° n.º 2, ambos do CPP - a qual desde já se invoca, para todos os efeitos.

VIII. Admitindo - à cautela, por mera hipótese e sem conceder - que a cominação de nulidade não se considere aplicável à decisão em dissídio, sempre a ilegalidade cometida deverá ser cominada com irregularidade, a qual, subsidiariamente, desde já se invoca nos termos do artigo 123° do CPP.

IX. Nessa senda, deverá considerar-se o prazo de recurso, de 30 dias, previsto no artigo 411º n.º 1, aplicável â invocação da referida irregularidade, a título de norma especial em relação ao artigo 123.º do CPP, sob pena de uma restrição inadmissível e injustificada do direito de defesa ínsito na faculdade de recorrer, através da limitação dos respectivos prazos."

4. Nesta senda, a Recorrente, peticionou, a final, nos seguintes termos:

"i) Seja declarada a nulidade da decisão recorrida, por falta de enunciação da matéria de facto dada como indiciada / provada e não indiciada, nos termos do artigo 283° n.º 3, alínea b), por remissão do artigo 308º n.º 2, e 122.º, todos do CPP;

Ou, caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese e sem conceder,

ii) Seja declarada a irregularidade da mesma decisão, com o mesmo fundamento, nos termos do disposto no artigo 233° n.º 3, alínea b), por remissão do artigo 308.º n.º 2, e 123.º, todos do CPP." (destaques nossos)

5. Esse mesmo objecto foi identificado, no Acórdão recorrido, nos seguintes termos:

"O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, que, no caso "sub judice", se circunscreve à apreciação do despacho de "não pronúncia" e consequente arquivamento dos autos, no sentido de averiguar se houve o apontado vício de "omissão de pronúncia" quanto à descrição de factos indiciados e não indiciados e aquilatar da existência de alguma nulidade ou irregularidade processual." (destaques nossos).

6. O acórdão recorrido, manifestou-se no seguinte sentido quanto ao objecto daquele recurso de apelação:

"Analisado apenas sob este ponto de vista, o recurso está manifestamente votado ao fracasso, porquanto à decisão instrutória de não pronúncia não é aplicável a nulidade prevista no art. 283° n° 3, alínea b), do cód. proc. penal, dado que a previsão normativa em causa, reporta-se à acusação e à pronúncia, esta por força do disposto no art. 308° n°2 do cód. Proc.º penal e não sobre o despacho de não pronúncia.

Por outro lado, o vício que aponta, não integra o elenco de nulidades insanáveis, de conhecimento oficioso, contempladas, no art. 119°, do cód. Proc.º penal.

A nulidade do despacho de não pronúncia, caso existisse, constituiria uma nulidade sanável dependente de arguição, no prazo legal, junto do tribunal recorrido, nos termos, do art. 120°, do cód. proc. penal e sobre a decisão que recaísse sobre a sua arguição, caberia eventualmente recurso para este tribunal.

Não tendo a assistente suscitado nos termos descritos a alegada nulidade, no prazo legal e junto do tribunal recorrido, (que proferiu o aludido despacho), em conformidade com o disposto no artº 120° nº 3 al. c) do cód. procº penal, ficou a mesma sanada.

Acresce que, não tendo a Recorrente suscitado atempadamente a nulidade ou irregularidade do despacho de não pronúncia perante o tribunal recorrido, questionando as suas dúvidas e sendo certo que em sede de recurso interposto se limita basicamente àquela questão, parece-nos evidente que o mesmo não tem viabilidade

7. Em consequência, o acórdão recorrido decidiu do seguinte modo:

"Nestes termos, acordam os Juízes de 3º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto peia assistente, Impactmelody Ldª".

8. Ora, o acórdão recorrido além de se ter abstraído totalmente da consistente argumentação jurídica da Recorrente constante do seu requerimento de interposição daquele recurso de apelação, desconsiderou e opôs-se frontalmente de igual modo às melhores soluções que vêm sendo tomadas pelos nossos Altos Tribunais,

9. Mormente, em relação à questão fundamental de direito objecto daquele recurso que, para os efeitos do presente recurso, se traduz na invocada nulidade, da decisão instrutória recorrida, com fundamento na omissão de uma decisão sobre a matéria de facto (com discriminação dos factos provados / indiciados e não provados / indiciados), por aplicação do disposto no artigo 283º nº 3, alínea b), por remissão do artigo 308º n.º 2, e 123.°, todos do CPP.

B) DO ACÓRDÃO FUNDAMENTO

10. O presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência tem como acórdão fundamento um aresto também do Tribunal da Relação de Lisboa, tirado pela respectiva 9ª Secção Criminal, datado de 08/02/2018 e proferido no âmbito do processo n.º 5278/14.0TDLSB.L1-9.

11. O acórdão fundamento encontra-se publicado e acessível em www.dgsi.pt e já transitou em julgado, juntando-se desde já, para facilitar a respectiva consulta, e para todos os legais efeitos, como Documento nº 1, cópia integrai do acórdão fundamento, extraída do referido sítio electrónico. (DOC. 1)

12. O acórdão fundamento, contrariamente ao acórdão recorrido, julgou procedente recurso de apelação, perfeitamente análogo ao sobredito recurso de apelação, interposto pela Assistente naqueles autos supra mencionados sobre decisão de não pronúncia com fundamento na questão fundamental aqui invocada, isto é: a omissão de descrição da matéria de facto dada como indiciada / provada e não indiciada, conhecendo e declarando a consequente nulidade insanável desse despacho de não pronúncia nos termos conjugados dos artigos 283.° n.º 3 alínea b) e 308.º n.º2 do CPP.

13. Mas antes de se realizar o devido confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento e de se entrar na matéria referente à verificação dos demais requisitos necessários para a interposição deste recurso (o que se abordará no capítulo seguinte), cumpre transcrever arestos essenciais do acórdão fundamento porquanto o seu teor elucida perfeitamente a razão de ser e a viabilidade do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.

14. Começando-se por transcrever qual era o âmbito do recurso de apelação que foi apreciado e decidido através do acórdão fundamento, na delimitação constante do seu próprio texto:

"No caso as questões colocadas sob recurso prendem-se com a nulidade da decisão por falta de fundamentação factual e pela verificação da existência dos indícios suficientes da prática do crime denunciado de falsidade de testemunho."

15. Cumprindo, de seguida, transcrever a motivação relevante desse aresto, que se contém nos seguintes excertos:

"Considera a Assistente que a decisão se apresenta nula por falta de fundamentos factuais, ou seja, não descreve os factos que considerou indiciados e os que o não foram, por forma a poder entender-se porque não deve a causa ser submetida para a fase do julgamento,

Vejamos.

(...)

Ora, pelas duas apontadas razões, entendemos que é fundamental que a decisão instrutória de não pronúncia, tal como a de pronúncia, descreva os factos que em concreto foram determinantes da não pronúncia, para que desse modo o conjunto de factos que se consideraram indiciados e os não indiciados, possam garantir os direitos de defesa do arguido, mormente para que o tribunal de recurso possa avaliar se efectivamente existem ou não os necessários pressupostos para submeter o agente a julgamento,

No caso em análise, conforme se lê no despacho recorrido, foi praticamente omitida a componente fáctica, não se descrevendo nem especificando quais os factos do requerimento instrutório que se consideram suficientemente indiciados, nem os que como tal se não consideram. A referência concreta a parte desses factos existe, mas de forma abrangente, isto é, por referência às declarações do arguido e testemunhas, inserindo-se tão só na sua apreciação crítica, sem que descreva esses mesmos factos,

Ora, salvo o devido respeito, entendemos que só depois de fixada a matéria factual se poderia, de acordo com a lógica, concluir pela suficiência ou insuficiência da matéria para submeter ou não o arguido à fase do julgamento. A apreciação critica (que consta da decisão recorrida) será já uma fundamentação da convicção formada pelo Sr. Juiz para a não submissão da causa â fase do julgamento, nos termos a que se reporta o nº. 5 do artigo 97 do C.P.P. fase posterior à selecção dos factos apurados e não apurados.

Vejamos agora as consequências da omissão factual (reportada ao requerimento da Instrução)".

"Conhecendo que ê controversa a questão, plasmamos o nosso entendimento no entendimento do então Desembargador Orlando Afonso expresso no Ac. Rel. Évora de 1-3-2005 e também no Ac. da Relação de Guimarães, de 15/12/2012.

"... Para que este Tribunal da Relação possa fazer uma valoração lógica da gravidade, precisão e concordância dos indícios por forma a tê-los como suficientes ou insuficientes à aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e desta forma optar pela necessidade da pronúncia ou não pronúncia, necessita saber quais os indícios tidos por assentes pela 1ª instância, para, em operação posterior, confrontando a prova carreada à instrução, se pronunciar num ou noutro sentido. Por isso, o despacho de pronúncia ou de não pronúncia há-de conter, ainda que resumidamente, os factos que possibilitaram chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária. No caso em apreço, nenhum facto indiciário, em termos objectivos, foi carreado ao despacho de pronúncia (nem foi afirmado que nenhum facto se provou) tendo, apenas, sido retiradas conclusões pela Mmª JIC, da prova que analisou sem dar por assente qualquer facto.

Não compete ao Tribunal da Relação concatenar os factos apurados e substituir-se à Mmª Juiz de Instrução na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia mas tão somente, por força do recurso, em vista de factos indiciários descritos, corroborados ou não por outros elementos dos autos, decidir se todos eles são suficientes ou insuficientes para o proferimento de um despacho de pronúncia ou não pronúncia a levar a efeito sempre em primeira instância. A ausência de factos descritos impede a análise pelo Tribunal "ad quem" da bondade da solução encontrada em sede de instrução). (...) A não descrição dos factos acarreta a nulidade do despacho (art. 308º, nº 2, com referência ao art. 283.º, nº 3, b) do CPP). E constitui esta falta, nulidade cognoscível por este Tribunal da Relação. Não fazendo, embora, parte do elenco de nulidades descritas nas alíneas a) a f) do art,119º do CPP, não pode deixar de ter-se como insanável a nulidade consistente na falta de narração, ainda que sintética, dos factos que constituem fundamento da decisão de pronúncia ou não pronúncia, tendo em atenção que as disposições do art. 119º do CPP não são taxativas: constituem nulidades insanáveis, para atém das que estão descritas nas alíneas daquele dispositivo, todas as que como tal forem cominadas noutras disposições legais, dentro ou fora daquele diploma legal. Se é certo que o art. 283.°, nº. 3, do CPP, a que se refere o art. 308.°, do mesmo código, não diz que se trata de uma nulidade insanável (o que, primo conspectu, poderia numa interpretação declarativa restrita conduzir à sua classificação como nulidade sanável, e nessa medida, dependente de arguição), a lógica do sistema, em matéria de tão fundamentai importância, porque pressuposto da subsunção, necessariamente nos tem de conduzir a interpretação diferente. Se a falta de narração dos factos na acusação conduz, nos termos do art.311.º, n.º 2, a), do CPP à rejeição desta, não faz sentido que o Tribunal de recurso deva apreciar um despacho de pronúncia ou não pronúncia se o mesmo for omisso quanto à narração dos factos indiciários. E, se nenhum facto resulta provado o Juiz deve dizê-lo expressamente. Dispõe o art. 308°, nº 2, do CPP que é correspondentemente aplicável ao despacho de pronúncia (ou de não pronúncia) o disposto no art. 283.º, n.ºs 2, 3 e 4 do mesmo código, ou seja, para o que ao caso interessa, a necessidade de narração ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena. Poder-se-ia argumentar que tal imposição apenas respeitaria ao despacho de pronúncia e não ao de não pronúncia já que, colocados os artigos em similitude, não existe para o despacho de arquivamento a exigência semelhante ao de acusação. Duas ordens de razões levam-nos a concluir o contrário. Em primeiro lugar, o art.308.º, n.º 2, do CPP não distingue. Diz, apenas, que "é correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior", sendo certo que o despacho referido no número anterior é tanto o de pronúncia como o de não pronúncia. E, "ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus". Em segundo lugar há uma razão de orgânica judiciária. Do despacho de arquivamento (proferido pelo Mº Pº), se não tiver sido requerida a instrução, pode-se reclamar, nos termos do art.278° do CPP, para o superior hierárquico competente o qual se pode substituir ao magistrado de grau hierárquico inferior, nomeadamente avocando o processo (art.79º n°4 do Estatuto do Ministério Público), o que não implica a necessidade estrita de descrição de factos que podem e devem ser superiormente compulsados. O mesmo não se passa com o despacho de não pronúncia. Deste despacho pode-se recorrer e o Tribunal superior ao apreciar o recurso não se substitui ao Tribunal "a quo", ou seja, não pode aquele proferir um despacho de pronúncia ou de não pronúncia. Apenas pode, em face dos elementos constantes da decisão instrutória, (o recurso não é do conjunto processual é de uma decisão específica) decidir se o Tribunal recorrido deve ou não modificar o seu despacho.

Para tanto tem a decisão recorrida de fornecer ao Tribunal "ad quem" todos os elementos fácticos que lhe permitam apreciar o recurso. Daí que o art. 308°, nº2, não tenha e bem feito distinção entre um ou outro dos despachos impondo a ambos as mesmas exigências de narração factual...".

Assim se entendendo, pela verificação de nulidade (artºs. 308º-2 e 283-3, do C.P.P.) do despacho de não pronúncia, nos termos acabados de expor, damos provimento ao recurso.

O conhecimento desta nulidade obsta ao das restantes questões colocadas," (destaques nossos) - cfr. Documento n.º 1,

16. E proferido, consequentemente, a seguinte decisão:

"Termos em que acordam os Juízes que compõem a 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:

- dar provimento ao recurso interposto pela assistente, e, consequentemente revogamos o despacho de não pronúncia, o qual devera ser substituído por outro que supra a omissão consistente na falta da enumeração dos factos indiciados e dos não indiciados ainda que por referência ao requerimento instrutório" (destaques nossos) - cfr. Documento n.º 1.

17. Pelo exposto, desde já se conclui de forma evidente que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, fixaram, manifestamente e de modo expresso, soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito.

C) DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DE RECORRIBILIDADE

18. Dispõe o artigo 437.º nos seguintes termos, acerca dos pressupostos do recurso de uniformização de jurisprudência:

"1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça,

3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 - O recurso previsto nos nºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público."

19. Assim, importa ilustrar o preenchimento, pelo caso sub judice, dos requisitos presentes na disposição citada.

20. Em primeiro lugar, cumpre reiterar que quer o acórdão fundamento (datado de 08/02/2018) quer o acórdão recorrido (datado de 13/11/2019) já transitaram em julgado (artigo 437.º n.ºs 1, 2 e 4 do CPP).

21. Quanto ao Acórdão-fundamento, tal resultou de informações que foram obtidas peia Recorrente junto das Secretarias Judiciais das 3.ª e 9ª Secções Criminais do Tribunal da Relação de Lisboa, podendo o mesmo ser comprovado através da emissão de certidão prevista no artigo 440.º n.º 2 do CPP, caso este douto Tribunal assim entenda determinar.

22. Quanto ao acórdão recorrido, tenha-se em conta que a Assistente foi notificada do mesmo por ofício expedido eletronicamente, através da plataforma CITIUS, em 15/11/2019, o qual, nos termos do artigo 113.º n.º 12 do CPP, se presumiu notificado em 28/5/2019.

23. Não sendo admissível recurso ordinário do Acórdão recorrido, o seu trânsito em julgado estava condicionado somente pelo exercício da faculdade genérica de reclamação, prevista nos artigos 379.º e 380.º, aplicáveis ex vido artigo 425.º n.º 4, todos do CPP, no prazo geral de 10 dias, conforme previsto no artigo 105.º n.º 1 do mesmo código.

24. Esse prazo terminou no dia 28/11/2019, sem que tivesse havido reclamação alguma - pelo que, nessa data, ocorreu o trânsito em julgado da decisão ora recorrida, tendo início o prazo de 30 dias para interposição do presente recurso extraordinário, nos termos do artigo 438.º n.º 3 do CPP.

25. A esse respeito, mais se requer, ao abrigo do disposto no artigo 439.º n.ºs 1 e 2 do CPP que seja oficiada a Secretaria Judiciai competente, tendo em vista a emissão de certidão da prolação do acórdão recorrido que ateste o seu trânsito em julgado.

26. Em segundo lugar, existe uma notória identidade das situações de facto e respectivo enquadramento jurídico subjacente aos acórdãos recorrido e fundamento, pois vejamos nomeadamente o seguinte:

i) ambos os acórdãos foram proferidos em sede de recurso de apelação interposto pela Assistente nos respectivos autos sobre a correspondente decisão instrutória de não pronúncia de 1ª instância;

ii) quer o acórdão recorrido quer o acórdão fundamento tiveram como objecto correspondente ao recurso de apelação que foram chamados a apreciar e a decidir a omissão em despacho de não pronúncia da matéria.de facto dada como indiciada / provada e não indiciada;

iii) ambos os acórdãos concluíram pela omissão nas respectivas decisões instrutórias de não pronúncia sob apreciação da descrição dos factos indiciados e não indiciados, e, consequentemente, pela falta de fundamentação factual dessas decisões que lhes é legalmente exigível e,

iv) ambos os acórdãos apreciaram a cominação legal que deverá ser aplicável ao apontado vício de omissão de pronúncia quanto à descrição de factos indiciados e não indiciados nas respectivas decisões instrutórias de não pronúncia (ainda que tenham chegado a diversas soluções).

27. Em terceiro lugar, 1) ambos os acórdãos foram proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa; 2) ambos os acórdãos não admitem recurso ordinário, tendo quer o acórdão recorrido quer o acórdão fundamento transitado em julgado conforme acima explanado; 3) ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, não tendo existido, durante o diminuto intervalo da sua prolação, modificação legislativa que tenha interferido na resolução da questão de direito controvertida apreciada em ambos e, 4) a orientação perfilhada no acórdão recorrido, proferido em último lugar, não encontra sustento em jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. artigo 437.° do CPP.

28. Em quarto e último lugar, e conforme já se adiantou supra, ambos os acórdãos incidiram e apreciaram a mesma questão fundamental de direito, a saber: a cominação com nulidade insanável de decisão instrutória de não pronúncia que omita o elenco dos factos provados / indiciados e não provados / não indiciados, nos termos do disposto nos artigos 283.° n.º 3 alínea b) e 308.° n.º 2 do CPP.

29. E realizando-se o devido confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto à questão fundamental de direito acima mencionada, vislumbra-se que:

1) o acórdão recorrido decidiu expressamente que à decisão instrutória de não pronúncia com aquele vício de falta de fundamentação factual acima melhor descrito não se aplicam os artigos 283.° n.° 3 alínea b) e 308,° n.º 2 do CPP, nunca podendo estar sub judice uma nulidade insanável, mas tão só uma nulidade sanável dessa decisão instrutória de não pronúncia, dependente de arguição, no prazo legal, junto do tribunal recorrido, ao abrigo e nos termos do artigo 120.° do CPP;

2) o acórdão fundamento decidiu expressamente que à decisão instrutória de não pronúncia com o mesmo vício se aplicam os artigos 283.° n.º 3 alínea b) e 308.° nº 2 do CPP, culminando, consequentemente, na nulidade insanável da decisão instrutória de não pronúncia que omita a indicação dos factos dados como indiciados / provados e não indiciados.

30. Donde resulta claramente que, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, assentaram, manifestamente e de modo expresso, em soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito, ao abrigo do mesmo regime jurídico.

Nestes termos, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem admitir o presente recurso de uniformização de jurisprudência, procedendo à legal tramitação subsequente, nos termos e para os efeitos dos artigos 437.° e segs. do CPP.

2. O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Lisboa emitiu Parecer, no sentido do deferimento do recurso, nos seguintes termos: (transcrição)

«Notificado no processo em epígrafe nos termos do disposto no artigo 439.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o Magistrado do Ministério Público vem dizer o seguinte quanto ao requerimento de fls. 3 e sgs:

O regime legal da fixação de jurisprudência pressupõe a existência de duas decisões de dois tribunais superiores que no âmbito de uma mesma questão de direito assentem em soluções opostas, tiradas no domínio da mesma legislação. Tal resulta do teor da norma do artigo 437.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Parece-nos que no caso dos autos essa hipótese abstractamente prevista ocorre efectivamente, parecendo-nos pois assistir razão ao Exmo. Advogado da recorrente Impactmelody, Lda.

Com efeito, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.02.2018, da 9.ª secção criminal, o acórdão fundamento, versa e decidiu matéria jurídica substantivamente coincidente da que versou o douto acórdão exarado em 13.11.2019, acórdão recorrido, pelo que é de concluir trata-se da mesma questão de direito para os efeitos previstos na citada norma do artigo 437.º, n.°1.

No caso daquele processo da 9.ª secção, o Tribunal da Relação seguiu o entendimento jurídico de, em despacho de não pronúncia, considerar verificada a nulidade do que considerou, por aplicação das normas dos artigos 283.º-2 e 308.º-3 do C. P. P., a "omissão consistente na falta de enumeração dos factos indiciados e dos não indiciados ainda que por referência ao requerimento instrutório".

No caso vertente desta 3.ª secção deste mesmo Tribunal da Relação, o acórdão nestes autos proferido por via de recurso que ora se pretende por em confronto com aqueloutro pronunciou-se em sentido diverso, ou seja, considerou que "à decisão instrutória de não pronúncia não se aplica a nulidade prevista no artigo 283.°, n.º 3, al. b) do cód. de proc. penal, dado que a previsão normativa em causa, reporta-se à acusação e à pronúncia, esta por força do disposto no artigo 308.°, n.º 2 do cód. proc. Penal e não sobre o despacho de não pronúncia".

Pelo exposto sugere-se o deferimento de tal pretensão por se revelar enquadrável na lei (artigo 437.º, n.º 1 do Código de Processo Penal)»

3. O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu Parecer, no sentido de que estão verificados os requisitos formais e substanciais para que o recurso extraordinário deva prosseguir, nos seguintes termos: (transcrição)

«a. A assistente IMPACTMELODY, Lda., veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.11.2019, proferido nos autos de Recurso Penal n.º 2511/18.2T9LSB.L1 – doravante, Acórdão Recorrido –, alegando que nele se apreciou e decidiu uma questão de direito cuja pronúncia está em oposição com a do Acórdão de 8.2.2018 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Proc. n.º 5278/14.0TDLSB.L1-9 – doravante, Acórdão-Fundamento –, publicado in www.dgsi.pt.

Questão essa a de saber se, não constando de decisão instrutória de não pronúncia fundada na insuficiente indiciação da verificação de crime e, ou, de quem foi o seu agente, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência indiciária, padece tal despacho:

─ De nulidade dependente da arguição, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 308º n.os 1 e 2, 283º n.º 3 al.ª b), 118º n.º 1 e 120º n.º 1, todos do CPP, por isso que ficando tal vício sanado se não invocado, atempadamente, perante o tribunal que proferiu o acto;

Ou, DIVERSAMENTE,

─ De nulidade insanável, nos termos dos art.os 308º n.os 1 e 2, 283º n.º 3 al.ª b) e 119º, todos do CPP, por isso que não dependente de arguição e cognoscível, inclusivamente ex officio, directamente em recurso.

Questão a que o Acórdão Recorrido respondeu nos termos da primeira proposição, por isso que, em caso de despacho de não pronúncia do Juiz 6 do Juízo de Instrução Criminal de ... proferido em instrução requerida pela Recorrente sobre despacho do Ministério Público que arquivara relativamente a crimes de participação económica em negócio do art.º 377º n.os 1, 2 e 3 do CP e de abuso de poder do art.º 382º do CP, considerou a nulidade de «omissão de pronúncia» quanto aos mencionados factos sanada por não arguida perante a 1ª instância, julgando, por esse motivo e porque, de qualquer modo, a decisão esteve devidamente fundamentada, o recurso da Assistente improcedente.

E questão a que o Acórdão-Fundamento respondeu nos termos da segunda, por isso que, em caso de similar falta de fundamentação fáctica de despacho de não pronúncia, decidiu pela verificação da nulidade insanável e, julgando consequentemente inválido o acto recorrido, revogou-o e mandou repará-lo e substituí-lo por outro que «supr[isse] a omissão consistente na falta da enumeração dos factos indiciados e dos não indiciados ainda que por referência ao requerimento instrutório».

b. Em douta contra motivação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa considerou verificarem-se os pressupostos formais e substanciais de admissibilidade do recurso extraordinário.

Daí que se tenha pronunciado pelo recebimento e seguimento do recurso.

B. Dos pressupostos formais e substanciais – admissibilidade e seguimento do recurso.

c. Como se dá nota na promoção de 5.5.2020, o Acórdão Recorrido transitou em julgado em 28.11.2019.

O recurso foi interposto em 13.1.2020 – no 31º dia posterior, portanto –, tendo a Recorrente pago a multa prevista nos art.os 107º n.º 5 e 107º-A al.ª a) do CPP.

O recurso é, assim, tempestivo.

A mais disso:

O Acórdão Recorrido é (extraordinariamente) recorrível e o recurso é próprio. O efeito é não suspensivo e a subida é imediata e em separado.

A Recorrente tem legitimidade e interesse.

A instrução do recurso satisfaz o exigido nos arts 438 e 439º do CPP.

Nada obsta, assim, à admissão do recurso do ponto de vista da forma.

d. No entendimento sedimentado deste Supremo Tribunal, a oposição de julgados – art.º 437º do CPP – verifica-se quando:

─ Os dois acórdãos em conflito, do Supremo Tribunal de Justiça e, ou, do Tribunal da Relação, se refiram à mesma questão de direito;

─ Os dois acórdãos em conflito sejam proferidos no âmbito da mesma legislação;

─ Haja entre os dois acórdãos em conflito "soluções opostas" ou "patentemente divergentes";

─ A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas;

─ As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos;

─ A vexata quaestio não tenha sido objecto de anterior fixação de jurisprudência.

Os acórdãos em confronto, ambos do Tribunal da Relação do Lisboa, ambos transitados, respondem a todos os critérios enunciados, sendo manifesta a sua oposição nos termos previstos no art.º 437º do CPP, como realçado em a. supra.

Nada obsta, por isso, à admissão e seguimento do recurso do ponto da vista da substância.

C. Conclusão-parecer.

e. Razões por que, verificados os requisitos formais e substanciais respectivos, é o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça de parecer que o recurso extraordinário deve prosseguir (arts 440º e 441º do CPP).

3. Com dispensa de Vistos, foram os autos à Conferência.


***


II. FUNDAMENTAÇÃO

A matéria de facto relevante para a decisão do presente recurso é a seguinte:

1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/11/2019, proferido no processo nº 2511/18.2T9LSB.L1 que correu termos junto do Juiz …. do Juízo de instrução Criminal ..., decidiu que não constando de decisão instrutória de não pronúncia fundada na insuficiente indiciação da verificação de crime e, ou, de quem foi o seu agente, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência indiciária, padece tal despacho, de nulidade dependente da arguição, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 308º, nºs 1 e 2, 283º n.º 3 al.ª b), 118º n.º 1 e 120º n.º 1, todos do CPP, por isso que ficando tal vício sanado se não invocado, atempadamente, perante o tribunal que proferiu o ato.

2. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 8.2.2018 no processo n.º 5278/14.0TDLSB.L1-9 – acórdão fundamento - decidiu que não constando de decisão instrutória de não pronúncia fundada na insuficiente indiciação da verificação de crime e, ou, de quem foi o seu agente, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência indiciária, enferma de nulidade insanável, nos termos dos arts.308º nºs 1 e 2, 283º n.º 3 al.ª b) e 119º, todos do CPP, por isso que não dependente de arguição e cognoscível, inclusivamente ex officio, diretamente em recurso.


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II. O DIREITO

O art. 437º, do CPP, sob a epígrafe Fundamento do Recurso”, consagra o seguinte:

«1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar».

«2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.”

Relativamente à interposição, o art. 438.º do mesmo Código estabelece:

1 – O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 – No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. 

3 - …”.

Como tem sido entendimento deste Supremo Tribunal, «Destes preceitos extrai-se, tal como vem afirmando insistente e uniformemente a jurisprudência[1], que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de um conjunto de pressupostos - uns de natureza formal e outros de natureza substancial.

São de natureza formal:

- A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido; 

- A identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento) e, se este estiver publicado, o lugar da publicação;

- O trânsito em julgado de ambos os acórdãos;

- A justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência; e

- A legitimidade do recorrente, restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis.

Constituem pressupostos de ordem substancial:

- A verificação de identidade da legislação à sombra da qual os acórdãos foram proferidos;

- As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar “soluções opostas” para a mesma questão fundamental de direito;

- A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas; e

- Haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, pois só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas.


No caso subjudice a recorrente veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de novembro de 2019, proferido no processo nº 2511/18.2T9LSB.L1 que correu termos junto do Juiz 6 do Juízo de instrução Criminal de ..., e que decidiu que não constando de decisão instrutória de não pronúncia fundada na insuficiente indiciação da verificação de crime e, ou, de quem foi o seu agente, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência indiciária, padece tal despacho, de nulidade dependente da arguição, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 308º, nºs 1 e 2, 283º n.º 3 al.ª b), 118º n.º 1 e 120º n.º 1, todos do CPP, por isso que ficando tal vício sanado se não invocado, atempadamente, perante o tribunal que proferiu o ato, alegando que está em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, da 9ª Secção Criminal, datado de 08 de fevereiro de 2018 e proferido no âmbito do processo n.º 5278/14.0TDLSB.L1-9, sendo este o apresentado como acórdão fundamento, que decidiu que constando de decisão instrutória de não pronúncia fundada na insuficiente indiciação da verificação de crime e, ou, de quem foi o seu agente, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência indiciária, enferma de nulidade insanável, nos termos dos arts.308º nºs 1 e 2, 283º n.º 3 al.ª b) e 119º, todos do CPP, por isso que não dependente de arguição e cognoscível, inclusivamente ex officio, diretamente em recurso.

O presente recurso foi interposto em tempo, pela assistente que tem legitimidade, para o efeito. (art. 446º nº 1 e 2 do CPP).

A recorrente justificou a oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que, no seu entender, motiva o conflito de jurisprudência.

Assim sendo, mostram-se preenchidos os pressupostos de natureza formal de admissibilidade do recurso.

Relativamente aos pressupostos de ordem substancial, os mesmos também se verificam.

Com efeito, os dois acórdãos em causa, ambos do Tribunal da Relação do Lisboa, e ambos transitados, referem-se à mesma questão de direito, foram proferidos no âmbito da mesma legislação, e entre eles há "soluções opostas"; a questão decidida em termos contraditórios foi objeto de decisão expressa em ambos os acórdãos, e referem-se a situações de facto e respetivo enquadramento jurídico foram, em ambas as decisões, idênticos. A questão suscitada, não foi objeto de anterior fixação de jurisprudência.

Do exposto se conclui que os acórdãos em confronto, ambos do Tribunal da Relação do Lisboa, ambos transitados, respondem a todos os critérios enunciados, sendo manifesta a sua oposição nos termos previstos no art.º 437º do CPP, nada obstando à admissão e seguimento do recurso do ponto da vista da substância.

Neste sentido, uma vez que se verificam todos os requisitos formais e substanciais respetivos, o recurso extraordinário deve prosseguir (arts. 440º e 441º do CPP).


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III. DECISÃO:

Termos em que acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar verificada a oposição de julgados entre o acórdão recorrido, proferido no processo n.º 2511/18.2T9LSB.L1, em 13 de novembro de 2019, pelo Tribunal da Relação de Lisboa e o acórdão apresentado como fundamento, proferido pelo mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, em 8 de fevereiro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 5278/14.0TDLSB.L1-9, ordenando-se o prosseguimento do recurso, nos termos do artigo 441.º do CPP.

Sem tributação.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


Lisboa, 24 de junho de 2021


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves

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[1] Cfr. AC do STJ 12/12/18 no processo nº 906/14.0PFLRS-A.L1-A.S1, Relator Fernando Samões, e jurisprudência ali citada, «Nomeadamente, os acórdãos do STJ de 9/10/2013, no processo 272/03.9TASX, e de 20/11/2013, no processo 432/06.0JDLSB-Q.S1, da 3.ª Secção; de 13/7/2009, no processo 1381/04.2TAOER.L1-B.S1 e de 22/9/2016, no processo 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1, da 5.ª Secção; de 20/12/2017, no processo n.º 125/15.8T9PFR.P1-A.S3, de 21/6/2017, no processo n.º 2644/09.6TABRG.G1-B.S1 e de 22/3/2017, no processo n.º 6275/08.0TDLSB.L3-B.S1, estes também da 3.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt.