I - No acórdão recorrido entendeu-se que na decisão de não transcrição da condenação nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do art. 10º da Lei 37/2015, de 5/5, a lei é mais exigente do que na decisão de suspensão da execução da pena de prisão e que, portanto, do simples facto de o requerente ter sido condenado em pena de prisão, suspensa na sua execução, não decorre imediatamente que esteja verificado o requisito enunciado no art. 13º, nº 1 de tal diploma: “e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.
II - No acórdão fundamento não se justifica o juízo de prognose imposto no n.º 1 do art. 13º da Lei 37/2015, de 5/5 apenas com aqueloutro já efectuado em sede de acórdão condenatório, para a suspensão da execução da pena: houve, neste acórdão, o cuidado de acentuar, um conjunto de circunstâncias (ausência de antecedentes criminais; gravidade média da ilicitude; atitude controladora da assistente, mas temperada, após a separação, com o desgosto e impacto psicológico adveniente da situação e com o conflito latente existente no processo de jurisdição de família e menores; inserção familiar, social e profissional), justificativas daquele juízo de prognose.
III - Isto é: a conclusão de que, in casu, o arguido reunia as condições para lhe ser deferida a pretensão de não transcrição da sua condenação nos CRC assentou na resenha de todo um circunstancialismo enunciado na decisão condenatória e reproduzido no acórdão fundamento e não apenas no simples facto de a pena de prisão ter sido suspensa na sua execução.
IV - Inexiste, pois, oposição expressa de soluções sobre a mesma questão de direito, razão pela qual recurso é rejeitado.
I. AA, com os demais sinais dos autos, foi condenada no Tribunal da Relação De Guimarães, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º do DL 15/93, de 22/1, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova.
Requereu, no Juízo central criminal …., J…., a não transcrição dessa condenação no seu certificado de registo criminal, para efeitos profissionais, pretensão que lhe foi indeferida por despacho proferido em 10 de Dezembro de 2020.
Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 22 de Março de 2021, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Mais uma vez inconformada, a arguida interpôs o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, sustentando que a interpretação do artº 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, efectuada no acórdão recorrido se encontra em oposição à assumida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.11.2020, processo n.º 181/17.4GBAMT-A.P1 e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):
«1 - Vem a recorrente AA apresentar um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência entre o acórdão proferido no Proc. n.º 41/17.9GCBRG-J.G1 e o acórdão n.º 181/17.4GBAMT-A.P1, datado de 18.11.2020 publicado em www.dgsi.pt.
2 - Ambos os acórdãos transitaram em julgado e é aquele acórdão fundamento (181/17.4GBAMT-A.P1) que ora se elege para efeitos de fixação de jurisprudência.
3 - Existe OPOSIÇÃO DE JULGADOS uma vez que o Tribunal da Relação …. discorda da interpretação e aplicação proferida no Acórdão que se indica como fundamento, sendo que o próprio Tribunal da Relação reconhece e admite que tal acórdão diz expressamente o contrário ao que acaba de ser decidido.
4 - Mais referiu o Tribunal da Relação de Guimarães que a jurisprudência maioritária é a tese do acórdão ora recorrido.
5 - Para que não restem quaisquer dúvidas sobre os entendimentos opostos da matéria fáctica em análise:
“Em defesa da sua tese, a recorrente [AA] invoca o acórdão RP de 18.11.2020, processo n.º 181/17.4GBAMT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: I. A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de “pena não privativa da liberdade” referido no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, para o efeito de eventual não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal solicitados para fins profissionais; II – A suspensão da execução da pena de prisão já se encarrega de afirmar que as circunstâncias que envolvem a prática do crime em questão não induzem o perigo de prática de novos crimes, ou, pelo menos, revelam que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça da prisão é suficiente para que o condenado não cometa novos crimes;”
Pese embora o referido aresto possa conduzir, em parte, à ideia, defendida pela recorrente, a verdade é que este entendimento não corresponde ao sentido corrente da jurisprudência.”
6 - Quando um arguido é condenado em pena de prisão, suspensa na sua execução, resulta da existência inequívoca de um juízo prognose favorável do não cometimento de crimes e que a suspensão será suficiente (nesse juízo de prognose favorável) para que se acredite que o arguido não volte a cometer crimes. Nessa suspensão da execução da pena aplicada foram ponderadas todas as circunstâncias do cometimento do crime bem como os factores exteriores e interiores ao mesmo, e ao juízo de prognose para ser aplicada a suspensão.
7 - É certo e sabido que, se foi aplicada uma suspensão de execução da pena de prisão, isso significa que o Tribunal acreditou que o arguido/condenado não vai cometer crimes.
Isto é um elemento inegável!
8 - Sucede que, no acórdão ora recorrido, entendeu-se que, afinal, esse juízo de prognose favorável que foi efectuado para a aplicação de uma pena suspensa é um juízo de prognose totalmente diferente daquele que se faz para a não transcrição da condenação do Certificado de Registo Criminal.
9 - O Tribunal da Relação entendeu que, pese embora a pena suspensa tenha como elemento principal o juízo de prognose favorável do não cometimento de crimes, o que é certo é que para os efeitos do previsto no art.º 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015 concluiu que o juízo efectuado para aplicação da suspensão da pena não é o mesmo juízo de prognose, e que não o sendo, no caso da arguida AA já existe “pois, o perigo da prática de novos crimes.”
10 - A divergência evidente em ambos os acórdãos está colocada na expressão, interpretação e aplicação do trecho: “e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.
11 - Ou seja, o Tribunal da Relação de Guimarães rejeitou expressamente a interpretação efectuada no Acórdão n.º 181/17.4GBAMT-A.P1, datado de 18.11.2020 do Tribunal da Relação do Porto, disponível em www.dgsi.pt.
12 - Nesse acórdão ficou concluído, numa mesma exacta situação (pena suspensa na sua execução com regime de prova) o seguinte:
“A suspensão da execução da pena de prisão já se encarrega de afirmar que as circunstâncias que envolvem a prática do crime em questão não induzem o perigo de prática de novos crimes, ou, pelo menos, revelam que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça da prisão é suficiente para que o condenado não cometa novos crimes;”
13 - O tema em discussão em ambos os processos resulta de uma mesmíssima questão: a não transcrição da condenação no Certificado de Registo Criminal nos termos do preceituado no art.º 13.º n.º 1 da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio resultante de um pedido de não transcrição requerido pelo condenado quando condenado em pena não privativa da Liberdade.
14 - Entre um acórdão e o outro são claramente evidentes as discrepâncias sobre o entendimento, interpretação e aplicação daquilo que é o juízo de prognose favorável para aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução e no juízo daí decorrente, do perigo de não cometimento de novos crimes.
15 - Enquanto no acórdão fundamento se decidiu que a pena de prisão, suspensa na sua execução “já se encarrega de afirmar que as circunstâncias que envolveram o crime não induz em perigo da prática de novos crimes, ou pelo menos que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça de prisão é suficiente para que o arguido não volte a infringir e paute a sua vida em conformidade com o ordenamento jurídico”, no acórdão recorrido decidiu-se que o facto de ter sido condenada em pena de prisão suspensa na sua execução” no acórdão ora recorrido [41/17…..] decidiu-se discordar categoricamente da interpretação do acórdão fundamento, tendo-se dito de forma expressa que a Lei n.º 37/2015 é mais exigente na análise e decisão do pedido de não transcrição da condenação, considerando-se ser muito menos exigente o critério de aplicação de pena suspensa na sua execução, ainda que se tenha efectuado um juízo de prognose favorável para a suspensão, agora faz-se um juízo de prognose desfavorável para efeitos de não transcrição.
16 - A oposição entre os acórdãos é manifesta.
17 - A questão a decidir resume-se ao seguinte:
Existindo uma condenação em pena não privativa da liberdade, em que na sua aplicação se consideraram todas as circunstâncias que envolveram o crime e tendo sido efectuado um juízo de prognose favorável do não cometimento de crimes, pode-se (ou não), em caso de pedido de não transcrição da condenação no C.R.C. divergir-se daquele juízo de prognose favorável efectuado (e transitado em julgado) sem que nenhum acontecimento negativo “em desfavor” do condenado tenha surgido/ocorrido?
18 - Deve ser fixada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, nomeadamente no sentido de que, tendo sido efetuado no acórdão de condenação um juízo de prognose favorável do não cometimento de crimes para aplicação de uma pena de prisão suspensão na sua execução, caso seja requerida a não transcrição da condenação no CRC, e desde que, não tenha ocorrido nenhum comportamento negativo do arguido condenado no sentido de se ter alterado o juízo de prognose anteriormente efectuado, está preenchido o requisito do juízo de prognose favorável a que faz referência o n.º 1 do art.º 13.º da Lei n.º 37/2015, considerando-se que esse juízo de prognose já foi efectuado no acórdão de condenação.
19 - Deve, assim, o Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência interposto pela condenada AA ser admitido, com as demais consequências legais».
Respondeu a Exmª magistrada do Ministério Público, pugnando pela rejeição do recurso, porquanto interposto antes do trânsito em julgado do acórdão recorrido:
«(..) 2º. De acordo com a certidão constante nos autos conclui-se que os sujeitos processuais foram notificados do teor deste douto acórdão em 23 de Março de 2021, sendo certo que tratando-se de um incidente que corre por apenso e que diz respeito a arguida condenada em pena de prisão que foi declarada suspensa na sua execução, é um processo de natureza não urgente e logo o respectivo prazo do trânsito suspende-se em férias, daí que o trânsito em julgado do douto acórdão proferido por este Venerando Tribunal tenha ocorrido apenas em 14 de Abril de 2021.
3.º Nos termos do art.º 438.º, n.º 1 do C.P.P. «O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar».
4.º Conforme se pode constatar o requerimento de interposição de interposição de recurso deu entrada em 12 de Abril de 2021, isto é, antes de ter transitado o douto acórdão proferido por este Tribunal da Relação …., o que equivale a dizer que foi interposto em violação do preceituado no artigo supra transcrito, daí que se considere que por não se encontrar reunido o pressuposto da tempestividade para o mesmo ser admitido, só resta defender a sua rejeição.
5.º Atendendo a que o recurso suscitado, num processo apenso ao processo principal e em que está em causa um pedido efectuado por arguida condenada em pena de prisão cuja execução foi declarada suspensa na sua execução, pedido esse que não tem carácter de urgência, daí que o decurso da contagem dos prazos se suspendam em férias, conclui-se que o recurso interposto pela arguida AA por ter sido interposto antes do trânsito em julgado da decisão proferida no processo que correu termos neste Tribunal da Relação ……, por não preencher todos os requisitos para que seja decretada a sua admissibilidade, deve, por isso, ser rejeitado».
II. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, subscrevendo a argumentação constante da resposta oferecida pelo Ministério Público no Tribunal da Relação de Guimarães emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso, por intempestividade do mesmo.
III. A recorrente respondeu a convite que, entretanto, lhe foi formulado e apresentou as conclusões supra transcritas. No mesmo requerimento, pronunciando-se sobre a resposta da Exmª magistrada do MP no TRG, defendeu a tempestividade deste recurso, nos seguintes termos:
«2. Resulta de Lei e da Jurisprudência, nomeadamente do disposto no art.º 103.º do Código Processo Penal que, se um processo tiver um arguido preso, os prazos processuais aplicam-se a todos os arguidos, contando-se sempre os prazos como processo urgente e que corre em férias para todos os arguidos!
3 - Não há prazos “mistos” em que para uns se suspende em férias e para outros não se suspende.
4 - A jurisprudência é unânime nesta matéria».
IV. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Dispõe-se no artº 437º, nº 1 do CPP:
“Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente â mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar”.
E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “é também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário (…)”.
Estatui-se, por outro lado, no artº 438º, nº 1 do mesmo diploma legal que “o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”.
Como esclarecidamente se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/12/2018, Proc. 5668/11.0TDLSB.E1.C1-A.S1, 3ª sec., “I - O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência pressupõe, em face da disciplina consagrada nos arts. 437.º e 438.º do CPP, a verificação de pressupostos, de índole formal e substancial, assunto sobre o qual a jurisprudência do STJ se tem debruçado com frequência. II - Constituem pressupostos, de índole formal: -a interposição no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); -a identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição; -indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão fundamento; -o trânsito em julgado dos dois arestos (aresto recorrido e aresto fundamento); - a indicação de apenas um aresto fundamento. Como pressupostos, de índole substancial: - dois acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação; - que incidam sobre a mesma questão de direito; - e assentem em soluções opostas”.
Vejamos, desde logo, se estava transitado em julgado o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, para o que interessa ter presente o seguinte:
1. Nestes autos, a arguida foi julgada e condenada, no Juízo central criminal ….., J….., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
2. Na procedência parcial do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 23 de Março de 2020 viria a ser absolvida da prática daquele crime e condenada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º do DL 15/93, de 22/1, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
3. À ordem desse processo encontravam-se preventivamente presos alguns arguidos, sendo certo que vários foram condenados a penas efectivas de prisão.
4. O dito acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães mostra-se transitado em julgado em 6 de Maio de 2020.
5. Por despacho proferido em 10 de Dezembro de 2020 a Mª juíza titular dos autos indeferiu a requerida não transcrição da condenação da recorrente nos certificados de registo criminal.
6. Em 21 de Dezembro de 2020 a arguida AA interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, recurso admitido por douto despacho proferido em 28 de Dezembro de 2020, o qual subiu em separado.
7. Por acórdão proferido em 22 de Março de 2021 foi negado provimento ao recurso.
8. E a arguida, notificada desse acórdão em 26 de Março de 2021 (a notificação foi expedida em 23 do mesmo mês), interpôs o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência em 12 de Abril de 2021.
Posto isto:
Nos termos do disposto no artº 104º, nº 2 do CPP, “correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os atos referidos nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo anterior”, isto é, “os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas” (artº 103º, nº 2, al. a) do CPP), os atos relativos a processos em que intervenham arguidos menores, ainda que não haja arguidos presos (nº 2, al. b), idem) e “os atos de inquérito e de instrução, bem como os debates instrutórios e audiências relativamente aos quais for reconhecida, por despacho de quem a elas presidir, vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas limitações” (nº 2, al. c) idem).
Como se assinala no Ac. Trib. Constitucional nº 47/95, o Supremo Tribunal de Justiça tem seguido, de forma reiterada e unânime, o entendimento de que estes preceitos abrangem “não apenas os actos dos arguidos presos, mas, de igual modo, os actos de todos os intervenientes nesses processos (co-arguidos não presos, Ministério Público e assistente), incluindo os actos do tribunal e da secretaria, pois a expressão «actos processuais» todos abarca [cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1988, 13 de Janeiro de 1989, 9 de Fevereiro de 1989 e 19 de Abril de 1989, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 382 (1989), pp. 450 e segs., n.º 383 (1989), pp. 476 e segs., n.º 394 (1989), pp. 544 e segs., e na Colectânea de Jurisprudência, ano XIV (1989), tomo II, pp. 12 e segs., respectivamente. Cfr., ainda, José Gonçalves da Costa, «Recursos», in Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, Almedina, 1988, p. 430]”.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, não vemos razões para que este entendimento ceda quando o acto é praticado num apenso (porque assim o determina a lei processual penal) e não no processo principal: a celeridade legalmente exigida ao processo (a todo o processo) estende-se naturalmente aos actos de todos os intervenientes processuais (máxime, de co-arguidos não presos), ainda que, por imperativo legal, devam ser tramitados num apenso, como sucedeu no que diz respeito ao recurso interposto do despacho que negou a não transcrição da condenação da requerente nos CRC.
De outro lado, é verdade que, como se refere no Ac. STJ de 28/08/2018, Proc. 108/10.4PEPRT-G. S1, o interesse na celeridade processual que fundamenta o decurso, em férias judiciais, dos prazos relativos a processos com arguidos presos, “deixa de ser relevante quando já ocorreu o trânsito em julgado (relativamente a todos os arguidos) da decisão condenatória. Nestes casos, o interesse subjacente à exceção consagrada no art. 104.º, n.º 2, do CPP, deixa de existir. Aquela exigência de celeridade na tomada da decisão de modo a encurtar o mais possível o processo até que se obtenha uma decisão definitiva sobre a necessidade (ou não) de privação de liberdade já não existe; já foi decidido de forma definitiva a privação (ou não) da liberdade relativamente a todos os sujeitos processuais. Pelo que os incidentes processuais que, entretanto, venham a ocorrer relativamente a um arguido já seguirão a regra processual em matéria de contagem de prazos, consagrada no art. 104.º, n.º 1, do CPP — com a exceção de atos relativos à concessão da liberdade condicional, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas [cf. art. 103.º, n.º 2, al.s a) e e), do CPP]. Isto é, o legislador mais uma vez quis assegurar a celeridade na realização de qualquer ato processual que atrase ou alongue demasiado uma decisão sobre a cessação do direito à liberdade, assim determinando uma contagem diferente dos prazos”.
Porém, no caso em apreço, se é verdade que o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães transitou em julgado em 6 de Maio de 2020, a verdade é que os autos continuaram a ser tramitados como urgentes, isto é, com prática de actos em férias judiciais. Aliás e se bem repararmos, o despacho a admitir o recurso interposto da decisão que desatendeu a pretensão de não transcrição nos CRC’s da condenação da ora recorrente foi proferido em plenas férias judiciais, isto é, em 28 de Dezembro de 2020.
Ora, considerar neste momento que o prazo para arguição de nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não corre em férias, quando é certo que o próprio despacho que admitiu o recurso para esse Tribunal foi proferido, precisamente, em férias judiciais, fere o princípio da confiança e da segurança jurídica, colocando em causa o processo equitativo.
E porque assim é, entendemos que no caso concreto o prazo para arguir nulidades do acórdão correu em férias, razão pela qual este se mostra transitado em 5 de Abril de 2021. Interposto o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência no dia 12 do mesmo mês, há que concluir que o foi nos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido.
Aqui chegados, assente que acórdão recorrido e acórdão fundamento se mostram transitados, que o recurso foi interposto dentro do prazo de 30 dias subsequente ao trânsito em julgado do acórdão recorrido e sendo indiscutível que os dois acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, incidindo sobre a mesma questão de direito, cumpre verificar se assentam em soluções opostas.
A norma sobre cujo entendimento entende a recorrente haver oposição de julgados é a constante do nº 1 do artº 13º da Lei 37/2015, de 5/5:
“Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º”.
Mais concretamente, a oposição de julgados regista-se, na óptica da recorrente, na interpretação dada nos dois acórdãos indicados ao excerto dessa norma: “e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.
Vejamos, então, o que a esse propósito se refere nas duas decisões em apreço.
Escreve-se no acórdão recorrido:
“3.3- Como é sabido, em face do ordenamento jurídico-penal português na finalidade das penas encontra-se contemplada a socialização do condenado. O registo criminal não pode olvidar esse facto, devendo estabelecer o ponto de equilíbrio ou a concordância prática entre esse objetivo e a defesa da sociedade, contribuindo para prevenir a reincidência.
O registo criminal, no que concerne ao acesso para fins profissionais ou administrativos, não visa compensar o condenado pela sua culpa, o que, de resto, a Constituição, não permitiria, na medida em que seria, segundo F. Dias[1], uma verdadeira «pena infamante» ou «degradante», cfr. artigo 25º, nº 2 da CRP. Como diz o referido Ilustre Professor[2] “… o acesso em causa fundamenta-se, tão-só, em razões de prevenção especial «negativa», quer dizer, numa pura ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas, deduzido da verificação de altas taxas de reincidência”[3]. Por isso, no âmbito referido, o registo criminal assume uma natureza análoga à da medida de segurança, estando o seu regime subordinado aos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade.
3.4- É no sobredito contexto que a questão suscitada pela recorrente relativa ao seu pedido de não transcrição da decisão condenatória que lhe foi imposta tem necessariamente de ser analisada.
A recorrente foi condenada pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do DL 15/93, de 22.01, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.
Os factos que conduziram à condenação da arguida são os que constam do respetivo acórdão, descritos nos pontos n.ºs 95 a 99 – que remetem expressamente para os nºs 84 als. h), ba), cb), ff), fs) e ft) e n.º 85 b) – nº 145 e n.º 147, dos quais resulta, em síntese, que:
- Durante cerca de três meses, a arguida AA, sob as ordens e direção do arguido BB, atuando em conjugação de esforços e intenções com este, vendeu cocaína e heroína a um número indeterminado não só de consumidores finais, como também de revendedores.
Encontrando-se devidamente concretizadas, pelo menos, trinta e uma dessas transações (a consumidores e revendedores); uma delas (descrita na al. ff) do ponto nº 84) envolvendo 50 pedras de cocaína.
- Vendia esta arguida o estupefaciente sobretudo no período noturno, passando as noites a vender, seis dias por semana, em dois locais distintos da cidade …… (junto ao parque de estacionamento, conhecido por “Z........ ou nas proximidades da sua residência).
- Embora recebesse como contrapartida cocaína para satisfazer o seu consumo (cf. parte final dos pontos n.ºs 95 e 147), era ela quem comunicava telefonicamente aos arguidos BB e CC a quantidade e qualidade dos produtos que pretendia que lhe entregassem e efetuava os respetivos pagamentos dos mesmos (ponto nº 96).
- Para além do que – como se descreve na al. cb) do ponto nº 84 – também ela própria comprava ao arguido BB “cocaína e, por vezes heroína, o que sucedeu, de entre outros, nos dias 23.07.2017, 12.08.2017 (neste dia, pelo menos por duas vezes distintas), 14.08.2017 (neste dia, pelo menos por duas vezes distintas), 15.08.2017, 16.08.2017 (neste dia, por duas vezes), 02.09.2017, 05.09.2017, 06.09.2017, 09.09.2017, 10.09.2017 (neste dia, pelo menos por duas vezes distintas), 13.09.2017, 14.09.2017, 16.09.2017, 18.09.2017, 19.09.2017, 21.09.2017, 22.09.2017 e 23.09.2017”.
O estupefaciente que necessitava para seu consumo era-lhe cedido em razão da sua colaboração com o arguido BB.
- No interior da sua residência foram encontrados dois vasos de plástico contendo, cada um, uma planta de canábis, já secas, com o peso líquido de 15,70 gramas (canábis folhas/sumidades).
O artigo 13º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05.05, tem a seguinte redação: “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nos 5 e 6 do artigo 10.º”
Em face da norma supra transcrita, relativamente a crimes menos graves perpetrados por pessoas singulares, sendo a gravidade definida pela gravidade da pena – pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade – podem os tribunais (sendo este um poder dever, ou seja, um poder vinculado) determinar, na sentença ou em despacho posterior, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nos 5 e 6 do citado diploma legal.
Assim, os pressupostos da não transcrição da sentença condenatória nos certificados para fins de emprego público ou privado, ou para exercício de determinada profissão ou atividade, são:
1 - Ausência de condenação anterior pela prática da mesma natureza;
2 - Condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade, sendo que no conceito legal de “pena não privativa da liberdade”, segundo jurisprudência fixada, inclui-se a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, cfr. AFJ nº 13/2016, proferido a propósito no n.º 1 do artigo 17.º da lei nº 57/98, de 18.08, na redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 114/2009, de 22.09, mas igualmente válido para a lei atualmente em vigor; e
3 - Das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
No caso vertente, está em causa a condenação pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade em pena de prisão suspensa pelo período de três anos, sendo que a recorrente não sofreu anteriormente qualquer condenação pela prática de crime da mesma natureza (a arguida sofreu uma condenação anterior pela prática de um crime de recetação p. e p. pelo artigo 231º, nº 1 do CP, em pena de multa).
Por isso, o cerne da questão em discussão nestes autos reside apenas em saber se está preenchido o pressuposto acima indicado em terceiro lugar, ou seja, se das circunstâncias que acompanharam o crime tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade perpetrado pela recorrente não se pode induzir perigo de prática de novos crimes.
Segundo a recorrente, não se verifica o perigo da prática de novos crimes, uma vez que a pena em que foi condenada foi suspensa na sua execução, sendo que, segundo refere, “…o juízo de prognose que a lei faz depender no n. º 1 do artigo 13º da Lei nº 37 /2015 de 5.05 ao dizer “não se puder induzir perigo de prática de novos crimes” é o mesmo juízo que o julgador já fez quando ponderou a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão”.
Em defesa da sua tese, a recorrente invoca o acórdão RP de 18.11.2020, processo nº 181/17.4GBAMT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se I – A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de “pena não privativa da liberdade” referido no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, para o efeito de eventual não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal solicitados para fins profissionais; II – A suspensão da execução da pena de prisão já se encarrega de afirmar que as circunstâncias que envolvem a prática do crime em questão não induzem o perigo de prática de novos crimes, ou, pelo menos, revelam que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça da prisão é suficiente para que o condenado não cometa novos crimes;”
Pese embora o referido aresto possa conduzir, em parte, à ideia, defendida pela recorrente, a verdade é que este entendimento não corresponde ao sentido corrente da jurisprudência.
Assim, vide, v.g., os seguintes arestos todos acessíveis em www.dgsi.pt:
1) Ac. RG de 17.03.2014, processo nº 1185/11.6TAVCT-D.G1, com o sumário seguinte:
I – O juízo de prognose favorável feito a propósito da aplicação da suspensão da execução da pena, não é coincidente com o requisito de “… das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”, exigido pela norma do art. 17 nº 1 da Lei 57/98 de 18-8 para a não transcrição da sentença nos certificados do registo criminal a que se referem os arts. 11 e 12 da referida lei.
II – Não deve ser decidida a não transcrição da sentença num caso em que o arguido foi condenado por crime de tráfico de menor gravidade, embora em pena de prisão suspensa na sua execução, tendo-se provado que durante determinado período vendeu, com regularidade quase diária, heroína e cocaína a vários indivíduos, fazendo dessa atividade modo de vida.
2) Ac. RP de 12.06.2019, processo nº 188/16.9JAAVR-D.P1, com o seguinte sumário:
“O juízo de prognose feito para a suspensão de execução da pena de prisão não é coincidente com o que deve ser formulado para a decisão de eventual transcrição da sentença; se assim fosse, nos casos de suspensão de execução da pena de prisão ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados do registo criminal.”
3) Ac. RP de 22.10.2014, processo nº 70/98.0TBPRD-A.P1, com o seguinte sumário:
I – O fornecimento da informação do registo criminal a particulares e à Administração funda-se em motivos de prevenção especial negativa, basando-se na eventual “perigosidade” do delinquente.
II – Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória no registo criminal o que releva é a pena de substituição aplicada.
4) Ac. RP de 13.01.2021, processo nº 316/16.4T9AVR-D.P1, como seguinte sumário:
I – Nos termos do art.º 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 05/05, ressalvadas as excepções previstas no preceito legal, “os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10º”.
II – O texto da norma é mais exigente do que o do nº 1 do art.º 50º do CP, pondo a tónica na gravidade do crime, na ilicitude típica, bem como no tipo de culpa concretamente manifestados na conduta adotada e penalmente punida, nomeadamente, e por referência analógica às circunstâncias relativas ao facto punível, previstas no art.º 71º, nº 2, do CP, para a determinação da pena, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, o que permitirá também aferir da personalidade do arguido documentada nesses mesmos, bem como se face a tais circunstâncias se pode objetivamente afirmar que não há perigo da prática de novos crimes, ou que a partir delas se não pode induzir perigo dessa prática.
5) Ac. RP de 20.11.2019, processo nº 483/18.2PIPRT.P1, no qual se sustentou que “O juízo de prognose feito para a suspensão de execução da pena de prisão não é coincidente com o que deve ser formulado para a decisão de eventual transcrição da sentença; se assim fosse, nos casos de suspensão de execução da pena de prisão ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados do registo criminal”.
O juízo decorrente da fórmula legal “das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes” está de acordo com a finalidades do registo criminal quanto ao acesso para fins profissionais e administrativos que, como dissemos, fundamenta-se, tão-só, em razões de prevenção especial «negativa», quer dizer, numa pura ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas.
A não transcrição da sentença nos certificados para fins de emprego e do exercício de determinadas profissões ou atividades está dependente da verificação do referido pressuposto material que consiste em poder-se concluir, por forma fundamentada, que das circunstâncias que acompanharam o crime não decorre perigo da prática de novos crimes. Na formulação de tal juízo deverá ser considerado, mas tão-só para efeitos da verificação da satisfação das exigências de prevenção especial negativa ou de defesa social, nomeadamente, a natureza do crime, o grau de ilicitude do facto, os motivos da prática do crime, as condições pessoais do condenado e a sua personalidade manifestada nos factos praticados.
Pelo contrário, na decisão de suspensão da pena de prisão de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 50º do CP, o perigo da prática de novos crimes é apenas um dos elementos a considerar quanto à questão de saber se a suspensão satisfaz os fins da pena tal como se encontram enunciados no artigo 40º, nº 1 do CP, ou seja, proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade. Acresce que o perigo da prática de novos crimes até poderá existir em certa medida e, mesmo assim, poderá entender-se que a pena deva ser suspensa, bastando para o efeito que o mesmo possa ser mitigado através de injunções ou regras de conduta. Mas neste caso, na avaliação que faça, o tribunal corre o risco, pese embora prudente, de o juízo prognose social favorável ao arguido poder sair gorado.
Por conseguinte, na decisão de não transcrição a lei é mais exigente do que na decisão de suspensão da execução da pena de prisão, na medida em que a perigosidade da prática de novos crimes decorrente das circunstâncias que acompanharam a prática do crime é seu pressuposto essencial, sendo suficiente a não indução do perigo da prática de novos crimes. Mas não só, porque, ao contrário do que sucede na suspensão da execução da pena, a circunstância de o condenado não ter sofrido anteriormente crime da mesma natureza é seu pressuposto formal negativo, ou seja, de funcionamento automático. E, no mesmo sentido, também diferentemente do que sucede com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, quanto à revogação ou cancelamento da decisão de não transcrição, a qual decorre automaticamente da prática posterior de crime doloso, cfr. nº 3 do artigo 13º da Lei nº 37/2015, de 05.05.
No caso vertente, está em causa a prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade perpetrado pela recorrente, durante um período de cerca de três meses, com a prática de inúmeros atos de tráfico, juntamente com terceiros, com alguma organização, no contexto da sua intensa dependência do consumo de cocaína. Ou seja, a prática do crime não surge como um ato isolado ou esporádico. A arguida usufrui, tal como outrora, de uma pensão de sobrevivência de €248,00 mensais, encontrando-se a morar em casa de família, morada dos pais, já falecidos, com dois filhos, encontrando-se o mais velho profissionalmente ativo e o mais novo atualmente desempregado.
Acresce que, quando a situação de toxicodependência está na origem da prática do crime, como é, ao menos em parte, o caso presente, como tem sido salientado pela jurisprudência do STJ[4], esse facto constitui um fator de mitigação da culpa, com algum valor atenuativo, embora reduzido, na medida em que agente age pressionado pela necessidade de consumir substâncias com elevado poder aditivo, o que faz diminuir os mecanismos de auto censura e de auto controlo. Porém, este facto constitui concomitantemente um fator criminógeno de relevo, que demanda acrescidas exigências de prevenção geral e especial.
Outrossim, também não será de olvidar as por demais conhecidas taxas elevadas de reincidência quanto aos crimes de tráfico de produtos estupefacientes, mesmo nas suas formas menos graves, quando associados ou não à prática de crimes contra o património.
No sobredito contexto, não se vislumbra como é que a recorrente, possa defender, por forma fundada, que das circunstâncias que acompanharam o crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade por ela perpetrado não se poder induzir perigo de prática de novos crimes. Com efeito, as exigências de prevenção especial negativa, que é a perspetiva que releva para efeito da questão em análise, são elevadas, existindo, pois, o perigo da prática de novos crimes.
Nesta conformidade, não nos merece qualquer censura o despacho recorrido quando desatendeu a pretensão da recorrente de não transcrição do acórdão condenatório nos certificados para fins de emprego público ou privado ou para o exercício de determinado cargo ou a atividade a que se refere o artigo 10º, nºs 5 e 6 da Lei nº 37/2015, de 05.05”.
Por seu turno, consta do acórdão fundamento:
“Apesar do disposto no artº 13 da Lei 37/2015 de 5 de Maio a regra em matéria de registo criminal é a transcrição e, a não transcrição a excepção. O CRC permite o conhecimento de antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia.
Não transcrever excepciona o princípio, contudo a lei não deixa, segundo critérios apertados de permitir a não transcrição, por razões de não estigmatização do condenado, sempre que os certificados se destinam a fins de natureza profissional (artº 10 nºs 5 e 6 da citada Lei 37/2015) e o crime assume pequena gravidade e sempre que das circunstâncias que acompanham o crime não se puder induzir perigo da prática de novos crimes.
A transcrição da condenação no CRC não é mencionada nos certificados que sejam requeridos para efeito de emprego público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de autorização de uma autoridade pública, em que, por força de lei, se não exija ausência de quaisquer antecedentes criminais, ou apenas de alguns, para o exercício de determinada profissão ou actividade, desde que o requerente do certificado invoque no acto do pedido o fim a que o mesmo se destina – Processo nº 466/07.8GAACB-A.L1-5 de 12/01/2016 do TRL. Relatora – Maria José Machado.
O requerente, como vimos acima, invocou que a inscrição da sentença poderá comprometer a sua vida profissional. O pedido de não transcrição respeita o pressuposto legal previsto no artº 10 nºs 5 e 6 da Lei 37/2005 de 5 de Maio. Vejamos se também respeita os restantes requisitos previstos no artº 13 da mesma Lei.
O recorrente não tem antecedentes criminais.
O recorrente foi condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa, com regime de prova e pagamento de indemnização. Importa analisar a natureza da pena e ver se é compatível com o disposto na lei: pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade… O Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 13/2016 do STJ de 7/10/2016 responde cabalmente ao caso concreto – A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa de liberdade referido no artº 17 nº 1 da Lei nº 57/98 de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei nº 114/2009 de 22 de Setembro. Os argumentos a favor desta jurisprudência são vários e concludentes. De facto, a maioria da doutrina (J. Figueiredo Dias – As Consequências Jurídicas do Crime – 4ª reimpressão, Coimbra Editora - fls. 334 e segs.) e jurisprudência trata esta pena como uma pena autónoma – pena não privativa de liberdade – pena de substituição em sentido próprio.
A Lei nº 57/98 de 18 de Agosto já previa, para efeito de não transcrição, que a condenação não excedesse um ano ou que a pena fosse não privativa de liberdade, além do requisito material de ausência de perigo da prática de novos crimes. O conceito pena não privativa de liberdade abrange não só a pena de multa como também as penas de substituição não detentivas, entre as quais a pena de prisão suspensa na sua execução, sempre que das circunstâncias que acompanham a prática do crime, se puder induzir que não há perigo da prática de novos crimes.
Conclui o acórdão de fixação: é essa a interpretação que melhor se harmoniza com a letra da lei, com o espírito do legislador, com a concepção histórica, com o contexto normativo-sistemático e com o fim das normas e das penas, em particular de prevenção especial ou socialização em liberdade do condenado, especialmente no que tange ao acesso a um posto de trabalho ou emprego ou outra actividade que exija a apresentação do certificado do registo criminal. Sem dúvida a pena aplicada ao arguido integra o conceito de pena não privativa de liberdade. Mas a lei ainda exige um juízo de prognose positivo, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. A sentença (a quo) que condenou o arguido tratou da medida concreta da pena, onde salientou: a ilicitude demonstrada pela conduta do arguido apresenta uma gravidade média, em que aquele surge imbuído de uma atitude controladora da assistente, mas temperada, após a separação, com o desgosto e impacto psicológico adveniente da situação e com o conflito latente existente no processo de jurisdição de família e menores.
O arguido encontra-se inserido familiar, social e profissionalmente.
Logo após traçar a pena de prisão o tribunal considera a substituição desta medida, concluindo que o juízo de prognose favorável ao acompanhamento futuro do arguido, pode assentar numa expectativa razoável (imbuída de um risco prudente) de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido, ou dito de outro modo, a suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável … esperança de que sentirá a sua condenação como uma advertência e não cometerá crimes no futuro.
A própria suspensão da execução da pena, como pena de substituição ou pena não privativa de liberdade, já se encarrega de afirmar que as circunstâncias que envolveram o crime não induzem perigo da prática de novos crimes, ou pelo menos que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça de prisão é suficiente para que o arguido não volte a infringir e paute a sua vida em conformidade com o ordenamento jurídico.
Perante esta resenha apresenta-se lógico admitir que o arguido reúne condições para requerer a não transcrição da condenação”.
O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência visa “a uniformização da resposta jurisprudencial, contribuindo para uma interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais, a igualdade, a certeza e a segurança jurídica no momento de aplicar o mesmo direito a situações da vida que são idênticas. Trata-se de um recurso de carácter normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei. Não está em causa a reapreciação da bondade da decisão (da aplicação do direito ao caso) proferida no acórdão recorrido (já transitado em julgado). Trata-se apenas de verificar, partindo evidentemente de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa” – Ac. STJ de 20/1/2021, Proc. 454/17.6T9LMG-E.C1-A.S1.
No que à oposição de soluções diz respeito, é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que “a oposição relevante de acórdãos ocorrerá quando existam nas decisões em confronto soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário” – Ac. STJ de 6/1/2021, Proc. 109/12.8GDARL.E3-A.S1. E, como se afirma no Ac. STJ de 8/7/2020, Proc. 490/19.8GAVNF.G1-A.S1, «A expressão “soluções opostas” pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos; se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP».
Ora, é manifesto que no acórdão recorrido se entendeu que na decisão de não transcrição a lei é mais exigente do que na decisão de suspensão da execução da pena de prisão e que, portanto, do simples facto de o requerente ter sido condenado em pena de prisão, suspensa na sua execução, não decorre imediatamente que esteja verificado o requisito enunciado no artº 13º, nº 1 da Lei Lei 37/2015, de 5/5: “e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.
Na óptica da recorrente, no acórdão fundamento decidiu-se em sentido oposto, isto é, que o juízo de prognose favorável a que se refere o artº 50º, nº 1 do Cod. Penal é exactamente o mesmo que está previsto no artº 13º, nº 1 da Lei 37/2005, de 5/5. E daí, aliás, que proponha que a jurisprudência seja fixada no sentido de que “tendo sido efetuado no acórdão de condenação um juízo de prognose favorável do não cometimento de crimes para aplicação de uma pena de prisão suspensão na sua execução, caso seja requerida a não transcrição da condenação no CRC, e desde que, não tenha ocorrido nenhum comportamento negativo do arguido condenado no sentido de se ter alterado o juízo de prognose anteriormente efectuado, está preenchido o requisito do juízo de prognose favorável a que faz referência o n.º 1 do art.º 13.º da Lei n.º 37/2015, considerando-se que esse juízo de prognose já foi efectuado no acórdão de condenação”.
Ressalvado o devido respeito por melhor opinião, no acórdão fundamento não existe qualquer tomada de posição expressa quanto ao sentido a dar à expressão “e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”, nos termos propostos pela recorrente. Aí se não decidiu, de forma expressa, que este juízo de prognose é o mesmo que já foi efectuado em sede de condenação em pena de prisão, suspensa na sua execução, e que, efectuado tal juízo na decisão condenatória, preenchido está o requisito referido no artº 13º, nº 1 da Lei 37/2005, de 5/5, acima transcrito.
O que se diz é algo diferente (e bem menos, convenhamos): aí se afirma que “A própria suspensão da execução da pena, como pena de substituição ou pena não privativa de liberdade, já se encarrega de afirmar que as circunstâncias que envolveram o crime não induzem perigo da prática de novos crimes, ou pelo menos que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça de prisão é suficiente para que o arguido não volte a infringir e paute a sua vida em conformidade com o ordenamento jurídico”.
Mas dizer isto é dizer o óbvio, face ao que disposto vem no artº 50º do Cod. Penal: a suspensão da execução da pena pressupõe a formação de um juízo de prognose positiva relativamente ao condenando, de tal modo que o tribunal conclua que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Porém, o acórdão fundamento não se fica por aí e não justifica o juízo de prognose imposto no nº 1 do artº 13º da Lei 37/2015, de 5/5 (“sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”) apenas com aqueloutro já efectuado em sede de acórdão condenatório: no acórdão fundamento houve o cuidado de acentuar, reproduzindo a decisão condenatória, que “o recorrente não tem antecedentes criminais” e que “a ilicitude demonstrada pela conduta do arguido apresenta uma gravidade média, em que aquele surge imbuído de uma atitude controladora da assistente, mas temperada, após a separação, com o desgosto e impacto psicológico adveniente da situação e com o conflito latente existente no processo de jurisdição de família e menores. O arguido encontra-se inserido familiar, social e profissionalmente”. E é na sequência dessa exposição que no acórdão fundamento se conclui: “Perante esta resenha apresenta-se lógico admitir que o arguido reúne condições para requerer a não transcrição da condenação” (subl. nosso).
Por outras palavras: a conclusão de que, no caso aí abordado, o arguido reunia as condições para lhe ser deferida a pretensão de não transcrição da sua condenação nos CRC assentou na resenha (descrição resumida) de todo um circunstancialismo enunciado na decisão condenatória e reproduzido no acórdão fundamento e não apenas, como parece pensar a recorrente, no simples facto de a pena de prisão ter sido suspensa na sua execução. Em lado algum se afirma no acórdão fundamento que os juízos de prognose referidos no artº 50º, nº 1 do Cod. Penal e no artº 13º, nº 1 da Lei 37/2005, de 5/5 são uma e a mesma coisa e muito menos se afirma (expressa ou implicitamente – e, como já referimos, só a oposição expressa releva para os efeitos previstos no artº 437º, nº 1 do CPP) – que, efectuado na sentença condenatória o juízo de prognose a que se refere o artº 50º do CP, está vedado ao juiz questioná-lo no momento em que decide a (não) transcrição da condenação nos CRC, isto é, que condenado um arguido em pena suspensa na sua execução, posto que não tenha cometido anteriormente crime da mesma natureza, a não transcrição da condenação nos CRC é automática, dado que o juízo de prognose exigido no referido artº 13º, nº 1 da Lei 37/2005, de 5/5, já foi efectuado.
Inexiste, pois, oposição expressa de soluções sobre a mesma questão de direito, razão pela qual deve o presente recurso ser rejeitado.
V. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por inexistência de oposição de julgados – artº 441º, nº 1 do Cod. Proc. Penal.
Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça – artº 513º, nº 1 do CPP e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Lisboa, 2 de Junho de 2021(processado e revisto pelo relator)
Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)
Atesto o voto de conformidade da Exmª Srª Juíza Conselheira Ana Maria Barata de Brito
______
[1] In Direito Penal Português, As Consequências do Crime, pág. 646.
[2] Ob. Cit., pág. 647.
[3] Em sentido semelhante vide Almeida Costa, in O Registo Criminal, Separata do vol. XXVII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1985.
[4] Cfr., v.g., Ac STJ de 04.07.2013, processo 56/13.6YFLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt.