I. As sociedades não se extinguem automaticamente por via do ato de dissolução conservando a sua personalidade jurídica até ao momento da inscrição no registo comercial do encerramento da respetiva liquidação.
II. A declaração feita na ata da Assembleia Geral de uma sociedade por quotas, pelos seus dois únicos sócios, de que a sociedade não tem ativo nem passivo e de que não há bens a partilhar, não vincula os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material, que no art.º 371.º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos.
III. A extinção da sociedade não produz nem a suspensão nem a extinção da instância nas ações em que a sociedade seja parte.
IV. O título executivo é o documento que pode, segundo a lei, servir de base à execução de uma prestação, pois que ele oferece a demonstração legalmente bastante do direito correspondente. Na ação executiva não se discutem direitos nem obrigações, o que se pretende é a reparação efetiva de um direito que já se encontra definido (artº.s 4.º, n.º 3, do CPC de 1961 e 10.º, n.º 4, do NCPC).
V. Sendo extinta a sociedade no decurso da execução contra ela instaurada esta prossegue contra os respetivos sócios, sem necessidade de habilitação, sendo a responsabilidade dos antigos sócios pelo passivo social limitada ao montante que receberam na partilha (artºs 162.º e 163.º, n.º 1, CSC).
VI. Prosseguindo a execução, nos termos dos artº.s 162.º e 163.º, n.º 1, do CSC, para pagamento do passivo, estando provado que à data da deliberação de dissolução existia passivo e ativo social, com este tendo sido posteriormente liquidadas dívidas da sociedade, e a existência de saldo remanescente do ativo social cujo destino não foi apurado, cabe aos sócios provar, através de outros meios que não a declaração mencionada em II, que se veio a revelar ser falsa, que nada receberam na partilha (art.º 414.º do CPC).
LCR/JG/CM
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 - Relatório
1. AA, por apenso à acção executiva instaurada por BB inicialmente contra “EQUIPE – ATELIER DE PUBLICIDADE, LDA”, veio deduzir incidente de oposição à penhora.
2. Na acção executiva, instaurada em 6 de Março de 2006, por apenso aos autos emergentes de contrato individual de trabalho que correram termos pelo Juízo do Trabalho .......... contra a Ré “EQUIPE – ATELIER de PUBLICIDADE, LDA”, foi dado à execução o Auto de Conciliação de 7 de Novembro de 2005 lavrado naqueles autos, pelo qual esta, enquanto Ré, se obrigou a pagar ao Autor BB a quantia de € 15.000,00, em três prestações mensais, iguais e sucessivas de €5.000,00 cada, o que não fez.
3. No decurso da execução o exequente requereu o prosseguimento da mesma contra AA, sócia liquidatária da sociedade executada, ao abrigo do art.° 162.° do Código das Sociedades Comerciais pelo facto de esta última ter sido dissolvida e liquidada, por deliberação tomada pelos seus dois sócios, em 30/11/2006.
4. Tendo essa ação executiva seguido a sua normal tramitação, com a penhora de três veículos automóveis inscrita em nome da “EQUIPE - ATELIER DE PUBLICIDADE, LDA! e depois, em 19.9.2018, de diversas contas bancárias da executada AA, veio esta deduzir oposição a tal execução alegando, em síntese, não se verificar fundamento para prosseguimento da execução contra os seus bens e penhoras realizadas, porquanto aquando da liquidação e dissolução da sociedade executada não houve partilha de bens entre os sócios porque a sociedade não tinha activos, pugnando pela procedência da oposição com levantamento da penhora efectuada sobre os seus bens.
5. O exequente respondeu à oposição, alegando, em síntese, que existia à data da instauração da execução um imóvel ainda que desconhecendo como foi distribuído esse valor, cujo ónus da prova cabe à oponente, nada provando a acta que aprovou a dissolução da sociedade.
6. Por saneador-sentença de 30.8.2019 foi a oposição julgada procedente e ordenada a extinção da execução quanto à AA e o levantamento das penhoras efectuadas sobre os seus bens.
7. Inconformado com a decisão dela interpôs recurso o Exequente BB, impugnando a decisão relativa à matéria de facto e de direito, vindo o Tribunal da Relação, por acórdão de 12 de Fevereiro de 2020, a julgar procedente o recurso, quer quanto à impugnação da decisão em matéria de facto quer quanto à sua vertente jurídica, revogando o saneador-sentença recorrido e julgando improcedente a oposição à execução.
8. Deste acórdão interpõe a Oponente AA o presente recurso de revista que finaliza formulando as seguintes conclusões:
“1 – O Tribunal da Relação ao julgar improcedente o presente recurso, julgou incorrectamente face a toda a prova carreada para os autos;
2 - É ao abrigo da nova redacção do CPT (com excepção das normas respeitantes à admissibilidade e aos prazos de recurso) e do Novo CPC, que o recurso deve ser apreciado;
3 - Devemos atender ao art.º 44º nº 3 da Lei 62/2013, em que “a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção.”;
4 - Sendo que a alçada do tribunal da relação no ano de 2005 era de € 14.963,94, pelo que é admissível recurso para o STJ;
5 – Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada. (art.º 163º n.º 1 do CSC);
6 - A responsabilidade dos sócios não é uma responsabilidade ilimitada, sendo o sócio responsável até ao montante que recebeu na partilha;
7 - Nos termos do artigo 163º, nº. 1 do CSC, o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Razão pela qual a existência de partilha dos bens da sociedade pelos sócios constitui um facto constitutivo do direito do credor que enquanto tal deve ser alegado e provado pelo autor nos termos do disposto no artigo 342º, nº. 1 do Código Civil;
8 - Pelo que cabe ao credor, e neste caso concreto ao exequente o ónus da prova, já que estamos perante factos constitutivos do direito dos credores e que, como tal, era este que deveria ter feito a prova de que os sócios e em concreto a executada recebeu em partilha activo da sociedade nos termos do disposto no art,º 342º nº 1 do CC.;
9 - Nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;
10- Assim, conforme passou a entender-se, “Incumbe ao exequente, o ónus de alegação e prova do recebimento, em partilha, de bens da extinta sociedade por parte do (ex) sócio demandado na execução.” (Acórdão da Relação do Porto, de 15 de Dezembro de 2010, proferido no processo n.º 576/07.1TTVCT-C.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf);
11 – Na assembleia geral, os sócios declararam que não havia activo nem passivo e que, por isso, davam a sociedade por liquidada. O que leva a concluir que não houve uma verdadeira fase de liquidação, tal como esta vem desenhada nos arts. 146º e seguintes.
12 - E, no contexto da acção, operada a substituição da sociedade pelos sócios, e estando a responsabilidade destes legalmente definida, cumpria ao exequente, quando requereu a substituição, alegar e provar aqueles factos, que se apresentam como constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito, «até ao montante que receberam na partilha;
13 - Proc. n.º 472/06.0TTSTS-C.P1 - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Relator: João Nunes, publicado em www.dgsi.pt:
I- As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários;
II- Os sócios respondem pelo passivo não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam em partilha;
III - Por isso, a dívida da sociedade não se extingue com a extinção da sociedade, antes se opera uma modificação subjectiva e objectiva na obrigação, traduzida na responsabilização do(s) antigo(s) sócio(s) pela mesma, limitada ao montante que recebeu(ram) em partilha;
IV - Contudo, para que os sócios possam responder é necessário que o credor alegue e prove que aqueles obtiveram bens da sociedade resultantes da partilha do seu património.
14 - Proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1 - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Relator: Correia Pinto, publicado em www.dgsi.pt:
I - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (artigo 163.º, do C.S.C.).
II - O direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado, perante o que a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito e não um facto modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão.
III - Perante um facto constitutivo do direito, deve o mesmo ser alegado e provado pelo autor nos termos que decorrem das disposições conjugadas dos artigos 342.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comercial.
15 – ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Proc. nº 3275/15.7T8MAI-A-P1.S2, com a relatora Maria da Graça Trigo: “Em acção pendente contra a sociedade que veio a ser liquidada e extinta, compete ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha da sociedade executada para efeitos de prosseguimento da acção contra os mesmos sócios nos termos do artigo 163º, nº 1, do CSC”;
16 – Para além do acórdão indicado no voto de vencido da Desembargadora Maria José Costa Pinto;
17 – Existem diversos acórdãos do próprio STJ a defender a posição assumida pela ora Recorrente, tal como indicados no acórdão recorrido;
18 - Conclui-se, assim, que compete ao credor, aqui exequente/embargado, o ónus da prova de que os sócios receberam bens na partilha da sociedade executada para efeitos de prosseguimento da acção contra os sócios;
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, por provado, devendo a oposição à execução ser julgada procedente por provada, assim se fazendo a acostumada
Justiça”
9. O Exequente não apresentou contra-alegações.
10. Cumprido o disposto no artigo 87º, nº 3, do C. P.T., o Exmo. Procurador-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista, parecer a que respondeu a recorrente requerendo o prosseguimento dos autos com a prolação de acórdão.
II
2- Delimitação objectiva do recurso e regime adjectivo e substantivo aplicáveis
Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil) sem prejuízo da apreciação das que são de conhecimento oficiosa (artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil), a questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal é a de, dizendo o artigo 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que os sócios da sociedade extinta respondem pelo passivo da sociedade extinta até ao montante do que receberam na partilha, saber se compete ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha da sociedade ou se compete aos sócios demandados alegar e provar que a mesma não teve lugar, ou seja, da repartição do ónus da prova neste caso, e se reconduz a interpretar o regime dos artigos 162º e 163º do Código das Sociedades Comerciais.
Os presentes autos de oposição à penhora, deduzida em 19.9.2018, configuram incidente da instância executiva instaurada em 6.3.2006, à qual foi fixado o valor de € 16 500,00, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 12 de Fevereiro de 2020.
É assim aplicável o Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, na redacção então em vigor, anterior às alterações introduzidas pelo D.L. nº 295/2009, de 13 de Outubro, estas apenas aplicáveis às accões iniciadas após a sua entrada em vigor, em 1.1.2010 (artºs 6º e 9º), com as alterações introduzidas [com excepções que aqui já não relevam] pela Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro, ( artº 5º ), e o regime supletivo comum do Código de Processo Civil de 1961, na redacção anterior ao D.L. nº 303/2007, de 24.8., em vigor à data da instauração da execução, seguido do Novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, aplicável às execuções pendentes e incidentes e procedimentos de índole declarativa deduzidos após 1.9.2013 ( artºs 6º e 7).
Em termos substantivos, estando em causa créditos emergentes de contrato de trabalho reconhecidos por título executivo na vigência do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto é aplicável o regime jurídico acolhido nesse Código, e o Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 184/87, de 21 de Abril, com as ulteriores alterações.
III
3 – Fundamentação de Facto
O acórdão recorrido, com a alteração e aditamentos decorrentes do julgamento que fez relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, considerou provada a seguinte factualidade:
1 - Em 06.03.2006 BB intentou contra EQUIPE ATELIER, LDA a execução apensa, dando à execução o Auto de Conciliação de 07 de Novembro de 2005 lavrado nos autos emergentes de contrato individual de trabalho, instaurados por BB contra EQUIPE - ATELIER DE PUBLICIDADE, LDA., pelo qual esta, enquanto Ré, se obrigou a pagar ao Autor, ora Exequente, a quantia de 15.000, 00 €, em três prestações mensais, iguais e sucessivas de 5.000,00 € cada.
2 - À data da instauração da execução, mostrava-se inscrita a favor da Executada a propriedade do prédio urbano inscrito na 2.a CRP ………. sob o n.° …...86 e na matriz sob o artigo ……95, sobre o qual incidia uma penhora a favor da Fazenda Nacional registada pela inscrição F1 (Ap……..14) (cfr. certidão de fls. 25 a 27 dos autos de execução apensos).
3 - 0 referido prédio foi vendido no dia 22/06/2006, pelo preço de € 190.000,00 [alteração introduzida pelo Tribunal da Relação].
4 - Em 27.11.2006 foram registadas as penhoras sobre os veículos ……. de matrícula …-…-CV, …… de matrícula …-…-JZ e …… de matrícula …-…-EJ.
5 - Aos 30 dias do mês de Setembro do ano de 2006 reuniram em Assembleia Geral dos sócios da sociedade EQUIPE ATELIER DE PUBLICIDADE, LDA., AA e CC e deliberaram por unanimidade “devido ao facto de não haver ativo nem passivo, dissolver e liquidar a sociedade, produzindo esta decisão efeito a partir da presente Assembleia”; deliberaram, ainda “nomear a senhora AA (...), como responsável pelas dívidas fiscais e depositária de toda a documentação”, tudo conforme ata de fls. 7 vs. a 8 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6 - Pela AP. 1/20…… foi inscrita a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade executada, EQUIPE - ATELIER DE PUBLICIDADE, LDA., tendo sido inscrita oficiosamente em 2013 o cancelamento da matrícula (cfr. certidão permanente de fls. 383 a 385 dos autos de execução apensos).
7 - Em 28.01.2016 foi proferido nos autos de execução apensos despacho nos seguintes termos: “Nos termos do disposto no artigo 162.° do CSC, a ação prosseguirá contra a generalidade dos sócios, representada pelos liquidatários”.
8 - 0 referido despacho foi apenas notificado à Sr.a Agente de Execução.
9 - Por requerimentos de 30.06.2016 e 13.07.2016 o exequente requereu o prosseguimento da execução quanto à sócia liquidatária AA (cfr. fls. 433 e segs. dos autos de execução apensos)
10 - Em 01.02.2018 foi proferido nos autos de execução apensos o seguinte despacho: “Nos termos do disposto no art.° 162.° do CSC, as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.°, n.°s 2, 4 e 5, e 164.°, n.°s 2 e 5 (n.° 1).
A instância não se suspende nem é necessária habilitação (n. ° 2).
Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (art.° 163.°, n.° 1 do CSC).
As ações necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das exceções previstas no artigo 341.° do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles (art.° 163.°, n.° 2 do CSC).
Em conformidade com regime legal exposto, determina-se o prosseguimento da execução contra os sócios da sociedade extinta.
Notifique” (cfr. fls. 456 dos autos de execução apensos).
11 - Em 12.04.2018, na sequência de pedido de intervenção da Sr.a Agente de execução, foi proferido nos autos de execução apensos o seguinte despacho:
«Requerimento que antecede no suporte informático dos autos (não junto em suporte físico): Como foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 08-03-2017 (P. 449/ 08.0TTCSC.1.L1-4, disponível em www.dgsi.pt): “Tendo no decurso de execução de sentença relativa a créditos laborais, ocorrido a extinção por dissolução administrativa da sociedade devedora, cabe apenas a cada um dos respetivos ex-sócios contra os quais a execução prossegue, sem necessidade de habilitação - provar que não recebeu em partilha bens suficientes para satisfazer a dívida exequenda, uma vez que essa eventualidade é matéria de exceção perentória, tratando-se de factos impeditivos do direito do exequente.”
Perfilhando a jurisprudência citada, determina-se o prosseguimento da execução contra os ex-sócios da executada.
Notifique”.
12 - 0 despacho de 01.02.2018 foi apenas notificado à Sr.a Agente de Execução e o despacho de 12.04.2018 foi apenas notificado ao exequente e à agente de execução.
13 - Foram penhorados em 19.09.2018 à oponente AA as contas de depósitos constantes do auto de penhora de 19.09.2018 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14 - Apesar de penhoradas nenhuma das viaturas foi apreendida. [Aditado pelo Tribunal da Relação].
15 - Após a venda do imóvel, a 26.10.2006 a oponente procedeu ao pagamento de dívida da sociedade no montante de € 20.051,82 (vinte mil e cinquenta e um euros e oitenta e dois cêntimos) ao IGFSS, através de cheque. [Aditado pelo Tribunal da Relação]
16 - A 22/06/2006 a sociedade extinta pagou a dívida que tinha para com a Autoridade Tributária o montante de € 49.902,02 (quarenta e nove mil, novecentos e dois euros e dois cêntimos). [Aditado pelo Tribunal da Relação]
17 - A sociedade extinta pagou de IUC’s, juros e despesas conexas o valor de € 1.871,63 (mil, oitocentos e setenta e um euros e sessenta e três cêntimos). [Aditado pelo Tribunal da Relação]
4- Fundamentação de direito
A questão objecto do presente recurso consiste em saber a quem, em caso de extinção da sociedade executada na pendência da execução, para efeitos do disposto nos artigos 162º e 163º do Código das Sociedades Comerciais, este último de que resulta que os antigos sócios, que procederam à dissolução e liquidação, respondem perante terceiros pelo passivo social não satisfeito até ao montante que receberam na partilha, compete o ónus da prova, i.e., saber se compete ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha ou se compete aos sócios demandados alegar e provar que a mesma não teve lugar, questão que se reconduz a interpretar o regime dos artigos 162º e 163º do Código das Sociedades Comerciais.
Coloca-se tal questão no seguinte quadro factual que, abreviadamente, importa relembrar:
- A execução foi instaurada em 6 de março de 2006 pelo exequente BB contra a sociedade “EQUIPE – ATELIER de PUBLICIDADE, LDA”, por apenso aos autos emergentes de contrato individual de trabalho, com base no auto de conciliação de 7.11.2005 lavrado nesses autos, pelo qual a sociedade se obrigou a pagar ao Autor a quantia de € 15 000,00, em três prestações mensais, o que não fez;
- A sociedade executada era uma sociedade comercial por quotas, de que eram sócios e gerentes, e legais representantes, AA e CC;
- À data da instauração da execução a sociedade era proprietária, além outros bens, de um imóvel sobre o qual incidia uma penhora a favor da Fazenda Nacional;
- O imóvel foi vendido em 22 de Junho de 2006, pelo preço de € 190 000,00;
- Nessa data, 22.6.2006, a sociedade pagou a dívida que tinha para com a Autoridade Tributária, no montante de € 49.902,02;
- Em 30 de Setembro de 2006 reunidos em Assembleia Geral os sócios da sociedade AA e CC deliberaram por unanimidade “devido ao facto de não haver ativo nem passivo, dissolver e liquidar a sociedade, produzindo esta decisão efeito a partir da presente Assembleia;
- Após a venda do imóvel, a 26.10.2006 a oponente procedeu ao pagamento de dívida da sociedade ao IGFSS, através de cheque, no montante de € 20.051,82, tendo a sociedade extinta pago ulteriormente de IUC,s, juros e despesas conexas o valor de € 1. 871,63.
- A dissolução e encerramento da liquidação da sociedade executada EQUIPE - ATELIER DE PUBLICIDADE foi inscrita na conservatória do registo comercial em 22.11.2011 (AP 1/20….), tendo sido inscrito oficiosamente em 22.11.2013 o cancelamento da matrícula.
- Após a extinção da sociedade, no prosseguimento da execução contra a generalidade dos sócios, representada pelos liquidatários, em 19.09.2018 foram penhoradas à oponente AA as contas de depósitos constantes do auto de penhora lavrado nos autos.
De notar, igualmente, por um lado, que no requerimento inicial de oposição à penhora a Oponente afirmou textualmente que “com a venda do imóvel a sociedade executada pagou as dívidas ao estado (na data com privilégio creditório) e outras dívidas, não tendo os sócios partilhado qualquer valor entre si, porque nada houve para partilhar”, e, por outro, que, tendo-se o exequente pronunciado sobre a oposição na resposta que à mesma apresentou a Oponente juntou ao autos documentos comprovativos dos factos provados sob os nºs 3, 15, 16 e 17 da matéria de facto provada -quanto aos IUcs comprovados por documento juntos posteriormente, na sequência de despacho, de 15.1.2019, ordenando a sua notificação para juntar esses documentos que havia antes protestado juntar- e invocar que foram feitos outros pagamentos, nomeadamente o valor de € 25 000,00 a um familiar, emprestados à executada para pagamento de salários, além de outros pagamento a instituições bancárias de que não tem comprovativos que julga estarem na posse do ouro executado ( artº 9º do requerimento inicial da oposição e fls. 27 vº do processo físico).
Sendo esta a factualidade pertinente vejamos agora os aspectos consensuais do regime jurídico da dissolução e liquidação de sociedades comerciais.
É consensual na doutrina e jurisprudência que o regime jurídico da dissolução e liquidação de sociedades comerciais se caracteriza, em traços gerais, pelas seguintes características:
- As sociedades dissolvem-se, entre outros casos previstos no artº 141º do CSC, por deliberação dos sócios ( artº 141º, nº 1, al. b), do CSC).
Neste caso, a vontade dos sócios, discricionária, não vinculada (pois não tem que ser motivada nem referir-se a nenhum facto ou causa especifica de dissolução), e constitutiva, produzindo automaticamente, ope legis, a dissolução, corporizando a manifestação de vontade dos sócios de colocar em marcha a extinção da sociedade, – artºs 141º, nº 1, al. b), do CSC, e 27º do RJPADL, este para ser desencadeado o “procedimento de extinção imediata”, de “dissolução na hora”, que constitui uma “subespécie” da modalidade de dissolução por deliberação dos sócios, em que é possível proceder de forma imediata à dissolução e liquidação - é causa de dissolução automática ou imediata[1].
Todavia, por regra, esta, como as demais causas de dissolução, não opera ipso facto, apesar de a declaração de dissolução fazer cessar logo o exercício da actividade objecto da sociedade.
- Dissolvida uma sociedade comercial mantém esta a personalidade jurídica e entra de imediato em liquidação.
A dissolução só se consuma com o termo do processo de liquidação, quando o conjunto de direitos e deveres que se constituíram à luz da sua personalidade jurídica (que nos termos do artº 146º, nº 2, se mantém), seja extinto[2].
A liquidação é definida por Menezes Cordeiro como “o conjunto de actos que visam por termo ao modo colectivo de funcionamento do Direito, perante uma pessoa colectiva. Em termos práticos, a liquidação implica o levantamento de todas as situações jurídicas relativas à sociedade em liquidação, a resolução de todos os problemas pendentes que a possam envolver, a realização pecuniária (se for o caso) dos seus bens, o pagamento de todas as dívidas e o apuramento do saldo final, a distribuir pelos sócios”.
As finalidades visadas com a liquidação são: quanto aos sócios evitar que as relações sociais quer activas, quer passivas, passem a constituir relações pessoais dos sócios, ou em contitularidade ou individualmente; no que respeita aos credores, obter a satisfação do seu crédito enquanto permanece o ente juridicamente devedor.
isto é,
- Dissolvida uma sociedade comercial mantém esta a personalidade jurídica e entra de imediato em liquidação salvo se houver partilha imediata -por não haver dívidas- ou se houver transmissão global (artºs 147º e 148º), e ainda no caso de liquidação imediata, ou “extinção na hora”, regulada no Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativo de Dissolução e Liquidação de Sociedades Comerciais (RJPADLEC), aprovado pelo D.L. nº 76-A/2006, de 29.3., (Anexo III, artº 27º, nº 1, al. b), e 29º);
- As sociedades não se extinguem automaticamente por via do acto de dissolução, conservando a sua personalidade jurídica até ao momento do registo comercial do encerramento da liquidação (artºs 146º, nº 2, e 162º, nº 2, do CSC);
- Com a extinção, que só se verifica com a inscrição no registo do acto de dissolução, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária;
- A extinção da sociedade não afecta as relações jurídicas de que era titular, estas não se extinguem e passam a ser encabeçadas pela generalidade dos sócios representados pelos liquidatários por sucessão, residindo a razão para tal na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social;
- A declaração, feita na acta da Assembleia Geral, ou instrumento notarial, de uma sociedade por quotas, pelos seus dois únicos sócios, de que a sociedade não tem activo nem passivo e de que não há bens a partilhar, não vincula os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material, que, no artº 371º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos;
- As normas dos artigos 162º e 163º do CSC são mecanismos de protecção dos credores sociais de acordo com as quais os sócios sucedem na titularidade da relação jurídica, embora num âmbito limitado;
- Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam da partilha (artº 163º);
- As acções pendentes, em que a sociedade era parte, continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios representados pelos liquidatários (artº 162º).
O artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais dispõe o seguinte:
Artigo 162.º
(Acções pendentes)
1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, nºs 2, 4 e 5, e 164.º, nºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.
Comentando esta disposição afirma Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1987, pág. 467 e segts, que “a extinção da sociedade não produz a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte; as acções continuam (…). A sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios(…).
O nº 2 do artigo 162º dispõe que a instância não se suspende nem é necessária habilitação. Não é hipótese desconhecida no direito processual vigente; assim determina o artº 276º, nº 2, do CPC para o caso de transformação ou fusão de pessoa colectiva. O liquidatário já funcionava no processo como representante da sociedade e passará a ser considerado representante legal da generalidade dos sócios”.
Se a fase da liquidação não tiver existido a acção prosseguirá directamente contra os sócios (cf. neste sentido, em entendimento que não parece colher unanimidade na doutrina, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.5.2002, Procº nº 02B1609, e de 26-06-2008, Procº n.º 08B1184, e do Tribunal da Relação do Porto, de 3.2.2003, Procº nº 0310015, Relator Sousa Peixoto).
À regra da continuação das acções, declarativas ou executivas posto que a lei não estabelece qualquer distinção, é apontada a maior importância prática: a de impedir delongas seja no tocante à liquidação seja quanto às próprias acções em causa. Este dispositivo é dobrado pela não suspensão da instância e pela desnecessidade de habilitação para fazer a substituição da sociedade pelos sócios.
Em síntese, como se assinala na doutrina[3], “os interesses dos credores e do tráfico jurídico em geral opõem-se fortemente a que a extinção da sociedade acarrete a extinção das dívidas sociais. Ora, permanecendo as dívidas, há que determinar quem responde por elas. Se a sua não detecção na fase de liquidação se ficou a dever a incúria ou a dolo dos liquidatários é possível que estes venham a ser responsabilizados nos termos do artº 158º. Mas a regra geral é a consagrada no artº 163º: a responsabilidade dos antigos sócios”. Assim,
Extinta a sociedade sem estarem satisfeitos todos os credores sociais e prosseguindo, de conformidade com o disposto no artigo 162º do CSC, as acções em que a sociedade seja parte, agora contra a generalidade dos sócios representados pelo liquidatário, o artigo 163º, nº 1, do CSC consagra a regra de que a responsabilidade é dos antigos sócios, que respondem pelo passivo social não satisfeito até ao montante que receberam na partilha (sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada, o que aqui não é o caso).
O artigo 163º do CSC, dispondo sobre o passivo superveniente, estabelece o seguinte regime legal:
“1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
(…)”.
O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. Como explica Raúl Ventura, os sócios têm direito ao salde de liquidação distribuído pela partilha; mas se houverem recebido mais do que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora, à custa dos bens que receberam” (Carolina Cunha, ob. citada, pág. 689).
Sintéticamente traçado o panorama geral da dinâmica da extinção da sociedade comercial constata-se que no caso vertente os sócios da extinta sociedade “EQUIPE – ATELIER de PUBLICIDADE, LDA”, AA, Oponente e ora recorrente, e CC, na deliberação tomada de dissolver a sociedade declararam que tal se deveu ao facto de não haver activo nem passivo.
Isso, porém, como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 12.3.2013, Procº nº 7414/09.9TBVNG.P2.S1., não significa que não houvesse bens para partilhar, e que os dois sócios, que fizeram aquela declaração, não tenham recebido bens do património da sociedade. Tal declaração é da mera responsabilidade daqueles, não representando a acta prova plena quanto a esses factos. Trata-se de uma declaração res inter alios acta, não vinculativa para os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material que, no artº 371º do Código Civil, é reconhecida aos documentos autênticos, provando, por isso, apenas que os sócios assim o declararam mas não a veracidade dos factos declarados.
No caso sub judice está demonstrado que os sócios, entre eles a Oponente ora recorrente, ao deliberar dissolver a sociedade, declarando que a mesma não possuía activo nem passivo, sabiam da existência do crédito do Exequente, da existência de um credor não satisfeito.
Provado também o pagamento de uma dívida à Segurança Social, no valor de €20.051,82, já após a mencionada declaração de dissolução e liquidação em 30.9.2006, com parte do valor recebido pela anterior venda, em 22.6.2006, do imóvel pertencente à sociedade, o que, por sua banda, atesta a existência, à data da referida declaração, de activo da sociedade, daqui resultando que ao declararem, em 30.9.2006, que a sociedade não possuía activo nem passivo os sócios prestaram falsas declarações.
Da factualidade provada resulta igualmente que o imóvel pertencente à sociedade foi vendido, na referida data de 22.6.2006, pelo preço de € 190 000,00, e que, deduzidos os valores em dívida pela sociedade ao Fisco (incluindo IUc´s posteriormente pagos), e Segurança Social (este liquidado após a deliberação dos sócios na origem da dissolução da sociedade), se apura um saldo remanescente de € 118 174,53, cujo destino não foi apurado.
Face à factualidade então considerada provada, depois completada com vários aditamentos pela Relação na sequência do julgamento da impugnação da decisão da matéria de facto, e ao enquadramento normativo enunciado, foi entendimento da 1ª instância, em síntese, que, extinta a sociedade, não sendo a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais ilimitada, sendo o sócio responsável até ao montante que recebeu na partilha nos termos do artigo 163º, nº 1, do CSC, o direito do credor depende da existência da partilha de bens, sendo este um facto constitutivo do seu direito que enquanto tal deve ser alegado e provado pelo autor, nos termos do artigo 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil, daí concluindo que, não tendo o exequente alegado e provado que a ex-sócia, embargante, recebeu bens na partilha, não pode a execução prosseguir quanto ela, julgando, em consequência, procedente a oposição com a extinção da execução quanto à mesma.
Diferentemente o acórdão recorrido perfilhou o entendimento que sintetizou no respectivo sumário dizendo:
“I - Os sócios-gerentes da Executada originária assumiram, por acordo judicial e em nome e representação da dita sociedade uma dívida no montante de 15.000,00 € para com o seu trabalhador e aqui Exequente e, não obstante nunca a haverem satisfeito, foram deliberar a dissolução e liquidação imediatas daquele ente coletivo e aí declarar (falsamente) que este último não tinha passivo, passando assim uma esponja por de cima do dito crédito laborai e também que não possuía ativo, não obstante terem inscrito em nome daquela três viaturas automóveis e terem vendido no dia 22/6/2006 e pelo preço de € 190.000,00 o imóvel onde aquele funcionava e liquidado apenas com tal importância dívidas ao Fisco e à Segurança Social no valor global de € 71.825,47, verificando-se assim uma diferença positiva para a aludida quantia de € 190.000,00 de € 118.174,58.
II - A Oponente deveria não somente ter alegado de forma circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, como depois demonstrado em termos objetivos, fidedignos e fiáveis, conforme lhe exigia o correspondente ónus de alegação e prova que a referida verba de € 118.174,53 havia efetivamente sido consumida na liquidação de dívidas do ente societário e que, nessa medida, não tinha sobrado nada do referido montante, que pudesse ter sido partilhado pelos dois sócios-gerentes.
III - Não foi isso que aconteceu nesta Oposição à Execução, tendo ficado por saber o que aconteceu efetivamente ao valor de € 118.174,53, dúvida essa quanto à realidade desses factos que, nos termos do art.° 414.° do NCPC, se resolve contra quem aproveitaria ou beneficiaria com os mesmos, ou seja, a Apelada.
IV - Sendo assim, não é possível concluir, como pretende a Apelada, que a sociedade não tinha qualquer ativo, na data da sua dissolução e liquidação e de que não foi partilhado entre ambos quaisquer bens ou quantias pecuniárias, pois, no mínimo - e dando de barato os três veículos automóveis da empresa extinta e a muito prolongada e significativa impossibilidade da sua apreensão efetiva por parte do solicitador de execução - existia aquela importância sobrante de € 118.174,53, cujo destino ficou por apurar.
V - A extinção jurídica de tal ente societário e devedor originário do crédito laboral de € 15.000,00 assentou em falsas declarações, quer no respeita à inexistência de ativo, como no que concerne à liquidação oportuna de todo o passivo, declarações essas feitas pelos seus únicos dois sócios e gerentes, o que os faz incorrer, desde logo, na responsabilidade pela liquidação da quantia exequente em causa nos autos, quer por força da aplicação direta artigos 162.° e 163.°, número 1 do CSC, quer em função da aplicação analógica do disposto no artigo 158.° do mesmo diploma legal, para quem não aceite aquela aplicação direta”.
O diferente entendimento das instâncias reflete o entendimento jurisprudencial divergente sobre a questão de saber a quem pertence o ónus de alegar e provar o recebimento pelos sócios de bens ou direitos em partilha na sequência dessa dissolução.
A decisão de 1ª instância inscreve-se na jurisprudência maioritária, sufragada designadamente, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 15.11.2007, Procº nº 07B3960, 23.4.2008, Procº nº 07S4745, 26.6.2008. Procº nº 08B1184, 7.2.2013, Procº nº 978778TVLSB.L1.S1, 25.10.2018, Procº nº 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2, 1.10.2019, Procº nº 4022/06.0TCLSB.L2.S1, nos acórdãos da Relação de Lisboa, de 12.7.2012, Procº nº 1736/09.3YIPRT-B.L1-7, e 24.6.2014, Procº nº 6804/10.TBALM. L1-1, nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 5.7.2012, Procº nº 316/2001.P1, 4.6.2013, Procº nº 5475/11.0TBMTS.P1, 13.1.2014, Procº nº 472/06.0TTSTS-C.P1, 8.1.2015, Procº nº 449/14.1TBMAI. P1, 21.9.2015, Procº nº 639/10.6TTMTS.1.P1, 6.4.2017, Procº nº 1345/14.8T2AGD-A.P1, 18.5.2017, Procº nº 2899/15.7T8LOU.P1, 5.2.2018, Procº nº 3275/15.7T8MAI-A.P1 e 22.10.2018, Procº nº 582/15.2T8PRT.P1, e da Relação de Coimbra, de 5.5.2015, Procº nº 119/14.0TCTB.C1 e 22.3.2011, Procº nº 1447/08.0TBVIS-B.C1, segundo a qual a existência de partilha entre os sócios da sociedade extinta constitui um facto constitutivo nos termos e para os efeitos do regime do artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais, competindo ao credor, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, o ónus da prova de que os sócios receberam bens na partilha da sociedade executada para efeitos de prosseguimento da acção contra os sócios, entendimento que se funda na consideração de que quando os credores sociais demandam os sócios já não é a responsabilidade da sociedade que querem ver reconhecida mas a responsabilidade dos sócios, não lhes bastando, portanto, demonstrar os factos constitutivos do seu direito sobre a sociedade sendo ainda necessário que demonstrem que esse direito foi transferido para os sócios, que no caso estão preenchidos os pressupostos e requisitos legais dessa transferência, os constitutivos do seu direito sobre os sócios, pois são estes que vão ser responsabilizados pela dívida.
Já o entendimento perfilhado no acórdão recorrido, diferentemente, se inscreve na corrente jurisprudencial minoritária, sufragada maioritariamente pela Relação de Lisboa, designadamente nos acórdãos de 9.3.2010, Procº nº 4777/06.1TVLSB.L1-1, 15.3.2011, Procº nº 611/09.9TJLSB.L1-1, 12.6. 20802/07.6YYLSB-L1 e 8.3.2017, Procº nº 449/08.0TTCSC.1.L1-4, segundo a qual, tratando-se de facto impeditivo do direito do exequente ao prosseguimento da execução contra os ex-sócios da devedora, relevando de matéria de excepção peremptória, cabe aos sócios invocar e provar que não receberam em partilha bens para satisfazer a dívida exequenda ou que não receberam bens suficientes para satisfazer a dívida exequenda, e na consideração de que a extinção jurídica da sociedade assente em falsas declarações faz (também, diríamos) incorrer os ex-sócios e gerentes na responsabilidade pela liquidação da quantia exequente em causa nos autos, por força da aplicação directa artigos 162.° e 163.°, nº 1, do CSC (quer em função da aplicação analógica do disposto no artigo 158.° do mesmo diploma legal, para quem não aceite aquela aplicação directa).
Insurgindo-se contra tal entendimento a recorrente contrapõe nas suas doutas alegações que no contexto da acção operada a substituição da sociedade pelos sócios, e estando a responsabilidade destes legalmente definida, cumpria ao exequente, quando requereu a substituição, alegar e provar que os sócios, em concreto a executada, recebeu em partilha activo da sociedade, por se tratar de facto constitutivo do seu direito a obter deles o montante do seu crédito “até ao montante que receberam da partilha”, impendendo sobre ele o ónus da prova de tal facto para efeitos de prosseguimento da acção contra os sócios.
Vejamos:
A execução, de que a presente oposição é incidente, foi instaurada pelo exequente contra a sociedade executada “EQUIPE – ATELIER DE PUBLICIDADE, LDA” com base em título executivo consubstanciado em sentença homologatória de transacção, do acordo alcançado e lavrado em acção emergente de contrato individual de trabalho em que foram partes o exequente e a sociedade, sendo legais representantes desta os seus sócios gerentes AA, Opoente e ora recorrente, e CC.
O título executivo, no dizer do Professor José Alberto Reis, Processo de Execução, Coimbra Editora 1985, Vol. I, pág. 147, pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra.
Na definição de Artur Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora 1977, pág. 14, título executivo é o instrumento que é considerado condição necessária e suficiente da acção executiva, significando isto que na sua presença seguir-se-á imediatamente a execução sem que se torne necessário efectuar qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere, dizendo este autor, ob. citada, pág. 47, que o risco que representa a possibilidade de ao título executivo não corresponder um direito efectivamente existente é coberto pela defesa que a lei permite ao executado exercer em oposição à execução.
Dito de outro modo, o título executivo é “o acto documentado constitutivo ou meramente declarativo de um direito a uma prestação, maxime de uma obrigação[4]”, que certifica, em princípio, a existência de um direito, o qual, porém, poderá ser posto em crise pelo executado em embargos que venha a deduzir à acção executiva.
Por isso se diz, como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal de 7.7.2010, Procº nº 203-D/1999.L1.S1, que o título executivo é o documento que pode, segundo a lei, servir de base à execução de uma prestação, pois que ele oferece a demonstração legalmente bastante do direito correspondente, demonstração que se terá por certa e efectuada se o executado não deduzir, através do meio legalmente previsto para o efeito, os embargos de executado, oposição à pretensão do requerente, ou, tendo-a deduzido, seja julgada improcedente.
Os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença mediante embargos são os contemplados no artigo 729º do Código de Processo Civil, sendo que os embargos à execução, quer entendidos como contestação à petição inicial da acção executiva, quer como uma contra acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, neste sentido, Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, pág. 162, consubstanciam o meio idóneo à alegação dos factos que constituem matéria de excepção. A este propósito, refere Lopes Cardoso, in, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, reimpressão, 1992, pág. 250 “pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção”.
O mesmo se diga, por idênticas, e maioria de razão, no caso de oposição à penhora contemplada no artigo 784º do Código de Processo Civil.
Em suma, na execução de sentença não se cura de obter a declaração judicial da solução concreta para a situação real trazida a juízo pelo requerente. Essa é a função do processo declaratório, o processo de cognição, em que se pede que o “tribunal pronuncie a solução jurídica concreta ao caso submetido a julgamento.
O processo executivo emprega-se para dar realização coactiva às decisões judiciais que dela necessitem não para reconhecer o direito, mas antes para o actuar, para lhe dar execução, salvaguardando-se a possibilidade de o executado, mediante embargos, se opôr à execução invocando factos tendentes a obstar à produção dos efeitos do título executivo, o que constitui matéria de excepção.
Isto para sublinhar desde já a evidência que é dizer que, necessária e forçosamente, o direito do exequente, do credor, se constituiu e existe em momento anterior à execução.
E, retomando a apreciação do caso vertente, à luz do quadro normativo do Código das Sociedades Comerciais, sendo ponto assente que a extinção da sociedade não afecta as relações jurídicas de que era titular, relações jurídicas que subsistem e não se extinguem, dispõe o artigo 162º do CSC que as acções pendentes em que a sociedade seja parte continuam após a extinção, sendo substituída pela generalidade dos sócios, representada pelos liquidatários, nos termos dos 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5, sem que a instância se suspenda ou seja necessária habilitação, solução que, como se disse, radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica (embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social), que decorre automaticamente da lei.
Já quanto à problemática da questão da repartição do ónus da prova o entendimento perfilhado no acórdão recorrido e na corrente jurisprudencial em que se inscreve, com apoio doutrinário abundantemente citado, fundamenta-se na seguinte ordem de considerações e argumentação:
- A única modificação que se verifica é aqui a sucessão ou substituição, da extinta devedora pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, sem necessidade de habilitação destes promovida pelo credor/exequente, sem necessidade, portanto, por parte deste de alegação ou prova dos factos constitutivos da “sucessão” assim operada, e por via da qual os ex-sócios, que, na medida das “forças” do que receberam na liquidação e partilha da sociedade, ficam adstritos à obrigação, à realização da prestação demonstrada e titulada pelo título dado à execução, assumida pela extinta sociedade, e, nessa limitada medida, respondem pelo passivo social não satisfeito “até ao montante que receberam na partilha”, conforme estabelece o artigo 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais;
- A relação que o credor traz à lide, e nesta subsiste, no caso do artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais é aquela que se constituiu com a sociedade extinta, o facto constitutivo do seu direito de crédito é o acordo/transacção celebrado com a sociedade, posto que nenhuma outra, diversa e autónoma, se constituiu com os respectivos sócios;
- E daqui decorre que ao credor social apenas cabe aprova dos factos constitutivos do seu direito sobre a sociedade, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil;
- Correspectivamente, aos sócios cabe invocar e provar (artigo 342º, nº 2, do C.C.), que os credores estão impedidos de obter o ressarcimento total ou parcial do seu crédito sobre a sociedade, por da liquidação e partilha da sociedade não ter resultado qualquer saldo ou saldo suficiente para o efeito, por ser um facto impeditivo do direito do credor, que lhes compete alegar e demonstrar, como, no entendimento perfilhado na corrente jurisprudencial em que se inscreve o acórdão recorrido, sucede no lugar paralelo, no regime da responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas da herança, nas duas espécies de aceitação – a benefício de inventário e pura e simplesmente – a que se reportam os artigos 2052º, nº 1, e 2071, nº 2, ambos do Código Civil -, que para semelhante fenómeno sucessório, para a herança aceite pura e simplesmente faz impender sobre os herdeiros o ónus da prova de que na herança não existe valores suficientes para cumprimento dos encargos, sendo que, salvo o devido respeito, em nosso entender, a objecção de que este regime não é aqui aplicável por a situação da extinção da sociedade e da responsabilização dos sócios pelas dívidas da sociedade na medida dos bens que tenham recebido não colhe, posto que os artigos 162º e 163º não contêm qualquer disposição específica em matéria de ónus da prova.
Foi também entendimento do acórdão recorrido, por um lado, que, “em sede judicial, ao verificar-se que a sociedade tem ao seu dispor os livros, documentos, e demais elementos da escrituração da sociedade, no caso de o ónus da prova estar do lado dos credores (posição dos factos constitutivos)” haverá lugar à “inversão do ónus da prova em virtude de os sócios terem tornado, culposamente, impossível a prova aos credores sociais (344º, nº 2 do CSC) [referência que se deverá a lapso manifesto, querendo referir-se ao Código Civil ] – “pela violação da obrigação decorrente do artigo 157º nº 4 do CSC. Assim sendo, os sócios deverão fazer prova de que não partilharam ativo da sociedade que pudesse ter respondido pelo passivo respetivo”, e, por outro, citando a propósito a dissertação intitulada de “Liquidação societária e a responsabilidade pelo passivo superveniente” de Ana Luísa Miranda Ferreira, que “em casos de fraude ou abuso de direito derivados da dissolução e liquidação imediatas da sociedade suportadas em falsas declarações, ao credor apenas cabe alegar e provar o seu crédito que no caso dos autos, derivou de transação entre as partes na ação declarativa laboral e passou pelo crivo do tribunal do trabalho), recaindo sobre os sócios da sociedade extinta, nos moldes antes referidos, a prova dos factos impeditivos ou extintivos de tal direito”
Sobre esta temática, no quadro da problemática das falsas declarações, que no caso ocorre, defende Carolina Cunha, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IDET, Vol. II, Pág. 634, que “Num procedimento que culminou com a extinção da sociedade: sendo pacífico que os seus créditos não se extinguem “por arrastamento”, junto de quem poderão os credores da extinta sociedade obter, agora, a satisfação das suas pretensões? A resposta mais evidente é a fornecida pelo artigo 163º do CSC, que se tem considerado, entre nós, pacificamente aplicável a situações deste tipo: os credores sociais têm acção contra os antigos sócios. Mas a utilidade deste regime par a satisfação dos credores, é, na hipótese de que curamos, marginal: segundo o disposto no art. 163º, 1, a responsabilidade dos sócios pelo passivo social superveniente tem como limite o montante que receberam na partilha. Ora, justamente a declaração que fundou o procedimento acelerado de extinção do ente societário atestava, igualmente a inexistência de activo, pelo que é frequente os antigos sócios alegarem que nada foi partilhado, assim logrando esvaziar totalmente a sua responsabilidade. Note-se, todavia, que não parece curial que os sócios se possam valer apenas de uma declaração feita por eles próprios e desprovida de fiscalização para demonstrar que nada receberam em partilha -tanto mais que a declaração se veio a revelar falsa no que ao passivo concerne, o que confere um golpe decisivo na sua (já escassa) credibilidade quanto à inexistência de activo. Em termos processuais, portanto, demandados pelos credores ao abrigo do artigo 163º para pagamento do passivo superveniente, cabe aos sócios o ónus de provar, através de outros meios que não a referida declaração, que nada receberam na partilha”.
No mesmo sentido, sobre a questão do ónus da prova em termos gerais, dizendo que “ “se os credores provarem a existência do crédito (facto constitutivo), esta prova demonstra, mesmo que parcialmente, a falsidade da declaração dos sócios da inexistência de ativo e passivo”, o que “ressuscita a ideia de que a sociedade, logo à partida, não poderia extinguir-se através dos processos que supra referimos pela falta de um dos requisitos para o efeito: inexistência de passivo”, defende também Joana Alexandra Carvalho Maia, na dissertação denominada “Dissolução e Liquidação Societária : a (des)protecção dos credores sociais”, que “aos credores apenas deverá ser exigida a prova da relação creditícia que o liga directamente à sociedade (facto constitutivo – 342º, nº 1, do C.C.), i.e., os credores deverão provar a existência do crédito que têm sobre a sociedade e, após a referida prova, caberá aos sócios demonstrar que não procederam a qualquer partilha do activo que pudesse parcial ou totalmente satisfazer o crédito do credor em questão. O facto de não ter existido qualquer activo que pudesse ser partilhado pelos sócios durante a liquidação da sociedade, representa um facto impeditivo (341º, nº 2, do CC) do direito dos credores em satisfazer os seus créditos”.
Foi esse o entendimento do acórdão recorrido ao concluir que a Oponente deveria não somente ter alegado de forma circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, como depois demonstrado em termos objetivos, fidedignos e fiáveis, conforme lhe exigia o correspondente ónus de alegação e prova que a referida verba de € 118.174,53 havia efetivamente sido consumida na liquidação de dívidas do ente societário e que nessa medida, não tinha sobrado nada do referido montante, que pudesse ter sido partilhado pelos dois sócios-gerentes.
Entendimento, quanto à problemática em termos gerais da repartição do ónus da prova, convergente com o voto de vencido exarado pelo Exmo. Conselheiro Pinto Hespanhol no acórdão de 23.4.2008, Procº nº 07S4745, por entender que “não competia à autora alegar e provar que a sociedade comercial empregadora tinha bens quando foi extinta e que tais bens foram partilhados pelos seus sócios, nem que os sócios tivessem realizado as respectivas quotas, sendo que, nos termos do nº 2 do artigo 342º do Código Civil, considerando a conexão desses factos com o direito à reparação invocado, cabia antes aos sócios réus provar a não existência desses bens, a não verificação da sua partilha entre eles e a realização das respectivas quotas, já que revestem a natureza de factos impeditivos da pretensão formulada”.
Cumprindo notar que, comentando o acórdão recorrido, em post publicado no seu Blog do Instituto Português de Processo Civil (IPPC), de 15.7.2020, se pronunciou o Professor Miguel Teixeira de Sousa, no seguinte sentido:
“b) O direito positivo fornece os seguintes dados:
-- No requerimento executivo, incumbe ao exequente alegar os factos constitutivos da sucessão na titularidade da dívida (art. 54.º, n.º 1, CPC); a falta de alegação destes factos constitui o requerimento executivo como inepto (art. 186.º, n.º 2, al. a), CPC);
-- A partir do momento que o sócio executado deduz oposição à execução, é claro que, independentemente da qualificação do facto relativo ao montante recebido por esse sócio, o ónus da prova do fundamento da oposição pertence a este sócio executado.
Nesta hipótese, vale o lugar paralelo dos bens penhoráveis na execução instaurada contra o herdeiro: se a herança tiver sido aceita pura e simplesmente e se o exequente se opuser ao levantamento da penhora, cabe ao executado alegar e provar que os bens não provieram da herança (art. 744.º, n.º 3, al. a), CPC)”.
No caso sub judice, dando-se nota desenvolvidamente do entendimento das instâncias e das correntes doutrinárias em que cada uma delas se inscreve, a questão, salvo o devido respeito, não se coloca, nos exactos termos em que vem suscitada, porquanto, como anteriormente se assinalou, resulta à evidência da matéria de facto provada que, à data da deliberação de dissolução da sociedade, existia passivo e activo, este proveniente da venda do imóvel pertencente à sociedade, com o qual a Oponente, em momento posterior à referida deliberação, procedeu ao pagamento da dívida da sociedade á Segurança Social, sinal evidente de que após a deliberação da dissolução da sociedade os sócios, designadamente a Oponente, ficaram na sua posse com valores pecuniários provenientes desse activo social, “partilha” de facto, portanto, como provado ficou que os sócios receberam bens provenientes do activo da extinta sociedade, mostrando-se, assim, cumprido o ónus da prova que segundo a corrente jurisprudencial do “facto constitutivo” impenderia sobre o exequente, inexistindo, consequentemente, obstáculo ao prosseguimento da execução, na qual, sendo conhecido que da venda do imóvel pertencente à extinta sociedade deduzidos os valores pagos ao Fisco, Segurança Social e IUC´s que ficaram provados, se apura um saldo remanescentes de € 118 174,58 cujo destino não foi apurado mas que a Oponente invoca ter sido consumido na liquidação de outras dívidas do ente societário, lhe incumbe provar nos termos e de conformidade com o disposto no artigo 414º do Código de Processo Civil, como foi entendimento e se decidiu no acórdão recorrido, sendo de notar, de todo o modo, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a matéria em que se funda a divergência da recorrente quanto ao decidido no acórdão recorrido, e em que se fundamenta o único aresto recenseado que respeita a acção executiva, não é directamente transponível para o caso dos autos porquanto se reporta na sua grande maioria a acções declarativas, na sua maior parte posteriores à dissolução das sociedades (sendo numa delas, em que que tal se não verificava, que foi exarado o voto de vencido anteriormente citado).
O recurso é, pois, improcedente.
IV - Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de maio) consigna-se que o presente acórdão foi aprovado por unanimidade, sendo assinado apenas pela relatora.
Lisboa, 28 de Abril de 2021
Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues (Relatora)
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[1] Cf. Código das Sociedades Comerciais em Comentário- Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Códigos, Vol. II, pág. 567-568.
[2] Cf. Código das Sociedades comerciais Anotado, Coordenação António Menezes Cordeiro, Almedina, 2ª Edição, 2014, pág.525.
[3] Cf. Código das Sociedades Comerciais em Comentário – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho – Códigos, Nº 2, pág. 689.
[4] Cf. Jorge Barata e M. Laranjo Pereira, A Acção Executiva Comum Noções Fundamentais, Editora Perspectivas e Realidades, 1978, pág., 17.