FRAUDE À LEI
CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
PRAZO DE DEFESA
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Sumário

Salvo nos casos de comprovada fraude à lei, a constituição de mandatário judicial por parte daquele que requereu e obteve o patrocínio judiciário, na pendência do prazo de defesa, não inviabiliza, por si só, a interrupção do prazo previsto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.

Texto Integral

Processo n.º 4837/05.6TBMAI-A.P1

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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório
1- Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que B…, intentou contra, C…, veio esta última, no dia 13/07/2020, representada por mandatário judicial por si constituído no dia 10/07/2020, deduzir oposição à penhora do seu quinhão hereditário na herança aberta por óbito de D… e E…, de que lhe foi dado conhecimento através de carta registada datada de 03/06/2020 e na qual também lhe foi transmitido que dispunha do prazo de dez dias para deduzir oposição a essa penhora.
2- Antes da referida oposição, ou seja, no dia 15/06/2020, a executada fez chegar à aludida execução, através de correio eletrónico, cópia do pedido de apoio judiciário por si requerido na mesma data, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como de nomeação de patrono e pagamento dos respetivos serviços, pedido que veio a ser deferido por despacho de 30/06/2020, tendo a patrona nomeada tomado conhecimento da sua nomeação no mesmo dia.
3- Perante este circunstancialismo, recebida a já referida oposição à penhora, foi proferido despacho que julgou intempestiva essa oposição. Isto, porque, em resumo, “a constituição de mandatário, quer em data anterior, quer posterior à nomeação do patrono equivale a uma desistência da pretensão formulada no âmbito do apoio judiciário, no que concerne à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono”, e nessa medida, não pode o beneficiário de tal apoio prevalecer-se da interrupção do prazo prevista no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, pelo que, considerando as datas assinaladas, a oposição à execução deduzida pela executada foi considerada intempestiva.
4- Inconformado com esta decisão, dela recorre a executada, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:
“I. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu coartou um dos mais basilares direitos constitucionais da aqui Recorrente, o do acesso ao direito e à justiça, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe no seu nº 1 que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
II. Ao indeferir liminarmente a oposição à penhora, apresentada pela Recorrente, só porque a mesma veio a constituir mandatário, em detrimento do patrono oficioso que lhe foi nomeado, no âmbito do acesso ao direito, limitou o direito de defesa da aqui Recorrente.
III. Além de que, a sentença de que se recorre, no modesto entendimento da Recorrente, viola a própria Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, que consagra o regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
IV. De acordo com o estipulado no nº 4 do artigo 24º da referida Lei, “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
V. Referindo, por sua vez, o nº 5 do mesmo normativo legal que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.
VI. Sendo que, em nenhum local da referida Lei nº34/2004, de 29 de Julho, que consagra o regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, é estipulado que o requerente, a quem foi deferido apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono oficioso, durante a pendência de uma ação judicial, não possa vir, posteriormente, a constituir mandatário judicial para esse efeito.
VII. Nem, em nenhum local do referido diploma legal, é estipulado que o mandatário que venha a ser constituído não possa aproveitar da interrupção dos prazos prevista no nº 4 do art. 24º da referida Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
VIII. Não tendo violado nenhum normativo legal, antes pelo contrário, quem o violou foi o Tribunal a quo ao coartar um direito constitucional da Recorrente.
IX. Esclarecendo-se que, uma vez que não possuía meios económicos para suportar os custos com o presente processo, a Recorrente requereu apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxas de justiça e demais encargos como processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono oficioso, junto dos serviços da Segurança Social.
X. Tendo procedido à respetiva junção, junto do Tribunal onde se encontram a correr os presentes autos, do comprovativo do pedido de apoio judiciário por si efetuado, de forma a interromper o prazo que se encontrava a decorrer.
XI.Vindo o pedido efetuado pela Recorrente a ser deferido, com a consequente nomeação de patrono oficioso, iniciando-se, nessa altura, o prazo que se encontrava interrompido, de acordo com a alínea a) do nº 5 do art. 24º da Lei 34/2004, de 29 de Julho.
XII. A aqui Recorrente foi notificada da penhora do quinhão hereditário e para deduzir oposição à penhora querendo, através de carta registada datada de 03/06/2020 e a interrupção do referido prazo operou-se a 15/06/2020, com a comunicação ao processo do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono oficioso, só se reiniciando a nova contagem aquando da nomeação do patrono nomeado à mesma, em 30/06/2020.
XIII. Vindo, posteriormente, a Recorrente a deduzir a sua oposição à penhora, em 13/07/2020, ou seja, no último dia do prazo que lhe foi concedido para o fazer.
XIV. Pelo que, é então perfeitamente tempestiva a oposição deduzida pela Recorrente, sendo que a mesma deverá ser admitida, com todas as legais consequências.
XV. Contudo, o Tribunal a quo veio a indeferir liminarmente a oposição apresentada, alegando a sua extemporaneidade.
XVI. Fundamentando o Tribunal a quo tal decisão no facto de a aqui Recorrente ter constituído mandatário no dia 10/07/2020 e ter sido este quem apresentou a referida oposição e não o patrono oficioso que lhe havia sido nomeado no âmbito do pedido de apoio judiciário por si formulado.
XVII. Alegando o Tribunal a quo, na sentença proferida, que “Ora, a constituição de mandatário, quer em data anterior, quer posterior à nomeação do patrono equivale a uma desistência da pretensão formulada no âmbito do apoio judiciário, no que concerne à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono. Na verdade, se na pendência da causa a parte que solicitou a nomeação de patrono, antes ou depois de este lhe ser nomeado, opta por constituir mandatário, é porque já não pretende a nomeação de patrono e porque entendeu por bem confiar a sua representação a um mandatário constituído. Assim sendo, tendo a executada constituído mandatário, não pode agora beneficiar do início do prazo interrompido, sob pena de fraude à lei. A não se entender assim, estava encontrado um modo ilícito para a obtenção da prorrogação do prazo em curso”.
XVIII. A possibilidade de recorrer ao pedido de concessão de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono oficioso, para um determinado processo, e este vir a ser-lhe deferido, com a consequente nomeação de patrono, nunca poderá vetar a possibilidade de esta vir, posteriormente, a constituir um mandatário, para a representar naquele mesmo processo.
XIX. Nem pode tão-pouco vedar-lhe o direito a beneficiar da interrupção do prazo prevista no nº 4 do art. 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
XX. Até porque, em nenhum local do referido diploma legal, é estipulado que o mandatário que venha a ser constituído não possa aproveitar de tal interrupção dos prazos.
XXI. Pois a ser assim, tal entendimento, sufragado pelo Tribunal a quo, iria contra todos os princípios constitucionalmente consagrados, visto essa pessoa estar a ser coartada no seu livre acesso à justiça e aos tribunais.
XXII. Aliás, é este o entendimento, e bem, da nossa Jurisprudência maioritária.
XXIII. Assim, a este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 25/09/2018, Relator Rodrigues Pires, segundo o qual “Nada impede que o executado, a quem foi concedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, possa deduzir oposição à execução através de advogado a quem conferiu mandato forense aproveitando para o efeito a interrupção do prazo prevista no art. 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29.7.
XXIV. Continuando o referido Acórdão por dizer que “O Mmº Juiz “a quo” no caminho que seguiu encontrou respaldo no Acórdão da Relação do Porto de 13.9.2011 (proc. nº 5665/09.5 TBVNG.P1 disponível in www.dgsi.pt) que largamente citou (…) Não concordamos, porém, com o caminho trilhado pela 1ª Instância e que acha apoio nos arestos que se deixaram referenciados. Significaria este caminho que o requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, estaria impedido, por via da formulação desse pedido, de constituir mandatário, de tal modo que se o fizesse perderia de imediato o benefício da interrupção do prazo e em situações, como a presente, estando transcorrido o prazo para praticar o ato, tal implicaria a sua intempestividade. Só poderia assim constituir mandatário em caso de indeferimento do pedido de nomeação de patrono. Ora, a razão de ser da interrupção do prazo em curso para contestar e início de um novo prazo, a partir, conforme os casos, da nomeação do patrono nomeado, ou da notificação da decisão que lhe indefere o pedido de patrocínio será a de possibilitar que o demandado que invocou não ter condições económicas para suportar os custos da constituição de mandatário não seja prejudicado por efetivamente não as ter ou, quando não veja reconhecida a sua pretensão a litigar com apoio judiciário, possa, ainda assim, fazer valer o seu direito. A questão que se discute no âmbito do presente recurso reconduz-se assim a saber se essa interrupção do prazo para contestar ou deduzir oposição pode subsistir mesmo nos casos em que a parte, em vez de contestar através do patrono nomeado ao abrigo do apoio judiciário, decide fazê-lo através de mandatário entretanto constituído. Conforme se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.11.2011 (proc. 222/10.6 TBVRL.P1, disponível in www.dgsi.pt) “… o texto do mencionado n.º 4 do artº 24º da Lei 34/2004 consagra a interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto praticado através do patrono nomeado. O efeito da interrupção produz-se no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores. A tese da interrupção sob condição resolutiva ofende a confiança dos sujeitos processuais, introduzindo uma preclusão processual que o legislador não consagrou de modo especificado na lei e, como não, não poderiam contar com ela.” (…) Constata-se pois que a pretensão formulada pelos dois executados com vista à nomeação de patrono se revelou fundada, face à sua comprovada insuficiência económica, donde a interrupção do prazo para deduzir oposição à execução de que beneficiaram por efeito do disposto no art. 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004 se revelou inteiramente justificada. Por isso, a sua conduta ao deduzirem oposição não através do patrono que lhes fora nomeado, mas sim através de mandatário por eles constituído, beneficiando daquela interrupção de prazo, não deve ser encarada como fraude à lei e assim como uma forma, iníqua, de obter uma prorrogação de prazo a que não teriam direito. Não se escamoteia que, neste caso, exista um desvio à finalidade para a qual a lei concedeu a interrupção do prazo, uma vez que se tudo corresse do modo ideal a dedução à oposição teria sido feita pela patrona nomeada, mas esse desvio não é seguramente mais abusivo do que aquele que se verifica quando o requerente, sabendo à partida que não reúne as condições mínimas para beneficiar de apoio judiciário, não hesita em requerer a nomeação de patrono com o único objetivo de ver prolongado o prazo que tinha para contestar. E, nesta hipótese, tal como se refere no já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.11.2011, mesmo que menos merecedora da tutela do direito, pela maior reprovabilidade da conduta do requerente, está fora do alcance do aplicador do direito a imposição de qualquer preclusão processual. Donde o requerente, que bem sabia do infundamentado da sua pretensão, acaba por beneficiar da interrupção do prazo, sem que haja possibilidade de lhe cercear esse benefício. Não se ignora que muitas razões podem estar na base de uma atuação como a presente em que o requerente, ignorando o patrono que lhe fora nomeado por comprovada insuficiência de meios económicos, opta por praticar o ato com recurso a mandatário por si constituído. Poderá pensar-se em situações em que o patrono nomeado evidencie falta de interesse ou falta de preparação técnica e não se disponha a pedir escusa do patrocínio. Poderá pensar-se em situações em que entre o requerente e o patrono nomeado não surgiu a desejável relação de confiança. De qualquer forma, seja qual for a razão de tal opção, entendemos que ao requerente de apoio judiciário a quem foi nomeado patrono não deve ser coartada a possibilidade de recorrer aos serviços de mandatário constituído, mantendo-se a interrupção do prazo de que beneficiara por efeito do disposto no art. 24º, nº4 da Lei nº34/2004. Em sentido idêntico ao decidido, para além dos já mencionados, referem-se ainda os seguintes acórdãos: Acórdão da Relação do Porto de 18.2.2014, proc. 3252/11.7 TBGDM-B.P1; Acórdão da Relação do Porto de 14.12.2017, proc. 4502/16.9 T8LOU-A.P1; Acórdão da Relação de Lisboa de 9.7.2014, proc. 97/12.0 TBVPV.L1-2; Acórdão da Relação de Lisboa de 30.4.2015, proc. 393/11.4 TBVPV-A.L1-8; Acórdão da Relação de Guimarães de 22.9.2016, proc. 1428/12.9 TBBCL-D.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt. Por conseguinte, há que julgar procedente o recurso interposto pelos executados, considerando-se tempestiva a oposição à execução que por eles foi deduzida.” (negrito e sublinhado nossos).
XXV. Veja-se também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 13/02/2020, Relatora Margarida Almeida Fernandes, segundo o qual “I- A interrupção do prazo em curso na sequência da apresentação na pendência da acção de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, a que alude o art. 24º nº 4 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, não está sujeita à condição resolutiva de o acto processual vir a ser praticado pelo patrono nomeado. II-Aproveita, assim, os efeitos da referida interrupção do prazo o réu que apresente contestação através de mandatário a quem, entretanto, conferiu mandato forense”.
XXVI. Defendendo o referido Acórdão que “Pelo exposto, afiguram-se-nos mais fortes os argumentos dos defensores da posição contrária. No Ac. da R.P. de 15/11/2011 (João Proença), in www.dgsi.pt, rebatem-se os argumentos dos dois primeiros acórdãos acima citados e lê: “(…) II. Trata-se de interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado. III -O efeito da interrupção produz-se no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores. IV - A tese da interrupção sob condição resolutiva ofende a confiança dos sujeitos processuais, introduzindo uma preclusão processual que o legislador não consagrou.” Neste acórdão refere-se “(…) não se afigura de excluir que (…) envolva até o risco de um “convite” à prática de expedientes de discutível lisura (…) Ora, não parece aconselhável remediar uma distorção com outra ainda maior”. E como igualmente se refere no Ac. da R.P. de 30/01/2014 (Judite Pires), in www.dgsi.pt: “Negar-se este direito traduzir-se-ia na prática numa denegação do direito de acesso aos tribunais e de defesa, que a Lei Fundamental claramente não consente”. No mesmo sentido vide Ac. desta Relação de 22/09/2016 (António Sobrinho), in www.dgsi.pt. Por todo o exposto, por não existir norma que impeça, portal interpretação ser conforme ao respeito do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e da confiança dos réus, é de concluir que, no caso em apreço, os réus beneficiam do alargamento do prazo para contestar pelo que a contestação apresentada é tempestiva. Procede, assim, a apelação.” (negrito e sublinhado nossos).
XXVII. Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 06/11/2015, Relator Ascensão Lopes, segundo o qual “O facto de a interessada ora oponente constituir mandatário, após ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, que determinou a interrupção do prazo para deduzir oposição, não implica, no caso concreto dos autos, que perca o benefício desta interrupção ocasionada pela apresentação do requerimento de nomeação de patrono”.
XXVIII. Termos em que se requer que seja admitido o presente recurso e, em consequência, seja a sentença proferida considerada nula, por falta de fundamentação e inconstitucional, por violação dos princípios basilares de Acesso à Justiça, admitindo-se a oposição à penhora deduzida pela aqui Recorrente, tudo com as devidas e legais consequências.
XXIX. Aliás, causa uma enorme estranheza à aqui Recorrente que, o Tribunal a quo venha indeferir liminarmente a sua oposição à penhora, dizendo que esta é extemporânea, limitando-se a fazer juízos de valor quanto à atuação da Recorrente, para não aplicar o disposto na lei, e sem sequer procurar conhecer a verdadeira realidade dos factos.
XXX. Isto porque, o Tribunal a quo faz um juízo de valor, diga-se, falso, quando refere que “Na verdade, a recorrente pediu o apoio judiciário, que lhe foi concedido e depois decide não o usar e apresentar contestação subscrita por advogado, quando anteriormente tinha alegado, para requerer o apoio judiciário, que não tinha condições económicas para constituir mandatário. Assim, na medida em que a recorrente não fez uso do apoio judiciário nem o mesmo lhe foi indeferido, não pode a mesma fazer-se prevalecer da interrupção do prazo previsto naquele preceito, que só prevê tal “benefício”, rectius, possibilidade, para aquelas situações. (…) Muito pelo contrário, o que não tem qualquer apoio na lei é a pretensão da R. de beneficiar da interrupção do prazo e de uma nova contagem do mesmo para uma situação que não está contemplada na lei. (…) Por outro lado, não pode o demandado usar o direito de requerer apoio judiciário apenas como forma de conseguir mais tempo para contestar, que seria o resultado prático do caso em análise.”
XXXI. Porque, segundo a sentença proferida, o Tribunal a quo dá a entender que sempre foi intenção da Recorrente aproveitar-se do disposto nos nº 4 e 5 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, para protelar o prazo de apresentação da sua oposição.
XXXII. Situação esta que não corresponde à verdade, mas sim uma presunção totalmente infundada do Tribunal a quo.
XXXIII. Em bom abono da verdade esclareça-se que, posteriormente, ao pedido de apoio efetuado, a aqui Recorrente ao conversar com um familiar sobre os presentes autos, foi por aquele informada de que teria um amigo advogado que, atendendo à sua situação, a poderia representar em pro bono.
XXXIV. Sendo este o motivo que levou a que a Recorrente viesse a constituir mandatário e a ser este a apresentar a sua oposição, em detrimento do patrono oficioso que lhe havia sido nomeado.
XXXV. Aliás, o Tribunal a quo veio indeferir a oposição deduzida pela Recorrente alegando que o apoio por ela requerido teria sido meramente dilatório, com vista a protelar o processo.
XXXVI. O que é caricato, causando um enorme espanto se atendermos a que os presentes autos já se encontram parados há mais de quinze anos.
XXXVII. E não por culpa da aqui Recorrente, pois a mesma mantém as mesmas condições e bens que já possuía na altura em que foi citada para a presente execução.
XXXVIII. Não percebendo a Recorrente o porquê de não terem sido penhorados nenhuns bens na altura, uma vez que os mesmos já existiam, e só agora os virem penhorar.
XXXIX. Pelo que, se houve algum expediente dilatório, o mesmo não se deve a nenhuma atuação da aqui Recorrente, mas sim da Exequente nos autos.
XL. O que claramente demonstra existir para o Tribunal a quo “dois pesos e duas medidas”.
XLI. Pois que, a Sra. Exequente manteve o processo executivo parado, sem qualquer diligência/intervenção durante 15 anos, sem qualquer cominação por parte do Tribunal a quo.
XLII. Porém, para o Tribunal a quo foi a Recorrente que pretendeu beneficiar de um novo prazo, ao constituir mandatário quando lhe foi nomeado um patrono pela Ordem dos Advogados.
XLIII. Ora, o modus operandi do Tribunal a quo é tão chocante quanto desproporcional, sendo também por esse motivo, a decisão a quo inconstitucional.
XLIV. A Recorrente não pode ser prejudicada por ter atuado dentro da lei, fazendo uso de faculdades e direitos que lhe são legalmente concedidos para aceder aos tribunais e à justiça, com vista a uma cabal defesa dos seus direitos.
XLV. Termos em que deverá ser revogada a sentença de que se recorre, devendo, ser proferido nova sentença em que se admita a junção aos autos da oposição à penhora apresentada pela Recorrente, tudo com as devidas e legais consequências”. É o que pede.
5- Não consta que tivesse havido resposta.
6- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito do recurso
1- Definição do seu objeto
Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente [artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC)], é constituído unicamente pela questão de saber se à executada, ora Apelante, aproveita a interrupção do prazo, prevista no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/07.
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2- Tendo em conta os factos descritos no relatório supra exarado - que são os únicos relevantes para a decisão dessa questão -, vejamos, então, como soluciona-la:
Nos termos do artigo 24.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso “interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo” e esse prazo só se inicia, conforme os casos, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Tem este normativo em vista salvaguardar o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, nos termos previstos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), de modo a que “ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos” – artigo 1.º, n.º 1, da referida Lei n.º 34/2004.
Assim, numa primeira aproximação, ser-se-ia tentado a concluir que sempre que alguém, no decurso de uma demanda judicial, pede o patrocínio judiciário e não o usa, apesar de lhe ter sido concedido, e, opta, diversamente, por constituir mandatário judicial, não tem direito a beneficiar da aludida interrupção.
E esta tem sido, de facto, a orientação seguida por alguma jurisprudência, refletida, de resto, na decisão recorrida.
Alega-se que “não faz qualquer sentido o referido regime de interrupção de prazo processual, que apenas colhe efeitos dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender (…) que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados”[1]. Até porque isso se prestaria ao uso fraudulento da lei.
Mas, não tem sido esta, ao que cremos, a orientação dominante na jurisprudência[2], nem deve ser ela a aplicável ao caso presente.
Com efeito, além da lei (o referido artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004), não estipular qualquer “condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado”[3], também não se vê em nome de que valores se pode sempre coartar ao requerente do patrocínio judiciário o direito de constituir mandatário judicial na pendência do prazo para se defender[4].
É que, se é verdade, que a concessão desse direito se pode prestar a fraudes (designadamente, através do ilegítimo alargamento do prazo de defesa), também é verdade que a constituição de mandatário pode ser justificada por muitas outras razões. Seja porque, por exemplo, o patrono nomeado se desinteressa do caso e/ou revela falta de preparação técnica para a defesa, sem, ainda assim, pedir a escusa do patrocínio; seja porque ao requerente do patrocínio judiciário sobreveio nova fortuna; seja ainda porque o próprio mandatário atua “pro bono”, como se diz ocorrer no caso presente. E, em qualquer uma dessas hipóteses, parece-nos manifestamente desproporcionado coartar o direito de defesa (que é um direito fundamental), com o recurso a uma justificação que não tem qualquer adesão à realidade[5].
É verdade que, em tese, pode haver situações em que a referida fraude ocorra. Mas, para esses casos, a lei tem remédio. Além da eventual perseguição e punição penal, “[q]uando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um ato simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes”- artigo 612.º, do CPC. E é, nesse âmbito que se deve atuar. Nunca no contrário. Isto é, partir do princípio de que todos os requerentes do patrocínio judiciário, que posteriormente constituem mandatário forense, atuam à margem da lei, com o intuito de defraudar a lei, e, por essa razão, retirar-lhes um direito fundamental, como é o direito de defesa por intermédio de advogado por eles escolhido. Nada na lei, a nosso ver, o permite e, antes pelo contrário, só impõe que se assegure este direito (artigo 20.º, n.º 2, da CRP).
Ora, aplicando esta orientação ao caso presente, verificamos que, quando a oposição da executada deu entrada em juízo (13/07/2020), ainda não se tinha esgotado completamente o prazo de defesa da mesma executada (10 dias), descontada a interrupção a que a mesma foi sujeita por via do seu pedido de patrocínio judiciário, requerido no dia 15/06/2020 e cujo deferimento foi notificado à patrona nomeada por oficio expedido no dia 30/06/2020.
Como tal, não havendo notícia de qualquer intuito fraudulento da parte da executada, essa oposição é tempestiva. O que implica a procedência deste recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.
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III- DISPOSITIVO
Pelos motivos indicados, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida.
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- Sem custas.

Porto, dia 8 de junho de 2021
João Diogo Rodrigues
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] Ac. RC de 25/06/2019, Processo n.º 156/18.6T8NZR-A.C1, consultável em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, por exemplo, Ac. RP de 10/03/2003, Processo n.º 0252849, Ac. RP de 13/09/2011, Processo n.º 5665/09.5TBVNG.P1, Ac. RC de 01/10/2013, Processo n.º 4550/11.5T2AGD.C1, consultáveis no mesmo endereço eletrónico.
[2] Neste sentido, por exemplo, Ac. RG de 22/09/2016, Processo n.º 1428/12.9TBBCL-D.G1, AC. RLx de 09/07/2014, Processo n.º 97/12.0TBVPV.L1-2, Ac RP de 25/09/2018, Processo n.º 5027/17.0T8MAI-A.P1 e Ac. RE de 05/2019, Processo n.º 399/19.5T8SLV-A.E1, igualmente consultáveis no dito endereço eletrónico.
[3] Ac. RP de 15/11/2010, Processo n.º 222/10.6TBVRL.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[4] Referimo-nos à constituição de mandatário durante o prazo de defesa porque, se essa constituição for anterior, já admitimos solução diversa. Nesta parte, tendemos a acompanhar o entendimento que se expressou no Ac. RE de 22/10/2015, Processo 1281/13.5TBTMR-A.E1, consultável em www.dgsi.pt, nos termos do qual, a se a requerente, “quando requereu a nomeação de patrono e informou desse facto o Tribunal, já tinha, voluntariamente, constituído mandatário, não podia ter formulado tal pedido de nomeação de patrono, por manifesta desnecessidade e por, manifestamente, tal pedido constituir um abuso processual. Nestas circunstâncias não pode o requerente beneficiar do direito à interrupção de um prazo e consequente prolongamento de prazo da contestação, por isso constituir uma fraude à lei, na medida em que o mandatário que subscreveu a contestação fora constituído muito antes de ser formulado o pedido de nomeação de patrono”.
[5] Como se refere no Ac. RP de 30/01/2014, Processo n.º 5346/12.2TBMTS.P1, consultável em www.dgsi.pt, “Negar-lhe esse direito traduzir-se-ia na prática numa denegação do direito de acesso aos tribunais e de defesa, que a Lei Fundamental claramente não consente”.